Uma canção de Sakura e Tomoyo: beijos e despedidas escrita por Braunjakga


Capítulo 20
A mansão de Deus




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Tomoeda, 29 de agosto de 2002

 

I

 

Era começo do meio dia.

Sakura parou na frente da mansão Daidouji e ficou espantada lendo a placa pendurada no portão.

"Vendido – Propriedade da Imobiliária Eren Jäger"

Uma faixa amarela dizendo "mantenha distância – entrada proibida" começava no portão e se estendia ao longo das grades que cercavam o casarão.

A Cardcaptor reparou também que o jardim estava muito mal-cuidado. Ervas daninhas cresciam em volta das árvores e a grama estava muito alta. Folhas secas e mortas estavam espalhadas por toda parte.

Até onde sabia, aquela casa sempre foi o lar da Sonomi e da Tomoyo fazia anos. Nunca esperava ver a casa vendida. Nenhuma das duas havia lhe falado nada sobre isso. Lembrou-se, então, da conversa que o pai teve com a empresária quando se despediram ontem.

— Sonomi, acho que aquele assunto vai ter que ser adiado pra amanhã. Aconteceu muita loucura aqui e tá todo mundo cansado…

— Eu sei, eu concordo, Fujitaka. Tem como você vir meio-dia? Não temos muito tempo, eu já tinha te falado isso… 

— Não sei se vai dar, o Syaoran tá pra ser chamado pra uns testes em Osaka, eles podem ligar a qualquer momento… Eu tenho que acompanhar ele, ele é menor de idade e sou o único que pode representar ele aqui por enquanto… – disse o professor, sorrindo resignado e cabisbaixo. 

— Entendo… de qualquer forma, foi um prazer! Obrigada por tudo. – Sonomi abraçou Fujitaka e Touya como se aquilo fosse uma despedida.

Sakura sentiu uma coisa esquisita dentro de si vendo a cena toda.

A ligação de Osaka veio e o pai foi com Syaoran para a cidade que Kero adorava, no oeste do país. Ele não conseguiria falar com a empresária hoje, mas Sakura talvez conseguisse.

Agora ela estava diante daquela mansão para remarcar o encontro entre eles, esperando se encontrar com Sonomi ou Tomoyo. Parecia que o encontro não seria possível. As duas haviam se mudado e Sakura não sabia de nada. Uma lágrima queimou no olho da menina, teimando em não sair. Segurou as grades, apertou as pálpebras, pensou sair de lá, mas uma força estranha a impedia. De repente, ouviu duas senhoras passando na calçada do seu lado, conversando:

— Essa é a mansão daquela empresária chique que vivia cercada de guarda-costas?

— Sim! Parece que foi vendida! As ações das indústrias Daidouji despencaram na bolsa faz dois meses!

— Tadinha da mulher! Ela teve que dispensar todo mundo quando viu que não ia conseguir pagar os direitos trabalhistas!

— Os credores não gostaram nada disso, exigiram que o juiz declarasse a moratória das fábricas da Daidouji e penhorasse tudo! Nem quiseram saber de um plano de recuperação judicial!

— Que vergonha! Se fosse eu, teria escapado daqui!

— Talvez seja isso que ela fez mesmo… 

As mulheres continuaram a andar, e Sakura ficou como estátua diante daquela revelação. Em que mundo ela estava para não saber da moratória das indústrias Daidouji naqueles dois meses? Lembrou: testando maquiagem na frente do espelho, telefonando para as amigas, trocando cartas com Syaoran, rabiscando frases, corações e desenhando os dois na capa do caderno. Nem tinha tempo para os noticiários. O pai e o irmão estavam sérios no mês passado, e ela não estranhou nada. Ela se lembrou também que Tomoyo estava triste durante o mês de julho inteiro. Não entendeu o porquê, mas também não fez questão de perguntar. Lembrou-se de ter visto Rika abraçada com a parceria, Sakura viu e, desde aquele dia, Tomoyo nunca mais chorou na frente dela. Sakura era só sorrisos e expectativas para a chegada de Syaoran e a parceira parecia fazer coro à alegria dela.

Não, Sakura não teve tempo para acompanhar os noticiários e prestar atenção nos detalhes. Nunca foi boa nisso, sempre foi uma distraída.

Uma sensação ruim subiu na sua garganta lembrando tudo isso e quase desatou a chorar. Quando ia começar, uma mão tocou seu ombro.

— Sakura. – Era Tomoyo. A flor de cerejeira se arrepiou.

— Tomoyo! – gritou a garota. – Como é que você faz uma coisa dessas comigo!? Por que não me falou antes que você e sua mãe tavam na pior? Eu fiquei sabendo pela boca do povo, sua feiosa! – Sakura apertou o ombro de Tomoyo e ficou dando socos no peito dela, até que não aguentou mais e chorou as lágrimas que queria chorar há horas. Tomoyo a abraçou com força.

— Vamos aqui no parque do pinguim, eu explico tudo…

 

II

 

Um carrinho de sorvete da confeitaria Tirol passava na frente da estátua-escorregador do parque do pinguim. Um monte de crianças seguia o moço do picolé, disputando para ver quem seria o primeiro a colocar aquelas moedinhas de iene na mão dele.

Tomoyo esperou que todas as crianças pegassem o seu para pegar o dela também. O moço abriu a tampa do carrinho e a costureira apontou, para ver qual Sakura queria. Ela escolheu um de morango. Tomoyo ficou com o de baunilha. Depois, as duas voltaram a se sentar no banco, olhando para a imensa estátua que dava nome para aquele parque. Até mesmo adultos cabiam naquela língua enorme que terminava na caixa de areia.

— Se lembra, Sakura, quando a carta "força" tava tumultuando? – disse Tomoyo, terminando o picolé.

— Ela virou o rei pinguim de ponta cabeça, né? Daí você tirou uma foto minha com aquele troço enorme nas minhas costas! Fiquei morrendo de vergonha! – disse Sakura.

— Eu ainda tenho a foto, tá? Só pra te avisar que posso te envergonhar ainda mais! – As duas gargalharam. 

— E pra que diabos você queria aquela foto, hein?

— Eu sempre gostei de tirar fotos suas… 

As duas se calaram. Sakura estava com medo onde aquela conversa ia chegar. Tomoyo continuou:

— Inclusive eu tenho uma sua com o Yukito aqui no parque, você nem desconfia!

— Uma foto minha aqui com o Yukito!? – Sakura arregalou os olhos.

— Ele deu um abração em você e fez carinho na sua cabeça!

— É mesmo! Hoe! Isso faz tanto tempo… O Touya foi falar pro Yukito que eu gostava dele. Eu corri pro quarto envergonhada e o Yukito me chamou pra conversar, daí a gente veio parar aqui… hanyan! – Sakura fechou os olhos e segurou a bochecha sorrindo, lembrando da cena. – Você não sabe como ele foi gentil comigo naquele dia…

As duas continuaram caladas. Tomoyo tornou a quebrar o gelo:

— Tantas recordações que a gente nem quer se lembrar mais, né? Faz bem a gente deixar isso aqui um pouquinho, conhecer novos ares… 

Sakura nem conseguiu comer todo o picolé. Derrubou ele na hora e desabou em lágrimas, esfregando os olhos com as mãos. Estava trêmula e parecia que estava sufocada. 

— Você pensa que esse mês tá sendo fácil pra mim, é? Quase tentaram me matar, o Shoran-kun me coloca contra a parede, você me coloca contra a parede, e agora isso! Você vai sair pra longe, é isso que você quer dizer?

Tomoyo, resignada, nem conseguia mais chorar, nem conseguia chegar perto de Sakura, pois tinha medo de Syaoran achar aquilo ruim. Mesmo assim, não conseguia esconder a voz embargada e o nariz fungando a todo instante.

— Eu já disse pra você, não foi? Perdemos tudo, Sakura! Faz quase um ano que as nossas fábricas foram sabotadas na China, a produção caiu e nossa margem de lucro diminuiu. Não tinha mais produção. Sem perspectiva de recuperar, os investidores nos abandonaram e começaram a vender nossas ações à preço de banana. A gente terminou ficando sem dinheiro pra comprar equipamentos, isso é caro, tem que importar da Alemanha… Além disso, um dos nossos diretores vendeu nossas fábricas pra um fundo abutre na Espanha… Minha mãe teve que pagar quarenta bilhões de ienes, tudo tirado da massa falida das empresas, inclusive nossa casa…

— Quarenta bilhões de ienes! Hoe! – Sakura soltou um grito de espanto.

— O pior de tudo era que eles eram sócios do meu pai, disseram que ele faria o mesmo no nosso lugar, mas eu acho que é essa nova Ordem do Dragão que está por trás disso tudo, por trás da sabotagem das nossas fábricas… Minha mãe quer ir pra Europa, pra investigar isso direito… Quem sabe tentar recuperar nosso dinheiro na justiça… 

— Mas será que não dá pra ver isso daqui mesmo não?

— E a humilhação, Sakura? Minha mãe é considerada culpada pela falência da empresa, ela teve que pedir desculpas em público pros acionistas, até mandaram ela fazer o seppuku… 

— Se-se-seppuku!?

— Sim. Não tem outro jeito. Isso vai ter que ser resolvido na Espanha mesmo, os tribunais são de lá, só vivendo na Europa pra recorrer na justiça deles… Se fosse no Japão seria mais fácil… Mas também acho que não… 

Tomoyo se calou, Sakura também. Depois, a morena continuou:

— De qualquer forma, minha mãe já acertou a documentação e já tá com carta de encaminhamento, um amigo nosso ajudou… Ela tá ansiosa pra começar a vida nova… – Com dificuldade, continuou. – E eu também… 

— Mas…Mas… Vida nova na Espanha, Tomoyo? Eles falam espanhol, não é? A gente não aprende isso na escola!

— Fiz uns três meses de espanhol por fora, dá pra me virar por enquanto… – disse a costureira. À medida que Tomoyo falava, rios de lágrimas escorriam dos olhos de Sakura. Era como se cada vez que ela falava, elas se distanciavam mais e mais. A voz de Sakura também estava muito trêmula.

— Você vai me dar seu telefone, né?

— Lá é diferente, Sakura, meu número daqui não pega lá. Vou ter que fazer um novo… 

— Mas você vai me passar ele pelo seu e-mail, não vai?

— Não, Sakura… 

— Então me manda uma carta com seu endereço lá!

— Não vou mandar, Sakura, você não entendeu? Eu ainda nem sei onde vou morar… 

A última fala de Tomoyo deixou Sakura profundamente magoada. Chorou um pouco, tossiu e só depois conseguiu falar:

— Nunca mais vou te ver, Tomoyo, é isso?

— É melhor assim… O Syaoran-kun talvez não goste disso… Porque ele sabe que eu te amo, porque ele sabe que eu te amo muito… Não sei se ia ficar bem trocar cartas com você… 

— Você é uma idiota! Você é uma idiota mesmo! – Sakura foi do choro à fúria num instante. Levantou-se do banco e berrou com a amiga querida.

— Me dá um tempo, Sakura! Me dá um tempo, tá? – Tomoyo também berrou. – Eu perdi tudo! Vou ter que me mudar, deixar meus amigos de lado, deixar você de lado pra viver numa terra onde eu não conheço nada, nem ninguém, onde eu nem mesmo sei falar do jeito deles! Vou viver uma vida que eu nunca vivi! Já pensou no desconforto disso? Agora você não! Você vai continuar tendo suas amigas, nossas amigas do seu lado e seu pai! Você tem seu irmão, tem o Yukito, o Kero, você tem seu namorado e eu não vou ter ninguém, só minha mãe! – Apesar de não parecer, Tomoyo se segurava para não chorar. Sakura agarrou o ombro dela com força e soltou um berro na cara dela:

— E você fica onde nisso, Tomoyo? Você é tão egoísta assim? Você acha que você não significa nada pra mim não, é?

Dessa vez, a garota de olhos púrpura se sentiu tão bloqueada que não conseguiu falar mais nada. Só baixou a cabeça, e Sakura colocou a mão no queixo da parceira para que elas continuassem se olhando.

— Me desculpa! Eu só acho que eu não devia ser mais sua amiga! Amiga não sente o que eu sinto por você aqui dentro, sabe? – Tomoyo quase chorava, mas se segurou.

— Eu também te peço desculpas, por eu não te amar como eu deveria… E também por isso…

— Por isso o quê?

Sem nem esperar por aquilo, Tomoyo foi beijada por Sakura. Sakura beijou Tomoyo nos lábios, por livre e espontânea vontade. Um beijo longo, profundo e demorado.

Algumas pessoas que passavam por lá desviaram para evitar que os filhos vissem aquilo. Outros nem ligaram e houveram aqueles que pediram ajuda de um guarda urbano para parar com aquela cena.

— Com licença, senhoritas, ninguém tem nada a ver com a vida privada de vocês! Parem com isso!

— E você tem muito menos a ver com a nossa! – respondeu Sakura.

— Se quiserem fazer isso, que façam em suas casas, longe das famílias que passam por aqui! 

— A gente também tem família, seu guarda! – disse Tomoyo. O guarda, irritado, deu sua última cartada:

— Vocês estão violando a moral e os bons costumes! Fora daqui! As duas!

Sakura agarrou a mão de Tomoyo, como se fosse namorada dela, e mostrou a língua para o guarda. Andaram alguns metros para fora do parque e aquela tristeza toda de antes virou uma grande gargalhada.

— Você viu a cara dele? – perguntou Sakura.

— Eu vi sim! Eu vi sim, acho que ele queria prender a gente, multar, sei lá! –  As duas gargalharam mais ainda. Andaram mais um pouco até parar num cruzamento. A tristeza voltou de novo para os rostos delas. Sakura precisava acompanhar o pai e Syaoran no teste dele em Osaka. Tomoyo precisava ir para o aeroporto. O voo dela sairia no final da tarde.

— Eu acho que isso é um adeus, né? Tudo bem, eu te entendo, eu vou deixar você em paz, colocar as coisas em ordem… Mas eu vou esperar, eu vou te esperar…

— … Eu vou voltar um dia, Sakura, quem sabe não é você quem vai parar no meu novo lar? O mundo dá muitas voltas…

As duas buscavam um jeito de soltar as mãos. Resolveram então esticar seus braços, afastando-se uma da outra.

— Eu te amo, eu te amo muito, Sakura.

— Eu também te amo muito, Tomoyo.

As duas mãos continuaram grudadas no ar até se soltarem na altura do dedo anelar. Quando isso aconteceu, foi como se o tempo tivesse parado. As duas mãos ficaram congeladas no ar, em sinal daquele adeus.

Tomoyo continuou caminhando. Chegou nas margens do rio Tomoeda, sentou e chorou, chorou todas as lágrimas que não chorou na frente de Sakura. 

 

Continua… 

 


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