Pontas Soltas escrita por sayuri1468


Capítulo 2
Capitulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/779200/chapter/2

O turno da noite sempre foi o seu favorito. Era mais quieto e calmo. Ela podia prestar mais atenção ao seu trabalho e havia pouca fila no refeitório. Para Molly, isso era essencial. 

 

— Então o seu nome é Henry! - falou para o cadáver deitado na maca a sua frente. - Eu sinto muito que hoje não tenha sido seu dia de sorte...ou talvez tenha sido, depende de como era a sua vida, não é mesmo?!

 

Molly preparou os instrumentos e começou a necropsia.

 

— Duas tatuagens, como você é rebelde! - falou Molly de forma sarcástica.

 

Era uma hábito dela: conversar com seus “pacientes”, como ela gostava de chamar. Apesar de várias pessoas do seu trabalho acharem esse hábito um pouco mórbido, na opinião de Molly ela apenas estava lhes dando mais humanidade. Todo o respeito e cuidado que ele dava aos cadáveres é o que diferencia ela de outros patologistas. E essa atitude sempre atraiu o admiração de algumas pessoas.

 

— Então, Henry...se quer uma notícia boa, os seus pulmões são os mais saudáveis que já vi! E isso é muito em se tratando de uma cidade grande como Londres! 

 

— É por que ele não mora em Londres, só morreu por aqui!

 

Molly nem precisava se virar para saber a quem pertencia aquela voz barítona que ecoava pela sala. Depois de três meses sem trocar sequer uma mensagem, Sherlock ainda era capaz de fazer seu coração disparar. Mas esse foi um pensamento que ela não se permitiu ter. O detetive havia desaparecido, mas apenas em sua vida, e Molly sabia o motivo. Sherlock queria evitar falar a respeito da última conversa deles. E, por mais que doesse em seu coração admitir, Molly sabia que era melhor evitar mesmo. Ela ia se machucar, e sabia disso. 

 

— Sherlock! - falou com a voz no tom mais natural que conseguiu - Não sabia que era um caso seu!

 

— Não é! - a voz do detetive estava mais grave que o normal. E Molly sabia que isso só acontecia quando o detetive se sentia vulnerável.

 

— Aconteceu alguma coisa? - perguntou preocupada.

 

Sherlock deu um sorriso torto.

 

— Na verdade, Molly, preciso da sua ajuda!

 

Sim, tudo finalmente voltava ao normal, pensou Molly. Talvez Sherlock apenas estivesse nervoso por eles estarem conversando depois de tanto tempo. Molly sorriu, aliviada. Ela ia facilitar essas pazes.

 

— Claro! O que você precisa?

 

Sherlock entregou uma lâmina de microscópio para a patologista. 

 

— Pode me dar a resposta disso, por favor?

 

Molly fez uma careta involuntária. 

 

— Você é melhor em química do que eu! Microscópio é a sua área! Tem certeza de que precisa de mim pra isso?

 

Sherlock a olhou sério.

 

— Molly, eu não perguntaria para mais ninguém e a sua resposta é a única que importa!

 

Bem, Sherlock sempre teve uma linha de pensamento excêntrica, concluiu Molly, apesar de ainda estar confusa com o pedido. 

 

Sherlock possuía uma inteligência acima do normal, um dos motivos que levou a garota a se apaixonar por ele, mas não o principal. Molly percebeu que Sherlock sempre se mantia estratégico e lógico, levando as pessoas a acreditarem que ele era frio, uma pessoa sem sentimentos. Mas a patologista sabia que isso não era verdade. Ela sabia que Sherlock se esforçava e brigava consigo mesmo para manter essa aparência, pois, na verdade, Sherlock era a pessoa mais sensível que ela já conhecera. Sherlock constantemente se escondia no personagem do frio e calculista detetive, com medo de se magoar e não ser aceito. 

 

Essa vulnerabilidade em um homem tão inteligente, despertou em Molly não só a admiração, mas a vontade de cuidar do detetive. Ela queria abraçá-lo e dizer que aceita e ama quem ele é. Sherlock está sempre cuidando das pessoas, por isso, Molly achava que ele também precisava ser cuidado. E ela aceitaria esse trabalho com a maior alegria do mundo. 

 

Molly sabia o destino dela. Não importava o que, ela iria cuidar dele e fazê-lo valorizar a vida que ele tinha. Mesmo que eles nunca ficassem juntos - decisão que ela já havia aceitado- na medida do possível e do limite que existia no relacionamento entre eles dois, Molly sempre o ajudará, da melhor forma que pode. 

 

E foi porque Sherlock Holmes estava vulnerável e visivelmente ansioso em sua frente, que Molly pegou a lâmina das mãos dele e levou até o microscópio, sem hesitar.



— Está estranho, Sherlock…- começou a patologista, enquanto tentava focar o microscópio.

 

— ….Por que? - a voz de Sherlock saiu falha. Ele parecia muito mais ansioso do que de costume.

 

Molly estreitou os olhos instintivamente. O que quer que houvesse naquela lâmina tinha um formato que ela nunca vira. Estava difícil encontrar o foco. Aos poucos, Molly foi conseguindo compreender a forma.

 

— Parece que tem alguma coisa escrito...parece…

 

Molly parou de falar. Seu coração deu um pulo e ela percebeu que suas mãos tremiam. Ali, bem na frente dela, na lâmina que lhe foi entregue por Sherlock Holmes, estava escrita a frase “Casa comigo?”.

 

Não, ela pensou, não era possível. Não era. Simplesmente, não era. Era só um caso. Era só mais um dos casos estranhos que ele resolvia. Molly respirou fundo. “Cretino”, pensou enquanto sorria de nervoso. Meses sem se falar, nenhuma palavra desde que ele ligou e a forçou a se confessar e agora ele aparece com uma lâmina com um pedido de casamento embutido. O amor era forte, mas a vontade de matá-lo também, concluiu Molly enquanto tentava se acalmar da tempestade interna que a dominava.

 

— E então? - perguntou Sherlock visivelmente receoso.

 

Molly respirou fundo, tentando diminuir um pouco do batimento do seu coração, ainda descompensado.

 

— Parece que a frase foi escrita com tinta! - respondeu sentindo que suas mãos ainda estavam tremendo - Mas há de se admirar o trabalho de quem fez, é muito difícil escrever em uma proporção tão pequena!

 

Sherlock emudeceu e abaixou a cabeça. Seus olhos fitavam nervosamente o chão, de um lado para outro.

 

— Parece um caso interessante, Sherlock! Me conte o resultado dele depois, ok!

 

Molly se afastou do microscópio e, ainda tentando controlar as mãos trêmulas, voltou ao seu trabalho com Henry. Sherlock e Molly permaneceram em silêncio, deixando na sala um clima pesado. Um elefante na sala.

 

— Eu não entendo! Eu achei que seria romântico! No que eu errei? - Sherlock soou confuso, o que fez Molly se sentir da mesma forma.

 

— O que você achou que seria romântico, Sherlock? - rebateu a garota, sorrindo.

 

Não! Ela pensou logo após ter rebatido a fala do detetive. Não! Não era verdade. Impossível. 

 

— Sherlock...isso foi você? - perguntou Molly hesitante e com o coração disparado.

 

Sherlock pareceu meio desconcertado com a reação da patologista.

 

— Eu vi um tutorial no Youtube! - respondeu o detetive, sem jeito.

 

Molly engoliu em seco. 

 

— O que tá acontecendo? - perguntou Molly, mais para uma entidade cósmica do que para Sherlock em si.

 

Sherlock respirou fundo.

 

— John uma vez me disse que se eu tivesse uma oportunidade eu não deveria deixar escapar! Que se eu tivesse uma pessoa que representasse o que Mary representa pra ele, eu deveria agarrar a chance que eu tinha!

 

Molly estava demorando pra absorver o que quer que Sherlock estivesse tentando lhe dizer. A cada palavra dita por ele, a ideia dele dizê-las lhe parecia mais absurda. Não poderia ser uma brincadeira. Molly já havia deixado bem claro que Sherlock teria a ajuda dela, sem depender de qualquer inclinação amorosa por parte dele como moeda de troca. 

 

— Sherlock, isso...não faz nenhum sentido! - disse a garota. - Por que está fazendo isso?

 

— Você disse para eu falar primeiro, e eu disse! Você pediu para que eu falasse como se fosse verdade! Você me conhece melhor do que se dá crédito por isso. Se eu não tivesse falado como se significasse algo, você saberia!

 

Molly sabia ao que Sherlock se referia, o dia em que ele disse que a amava. Mas depois de três meses, o que isso significaria agora para ele, perguntou-se a garota. Por que ele não veio falar com ela antes, por que esse assunto voltou de forma tão repentina? Se Sherlock realmente a amava, por que sempre a colocou de lado esses anos todos?

 

— Eu...sinceramente, não sei o que dizer! - a voz de Molly soou insegura. 

 

— Você disse que era verdade! E eu sei que era verdade!  - Sherlock ainda mantinha o tom de gentileza de quando normalmente falava com Molly, mas a legista podia notar a impaciência crescendo nele - Nós dois sabemos o que você deveria dizer agora!

 

Molly não pode evitar um sorriso. 

 

— Cretino! - falou enquanto ainda sorria.

 

Sherlock também sorriu.

 

— Sabe Molly, às vezes eu sinto a falta de um anel na sua mão!

 

Molly fez uma expressão que denunciava sua confusão perante aquela frase. 

 

— Não lembra? Quando você terminou seu noivado com Tom e me bateu por causa das…

 

Mas Sherlock parou ao ver a expressão confusa de Molly se transformar em um sorriso. Sherlock abaixou a cabeça e sorriu. Molly se lembrava claramente daquele dia, apenas decidiu tirar um sarro dele.

 

— Eu pensei que seria romântico! - justificou o detetive, sem graça.

 

Molly riu e se aproximou de Sherlock, o que fez com que ele recuasse instintivamente.

 

— Pode ficar parado, por favor? - pediu a garota, soando mais como uma ordem. 

 

Sherlock obedeceu prontamente. Molly enlaçou seus braços no pescoço do detetive, se colocou na ponta dos pés e o beijou. 

 

Finalmente, pensaram Molly e Sherlock, ambos aliviados. Sem mais pontas soltas. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pontas Soltas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.