O Segredo da Capital do Oeste escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 8
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Adivinha quem decidiu postar capítulo novo em plena quinta-feira às 3 da tarde? Eu. Fui pagar as contas, lembrei das minhas obrigações mensais, e cá estamos nós :v
Vou ser bem sincera: mal posso esperar pra terminar essa história ASHAUSHAU



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— Magia? Credo, Andressa. De onde você tira essas coisas?

Andressa conteve um suspiro. Ela não deveria ter esperado uma resposta diferente da mãe – afinal, devia ter herdado seu ceticismo de algum lugar –, mas não conseguiu evitar uma pontada de decepção. Havia passado a noite anterior inteira tentando descobrir se já percebera uma marca de nascença igual à sua na mãe, ou se mais alguém de sua família já comentara sobre algo parecido, mas não conseguira lembrar de nada.

— Sei lá – disse, dando de ombros. – Tem tanta coisa nesse mundo que a gente não consegue explicar, né? De repente é magia, mesmo.

Ela se encolheu um pouco quando a mãe derrubou as panelas na pia com um ruído alto e se virou para encará-la. Bianca Takahashi podia ser tão cética e espirituosa quanto a filha, mas com certeza era muito mais intimidadora.

— Isso parece coisa do seu tio – disse ela, desconfiada. – Você andou falando com ele?

Andressa franziu a testa. Até onde ela sabia, sua mãe só tinha um irmão, e ele morava em outro estado. Ela não falava com ele desde o natal do ano anterior.

— Tio Thales?

— Ele que vivia falando nessas coisas – disse Bianca, sacudindo a cabeça. Estava claro que ela não aprovava tais “coisas”. – Com a cabeça nas nuvens, falando da magia do universo, tudo isso.

Andressa tentou não se sentir ofendida pelo comentário. Ela supôs que era consequência de só ter perguntado à mãe se ela acreditava em magia, do nada, sem nenhum contexto, mas isso parecera preferível a explicar toda a loucura que acontecera nos últimos dois dias.

Ela ficou em silêncio por algum tempo, mexendo na comida à sua frente sem muito entusiasmo. Estava sentada ao balcão da cozinha, comendo um almoço tardio, enquanto a mãe terminava de lavar a louça. A cena já fazia parte da rotina de férias de Andressa; ela e a mãe dificilmente tinham uma refeição juntas, devido aos horários divergentes.

Por fim, Andressa perguntou:

— Meu pai não falava esse tipo de coisa, né?

Bianca emitiu um ruído irritado.

— Se existe alguma magia nesse mundo – disse ela. –, seu pai é a última pessoa que saberia alguma coisa a respeito.

A resposta satisfez Andressa, embora ela soubesse que ainda teria que perguntar ela mesma, só para ter certeza. Por enquanto, ela decidiu focar no tio. Devanear sobre a existência da magia não era exatamente uma confirmação de que ele era um mago, mas era o mais próximo disso que ela obteria da mãe.

— Imaginei – murmurou ela.

Antes que pudesse perguntar mais alguma coisa, seu celular vibrou sobre a bancada e a tela acendeu, anunciando uma mensagem de sua nova melhor amiga, Woodstock-do-pôster-do-Snoopy. Bianca olhou por sobre o ombro bem a tempo de ver a filha se levantar.

— Mais alguém chamando pra sair, aposto – comentou ela. Não havia muita acidez no tom, então Andressa concluiu que não estava em apuros; ela só deu de ombros.

— Férias – disse, à guisa de explicação, antes de largar o prato na pia e seguir na direção do quarto.

De fato, Woodstock estava falando sobre sair para, nas palavras dela, “fazer umas compras”. A mensagem seria aleatória o suficiente mesmo sem a localização escolhida: o Memorial da Resistência, onde, até Andressa sabia, não havia nenhuma loja. Ela encarou a tela por alguns minutos, então suspirou e abriu o guarda-roupa, se perguntando que tipo de roupa deveria vestir para fazer compras imaginárias com uma desconhecida.

***

Se Andressa tivesse que escolher um lugar para um mercado mágico subterrâneo secreto, o Memorial da Resistência não teria sido sua primeira opção. Era muito conhecido, muito movimentado, e, acima de tudo, tinha muita relação com história, algo do qual ela não era particularmente fã. Era difícil imaginar o submundo da magia se misturando com a cultura popular, escondida sob os relatos da invasão do bando de Lampião à cidade.

Por outro lado, era difícil imaginar magia em qualquer lugar de uma cidade como Mossoró, mas ali estava ela. E, depois de ver com seus próprios olhos, Andressa tinha que admitir que o arranjo funcionava. O Mercado era uma tapeçaria viva de cores, tão barulhento quanto qualquer feira não-mágica, e, mesmo assim, ela passara anos visitando o ponto turístico sem saber da existência do local.

Woodstock riu enquanto Andressa encarava, boquiaberta, as tendas coloridas, estendendo-se até onde a visão alcançava.

— É, eu te entendo – disse ela. – Minha reação foi a mesma. Claro, eu era criança, mas nunca fica menos impressionante.

Ao lado dela, Jessé suspirou pesadamente. Ele não parecia tão animado. Seus ombros estavam curvados, e havia sombras sob seus olhos, como se ele não tivesse dormido.

— Uma hora, você acostuma – garantiu ele. – Como eu falei, magia passa a ser uma coisa ordinária.

Por mais que Andressa tivesse passado as últimas vinte e quatro horas desejando que isso acontecesse, ela não pôde evitar pensar que não se incomodaria em continuar deslumbrada pelo Mercado. Enquanto eles caminhavam, havia tanta coisa para ser vista que ela não sabia para onde olhar, desde mercadorias normais como livros e camisetas até pequenos objetos que ela não conseguia identificar, mas que não pareciam nada que ela já tivesse visto. Em um estande, ela notou várias figuras feitas de arame, como as que vira decorando o quarto de Woodstock, e se perguntou se fora ali que ela as havia comprado.

Por fim, Woodstock parou de andar e se virou para Jessé.

— Eu vou lá no Marcos ver se tem alguma novidade – disse ela. – Você vai com ela? Vai lá em Raíssa, acho que é mais barato. – Jessé apenas assentiu, parecendo distraído. Woodstock hesitou um pouco antes de acrescentar: - E talvez seja uma boa falar sobre o que aconteceu ontem. Só a título de informação.

— E talvez seja uma boa falar em termos que eu entenda – murmurou Andressa, mas os outros dois não pareceram ter ouvido.

— Tudo bem – disse Jessé. – A gente se encontra na entrada daqui a, o quê, umas duas horas?

— Se vocês derem sorte e não tiver fila – concordou Woodstock. Ela acenou para Andressa. – Até já, então.

Ela seguiu em frente por alguns metros antes de dobrar à direita, desaparecendo entre os camelôs. Andressa sacudiu a cabeça e se virou para Jessé.

— Por que as pessoas sempre fogem e deixam as outras pessoas pra me explicar o que tá acontecendo? Eu sou uma companhia tão ruim assim?

Jessé riu. O ato pareceu tirar um pouco da tensão em seus ombros, e, ao recomeçar a andar, ele parecia ligeiramente mais relaxado, mais parecido com o rapaz que tentara tranquilizá-la no dia anterior.

— Woodstock tá meio nervosa hoje – explicou ele. – E não é de se admirar, depois de ontem à noite.

Ele contou, de forma resumida, sobre a invasão à oficina. Seu tom ainda era surpreendentemente casual, como se o acontecimento não fosse nada demais, mas uma de suas mãos – a com o anel no dedo médio – estava fechada em um punho apertado enquanto ele falava. Ao fim do relato, Andressa deixou escapar um assobio baixo.

— Caramba – disse ela. – Isso explica por que você parece tão morto.

Jessé abriu um sorriso sem graça.

— Entre outros – respondeu. Antes que Andressa pudesse perguntar o que ele queria dizer com aquilo, ele disse: - Então Woodstock também não explicou o que a gente veio fazer aqui?

Andressa pensou na mensagem de Woodstock.

— Mais ou menos – concluiu. – Ela só me disse que íamos “fazer compras – Ela abriu aspas no ar com os dedos. – E me disse a quantia pra trazer. Devo acrescentar que eu não gosto desse mistério.

— Nah, ela não faz de propósito. Ela só... Tem muita coisa na cabeça – Jessé levantou a mão direita, a que tinha o anel. – Você ainda tá com o anel de Hugo?

Andressa assentiu. Ela já estava se acostumando ao peso do anel em seu dedo, mesmo que ele fosse grande demais e corresse risco constante de cair.

— Mas suponho que eu vou ter que devolvê-lo em algum momento?

— Exatamente – Jessé estalou os dedos na direção dela. – Ou não, na verdade, se ele nunca conseguir a magia de volta, mas...

— A gente tá tentando pensar positivo – adivinhou Andressa. Jessé lhe lançou um sorriso satisfeito. Quando ele sorria, era mais difícil notar as manchas escuras sob seus olhos; fazia com que ele parecesse ridiculamente jovem e despreocupado.

— Exatamente! – repetiu ele. – Então, seria bom você ter seu próprio pantáculo, né? Além disso, usar o pantáculo de outra pessoa nem sempre funciona. A ligação que vocês têm pode, hm, interferir.

Demorou algum tempo para Andressa entender o que ele queria dizer, e por que as pontas das orelhas dele haviam ficado avermelhadas.

— A gente tem uma ligação de Tinder – apressou-se em explicar. – É a mesma coisa que nada.

— Ah, tá. Ótimo – Andressa levantou as sobrancelhas para ele, achando graça, e Jessé sacudiu a cabeça, corando ainda mais. – Enfim, hm, se fosse uma boa ligação, daria certo, também. Woodstock usa o pantáculo do pai dela.  

— Não é que eu odeie ele nem nada assim – disse Andressa, observando a reação de Jessé com atenção. – Mas a gente mal se conhece. De todo jeito, eu gosto de ter minhas próprias coisas, muito obrigada. E vai que o anel tem valor sentimental pra ele, também.

Não que Hugo parecesse se dar bem o suficiente com o pai para aquilo; ela estava pensando em algo na linha de “talvez ele precise do anel para esconder do pai o fato de que perdeu toda a magia”. E, de todo jeito, era só uma questão de tempo até que ela perdesse o anel, frouxo como estava.

— Beleza, então – Jessé apontou para uma tenda a poucos metros de distância. – Vamos ao nosso destino final.

A tenda parecia algo saído de um seriado sobre a Europa medieval. Sob a lona colorida, uma forja funcionava a todo vapor, com funcionários em aventais e equipamentos de proteção correndo de um lado para o outro com metais incandescentes nas mãos e batendo em outros materiais com martelos enormes. O barulho do Mercado era tanto que Andressa não notara o ruído das pancadas antes, mas, à medida que ela e Jessé se aproximavam, elas tornavam quase impossível ter uma conversa sem gritar.

Uma das ferreiras – Andressa supôs que era isso que eles eram, por mais bizarro que parecesse – se adiantou para recebê-los. Ao ser levantada, a máscara de proteção revelou um rosto jovem e simpático, sujo de fuligem.

— Posso ajudar? – Ela perguntou a Andressa. Em seguida, olhou para Jessé e seu rosto se iluminou em reconhecimento. – Oi! Jessé, né? Eu lembro de você. O amigo incendiário da Woodstock.

— Eu mesmo – Jessé lançou um olhar divertido para Andressa, que precisou segurar uma risada. – O amigo incendiário da Woodstock.

A garota riu.

— É, eu lembro – Ela fez um sinal para que eles a seguissem para dentro da tenda. – Seu pantáculo finalmente virou cinzas? Ela me falou que já tava nas últimas.

— Nah, até que ele tá resistindo – Ele indicou Andressa com um gesto. – Eu só vim acompanhar minha amiga.

A ferreira se virou para Andressa, parecendo animada.

— O que vai ser, então? – Quando Andressa apenas retribuiu o olhar, incerta, ela acrescentou: - Eu preciso saber da sua habilidade específica. E, bem, se você quer um anel, um colar, uma moeda...

— Ah. Certo – Andressa hesitou. – Ilusionista, eu acho, e, hm, aceito recomendações.

— Você é nova nisso, né? – observou a garota, não sem gentileza. – Relaxa, a gente te ajuda a escolher – Ela fez um sinal para que Andressa se sentasse e se virou para limpar o equipamento atrás de si. – Então, por onde anda Woodstock? Ela não veio com vocês?

***

— Nenhuma novidade – disse Marcos, balançando a cabeça. – Nem sobre a Tábua, e nem sobre o cara do terno. Acho que ele desistiu.

Woodstock pensou sobre a pessoa que invadira sua casa.

— Acho difícil – murmurou ela.

Marcos lhe lançou um olhar curioso. Ele sabia mais sobre a Tábua de Esmeralda do que a maioria das pessoas, convivendo com Woodstock, mas ela nunca explicara a ele exatamente por que o objeto a interessava tanto. Afinal, a maior parte da história não era dela para contar.

— Tudo bem? – perguntou Marcos. – Você parece meio cansada.

Woodstock dispensou a pergunta com um aceno da mão.

— Nada mais do que o esperado – respondeu. – Valeu, Marcos. Daqui a uns dias eu passo de novo, viu? Fica de olho.

Ela mal esperou pela resposta dele antes de começar a se afastar.

Parte de Woodstock torcia para que o invasor da noite anterior estivesse ligado ao homem de terno; assim, pelo menos eles poderiam dar um rosto para o responsável, e teriam uma ameaça só a considerar – e, àquela altura, ela já passara a considerá-lo uma ameaça. Uma coisa era que outra pessoa estivesse procurando a Tábua paralelamente a Woodstock e Jessé, fosse qual fosse o motivo. Outra completamente diferente era que alguém invadisse a casa de um deles, colocando-os em perigo, e roubasse sua pesquisa. Nem mesmo Jessé poderia encarar isso como uma coincidência.

Ela estava tão distraída e sonolenta que, na confusão do Mercado, não percebeu que um rapaz estava vindo em sua direção até ele esbarrar nela, quase derrubando-a no chão e deixando cair a sacola que segurava.

— Ai, meu Deus! – exclamou Woodstock, se abaixando para ajudá-lo a recolher as coisas. – Desculpa, eu nem tava...

Ela se interrompeu no meio da frase ao perceber de quem se tratava: era Luiz, o amigo malabarista de Jessé, provavelmente a última pessoa que ela esperava ver por ali. Ele pareceu tão confuso quanto ela; encarou-a por alguns segundos e pestanejou antes de dizer:

— Woodstock, né? – Ela assentiu. Estava acostumada às pessoas não lembrarem de seu apelido. Luiz abriu um sorriso nervoso, que era o sorriso normal dele. – Poxa, foi mal aí. Nem vi você nesse monte de gente.

— De boas, eu também nem tava olhando – Woodstock retribuiu o sorriso. – Nem sabia que você frequentava o Mercado. Ou que tinha interesse em mágica... – Ela baixou os olhos para a sacola que apanhara. Através do plástico fino, dava para ver uma capa bem familiar; ela tinha um exemplar idêntico em casa. – Ou na Tábua de Esmeralda.

Luiz deu de ombros, parecendo desconfortável.

— Pois é. Josafá me falou sobre ela, e eu pensei em dar uma olhada. – Ele estendeu a mão na direção da sacola. – Posso?

Woodstock hesitou por uma fração de segundo, mas entregou a sacola a ele. Ela não queria causar uma cena, e imaginou que talvez não fosse uma boa ideia tornar conhecimento público que ela tinha uma extensa pesquisa sobre a Tábua em casa que fora roubada na noite anterior. Claro, se Luiz tivesse alguma coisa a ver com a invasão, ele já estaria ciente desse fato, mas ela não tinha como ter certeza disso... Pelo menos, por enquanto.

Luiz acenou, sem jeito.

— Bem, a gente se vê por aí.

Assim que ele começou a se afastar, Woodstock sacou o celular e procurou o contato de Jessé. Ele atendeu no terceiro toque; era quase impossível ouvi-lo, com o ruído da forja atrás dele.

— Oi?

— Seu irmão costumava falar da Tábua de Esmeralda?

Woodstock quase podia imaginar Jessé franzindo a testa do outro lado da linha.

— Da Tábua? Não, acho que ele não sabia nada sobre isso. Ele teria me dito, se soubesse – Ele hesitou. – Acho que nós não teríamos feito o que fizemos se ele soubesse da Tábua.

Woodstock esticou o pescoço, esquadrinhando a multidão. Luiz ainda estava a poucos metros de distância; ela manteve os olhos fixos nele.

— Quando terminar aí com Andressa, não precisa esperar por mim – disse. – Eu tenho uns negócios pra resolver.

— Você não vai fazer nada idiota, né?

Ela considerou por um momento.

— Não, nada fora do limite da sanidade.

Sem esperar resposta, ela desligou o telefone e começou a seguir Luiz.    


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Notas finais do capítulo

Eu fico olhando pra esses capítulos do comecinho da história, de 6, 7 páginas, e rindo de mim mesma. Os últimos capítulos que eu escrevi têm no mínimo 12 páginas cada :v sofro



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