CHRISTIAN

— Mais um quadro terminado – murmurei, dando um sorrindo satisfeito e bastante orgulhoso, à medida que eu encarava a tela à minha frente.

Arrumei meus materiais de pintura, cobri o quadro com um pano e me dirigi até a escada que dava acesso ao andar de cima, onde ficava meu apartamento, desligando antes a luz do meu ateliê.

Tomei um banho para tirar os resquícios de tinta que sempre ficava em meus braços e rosto, após um dia de trabalho, pintando quadros. Depois dei uma boa higienizada no meu packer, pois não o usava para dormir, apenas no meu dia-a-dia.

O deixei secando no suporte sobre a bancada da pia do banheiro e segui de toalha até a cozinha, a fim de caçar algo comestível e rápido para jantar.

Enquanto comia meu macarrão com queijo, a solidão bateu novamente. Era uma sexta à noite e eu me encontrava sozinho, como sempre.

Muitos caras saíam com seus amigos e iam em boates ou em bares, à procura de ter a companhia de belas mulheres, mas a muito tempo eu não tinha ânimo para fazer isso.

Em parte, porque eu era tímido e raramente chegava em alguma mulher para dar uma cantada ou uma flertada com ela. Entretanto, ser um homem trans, também era o que mais pesava em minha decisão de ficar sozinho em uma plena sexta-feira à noite.

Eu estava cansado de levar fora e de ouvir comentários maldosos e cruéis das várias mulheres, assim que as mesmas descobriam sobre meu corpo. Eu nasci menina, mas desde cedo sentia que estava vivendo, agindo e me vestindo do jeito errado.

Aos oito anos, eu me descobri trans e após dois anos de muitas pesquisas e leituras sobre isso, decidi que iria contar para os meus pais. Até então, eles eram bastante amorosos comigo, o que havia me incentivado muito a contar aos mesmos sobre mim.

Todavia, assim que a palavra “Transgênero” saiu da minha boca, a expressão de ambos mudou totalmente. Eles não aceitaram e acabei levando uma surra do meu pai, a fim de que eu parasse de tentar chamar atenção.

Não desisti de mim por causa de uma surra e comecei a me transformar sozinho. Cortei meu cabelo e de brinde ganhei mais uma surra. Comecei então a furtar as roupas do meu irmão mais velho e ia para a escola vestido de menino.

Apanhei e sofri muito bullying no colégio. Meu irmão Joshua, ao invés de me defender, ficava apenas observando os outros me atacarem e me baterem, pois para ele, eu não era mais da família e sim, uma aberração.

O único que eu podia recorrer quando passava por essas coisas era o meu tio Carrick, irmão do meu pai. Ele foi o único da minha família que me apoiou e me ajudou nesse processo de transformação de menina para menino.

Quando a convivência em casa já não dava mais para suportar, foi ele que me acolheu em sua casa e me deu o amor de pai que eu tanto necessitava naquela época. Por causa disso, meu tio se tornou a pessoa mais importante da minha vida.

Porém, eu queria encontrar alguém especial para dividir minhas conquistas e passar o resto da minha vida. Alguém que me aceitasse do jeito que eu era. Mas, todas as minhas tentativas de achar uma mulher foram um fracasso.

De repente, me lembrei do que meu tio havia comentado comigo hoje de manhã, durante uma visita dele, sobre eu procurar um site sério e seguro de relacionamentos e tentar achar a minha cara metade por ele.

Mesmo cético com aquilo, resolvi tentar. Lavei a louça que eu tinha sujado com meu jantar, depois segui para o quarto, vestindo uma cueca e me jogando na cama. Peguei o meu tablet, que se encontrava sobre a mesinha de cabeceira e o liguei.

★ ★ ★ ★ ★

Fiquei horas procurando e pesquisando sites confiáveis de relacionamentos, até que encontrei um, onde senti que eu poderia fazer um perfil para mim. Me cadastrei e fiz o login da conta.

Preenchi meu perfil o mais básico possível, depois fui dá uma olhada nos perfis disponíveis gratuitamente para mim. Os dois primeiros já me chamaram a atenção logo de cara, por causa das fotos, porém a moça do primeiro perfil morava em Los Angeles.

Eu queria alguém daqui de Seattle mesmo e isso me fez prestar mais atenção no segundo perfil. A moça era bem bonita e estava à procura de amizade, namoro casual ou namoro sério. Além de que a mesma se encontrava online naquele momento.

Fiquei interessado naquele perfil e cliquei para dar uma olhada, surpreendendo-me ao ver que não tinha praticamente nada respondido, apenas um “Me mande uma mensagem e descubra...”. Felizmente, havia algumas fotos dela e meu interesse logo se intensificou.

“Será que eu mando uma mensagem para ela?” pensei enquanto encarava a caixa de mensagem.

Respirei fundo, enchendo-me de coragem, então digitei um “Olá, boa noite!” e apertei em “Enviar mensagem”.

— Será que ela vai me responder – murmurei comigo mesmo, olhando apreensivo e esperançoso para a tela do tablet.

Fiquei atualizando a página da minha caixa de entrada de minuto a minutos, até que de repente, vi que tinha uma mensagem recebida na aba do chat.

“Por favor, Senhor, que seja a NattyAnastasia” pedi mentalmente, à medida que eu abria o bate-papo.