Ponta Tempestade escrita por Adriana Swan


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

As idades de Robert e Stannis foram mantidas, mas a de Renly foi alterada de zero para cinco anos de idade.



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As ondas chegavam fortes, varriam a praia, sujavam as finas areias brancas com destroços, algas e dor. Já fazia cinco dias e corpos apodrecidos ainda chegavam na praia, ainda traziam a Ponta Tempestade vestígios da fatídica noite em que o navio de Lorde Steffon Baratheon naufragou as vistas do castelo. O vento forte e a chuva ocultaram os possíveis gritos naquela noite, assim como esconderam as lágrimas, mas nada disso fora capaz de ocultar os cadáveres que começaram a chegar na manhã seguinte. Um, dois, três, dezenas. Ao fim do terceiro dia aparecera o primeiro e último sobrevivente, o bobo da corte com faces pintadas de escravo, com canções sem nexo sobre chuva, morte e túmulos sob o mar. Esta era a única lembrança viva do grande navio de Lorde Steffon Baratheon.

A praia naquela madrugada estava particularmente mais suja, o sargaço misturado a destroços se amontoava na areia, os dois únicos corpos retirados naquela manhã jaziam podres e inchados afastados da água. Alguns homens estavam espalhados pela praia olhando o mar (como faziam há cinco dias) a espera do que mais as ondas poderiam trazer.

Robert Baratheon andou pela areia decidido. Seu corpo estava dolorido e dormira mal, acordara ao nascer do sol e já sentia dor de cabeça que aliais só aumentara quando o Meistre Cressen viera lhe falar que Renly estava fora de sua cama. Seu irmãozinho Renly era um doce menino de cinco anos de idade e já sofrera o suficiente nesses cinco dias que passara velando o mar pela janela a espera do corpo do pai. A última coisa que uma criança precisava era fugir até a praia e ver os mortos amontoados.

O pequeno Renly estava vestindo suas finas vestes de dormir, finas demais para o vento frio da praia. Estava parado, descalço, com seus frágeis pés afogados na areia e sendo banhados pela espuma das ondas. O rostinho resoluto e os olhos cansados, olhava o mar.

— Renly, eu já disse que não deve vir aqui fora – Robert ralhou cansado. Vivera seus últimos anos no Ninho da Águia com Lorde Jon Arryn e não estava acostumado a lidar com crianças.

— Eu queria ver o mar – o menino respondeu olhando as ondas molharem a ponta de suas vestes.

— O mar está sujo, não é bom para você – falou o mais velho se aproximando do menino.

— Sujo de destroços e mortos podres do navio do papai – o garoto assentiu com simplicidade.

Robert suspirou, aquele não era um assunto para crianças.

— Entre, não quero você aqui fora – disse.

— Eu não quero entrar – Renly reclamou, baixando a cabecinha e brincando com a areia sob seus pés, desanimado.

— Estou mandando – ralhou. Crianças eram teimosas e aquele lugar não faria bem ao caçula. – Entre, é melhor para você. Antes que pegue um resfriado.

— Eu queria ficar com Stannis – o menino choramingou sem querer ter que voltar ao castelo.

O mais velho franziu o cenho.

— Onde está Stannis? – indagou pressentindo que não gostaria da resposta.

O menino ergueu a pequena mãozinha trêmula de frio e apontou um dos homens na praia. Se não fosse o caçula ter apontado, Robert nunca teria notado o irmão do meio que mais facilmente seria confundido com um pescador do que com o filho de um Lorde naquele momento.

Stannis Baratheon era o segundo filho de Lorde Steffon. Dois anos mais novo que Robert, era um rapaz verde de treze anos, alto e esbelto, com um forte senso de moralismo e totalmente desprovido de senso de humor. Naquele momento, o rapaz estava sentado na beira da praia, sem camisa, a calça de tecido grosseiro cheia de areia, o cabelo molhado indicando que devia ter saído da água a pouco tempo. Os braços estavam apoiados nos joelhos, com olhos profundos e vermelhos do sal, olhava o mar.

— Sete infernos – Robert praguejou baixinho ao ver o irmão. Desde que voltara do Ninho da Águia, Stannis tinha lhe dado muito mais dor de cabeça do que o pequeno Renly.

— Senhor Stannis não dormiu no castelo ontem a noite – o Meistre informou se aproximando do caçula com uma manta nos braços, que este recusou, impaciente.

— Vou ficar aqui com Stannis até ele entrar – o garotinho falou, decidido.

— É claro que ficará – falou impaciente se dirigindo a largos passos do local onde o irmão do meio estava sentado.

Apesar da diferença ser de apenas dois anos de idade, Robert não podia ser mais diferente do irmão. Era alto e possuía ombros largos e braços musculosos, conquistados a duras penas em treinos e lutas no mundo alto do Ninho de Águia. Tinha um físico de guerreiro apesar de seus quinze anos, quase dezesseis. Todos elogiavam seu futuro promissor e se continuasse lutando em torneios, logo seria um dos melhores guerreiros dos Sete Reinos. Já Stannis odiava torneios (e seus competidores), tinha o físico esbelto e a pele bronzeada de um homem do mar. Podiam ter quase a mesma altura, mas considerando o corpo musculoso de Robert, Stannis era apenas metade do homem que o irmão mais velho era.

— O que pensa que está fazendo aqui? – indagou sentindo a dor de cabeça aumentar. Stannis conseguia ser três vezes mais teimoso que o irmãozinho de cinco anos. O irmão do meio nem olhou para ele.

— Nadando – respondeu sem lhe dar atenção.

Robert bufou impaciente.

— Você passou a noite inteira aqui? – indagou incrédulo.

— Devo lhe dar satisfações de meus passos? – o outro rebateu olhando para o irmão parado a seu lado de forma desafiadora. Aquilo desagradou ao maior.

— Deve sim – respondeu por entre os dentes. – Há quanto tempo você não dorme?

— Não é da sua conta – respondeu indiferente voltando a olhar o mar.

"De mal a pior", Robert pensou com um suspiro. Tinha total consciência de que havia pelo menos uma dúzia de homens de seu pai na praia (além de Renly e o Meistre) que deviam ter ouvido as palavras do irmão. Se seria Senhor de Ponta Tempestade agora, isso não era nada bom.

— Sou seu irmão mais velho, é da minha conta sim – ralhou. – Volte para o castelo e descanse, já está parecendo doente.

— Você não manda em mim – falou com certa arrogância.

— Sou mais velho, mando. – Robert insistiu sentindo a cabeça latejar de dor, todos os olhares da praia postos nos dois. – Erga-se.

— Para quê? – o irmão franziu o cenho, desconfiado.

— Porque eu estou mandando, caralho – o outro ordenou.

Por um longo momento, fez-se silêncio na praia enquanto os dois se encaravam. Stannis parecia estar pesando cuidadosamente a ordem do irmão, enquanto Robert o olhava de cima, rezando para que o irmão sentado não o obrigasse a ir ao extremo com aquilo.

Stannis bateu as mãos para derrubar a areia e se ergueu, conforme solicitado. Isso nem de longe diminuiu a tensão da situação, uma vez que de pé estava frente a frente com Robert e nenhum parecia disposto a ceder naquele momento.

— Você não manda em mim – Stannis repetiu pausadamente, a raiva se apossando do rapaz.

Robert encarou o irmão de punhos fechados, olhou para o chão onde estivera e voltou a encará-lo.

— Você se ergueu – falou com seu tom variando entre a irritação e o deboche.

— Você se acha muito forte… os músculos são frutos do Ninho? – o mais novo questionou olhando o irmão que tinha o dobro de sua força.

— Frutos de muitos treinos – o outro respondeu. Detestava provocações – e de bater em coisas. E pessoas.

Se Stannis entendeu a indireta soube disfarçar muito bem, já que continuou no mesmo tom.

— E acha que isso me assusta? – perguntou tenso – Eu não tenho medo de você.

— Pois devia, diabos – Robert estourou quase gritando. – Sou seu irmão mais velho, você tem o dever de me obedecer.

Pela segunda vez fez-se silêncio na praia, perturbado só pelo barulho das ondas. Desde que Robert havia retornado do Ninho há alguns meses, tivera diversos atritos com o irmão e tentava ao máximo ignorar a insubordinação do irmão do meio para não terem que ir as vias de fato. Stannis tinha treze anos, era só um rapazinho verde, mas era um rapazinho verde muito irritante.

— Meu irmão mais velho? – o mais novo repetiu – isso não significa nada para mim.

Robert ergueu um pouco os punhos em um ato involuntário. Sentiu uma vontade imensa de bater no irmão, mas tentou se controlar, consciente da pequena plateia que devia estar observando os herdeiros Baratheon a um passo de se engalfinharem como cães raivosos.

— Me provoque de novo e eu juro que… - começou, mas o mais novo interrompeu.

— Você vai o quê? Vai me bater? – questionou com a voz rouca de raiva, muito embora (diferente de Robert) ele não tivesse erguido a voz. – Para mim você não passa de um estranho. Um intruso do Vale.

— Se você não é capaz de me obedecer como seu irmão mais velho – Robert falou como último aviso – então me obedeça como seu Senhor. Sou o Lord de Ponta Tempestade agora e você me deve obediência.

— O corpo de nosso pai nem sequer chegou a praia e Ponta Tempestade já tem um novo Senhor – Stannis concluiu em tom de nojo. – Papai ficaria decepcionado.

— Vá dizer isso para as pessoas que se importam.

— Eu sou um que se importa.

— Você agora é meu vassalo.

— Você para mim não é nada – Stannis respondeu antes de ser acertado por um soco e revidar em seguida.

Os dois irmãos se atracaram em uma série de socos tão alheios aos gritos dos homens ao seu redor quanto eram ao brigar aos seis e oito anos de idade. O resultado também pouco mudara. Foi uma questão de tempo até que Robert (mais forte e mais treinado) jogasse Stannis no chão coberto pela espuma das ondas, onde a água chegava quase a seus joelhos.

— PAREM COM ESSA INSANIDADE EM NOME DOS DEUSES – o Meistre Cressen gritava apelando aos homens que apartassem os dois irmãos.

Com Stannis caído a água o impedindo de se levantar, Robert ajoelhou-se a seu lado e segurou-lhe os cabelos enfiando o rosto dele na água cheia de areia o fazendo se debater em desespero sem conseguir respirar.

— LARGA ELE – a voz fina e chorosa de Renly chegou a eles aos soluços.

Robert ergueu a cabeça do irmão e o deixou respirar.

— Nunca mais você vai me enfrentar, entendeu? – indagou antes de afogá-lo no mar de novo.

— MEU SENHOR, ISSO É UMA LOUCURA MEU SENHOR - Cressen gritava. Os homens se aproximaram dos dois, mas nenhum ousara interferir na briga dos irmãos.

Quando ergueu Stannis pela segunda vez, ele vomitou água salgada e areia que havia engolido e se esforçava para respirar. Robert puxou ainda mais seu cabelo para aproximar o rosto dos dois, Stannis gemeu alto de dor.

— Quem manda nesta porra sou eu – Robert esbravejou. Stannis mal conseguia respirar, quanto mais escutá-lo. – De hoje em diante você vai me obedecer, entendeu?

Sem esperar uma resposta, enfiou a cabeça de Stannis pela terceira vez na água. Caído e atrapalhado pelas ondas, sem conseguir apoio para se erguer, o rapaz se debateu tentando se livrar da mão de aço com que o irmão o segurava, enquanto engolia água em agonia.

— LARGA ELE – Renly gritou mais uma vez se atirando contra o pescoço de Robert para defender Stannis.

Robert tentara usar a mão livre para afastar o caçula, mas o pequeno menino se atirou sobre ele dando socos e pontapés onde seus pequenos braços e pernas conseguiam alcançar, o que obrigou ele a soltar Stannis para poder empurrar Renly com as duas mãos o fazendo cair aos pés do velho Meistre que, desesperado, resolvera ele mesmo separar a briga dos três irmãos. Ao ver a criança caída, Robert sentiu receio de ter empurrado forte demais e ter machucado o menino, então se ergueu num repente, mas ao dar um passo em direção ao irmãozinho, Renly se encolheu assustado se agarrando nas pernas do meistre que o abraçou de imediato para protegê-lo.

Renly estava com medo de Robert.

A ideia de causar pavor em seu irmãozinho caçula o atingiu mais forte que qualquer dos golpes dados durante a briga.

Estava tudo errado, não era assim que tinha que ser. Eram três irmãos órfãos e deveriam cuidar uns dos outros. Devia ser um amigo e orientador de seu irmão do meio que estava na idade de aprender a ser homem e devia ser um pai para o pequeno Renly que tinha apenas cinco anos e precisaria muito dos dois. Era assim que as coisas deveriam acontecer e não os três se matando na primeira desavença.

Robert observou a seu redor. Os homens de seu pai, seus homens, os olhavam admirados, embora nenhum tenha tido a ousadia de tentar segurar seu novo suserano. Meistre Cressen amparava nos braços um pequeno Renly assustado enquanto murmurava preces a Mãe por misericórdia. A praia cheia de destroços estava igual, as ondas batiam na praia de forma igual, mas caído a seus pés, Stannis juntava forças para ficar de quatro, tossindo água do mar que enchera seus pulmões e com areia até pelos cabelos.

Sete infernos, as coisas não deviam ter sido desse jeito.

— Lord Robert – Meistre Cressen falou em tom de súplica – Me permita ajudar Stannis. Por favor, senhor.

Não devia inspirar medo a seus homens, devia inspirar confiança e amizade, fora isso que Lord Jon Arryn lhe ensinara. De repente, Robert se sentia um tanto inseguro.

Mais uma vez olhou para Stannis. O rapaz tentava sentar, seu corpo todo tremia e mesmo a força da espuma das ondas que chegavam a eles parecia o suficiente para vencê-lo e ele caía ajoelhado e com as mãos no chão de novo. Continuava a tossir e vomitou uma grande quantidade de água, o que fez Robert pensar o quão perto estivera de matar o próprio irmão. Ele não ia afogá-lo, não ia, mas aparentemente chegara mais perto do que pensara. Que os deuses tivessem misericórdia.

— Vai me obedecer? – perguntou a Stannis tentando terminar aquilo da forma certa, mas sua voz soou mais insegura do que gostaria.

Se a voz do mais velho soou insegura, o mais novo nem sequer falou. Com o corpo trêmulo e humilhado, o rapaz apenas balançou a cabeça afirmativamente em sinal de submissão diante do irmão. Robert se sentiu um animal, como se precisasse se firmar diante de outro macho em seu posto de alpha através da força. O que fizera?

— Pode ajudá-lo, Meistre Cressen – Robert assentiu sentindo-se subitamente cansado e com a dor de cabeça voltando de onde quer que ela estivesse escondida.

O meistre deixou Renly chorando sozinho e se adiantou para o Baratheon que ele considerou mais precisar dele.

— Aqui meu rapaz – ele murmurou ajudando Stannis a se sentar e cobrindo seus ombros com o manto que trouxera para o caçula – Aqui. Eu ajudo você.

Robert virou-se para Renly que olhava o irmão caído com os grandes olhos escuros cheios de lágrimas. Só então o Lorde de Ponta Tempestade se deu conta do quão traumático tudo aquilo podia ser para a criança. Não bastava ter acabado de perder o pai, agora via os irmãos se matarem um ao outro.

E estava imundo.

— Vem cá, vou te dar um banho – Robert falou tentando parecer amigável e andando em direção ao mesmo. O menino se afastou dois passos. – Não tenha medo, vou cuidar de você.

Renly não resistiu quando o mais velho o pegou com mãos firmes e o colocou no braço como se tivesse três anos ao invés de cinco.

— Vamos tomar um banho e depois você vai voltar para seu quarto e descansar, tá bom? – falou, achando ser a forma correta de agir com uma criança.

O menino nada disse, os olhos grandes fixos no meistre que ajudava seu outro irmão a levantar. Estaria com medo de Robert? Aquele pequeno Baratheon nascera quando o mais velho já estava no Ninho da Águia e até poucos meses nem o conhecia. Era um estranho para ele, um intruso. O único irmão que o pequeno Renly conhecia era aquele que acabara de espancar. As coisas não deviam ter sido assim.

— Sete infernos – exclamou encarando o irmãozinho – serei um pai para você. Eu prometo.


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Notas finais do capítulo

House Baratheon ♥



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