O Segredo da Capital do Oeste escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Capítulo especial do surto do final do período :v



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Não era a primeira vez que Andressa marcava um encontro na casa de alguém que não conhecia bem, mas era a primeira vez que ela ficava nervosa daquela maneira; afinal, ela não estava indo à casa de Woodstock para encontrar algum garoto que conhecera na internet. Ela estava indo encontrar dois malucos que conhecera no dia anterior para bater um papo sobre magia, e isso era bem mais desconcertante.

Mesmo assim, Andressa decidira que era melhor resolver aquilo o mais rápido possível, e, se isso implicava pegar um Uber até a casa de Woodstock, bem – havia coisas piores.

Ao lado dela no banco de trás, Michelle torcia as mãos, parecendo igualmente nervosa e animada.

— Espero que isso valha a pena perder tempo de revisão – disse ela. Michelle cursava Letras – Inglês na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, e, devido a greves passadas, ainda estava em aula, apesar de já ser final de novembro.  

Andressa, que havia acabado de terminar o segundo ano do ensino médio, fez um gesto com a mão, desconsiderando o comentário.

— Sua revisão vai ficar bem. Isso com certeza vai ser mais interessante.

— Só porque você é de exatas, não quer...

A reclamação de Michelle foi interrompida pela chegada delas ao destino. A casa de Woodstock não ficava longe do colégio onde Andressa estudava, mas ela não fazia ideia de que havia uma oficina por ali. Ela supunha que não era uma informação relevante para uma adolescente de dezesseis anos que não tinha nem carro nem interesse por eles.

Como combinado, Woodstock estava esperando do lado de fora. Ela acenou quando Andressa e Michelle desceram do carro, parecendo animada. Andressa se perguntou se ela achava divertido explicar sobre magia para pessoas completamente descrentes, e quem havia explicado aquilo para ela.

— Michelle, Woodstock. Woodstock, Michelle – apresentou Andressa, sem muita animação. Ela havia avisado a Woodstock que levaria a amiga junto, e Woodstock não pareceu incomodada; ela sorriu, simpática.

— Prazer.

— Igualmente – murmurou Michelle, tímida como sempre.

— Podem entrar. Jessé deve tá vindo aí – Woodstock se afastou para deixá-las passar. – Desculpa a bagunça.

Elas atravessaram a oficina, que realmente era uma confusão barulhenta de peças e engrenagens. Os funcionários, porém, não pareciam ter a menor dificuldade em se localizar. Um deles, uma mulher alta e esguia, interrompeu o trabalho para acenar para elas ao passarem; Woodstock acenou de volta.

— Minha mãe – explicou. – Vem, é por aqui.

Ela as conduziu até uma escada nos fundos da loja, que levava ao apartamento acima da oficina onde Woodstock realmente morava. O local era surpreendentemente bem organizado, ao menos em comparação à oficina pela qual elas havia acabado de passar, e silencioso: o único som era o da televisão, à qual uma menina que parecia ter cerca de treze anos estava assistindo.

Woodstock pareceu se assustar ao ver a menina, mas logo se recompôs.

— Oi, Joana – cumprimentou ela. A menina se virou para acenar para ela. Tinha cabelo castanho cortado na altura dos ombros, e Andressa achou seu rosto vagamente familiar.

— Todo mundo saiu e me mandaram pra cá, como de costume – Ela revirou os olhos. – Porque eu não posso ficar sozinha em casa e comer lasanha de micro-ondas no almoço que nem todo mundo.

Andressa verificou o relógio na parede acima da TV.

— Já são quase quatro da tarde.

Joana deu de ombros.

— Eu acordei tarde.

— Michelle, Andressa, essa é a Joana – disse Woodstock. – Ela é irmã do Jessé, que, por acaso, mora na casa aí em frente.

— E ela tem pais ridiculamente superprotetores que não deixam ela ficar sozinha por uma hora no meio da tarde – resmungou Joana. Woodstock lhe lançou um olhar de reprovação.

— Seus pais têm os motivos deles, Jojo.

— Tá, tá, eu sei – Ela suspirou dramaticamente. – Eu já ouvi esse discurso antes.

— Ótimo. E Jessé?

— Ele saiu com meus pais pra resolver alguma coisa. Acho que foram matricular ele na autoescola. Ele tá se achando só porque tem dezoito anos agora.

Woodstock riu.

— Você é impossível – Ela fez um gesto para que Michelle e Andressa a seguissem, ainda falando com Joana: - Quando ele chegar, diz pra ele ir lá no quarto.

O quarto de Woodstock ficava no final do corredor. As paredes eram de um azul sóbrio, e o único pôster era um bastante antigo do Snoopy, que parecia estranhamente infantil perto do resto da decoração, que era composta basicamente por pequenas figuras humanoides de arame em diferentes poses, do tipo que Andressa vira à venda em feirinhas de artesanato.

Woodstock se sentou na cadeira da escrivaninha e se virou para elas.

— E aí – começou. – Tudo bem? Você teve algum efeito colateral?

Andressa sacudiu a cabeça.

— Não, a menos que você conte confusão crônica como efeito colateral.

— Na verdade, pode ser. Como quando você bate a cabeça com muita força – Woodstock deu de ombros. – Não sei. Não existem estudos o suficiente sobre os efeitos da utilização de magia sem um pantáculo. A maioria das pessoas não, hm, sobrevive pra contar a história. E a maioria das pessoas não se interessa em pesquisar, pra ser bem sincera. Não é como se “medicina mágica” fosse uma área muito explorada.

Andressa se sentou na cama, de frente para Woodstock. Michelle a imitou, assentando-se bem na borda do colchão, como se fosse precisar fugir a qualquer momento. Ela nunca se sentia à vontade em ambientes desconhecidos.

— Não têm um Ministério da Magia, não têm estudos sobre medicina mágica – Andressa fez uma careta. – Como é, a comunidade mágica é uma anarquia?

— A comunidade mágica é pequena – corrigiu Woodstock. – Tecnicamente, nós temos uma instituição à qual precisamos obedecer. É o governo brasileiro.

Andressa conteve o impulso de revirar os olhos.

— Só isso? Não tem mesmo nenhum órgão específico pra população mágica, que é, em vários sentidos, muito mais perigosa, e deve estar em maior perigo? Isso soa meio irresponsável.

— Bem, a maioria dos estados tem uma Assembleia Estadual de Magia. Há uma Assembleia Nacional em Brasília, mas eles não são muito eficientes – Woodstock deu de ombros. – Ninguém tá muito preocupado com você contando pra sua amiga que é maga ou com Jessé usando magia pra fazer truques no semáforo. Eles se reúnem semestralmente e estão mais preocupados com garantir que a gente não entre em guerra nem tente dar uma de Hitler pra cima dos outros.

A informação não surpreendeu Andressa. Contendo o impulso de perguntar se alguma dessas coisas já acontecera antes, ela prosseguiu:

— Tá, entendi. Então, suponho que não existe escola de magia e bruxaria?

— Não, e, no geral, preferimos o termo “magos”. Sabe como é, “bruxa” tem uma conotação meio negativa depois da idade média e tal, e agora é uma coisa completamente diferente, que tem menos a ver com poderes mágicos e mais com crenças pessoais, então...

Woodstock deixou a frase no ar. Ela falava com a mesma displicência que usaria para debater o clima, o que ao mesmo tempo tranquilizava e perturbava Andressa.

— Como vocês aprendem sobre tudo isso? – perguntou Michelle, se pronunciando pela primeira vez desde que elas haviam entrado na casa.

Woodstock deu de ombros de novo. Ela fazia muito aquilo.

— Temos livros de esoterismo e conhecimento passado de boca a boca – Ela olhou para Andressa. – A maioria de nós cresce sabendo. Magia não costuma saltar gerações ou surgir em famílias aleatórias.

Andressa não encontrou o olhar dela. Ela estava pensando que precisava ter uma conversinha com seus pais, e a perspectiva não a agradava.

— Tem também o Mercado – continuou Woodstock. – Você pode conseguir todo tipo de informação lá.

— O mercado – repetiu Andressa. Ela se imaginou entrando no mercado perto de sua casa e pedindo um livro sobre esoterismo, magia e pantáculo. – Tipo, o Queiroz ou o Bom Preço?

— Esses são supermercados – murmurou Michelle. Andressa mostrou a língua para ela. Woodstock disse:

— Não, tipo Mercado, com M maiúsculo. É mais tipo um mercado mágico ao ar livre – Ela fez uma pausa, pensativa. – Só que não é ao ar livre, porque fica embaixo da terra. Mas vocês entenderam o que eu quis dizer.

— Uma 25 de março mágica – sugeriu Andressa. Woodstock estalou os dedos e apontou para ela.

— Pode ser, é. Tipo isso. Dá pra achar informação sobre praticamente tudo – Ela fez um gesto vago na direção da escrivaninha, que estava coberta por anotações. No canto, uma pilha de livros parecia prestes a desabar. – Era pra lá que eu tava indo ontem, quando vi você e seu namorado.

— Que não é meu namorado – observou Andressa. – A gente tinha acabado de se conhecer.

Woodstock levantou as sobrancelhas.

— Bem, ele deixou uma primeira impressão e tanto – Ela sorriu quando Michelle deu uma risadinha. – Aliás, não que seja da minha conta, mas, a título de curiosidade, ele se incomodou em saber se você tinha chegado em casa bem e se eu não tinha, sei lá, te sequestrado?

Andressa piscou, surpresa. Ela havia pensado exatamente a mesma coisa. A afirmação também fez com que ela se lembrasse do que a levara até ali; olhando para o anel em seu dedo, ela disse:

— Então, foi justamente por isso que eu te mandei mensagem. Ele me ligou e, bem, parece que eu tenho um problema a resolver – Ela suspirou. – Ou seja, não vou poder ignorar essa parada de magia, como eu pretendia fazer. Então, pensei que você podia ajudar, já que, bem, você literalmente disse que queria ajudar.

— Vou fazer o possível. O que foi?

— Ele disse que eu extraí toda a magia dele. Basicamente, deixei ele sem nada – Andressa olhou para Woodstock. A expressão dela se tornara séria. – E ele parece estar achando isso preocupante, pra dizer o mínimo. Ele disse que precisa achar um jeito de recuperar a magia.

Por um instante, Woodstock não falou nada; apenas encarou Andressa, parecendo preocupada com a informação. Então, ela soltou um assobio baixo e disse:

— Caramba.

Andressa sentiu o estômago revirar.

— É tão ruim quanto soa? Quer dizer, Hugo parece bem chateado.

Woodstock ponderou por um momento.

— Não é... Inédito – disse, por fim. – Normalmente, é isso que acontece com os Usurpadores, principalmente os que não sabem que são Usurpadores. Não somos chamados de Ladrões à toa.

— Somos chamados de Ladrões?

Ela deu de ombros.

— Toda categoria tem um termo pejorativo, né? Caso se interesse em pesquisar, você vai descobrir que Usurpadores não são muito bem aceitos por alguns grupos.

Ótimo. Então, não só Andressa era parte de uma categoria mágica, como era parte justamente da categoria mágica que era discriminada pelas outras categorias mágicas. Ela desejou não ter ido ao encontro com Hugo.

— Certo – disse ela. – Então, é comum roubar toda a magia de outra pessoa.

— Bem, eu não vou corrigir o uso do termo “roubo”, porque, no seu caso, meio que foi mesmo, então, sim. É possível extrair só uma parte, mas é necessário ter um autocontrole imenso para isso.

— Que eu, obviamente, não tinha – observou Andressa. –, considerando que eu nem sabia o que estava fazendo.

— Exato – Woodstock observou o rosto de Andressa com atenção. – Não precisa se sentir mal por isso. Foi um acidente, e a culpa é noventa por cento dele.

Andressa quis dizer que não estava se sentindo culpada, mas ela meio que estava; Hugo soara tão chateado no telefone que ela não conseguia evitar. Era bom ouvir aquilo de Woodstock, que, ao contrário dela, realmente sabia o que estava acontecendo.

— Como você conseguiu? – perguntou Michelle, surpreendendo Andressa. – Seus poderes, quero dizer.

A expressão de Woodstock se tornou melancólica, e, por um segundo, pareceu que ela não ia responder. Porém, quando falou, sua voz estava neutra:

— No meu caso, foi voluntário – Ela tocou anel que pendia da corrente em seu pescoço. – Meu pai passou a magia dele pra mim, logo antes de falecer.

Michelle pareceu horrorizada por ter tocado no assunto.

— Meu Deus – murmurou ela. – Sinto muito. Desculpa.

Woodstock abriu um sorriso que quase parecia espontâneo.

— Não tem problema. Já faz alguns anos.

— Espera aí – interrompeu Andressa. Ela sabia que estava sendo insensível, mas uma possibilidade nauseante havia acabado de lhe ocorrer. – Ele não faleceu porque te passou os poderes dele, faleceu?

O cenho de Woodstock se franziu de leve.

— Não. Isso não acontece. Magia não é um componente vital do corpo humano nem nada do tipo – Ela pareceu adivinhar no que Andressa estava pensando, e sua expressão se suavizou. – Hugo vai ficar bem, Andressa. Não é um caso inédito, e também não é mortal.

Andressa relaxou um pouco; ela nem havia percebido o quão tensa estivera.

— Certo. Tudo bem. – Ela fez uma pausa. – Por que você pareceu tão preocupada quando eu falei, então?

Novamente, Woodstock demorou para responder, como se estivesse organizando os próprios pensamentos. Ela olhou de relance para as anotações e para a pilha de livros sobre a escrivaninha e disse, sem olhar para Andressa:

— Não foi pela parte de ele ter perdido a magia. Foi mais pela parte de ele querer recuperá-la.

Andressa suspirou.

— Deixe-me adivinhar. Isso seria um caso inédito.

— Até onde eu sei, sim – admitiu Woodstock. Claro, pensou Andressa. Tinha que ser. — Se já aconteceu antes, não há nenhum registro, pelo menos não que eu saiba.

O estômago de Andressa despencou. Ela fez o possível para não demonstrar sua decepção, já começando a pensar no que diria para Hugo. Ela provavelmente diria para ele se virar e dar um jeito sozinho, porque não tinha nada a ver com aquilo, e, depois, passaria os próximos dois meses se sentindo culpada por não ter ajudado. Mas o que mais ela poderia fazer?

— Acho que você não tem como me ajudar, então – disse Andressa, começando a se levantar. – Mas olha, eu agradeço as informações e tudo mais. Você foi bem legal, considerando tudo.

Woodstock ergueu uma sobrancelha.

— Estou ofendida pelo fato de você parecer tão surpresa com isso – Mas ela não parecia nem um pouco ofendida. De fato, parecia ter achado a fala divertida.

— Ela não tem fé na raça humana – informou Michelle. Andressa revirou os olhos para a amiga.

— Deu pra entender o que eu quis dizer. Só tava agradecendo pela ajuda.

— Ah, eu entendi – Woodstock inclinou a cabeça. – Na verdade, talvez eu possa ajudar. É meio que um tiro no escuro, mas talvez seu... – Ela parou no meio da frase ao ver a expressão de Andressa. – Tudo bem. Talvez Hugo queira arriscar.

Arriscar – repetiu Andressa. – De novo, deixe-me adivinhar: é algum tipo de jornada mortal, ou missão suicida, que com certeza não vale a pena.

Woodstock riu.

— Você lê muita ficção, né? – Como Andressa não respondeu, ela continuou: - Não, não é necessariamente uma jornada mortal. Só é longa, beeeeem longa, e tem grandes chances de não dar em nada.

Andressa tornou a se sentar e olhou para as anotações sobre a mesa.

— Tem alguma coisa a ver com isso tudo aí, ou você só tava se adiantando e estudando pro próximo Enem, mesmo?

Woodstock fez uma careta.

— Credo, que Enem, o quê. Isso aqui é bem mais interessante.

— O que é? – perguntou Michelle, se inclinando para olhar as anotações com mais atenção.

— Pesquisa. Sobre um objeto antigo de paradeiro desconhecido.

Andressa ergueu as sobrancelhas.

— Certo. Porque isso é bem específico.

Da sala, veio o som da porta da frente sendo fechada, e de Joana despejando uma torrente interminável de informações sobre o recém-chegado. Andressa reconheceu a voz de Jessé, rindo enquanto respondia à irmã, e, logo depois, ele apareceu à porta do quarto de Woodstock.

Ele não pareceu surpreso ao ver Andressa e Michelle. Ele olhou de uma para a outra, e depois para Woodstock, e disse:

— Então, o que foi que eu perdi?

 


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Notas finais do capítulo

Então, fica a dica. Levem as amigas junto quando forem encontrar com estranhos pra discutir assuntos mágicos obscuros.



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