Doce Promessa escrita por Nah


Capítulo 4
Quatro


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, boa leitura!! ♥



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— Ele vai o que?

Joana não conteve a expressão de estupefação, nem ao menos preocupou-se com o vestido bordô cheio de saias que deixara cair novamente na cama, esquecendo completamente de sua tarefa de guarda-lo.

— Morar em Recife. – Matilda praticamente sussurrou, utilizando de uma almofada florida como escudo.

Já passava do café da manhã quando Matilda e Isabel souberam – espiando o escritório do pai – que Joseph Fretcher concordara em morar em Recife e trabalhar para Manoel. As duas saltaram de animação, agitadas com a ideia do inglês se interessar por uma das três. “Quem sabe, não é mesmo?!”, Isabel dissera, enquanto arrastava Matilda escada acima. E talvez ele soubesse uma ou duas coisas sobre a etiqueta inglesa, sobre bailes e... Ah! Isabel mal podia se conter com ideia de ter um novo rosto pelas redondezas. E que belo rosto, Matilda acrescentou, dando risadinhas com a irmã quando finalmente chegaram ao quarto de Joana. Mas se imaginaram que Joana se animaria tanto quanto elas, mal conseguiam reagir diante do semblante dela.

Agora, encolhidas na namoradeira estampada do quarto de Joana, Matilda e Isabel abraçavam almofadas como proteção, vendo uma Joana boquiaberta.

— Me digam que isso não é verdade.

— Não é verdade. – Isabel logo se prontificou, recebendo uma cotovelada de Matilda. – O que foi? Ela que pediu pra dizer.

— É verdade sim. Ouvimos papai contar para Alfredo.

— Sim, Matilda e eu estávamos indo até a biscoutaria com nossa mãe. Eugênia, a amiga da família, virá tomar o café da tarde, então mamãe quis conseguir uns biscoitos daqueles... Com raspas de laranja... Você sabe quais são. Então...

Joana levou a mão a testa, começando a andar de um lado pro outro pelo quarto, em pura impaciência.

— Diga de uma vez, Isabel!

— Tudo bem, tudo bem. Ouvimos o nome do Sr. Fretcher quando passamos pelo escritório e, claro, paramos para ouvi-lo contar para Alfredo. Papai ofereceu um trabalho permanente na biscoutaria para ele e vai garantir tudo, até mesmo a moradia dele aqui.

Aquilo não podia estar certo. Suas irmãs deviam estar enganadas com o que ouviram. Como seu pai poderia ter oferecido tal coisa? Para Joana já era ruim o bastante a ideia de colocar pedaços de ferro dentro da cozinha. Agora teria que conviver com aquele homem que lhe dava nos nervos? Por sabe-se lá quanto tempo? Não podia ser verdade.

— Por que não está animada?

— Animada, Matilda? Como poderia? Como vocês estão animadas? Aquele homem é um completo estranho.

— Qual o problema? – Isabel disse, soltando a almofada por um momento e erguendo uma sobrancelha ousada em direção à irmã mais velha. O que Joana não estava contando para elas? – Ele não me pareceu tão ruim.

— É verdade. Foi tão cortês aquela noite. Isabel, você viu como ele...

E então Joana mais nada pode entender da conversa das duas, entre gritinhos, risadas e pulos. Até um Dalton preguiçoso se ergueu de seu esconderijo debaixo da penteadeira, para enroscar-se entre as pernas das duas garotas.

Joana ergueu uma mão, em uma tentativa de conter as irmãs, que logo cessaram a empolgação.

— Vocês não podem estar falando sério.

— Mas teremos que ser rápidas se quisermos que ele nos note, um partido desse vai atrair os olhos de toda Recife. Pelo menos temos a vantagem de...

Um ataque de tosse interrompeu a conversa. Matilda se levantou num pulo para dar tapinhas nas costas de Joana, que não sabia como tinha engasgado com o próprio horror ao se dar conta do motivo da animação daquelas duas. O inglês casar com uma das irmãs De Castro? Como se Joana ao menos fosse permitir isso!

— Mas é claro que daremos prioridade para Joana.

Matilda enlaçou seu braço ao de Joana, um olhar de repreensão para Isabel.

— Isso foi um pouco rude, Isabel.

— Somos irmãs. Podemos ser sinceras umas com as outras, não?

— Eu não me importo que me considerem uma solteirona. Não preciso de um marido. – e muito menos que seja ele, Joana acrescentou em pensamento, irritada com o assunto e com o sentimento estranho que isso provocou em sua barriga.

— Nós já sabemos disso, Joaninha.

— Eu juro que se me chamar assim outra vez...

Isabel apenas sorriu seu sorriso travesso, que era provavelmente sua marca desde a infância.

— Ao menos dê uma chance para ele. – Matilda disse e, com Isabel segurando o outro braço de Joana, começaram a conduzi-la para a biscoutaria.

— Vocês não entendem. Ele pode ser um aproveitador, que nosso pai está colocando dentro da biscoutaria.

— Ah. A biscoutaria. Bem, isso não é tão importante. Deixe os assuntos não importantes para nosso pai. Já pensou em como seria seu vestido de casamento?

Não, Joana nunca gastara muito tempo pensando nisso. Mas de que adiantaria acrescentar isso àquela conversa? Isabel e Matilda já estavam presas em seu próprio mundo colorido (ou branco). Deixando as irmãs seguirem na frente, Joana caminhou devagar tentando conter seu próprio impulso de andar mais rápido e confrontar seu pai. Dalton seguia calmamente a sua frente, indeciso entre se agarrar a sua agitação ou esperar pela dona. Mas a agitação logo venceu no momento em que, para a infelicidade de Joana, as três chegaram à biscoutaria no mesmo momento que Joseph Fretcher.

Dalton correu em direção a ele, um aglomerado de pelos dourados pulando e rolando nos pés de Joseph. Joana observou, indignada, Joseph abaixar-se como na noite em que o conhecera, deslizando a mão pelo cachorro, que deleitou-se com o carinho como se houvesse esperado semanas por isso.

— Bom dia, Sr. Fretcher. – Matilda fora a primeira a falar.

— Senhoritas. – Joseph fez uma mesura com a cabeça para elas. – E é apenas Joseph.

Isabel deu um sorrisinho.

— Parece que o Dalton gosta de você.

Joseph voltou seu olhar para o cachorro deitado a sua frente, mas antes mesmo que ele pudesse responder, tudo que se ouviu foi Joana resmungar enquanto passava por eles. Ela não planejava fazer aquele som de desagrado, mas novamente ela não conseguiu se conter. Joana se perguntou vagamente se sempre fora uma pessoa impulsiva ou se era apenas a presença daquele homem.

Erguendo-se de sua posição, Joseph olhou para ela, a observando caminhar para dentro da biscoutaria. Joana retribuiu seu olhar por um breve momento, olhar que nada revelava para Joseph, além de irritação. Se ela soubesse que ele não planejava ir embora, ele pensou, recordando a discussão que os dois tiveram no dia anterior e da decisão maluca que ele tomara no final do mesmo dia. Joseph já podia imaginar a reação de sua irmã em Londres, ao ler a carta que ele escrevera mais cedo, informando que aceitara um trabalho fixo em Recife. Um trabalho fixo não combinava em nada com Joseph e, enquanto vestia-se em um terno naquela manhã, ele se perguntou o que o motivara tanto. E por mais que ele possuísse inúmeras desculpas para dar, no fundo Joseph sabia que havia sido a pergunta de Manoel. “Tem algo que te prenda em Londres?” Manoel dissera, e foi a verdade por trás da resposta que decepcionava e enfurecia Joseph.

Não havia nada em Londres para Joseph. Por certo era seu melhor lugar para fazer negócios, mas isso nunca foi motivo suficiente para fazê-lo ficar por mais de dois meses em casa. Índias Ocidentais, Portugal, toda a Inglaterra, ele já havia perdido a conta de quantos motivos o fizeram arrumar suas coisas e partir. E por mais que Joseph dissesse que era mais fácil assim, que era como ele gostava de levar a vida, Olivia Fretcher sabia exatamente o que motivava o irmão, e talvez apenas ela soubesse. Depois que ela casara com o marquês de Attilburgh e Joseph se certificara de que ele cuidaria bem de sua irmã mais nova, ele percebeu que talvez Olivia não precisasse mais dele. E então não havia mais motivos para voltar para casa. Talvez ele apenas houvesse cansado disso. Pensando bem... Joseph não tinha tempo para isso, para se preocupar com tanto sentimentalismo. Era um homem de negócios e os negócios teriam que bastar.

Interrompendo seus pensamentos e assustando Joseph, Dalton saltou em direção a Joana, quando notou que ela não estava mais por perto. Bem, parece que alguém é capaz de atura-la...

Joana tentou a todo custo ignorar o homem de olhar enervante que atravessava o salão repleto de pessoas naquela manhã afobada. Protegida atrás do balcão, ela tentou começar os trabalhos, quem sabe organizar algumas caixas ou atender clientes. Mas então Joseph cometeu o erro de olhar para ela mais uma vez antes de desaparecer pelo corredor, e Joana simplesmente não conseguia olhar mais nada. Apenas encarava o modo como a testa dele enrugava levemente quando parecia analisa-la, ou como seus lábios se apertavam em uma expressão rígida que mais parecia desagrado ou mau humor, talvez até o mesmo que queimava dentro dela.

— Ele é perfeitamente agradável, não é? – Isabel disse, de repente apoiada no balcão de frente para Joana, quase a fazendo saltar de susto.

Joana olhou para a irmã como se ela houvesse enlouquecido.

— É claro que não.

Aham. – Isabel deu um sorriso astuto. – Você pode detesta-lo e ainda o achar perfeitamente agradável.

— O que? Do que você está... Quer saber, não tenho tempo para ouvir suas besteiras.

E empurrando Isabel, Joana a levou para longe da fila de clientes, para então se ocupar exclusivamente com eles. Assumindo seu melhor sorriso e sua melhor feição, ela, junto com os funcionários da biscoutaria, cuidou com dedicação do desejo de cada um que passava por ali, desde enormes pedidos de biscoitos de milho até uma única simples rosquinha de canela acompanhada de um forte café. Joana poderia passar todo o seu dia assim, mas sua atenção foi roubada no momento em que Manoel entrou na biscoutaria, seguindo para seu escritório.

Ela sabia que não deveria. Não deveria enfrentar seu pai. Deveria permanecer ali e aceitar. Mas se fizesse isso, simplesmente não seria ela mesma, então antes mesmo que pudesse mudar de ideia, Joana seguia o pai, entrando na sala antes que ele conseguisse fechar a porta. Manoel olhou para ela, com a mesma tranquilidade e cansaço que olharia para uma tempestade diante dele, quando quase nada era capaz de abalar aquele homem.

Sentado à sua grande mesa de madeira de carvalho escuro, ele apenas esperou, devolvendo o olhar que Joana lhe dava.

— Por que ofereceu um trabalho fixo aqui para ele?

— Porque eu posso.

Joana até tentou manter a calma, mas a indignação e a impaciência foram mais fortes, e ela desfez os braços cruzados para joga-los ao lado do corpo.

— Papai, como pode confiar tanto nesse homem? O senhor não o conhece o suficiente.

— E quem o conhece? Você? – Manoel bufou. – O conheço o suficiente sim para confiar em meu julgamento.

— O senhor parece que está cego por essa vontade absurda de tê-lo aqui. O que ele tem dito para provocar isso?

Não houve uma resposta. Joana se aproximou um pouco mais da mesa.

— Foi ele, não foi? Ele tem feito sua cabeça com essa ideia de permanecer aqui?

Manoel apenas sorriu, realmente achando graça da desconfiança da filha, enquanto se servia de uma boa dose de licor, que Joana reparou como inconveniente com o horário tão cedo.

— Você nunca entenderá as nuances do mundo dos negócios, Joana.

— Pare de falar comigo como se eu fosse inferior ao seu modo de pensar. – Joana quase esbravejou, apoiando as mãos contra a mesa, repleta de raiva.

A bebida já não interessava mais a Manoel quando ele levantou-se para encarar Joana nos olhos.

— Nunca imaginei que teria uma filha tão malcriada.

— Sou exatamente como o senhor.

Era verdade e ele sabia bem disso. Manoel via tanto de si em Joana que chegava a ser desconcertante, mas nem isso fora capaz de diminuir a sua irritação.

— Joseph Fretcher ficará e trabalhará para mim até quando eu julgar necessário e ninguém vai me fazer mudar de ideia.

Nada que ele dissesse poderia ter expulsado Joana de maneira melhor. Vencida pela revolta, ela deixou o escritório, trombando com Alfredo após poucos passos no corredor. Ela não tinha a menor vontade de falar com ele no momento, mas Alfredo a segurou pelos ombros, avaliando-a.

— Está tudo bem?

— Sim.

— A senhorita não me parece bem.

Joana percebeu que ele agora afagava seus ombros com delicadeza, uma onda de pensamentos desagradáveis da noite em que ele a convidara para dançar surgiram em sua mente, e ela rapidamente se afastou.

— É o inglês, não é? – a expressão de Alfredo mudou em uma fração de segundo, se tornando mais escura. – Também não estou nada feliz com a ideia de tê-lo morando aqui.

Nada feliz nem ao menos chegava perto do que ele estava sentindo.

— O senhor não confia nele?

— É claro que não, Joana. Claro que não. Nunca confiei nas intenções dele. Confidenciando cartas com Manoel por meses, garantindo um lugar permanente na biscoutaria? O que ele pretende? Mas, como sempre, Manoel não me escuta.

Joana apenas assentiu, desesperada por um lugar sossegado em que pudesse ficar sozinha.

— Mas não se preocupe, Joana. Estou do seu lado.

Para seu desespero maior, Alfredo tomou lhe a mão, segurando entre as dele. Era tudo o que me faltava, ela pensou, mas não rápido o suficiente para retirar a mão antes de notar Joseph no início do corredor, analisando atentamente aqueles dois. Como se não pudesse ficar pior!

Joana retirou abruptamente a mão.

— Tenha um bom dia, Alfredo.

Saiu sem mais uma palavra, deixando Alfredo para trás com os piores pensamentos possíveis, observando-a desaparecer. E quando o olhar dele se voltou para Joseph, sua raiva não poderia ser maior. Os dois homens se encararam como um animal encararia sua presa, deixando implícito um embate entre eles. O que estava em jogo? Joseph ainda não tinha certeza, mas Alfredo, sim, sabia muito bem o que queria e pelo que lutaria, a qualquer preço.

Joseph mergulhou em seus números e suas folhas pelo resto do dia, tentando tirar da cabeça a imagem das mãos de Joana e Alfredo entrelaçadas e todas as inquietações que isso trazia. Aquele homem despertava nele o pior tipo de suspeita. Será que Manoel já havia notado? Se sim, como poderia concordar com sua própria filha envolvida com ele? Mas o que Joana fazia simplesmente não lhe dizia a respeito, então Joseph obrigou-se a se contentar com a ideia de apenas ficar de olho em Alfredo Marques.

Apoiado contra a grande mesa onde era feito o corte de massas, Joseph desenhava o esboço do que seria a primeira máquina a vapor que realizaria aquele mesmo trabalho de corte. Já estava próximo do anoitecer e ele não notara quando os funcionários fecharam a biscoutaria, até uma gritaria se instalar no salão da frente, o alarmando.

— Onde ele está? – a voz grossa de um homem gritava.

Joseph abandonou seu caderno e seguiu o barulho a passos rápidos, encontrando o menino Pedro sendo segurado por uma baixa mulher de alguns cabelos grisalhos, ao lado de um homem que talvez fosse tão alto quanto Joseph, mas que carregava o mesmo tom branco de cabelos.

— Aí está o desgraçado!

— O que está acontecendo aqui?

Pedro, que possuía a expressão de maior pânico possível, gaguejou. – São os m-meus pais, senhor. Eu d-disse que...

— Silêncio, garoto.

O homem aproximou-se de Joseph, que em nenhum momento se mostrou perturbado com a confusão, sabendo exatamente sobre o que se tratava.

— Quem o senhor pensa que é para permitir que meu filho saísse por aí, sozinho, sem a permissão dos pais dele?

Joseph apenas cruzou os braços, sabendo que não importava o quanto o ruidoso homem a sua frente protestasse, ele não se arrependeria do que fez.

— Não me parecia justo que o garoto permanecesse trancado enquanto os outros se divertiam, e eu não trabalho bem com injustiças.

O homem soltou uma risada, mas sem nenhum humor.

— É o meu filho, está entendido? Meu. Não seu. O senhor emproado não pode sair do buraco de onde saiu para vir cuidar do que não é seu.

Olhando de relance para Pedro, Joseph pode notar o olhar de suplica do garoto. Mas, para sua surpresa, era direcionado para ele, um pedido mudo de desculpas. Pedro não tinha que se desculpar pelos pais que tinha, e esse era um erro que Joseph conhecia muito bem.

— Já pensou em perguntar o que o seu filho quer?

— O que ele quer não importa. Não venha tentar me ensinar como educar a criança.

— Seu filho não é mais uma criança.

— É um moleque malcriado, que tem que ficar longe de pessoas como o senhor. – o homem se aproximava cada vez mais, tentativa clara de intimidar Joseph. – Então só avisarei dessa vez: fique longe do meu filho.

— Isso será improvável, já que acredito que me dou muito bem com ele.

Joseph notou um meio sorriso de Pedro, antes que o homem avançasse sobre ele, bloqueando sua visão.

— Ora, seu...

Ele até tentou desviar, mas o homem fora mais rápido, se lançando sobre Joseph numa tentativa atrapalhada de lhe transferir alguns socos. Então os dois homens entraram numa luta que não era nada além de desajeitada, com Joseph bloqueando todas as tentativas do grandalhão.

— Papai!

— Luiz, pare com isso!

Mas o homem continuava tentando nocautear Joseph, que começava a perder a paciência que ele nem mesmo tinha. Pedro e sua mãe permaneciam atrás, indecisos com o que fazer, até que um raspar de garganta conseguiu o que nenhum dos protestos deles dois conseguiu. Todos viraram assustados para a figura de Joana atrás do balcão mal iluminado, assistindo toda a cena e tentando desesperadamente não rir.

— Bem, isso foi vergonhoso.

Luiz se endireitou em um segundo.

— Senhorita De Castro, sugiro que não intrometa nessa discussão.

— É mesmo? Então talvez meu pai queira se intrometer na discussão na propriedade dele.

Joana não tinha nenhuma intenção de chamar Manoel, mas Luiz não iria correr o risco, e logo se aproximou para conte-la.

— Não se atreva, garota.

Joana cruzou os braços e encarou o homem a sua frente.

— O senhor que não se atreva a voltar aqui para discutir com um funcionário. Não se atreva a voltar a tratar mal o seu filho. O senhor deveria agradecer que alguém se importa com ele, o que claramente o senhor não faz.

Ela não estava com medo dele, não até ver o modo como ele cerrou os punhos ao lado do corpo. Joana deu um discreto passo para trás, não transparecendo nada, mas Joseph já estava, em um piscar, entre os dois.

— Eu tentei não afundar minha mão nesse seu rosto imbecil em respeito ao garoto, mas se encostar um dedo nela, isso acaba aqui.

A ameaça sussurrada provocou arrepios em Joana que ela tentou não prestar atenção e fez Luiz estremecer um passo.

— Vamos embora daqui. – Luiz ordenou, arrastando a esposa e Pedro junto com ele, não dando oportunidade para o garoto dizer uma única palavra para os dois que deixavam para trás.

Joana e Joseph continuaram ali por longos segundos, imóveis, observando-os partir. Joana foi a primeira a desviar o olhar, notando a respiração irregular do homem a sua frente que, sem o casaco, revelava o subir e descer irregular do peito.

— Não precisava me defender. Eu tinha tudo sobre controle.

Joseph olhou para ela, como se houvesse esquecido que estava ali, mas não disse nada por um momento. Ele tentava assimilar como passara de estar em paz fazendo seu trabalho para ser amassado por um gigante arrogante e então estar diante daquela mulher impossível.

— Não sabia que estava aqui.

— Sempre sou a última a deixar a biscoutaria.

Joseph achou a ideia de Joana percorrendo aquelas ruas ao anoitecer imprudente e desconfortável.

— Vou acompanha-la até sua casa.

— Isso não é necessário. Eu...

Mas ele já havia lhe dado as costas e seguido de volta para a cozinha. Joana encarou a porta, tentando adivinhar se era possível sair antes que ele voltasse, mas aparentemente sua mente não estava trabalhando bem, pois Joseph estava de volta e ela nem ao menos havia se movido.

A noite estava levemente fria, como se para compensar o calor que fizera durante o dia, e Joana abraçou a si mesma enquanto caminhava ao lado de Joseph. Por longos minutos nenhum dos dois ousou dizer uma palavra. Joana se matinha perdida em pensamentos, tentando com afinco desconsiderar o que o modo como ele a defendera lhe causou. Ela não precisava ser protegida. Mas ainda assim...

Após um suspiro, ela olhou para o céu, o chão, até mesmo as construções pouco iluminadas a sua volta, e seu olhar parou sobre o caderno que Joseph segurava despreocupadamente, a outra mão escondida sob o bolso. O que ele guardava ali?

— A senhorita me chamou de funcionário lá.

Joana ergueu o olhar, encontrando o dele.

— Equívoco meu.

Mais um daqueles breves sorrisos. O rosto de Joana aqueceu.

— Então já sabe que ficarei.

Como era possível que ela não soubesse o que dizer e ao mesmo tempo tivesse tanto dentro de si? Joana apertou um pouco mais os braços no momento que chegaram à grande porta do casarão, virando-se para Joseph.

— Isso pode ser divertido para o senhor, mas, acredite, não vou permitir que encoste um dedo naquele lugar.

Joseph encarou profundamente os olhos da mulher a sua frente.

— Não entendo o porquê dessa obsessão com a ideia de que tenho planos para aquele lugar.

— Não confio nas suas intenções.

— Sim, a senhorita deixou isso bem claro.

Joana olhou em volta quando notou rostos curiosos na direção dos dois, que não notaram que a conversa havia ganho um tom caloroso até demais. Ela se afastou um pouco mais, diminuiu o tom de voz um pouco mais.

— O senhor não poderia ter aceito tão fácil morar aqui sem intenções.

Joana pôde notar que algo mudara nele, uma sombra no olhar. Joseph ficara mais sério, se isso fosse possível, e por um momento ela se arrependeu de ter começado aquilo.

— O que faço ou deixo de fazer não é da sua conta, senhorita. – o tom duro na voz dele roubou todas as palavras de Joana.

Então eles se encararam tão duramente quanto as palavras dele. Se encararam com tamanha intensidade que Joana ousou acreditar que nunca olhara para alguém daquela forma e ela desejou com desespero acabar com aquilo, mas Joseph foi mais rápido.

— E mais uma vez, é apenas Joseph.

E partiu, deixando Joana o encarando desaparecer na noite. Ela encostou-se à porta de madeira, permitindo que sua cabeça também caísse contra a porta, tendo certeza que se algum dia ela chegasse a chama-lo de Joseph algo estaria errado com ela.

Só que Joana já acreditava que havia algo muito, muito errado com ela.


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