Alérgica a Armários escrita por Alice Alamo


Capítulo 1
Shiii, é segredo!




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Ah, querida, eu sou aquela que você come

dentro do armário

em segredo

sem que ninguém mais possa saber

 

Eu sou a pessoa que você finge não conhecer

que você olha e desolha

a quem nem um sorriso pode dirigir

 

Eu sou a pessoa que não pode se aproximar

que precisa manter o silêncio

que não pode desfazer esse seu teatro

 

Sou aquela a quem você elogia

a quem enche de amor

a quem paparica

 

Mas em segredo

dentro do armário

em pensamento

Shiiii, é segredo!

 

É segredo porque você tem que continuar mantendo a pose

Desfilar entre seus amigos que me renegam

Ouvir, apoiar, repetir cada ataque contra mim

É segredo porque você tem que ser “mais um”

Soltar seus comentários ácidos a meu respeito

Apontar cada um dos meus defeitos

Rir pelas minhas costas

 

Eu sou o apoio não dado

os elogios não feitos

as juras que você faz a plenos pulmões dizendo que não conhece

que não gosta de mim,

que nunca chegou perto e que nem vai!

 

Eu sou tudo isso enquanto também sou o seu pedido por mais,

o seu clamor pela continuação do que te ofereço

A sua vinda secreta, na calada da noite, para saber o que há de novo

 

Eu sou a proibida

a que não deve ser aplaudida

a que se deve odiar em público

e com quem se deliciar quando ninguém mais pode ver

 

Sou a amante que te vê passear na rua com a família feliz

e que ri desse teatro tosco por saber o que você faz escondido

Que ouve seu discurso moralista

enquanto empilha prova por prova contra você

 

Não, não se engane

Eu não to aqui para pedir o seu reconhecimento

Eu não ligo para a sua covardia e sua mania de seguir a manada

Não vim pedir por elogios, por defesa,

pelo meu nome impresso no seu peito ou por uma vaga na sua lista

Não fui a primeira pega nessa armadilha nem serei a última

 

Eu já entendi como o jogo funciona

Sei que o brilho dos holofotes sobre mim não é para apreciar o espetáculo,

mas para assistir de camarote minha queda, cada falha, cada deslize que pode e será usado contra mim

 

Ainda assim, você assiste

em segredo, em silêncio

bem como seu amigo, e o outro e o outro também

Todos vocês saindo do mesmo armário

num acordo mudo de que não sabem a verdade

de que nunca souberam

de que a farsa precisa ser mantida

e por isso vão aos berros tecer a crítica da semana

 

Mas sabe…

Eu sou a cortesã que sabe o que faz e como faz

Só isso já me é suficiente

Por isso eu peço, somente, que se cale

Engula essas suas mentiras

Envenene-se com seu próprio ódio gratuito

Poupe-se do teatro

Poupe-me da falsa cortesia

Poupe-nos desse nosso relacionamento tóxico

 

Quer me comer?

Coma!

Não quer contar que comeu?

Não conte, é um direito seu, eu não ligo

Mas limpe a porra da boca antes de difamar o meu nome

porque uma hora isso cansa

E, quando eu cansar,

é você quem vai passar fome.

 

Atenciosamente,

A puta alérgica que não foi feita para permanecer calada no armário

enquanto você bota fogo nele

 

 


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