Doce Promessa escrita por Nah


Capítulo 20
Vinte


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♥



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Mais cedo, enquanto encarava o ferro derretido do que um dia fora as máquinas da biscoutaria, Joseph sentia algo começar a implicar em sua mente. Uma inquietação que lhe pesava o peito e ele se viu cerrando os punhos, fúria crescente. Apenas um piscar de olhos e quase podia ver o passado diante de si mais uma vez.

Porque Edward Fretcher sempre encontraria um jeito de arruiná-lo. E se ele fora responsável por aquilo...

Joseph tentou se concentrar no que precisava ser feito. Junto com os outros funcionários, avaliaram os estragos na cozinha e decidiram que não havia a menor possibilidade da fábrica continuar de portas abertas. Quando Aurélia informou aquilo para os curiosos que ainda permaneciam no local, ele assistiu com interesse o modo como isso causara uma comoção. Seria o assunto dos próximos dias, a mais velha afirmou contrariada, quando Joseph deixou o lugar. Sua preocupação pela família De Castro e a necessidade de pôr os olhos sobre Joana foram as únicas coisas que o impedira de percorrer toda Recife até descobrir onde seu pai estava hospedado.

Então, prestes a deixar o casarão, Joseph o encontrou com o mesmo sorriso cínico que sempre o acompanhava. Sorriso este que ele tratou de lhe retirar com o próprio punho.

— Joseph!

O apelo alarmado de Joana pareceu inalcançável para os dois homens. Edward cambaleou para trás, a mão junto a boca denunciava o pequeno rastro de líquido vermelho que ficara ali. Apesar disso, ele riu.

— Isso é jeito de cumprimentar o seu pai, Sr. Fretcher?

O escárnio empregado na frase afogou a respiração de Joseph em uma raiva ainda maior quando suas mãos agarraram o colarinho do homem a sua frente, o lançando contra a parede.

— Foi você, não foi? – Joseph cuspiu entredentes.

Mesmo não fazendo ideia do que se tratava, Edward não disse nada. Apenas encarou os olhos tão azuis quanto os seus, com uma expressão taciturna e gélida que fez uma Joana a distância perceber o quanto eles eram fisicamente parecidos, ainda que, como raramente acontecia, Joseph não estivesse preocupado em manter-se inexpressivo. A revolta que ele emanava a preocupava, quando chamando por ele Joana fora mais uma vez ignorada e seu caminho interrompido no momento em que Joseph voltou a pressionar Edward contra a parede.

— Responda!

O tom elevado de sua voz começou a chamar a atenção dos que estavam por perto. Pedro e Bento surgiram de locais distintos, apreensivos com a perturbação, ao passo que Dalton lançou-se pelo corredor e atirou as patas sobre Joseph, o fazendo vacilar para longe de Edward.

E por detestar tanto sentir seu autocontrole lhe escapar por entre os dedos, Joseph tentou regular sua respiração, seu olhar sendo atraído para o animal aos seus pés que latia ruidosamente e só então percebendo a pálida mão sobre seu braço. Joana adiantara-se, chegando a Joseph antes que os outros. Desviando o olhar entre ele e um ainda imóvel Edward, ela não oscilou nem por um momento em seu semblante duro.

— Aqui não. O que está acontecendo com vocês?

Sem esperar, Joana marchou os poucos passos até a porta da sala de desenho, a deixando aberta em um convite que mais lhes pareciam uma ordem. Dividido entre segui-la e novamente obrigar Edward a falar, Joseph encontrou a feição de Bento, que rapidamente lhe indicou o que deveria ser feito com um pequeno movimento da cabeça. Ao contrário dele, Edward continuou por alguns segundos prostrado contra a parede, um riso incrédulo escapando pelos lábios, antes de caminhar com desânimo para dentro do cômodo.

Ele localizou Joseph em uma cadeira próxima a janela, enquanto Joana estava de pé junto a porta, pronta para impedir que qualquer um deles tentasse deixar o lugar antes que pudesse entender o que estava havendo. Ela o observou analisando o local, com um humor em seu rosto que contrariou Joana mais um pouco. O homem acabara de ser atingido pelo próprio filho, o sangue em sua boca não lhe permitiria negar, e ainda assim aparentava uma inabalabilidade inquietante.

— Pedro. – Joana o chamou, no instante em que Edward ocupou o assento no outro extremo do cômodo. – Poderia buscar uma compressa quente na cozinha?

Confirmando com prontidão, o garoto disparou até a cozinha, os deixando as sós novamente, apenas com Bento espreitando a distância. Nos poucos minutos que se passaram, Joana manteve sua atenção em Joseph, analisando seu silêncio. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, ele apertava os dedos enquanto encarava os próprios pés. Sequer tivera tempo para decidir chama-lo e Pedro estava de volta, deixando um pano úmido em sua mão, que ela firmemente estendeu na direção de Edward.

— Limpe isto.

Aquela mulher possuía alguma preocupação por ele? Edward desejou revirar os olhos em impaciência enquanto levava o pano à seu ferimento. Quando a notícia do incidente na biscoutaria chegou até ele, Edward precisou conferir por si mesmo em que estado havia ficado as obras do Sr. Fretcher. E ao se deparar com elas, recordou-se de como tivera que assistir o próprio filho desperdiçar o futuro brilhante que nascera para ter. Joseph sempre se contentava com pouco e o desgosto que sentia diante disso era uma provocação para Edward. Agora, com as passagens para Londres em mãos, havia coisas que ele gostaria de dizer. Não sabia quando colocaria os olhos sobre Joseph outra vez, mesmo que acreditasse que não demoraria muito para fazê-lo. O Sr. Fretcher sempre fugia e, recostando-se à cadeira acolchoada, Edward encarava o que ele tinha certeza de ser o único motivo pelo qual Joseph não havia fugido ainda.

— Estou esperando uma resposta.

A voz de Joana rompeu o silêncio, sem provocar qualquer reação em Joseph e trazendo o sorriso irônico de Edward de volta.

— Está perguntando para a pessoa errada.

Então Joana o procurou.

— Joseph?

Como sempre acontecia, o som da voz de Joana parecia despertar algo dentro dele. Joseph fechou os olhos por alguns segundos antes de os abrir e perceber que estava sendo covarde de novo. Estava desesperado para sair por aquela porta. Precisava ficar sozinho, colocar a cabeça no lugar. Por quanto tempo aquilo o perseguiria? Mas quando ousou erguer a cabeça finalmente, encontrou Joana com os braços cruzados contra o peito, a sobrancelha erguida combinava com o ar impaciente em seu rosto, e Joseph quase teve vontade de sorrir. Ela lhe pareceria assustadora se ele não a conhecessem tão bem e isso talvez fosse uma das coisas que Joseph mais gostava nela.

E, por isso, ele respirou fundo, pronto para falar, quando a risada irônica de Edward o impediu.

— O senhor acha que fui eu que coloquei fogo naquele lugar? Como não percebi antes...

Joseph continuou o encarando, alheio ao fato de que a aparência irritadiça de Joana se desfizera em confusão. Porque ele suspeitaria do próprio pai?

— Não seria a primeira vez, seria? – a frase de Joseph removeu o sorriso no rosto de Edward.

— Precisa superar isso, Sr. Fretcher. O aconteceu em Londres foi apenas uma coincidência.

Pelas inúmeras vezes em que ouvira aquilo, Joseph chegou a achar que dessa vez não sentiria nada. Mas, como antes, seu aborrecimento apenas crescia.

— Não espere que eu acredite nisso, porque eu não vou.

— Bem, pense como quiser.

Ainda mais desconcertada, Joana massageou entre as sobrancelhas para livrar-se do sulco que insistia em se formar ali. Sua cabeça começara a doer e aquele dia ainda parecia longe de terminar, mesmo que ela sentisse cansaço por uma semana inteira.

— Por que ele seria responsável pelo que aconteceu, Joseph? – ela quis saber, conseguindo o olhar dele para si, ainda que fosse a voz de Edward que preencheu o lugar.

— Não contou para ela, Sr. Fretcher?

Constatando o silêncio dos outros dois, ele continuou, voltando a achar graça daquilo tudo.

— Quando este aqui estava começando com isso que ele chama de carreira, suas preciosas máquinas provocaram um acidente na fábrica. Como fraco que o Sr. Fretcher é, ele se culpa até hoje e a mim também, apenas porque eu estava envolvido no negócio. Como disse, apenas uma terrível coincidência.

Joseph bufou, suas palavras novamente saindo entredentes.

— Não foi uma coincidência. Até quando vai continuar negando?

O ignorando, Edward focou sua atenção em Joana.

— Acha que ele veio até aqui por causa de biscoitos? – soprou. – Está fugindo, como sempre. O Sr. Fretcher vive fugindo do passado. Não vai demorar muito para a senhorita se tornar passado também, quando ele decidir que esse lugar não cala a culpa que ele carrega por ter destruído a vida de alguém.

Joseph colocou-se em pé subitamente, não aguentando mais um segundo daquilo.

— Já chega. Eu sei o que você está fazendo, porque o fez metade da minha vida. Está tentando me fazer parecer fraco ao me levar ao limite, mas não vai conseguir.

Pela primeira vez, Joseph achou ter visto Edward vacilar. Mas tudo não passara de sua imaginação, pois em um piscar de olhos não havia nada no rosto envelhecido além de desinteresse.

E naquele momento Joana teve a certeza de que não queria conhecer Edward Fretcher. Acreditou que entender o motivo pelo qual ele era assim talvez não mudasse nada. Ela presenciou mais de uma vez, pelos sentimentos de Joseph e com seus próprios olhos, que alguns relacionamentos são irremediáveis e que algumas pessoas são melhores para nós a distância. E por essa razão, ela agradeceu quando viu Edward levantar-se e se encaminhar para a saída, parando a frente de Joseph antes.

— Enquanto o senhor crescia, eu esperava que se tornasse alguém completamente diferente do que é. Você me decepciona, Sr. Fretcher.

— O senhor não vai insultá-lo na minha frente. – a força na frase de Joana chamou a atenção de Edward, que a fitou como se não pudesse acreditar que ela o estava enfrentando. – Sinto pena do senhor, porque não é capaz de perceber o filho incrível que tem, e agradeço ainda mais por ele ser completamente diferente de você.

A única reação de Edward fora forçar uma risada. Ninguém jamais terei motivo para sentir pena de Edward Fretcher. Disso ele tinha absoluta certeza.

— Vocês realmente se merecem. – então voltou-se novamente para Joseph. – Não tenho nada a ver com o que aconteceu hoje, mas ficarei feliz em esclarecer isso com o senhor pela longa viagem de volta a Inglaterra que teremos pela frente caso também esteja embarcando em dois dias. Sei que Olivia te chamou.

Mesmo com o que aquela frase implicava, Joseph decidiu não dizer nada, se isso o fizesse desaparecer mais rápido. O viu olhar para Joana uma última vez.

— Espero não voltar a vê-la, senhorita De Castro.

Apontando para a saída e desejando exatamente o mesmo, Joana o esperou fechar a porta atrás de si antes de voltar-se para um Joseph já prostrado no sofá amarelado. Ela sentou ao seu lado, soltando um longo suspiro quando deu-se conta de que ainda usava o vestido da noite anterior. Como tanta coisa pode acontecer em tão pouco tempo? Estava exausta e ainda assim suas preocupações encontravam-se no andar de cima, nas ruas abaixo e bem ao seu lado.

— Você vai ficar bem? – ela arriscou após algum tempo.

Joseph a analisou antes de confirmar com um sutil movimento com a cabeça, porque alguns dias com Edward não eram nada perto do que já vivera.

— Ele sabe muito bem que essa embarcação é a última que sairá este mês para a Inglaterra. Estava contando que eu confirmasse que estarei lá.

— O fato de que ele parece te detestar e ainda assim não conseguir te deixar para trás é muito estranho, não acha?

— Por favor, não diga que ele me ama apesar de tudo.

Dando um sorriso triste, ela negou.

— Acho que ele nem sequer deve saber o que é amor.

Considerando aquilo, Joseph se manteve quieto enquanto Joana o observava sentindo o peso da tristeza que ele tentaria negar em si própria. Tentando oferecer conforto, ela deslizou a mão pelo colo de Joseph até alcançar a dele, entrelaçando os dedos dos dois.

— Por um momento achei que você iria desistir de ir.

O incômodo que Joana sentia pelo fato de ter que vê-lo ir e agora por saber que estaria com aquele homem estava tão claro em sua frase que Joseph apertou sua mão com firmeza.

— Eu ia te contar. Apenas não tinha nada decidido ainda. Olivia terá o bebê em breve e me escreveu pedindo que eu vá.

Joana fixou-se nas mãos unidas, assistindo enquanto seu polegar deslizava pelo dele.

— Por que não me contou?

— Eu ia. – ele assegurou outra vez, confuso.

— Sobre o que aconteceu em Londres. – Joana encarou a imensidão azul. – Quando conversamos sobre isso.

— Isso é passado.

Ainda que fosse consistente ao falar, ela passara a aprender a decifrar o que Joseph tanto tentava esconder.

— Tem certeza?

Em um desabafo cansado, Joseph não abandonou a visão de Joana.

— Mesmo que negue, sei que foi ele, porque eu vi. Infelizmente não consegui fazer nada, porque quem era eu perto do aclamado Edward Fretcher?! Então fui consumido pela culpa de ter levado alguém a praticamente não conseguir levantar da cama. Sustento a família dele como se isso pudesse melhor em algo. Eu preciso deixar isso no passado, Joana.

— Mas não consegue. – ela concluiu sua frase não dita, desviando seu olhar para a madeira da porta, como se pudesse examinar o percurso deixado para trás por Edward. Então decidiu que agora não faria Joseph reviver os detalhes do que acontecera ao lhe contar e mudou a pergunta que faria em seguida. – Acha que ele vai mudar algum dia?

Joseph expirou com humor, mesmo que houvesse uma tristeza velada em seus olhos.

— Não acho e nem espero isso. Algumas pessoas simplesmente não mudam.

— Sinto muito. – Joana murmurou, porque realmente sentia demais naquele momento.

Dispensando aquilo, ele lhe ofereceu um pequeno sorriso.

— Eu que sinto muito que tenha visto tudo isso. Sinto muito por ter perdido a cabeça.

A esperança de um fio de luz que pudesse iluminar a atmosfera deixada pelos acontecimentos recentes surgiu e Joana agarrou-se a ela. Era a hora de seguir em frente, de um jeito ou de outro.

Devolvendo o sorriso ardilosamente, Joana balançou os ombros.

— Eu o teria acertado também.

— E eu não tenho nenhuma dúvida disso.

Rindo suavemente contra os cabelos dela, Joseph a trouxe para junto de si, onde Joana logo tratou de se aconchegar.

— Você acha mesmo que ele teve algo a ver com o que aconteceu hoje?

— Não me surpreenderia.

— Se foi, ele está indo embora.

Aquilo o deixou pensando por tanto tempo que Joana acreditou que ele não a tinha ouvido, sua mão deslizando tão lentamente por seu braço que lhe provocava arrepios.

— Sinceramente... – ele finalmente disse. – Desculpa, mas nem isso me faria tentar fazê-lo ficar.

A resolução em cada palavra, a sensação de que ele estava prestes a colocar um ponto final naquilo tudo, partiu o coração de Joana. Mas fora sobre o dele que ela tocou, deslizando a mão sob o casaco em um vagaroso afago, sentindo as batidas de seu coração.

— Por favor, volte. – pediu em um sussurro.

Com tranquilidade, porque Joseph sabia exatamente o que queria e para onde iria, ele sorriu ao levar sua mão para lhe acariciar os cabelos, a pressionando ainda mais contra si.

— Será uma longa viagem de despedida. – e, trazendo o olhar dela o seu, continuou. – Porque minha casa é aqui agora.

Daquilo Joana sabia que não duvidaria nem por um segundo pelos próximos dias, a segurança que ele tentava lhe passar a embalando da mesma forma que os braços dele faziam naquele momento, quando ela voltou a esconder o rosto em seu pescoço, sentindo os olhos começaram a marejar.

— Você não vai chorar, não é? – Joseph chamou quando a ouviu fungar para tentar conter as lágrimas.

— Estou exausta.

Deixando os lábios pousarem sobre o topo da cabeça dela, Joseph desejou poder levá-la para longe dali, que houvesse um jeito de curar suas preocupações.

— Eu sei. Vai ficar tudo bem. E porque sei que você não ficará quieta, só peço que não se desespere. Daremos um jeito.

Isso era algo que ela não sabia como faria, mas teria que encontrar um jeito de se manter firme. Por seu pai, pela biscoutaria, que precisavam dela agora. Dissera uma vez para ele, que jamais deixaria aquele lugar, e agora aquela frase nunca tivera tanta força. E se não deixar-se sucumbir às suas emoções, se manter a cabeça no lugar fosse o que precisava ser feito agora, ela faria.

Assim, Joana apenas fechou os olhos, deixando Joseph afastar seus medos, ao menos pelo tempo em que ele estivesse bem ali. Ela ouviu sons vindos do corredor, mas não se importou, nem mesmo se alguém rompesse por aquela porta e os flagrasse juntos. Estava protegida e a emoção queimando em seu peito era suficiente para fazê-la deixar claro aos quatro cantos do mundo que amava aquele homem.

Que escândalo seria.

— Prometa que não vai se meter em problemas enquanto eu estiver fora. Quase me matou de preocupação hoje.

Um sorriso despontou.

— Isso eu não posso prometer.

Em provocação, Joseph expirou ruidosamente.

— O que faço com você? Tenho medo do que encontrei quando voltar.

A resposta de Joana fora um tapa no peito de Joseph e o sorriso que ela não podia ver aumentou, porque o que ele sentia não era nada perto do medo. Estava decidido a pedi-la em casamento assim que colocasse os pés em Recife outra vez e enquanto torcia para que ela aceitasse, iria torcer para que pudessem o fazê-lo no dia seguinte. Uma vida sem Joana ao seu lado era algo que agora ele mal conseguia imaginar.

— Olhe para mim. – e quando ela o fez, Joseph lhe acariciou o rosto, apreciando a visão que tanto gostava. – Sei que estamos na sua casa e que alguém pode entrar a qualquer momento, mas irei beijá-la mesmo assim.

No fim, fora Joana quem o beijara. Não precisou uma palavra mais e ela já havia unido sua boca a dele, em um gesto tão familiar que lhe arrepiava da cabeça aos pés. Quando Joseph enterrou os dedos em seus cabelos, ela respondeu o envolvendo ainda mais, convidando, necessitando.

Então Joseph a beijou em ponto exato no pescoço suficiente para fazê-la suspirar.

— Em cada segundo em que eu estiver longe, lembrarei disto. Sentirei falta de cada parte de você.

— Até do meu falatório? – ela provocou, muito mais sem fôlego do que imaginava estar.

— Principalmente do seu falatório.

E porque Joana acreditou que o amor que sentia por aquele homem a faria ruir a qualquer momento, ela o trouxe para si mais uma vez em um resmungo impaciente, no exato instante em que a porta se abriu abruptamente e Dalton atirou-se com afobação no colo de Joseph, seguido por Pedro. Ele permaneceu junto a entrada, sem esconder o sorriso engenhoso.

— Desculpe interrompê-los, mas estão procurando pela senhorita Joana.

Com o coração disparado pelo susto, Joana tentou se recompor pronta para partir, apesar de Joseph desejar expulsar Pedro para continuarem o que estavam fazendo.

— Você não sabe bater antes de entrar? – Joseph protestou.

— Eu bati, mas acho que vocês não ouviram porque estavam muito ocupados.

A insinuação de Pedro provocou um revirar de olhos em Joseph, que deixou sua cabeça tombar contra encosto do sofá, tentando esconder que continha uma risada. Dalton fez o mesmo sobre seu colo e ele logo deslizou a mão pela pelagem do animal, enquanto Joana já lançava-se em direção ao corredor, passando correndo por Pedro.

— Não sei do que está falando. – deixou escapar.

Mas dois segundos mais tarde ela estava de volta, correndo até Joseph e curvando-se sobre ele para deixar seus lábios demorarem-se sobre os dele, em um beijo de despedida. Repetindo a frase que Joseph a dissera semanas e semanas atrás, em um sussurro para que só ele pudesse ouvir, ela sorriu no fim.

— Apenas para o caso de eu não ter mais oportunidade de fazê-lo.

E desapareceu do cômodo tão rápido quanto havia voltado, deixando Pedro boquiaberto e Joseph rendendo-se a risada que suprimira antes, apenas porque amava demais aquela mulher.

*

Já era tarde da noite daquele dia e Joana aproveitou que todos preparavam-se para dormir e que Francisca estava fora de vista para espreitar o quarto de seus pais. Assim que fechou a porta atrás de si, ouviu o ronco de Manoel e ela apertou os olhos em um sorriso perspicaz, nada convencida.

— Sei que está fingindo dormir.

Abrindo um olho e em seguida o outro, Manoel espiou quando Joana ocupou a cadeira ao lado da cama.

— Achei que fosse sua mãe.

Uma risada de incredulidade a escapou, a mão de Joana tocando suavemente a testa de Manoel para lhe conferir a temperatura. Felizmente, ele parecia bem e completamente consigo mesmo, resmungando e carrancudo.

— Como sabia que eu estava fingindo?

— Aprendi a decifrar quando seu ronco é falso. – Joana entregou, acomodando-se mais na cadeira e cobrindo-se com a manta que levara consigo. – O senhor sempre faz isso quando quer evitar alguém.

Manoel bufou, descrente. A sagacidade de Joana sempre era algo que o surpreendia, mesmo que negasse.

— Quando o senhor vai parar de me subestimar?

O tom forte que Joana usava na frase deixou claro para os dois a seriedade daquele assunto. Manoel sabia exatamente o que estava por vir e seu típico eu estava pronto para encontrar desculpas para evitá-lo.

— Não subestimo você, Joana. Sei muito bem do que é capaz.

Com uma negativa, ela recusou aquela resposta.

— Subestima sim. Na verdade, acho que o senhor não confia em mim. Se não confia na sua própria filha, em quem irá?

Silêncio. Joana insistiu.

— No Joseph?

De novo, Manoel escolheu se manter calado. Deixou o olhar cair sobre o lençol branco que o cobria, sentindo que ela começava a cutucar uma parte de si que ele queria muito deixar oculta. Sentia-se bem e cansado de toda a preocupação que estava recebendo da esposa, mas ainda assim desejou que fosse Francisca quem tivesse entrado no quarto.

— Quer que eu seja sincero com você? – ele enfim proferiu.

— Por favor.

Respirando fundo, sabendo que não conseguiria fugir da inquisição nos olhos de Joana e que ela não o deixaria em paz com aquele assunto. Ainda pior, Manoel temeu que ele não se sentiria em paz se não falasse.

— Sou egoísta, Joana. – a voz embargada alarmou Joana, mas ela não o interrompeu. – O que aquela fábrica se tornou para mim... Nem saberia como descrever. Nunca tive tanto orgulho de algo. Então sim, não queria entregá-la. Para ninguém.

A preocupação de Joana ampliou-se ainda mais quando ela notou uma lágrima solitária escorrer pelo rosto de Manoel, que ele agilmente apagou seu rastro. Ela prendeu a respiração, com medo de que o mesmo ocorresse com ela.

— Mas sei que não poderei cuidar dela para sempre e que alguém precisa continuar. Só de pensar nisso minha cabeça dói. – e continuou, como se uma única frase pudesse dizer como ele se sentia em relação a ela. – Nunca concordamos em nada, Joana.

— As coisas não vão ser sempre como o senhor quer, pai.

Manoel a encarou brevemente, ambos extenuados de toda aquela situação. Talvez o que acontecera mexera mais com ele do que seria capaz de admitir e dessa vez não tinha nada a ver com realizações ou dinheiro.

— Eu sinto muito, Joana.

E porque estava sendo sincero, ele ergueu a mão e deu um tapinha desajeitado no joelho de Joana. Ela estava sorrindo levemente de novo.

— Também sinto muito. Acho que coloco minha vontade de ter aquele lugar acima de tudo e esqueço de realmente considerar como o senhor se sente.

— Será seu. - ele a assegurou.

Duas palavras e seu coração palpitou, mas ela simplesmente ficou de pé, o olhando com humor.

— Pode me dizer isso outra vez quando estiver se sentindo em paz e feliz com essa decisão, para que eu possa me sentir da mesma forma. E não se preocupe, serei seus olhos e ouvidos pelos próximos dias. Não vamos desistir da biscoutaria.

Manoel assentiu, tomado por alguma emoção novamente, que o provocou um raspar de garganta para afastá-la. Com um movimento com a cabeça, a indicou que fosse descansar.

— Descanse também. – Joana advertiu, já se encaminhando para a porta. – E não contarei para ninguém que o senhor chorou.

Ela precisou conter a risada diante da perplexidade na face de Manoel. Porquê Manoel detestava tanto expressar sentimentos ela nunca entendera, mas de alguma forma ainda o compreendia e o amava, mesmo com todos os defeitos. Ela também não era perfeita e sempre estaria disposta a melhorar, juntos, se assim ele desejasse algum dia.

— Eu não estava chorando. Tinha algo no meu olho.

A resposta afiada já estava na ponta da língua, mas Joana não tivera a oportunidade de dizer, o vendaval Isabel invadindo quarto adentro acompanhado por Matilda.

— Pai, viemos desejar boa noite...

Notando Joana ali, as duas franziram o cenho.

— Joana chegou primeiro. – Manoel declarou, agora desejando ter trancado a porta.

Esperando por um pouco de paz, ele cobriu-se ainda mais com o lençol, tentando dispensá-las. Mas Matilda já ocupava o lugar que antes estava Joana, enquanto Isabel sentava-se aos seus pés.

— De nós três, quem é sua favorita?

A pergunta de Matilda, solta no ar de forma inocente, calou a todos no cômodo. Joana encarou a irmã sem entender que pergunta era aquela, enquanto Isabel percebia que era algo que nunca lhe ocorrera, mas que agora ela precisava saber. Manoel apenas fechou os olhos, já imaginando o que viria em seguida.

E realmente veio, na forma da voz insistente de Isabel.

— É, pai. Quem?

— Desista. – Joana salientou, pronta para deixá-los e finalmente encontrar o calor da sua cama. – Ele não vai responder.

Ávida com a curiosidade, Isabel chacoalhou a perna do pai, tentando lhe chamar a atenção.

— Tudo bem, pai. Pode dizer. Elas vão superar.

— Você? Favorita de alguém? – Matilda desmanchou-se em uma gargalhada, que logo fez Isabel esticar-se para tentar lhe beliscar.

— Vocês não vão desistir, não é? Está bem. – com um suspiro exagerado, Manoel apontou para a entrada do quarto. – Ela é minha favorita.

Lá, uma confusa Francisca estava parada com uma xícara na mão, sem entender como todas elas foram parar ali e porque a olhavam daquela forma.

— O que estão fazendo aqui? Manoel precisa descansar.

Isabel resmungou, exatamente como Manoel sempre fazia.

— Bem, é claro que sou eu.

— Ai, Isabel...

Tão logo Matilda começou uma longa discussão com Isabel, citando todos os motivos pelos quais não seria ela, Manoel acabou desistindo da tranquilidade e terminou ali mesmo roncando de verdade, mas Joana já estava longe para ouvir. Fechando a porta do seu quarto, ela respirou fundo lentamente e só então percebeu que continuava sorrindo. E o fato de ainda conseguir fazê-lo mesmo em meio a tudo, a confusão em sua mente, lhe dava esperança de que, de alguma maneira, tudo ficaria bem.

*

— Senhorita Joana?

O chamado de Aurélia despertou Joana de seus pensamentos, parada no centro da agora vazia cozinha da biscoutaria. Chegara logo cedo e passara o dia tentando entender o que aconteceu, mas nem o passar do tempo fora capaz de desfazer o nó em sua garganta. Seu olhar viajou pelas madeiras desfeitas, o chão escurecido, o que um dia fora a grande mesa. Algo se quebrava dentro dela cada vez mais e quando tudo se transformou apenas em vazio, Joana teve medo de nunca mais voltar a ver vida naquele lugar.

Inspirando com força, ela ofereceu um pequeno sorriso a Aurélia.

— Precisamos ir.

Joana nem mesmo notara que todos começavam a deixar o local, o fim do dia se aproximando e a luz os abandonando.

— Tudo bem. Só preciso pegar alguns documentos no escritório.

— A propósito... – Aurélia interviu. – O que faremos com os biscoitos que ainda temos?

Caminhando lentamente pelo longo corredor, Joana refletiu.

— Tenho certeza que meu pai gostaria que vendêssemos. Faz apenas um dia e tudo que ele consegue falar é em dinheiro.

Aurélia sorriu com carinho e diversão e as duas interromperam-se diante da vistosa porta de madeira do escritório de Manoel.

— Vamos conseguir um bom destino para eles. Desperdiçá-los não é uma opção.

— Poderíamos doá-los. – a mais velha sugeriu.

— Sim. Essa é uma ótima ideia e...

No instante em que Joana pôs os olhos em Joseph, avançando em direção a elas, as palavras lhe fugiram. Não sabia o quanto desejava vê-lo até ele estar diante de si, com um sorriso discreto.

— Aurélia. – ele a cumprimentou e seu olhar apenas demorou-se sobre Joana.

— Sr. Fretcher. Não o vimos o dia todo.

— Tive que resolver algumas burocracias a pedido de Manoel. – colocando as mãos nos bolsos, ele parecia um pouco aborrecido. – Posso falar com a senhorita Joana?

Sinalizando que estava tudo bem, Joana observou o olhar suspeito de Aurélia viajando entre os dois.

— Tudo bem. Mas vou a esperar no salão de entrada, apenas para o caso dos dois tentarem se matar outra vez.

Joana quase franzira a testa antes de se lembrar da fatídica noite que os três compartilharam em sua busca por Pedro, a mesma noite que mudara tudo entre Joseph e ela.

Assumindo um semblante irritado nada verdadeiro, ela assentiu.

— Ah, sim, é claro. Eu não o suporto. – e marchou com fingida impaciência em direção ao escritório. – Vamos de uma vez. Não tenho muito tempo.

Aurélia mal havia desaparecido no corredor quando Joana atirou-se nos braços de Joseph, ambos tentando rir sem causar qualquer barulho que os denunciasse.

— Saiba que o sentimento é mútuo. – Joseph respirou em seu cabelo.

Rindo outra vez da provocação, Joana deixou sua cabeça descansar contra o peito de Joseph, permitindo que ele lhe afagasse as costas.

— O que você resolveu hoje?

— Não resolvi. Alfredo chegou antes de mim, como sempre.

— É por isso que está irritado?

— Como não ficaria?

Joana assentiu, sendo ela que agora deslizava lentamente a mão pelas costas de Joseph, tentando o acalmar.

— Ainda assim você veio aqui.

— Imaginei que estaria aqui e precisava me despedir.

Ela bem que imaginava que esse era o motivo. Amanhã Joseph estaria partindo logo cedo e Joana precisava se acostumar com o fato de não o ver por semanas. Apenas o pensamento a desanimava e ela ergueu o rosto para descobrir que aquilo também estava refletido nos olhos índigos que a encaravam de volta.

— Não demore.

— Estarei de volta mais rápido do que imagina.

Deslizando a mão pela rosto de Joana e o trazendo para si, Joseph colou seu sorriso ao dela por um tempo que não era o suficiente.

— Vou sentir sua falta.

Joana fechou os olhos por um momento, as respirações dos dois misturando-se enquanto aproveitavam o calor da presença do outro.

— E eu a sua. – segredou de volta.

Ele a abraçou ainda mais forte, a retirando do chão, tentando memorizar seu cheiro, seu amor, a sensação de tê-la nos braços. Isso o perseguiria pelos próximos dias e o lembraria a cada instante a sorte que o esperava aqui, porque, pelos céus, como ele tivera sorte.

— Vamos, antes que Aurélia apareça aqui e descubra que não estamos gritando um com o outro e você não está me transferindo socos.

Joana estava rindo quando seus pés voltaram a tocar o chão.

— Não seja por isso.

E sem aviso ela tentou o atingir no braço, mas Joseph fora mais rápido, a impedindo.

— Espertinha.

E porque notara o tom de desafio em Joseph, bem como o brilho em seus olhos, Joana começou a se afastar lentamente até a porta, até disparar pelo corredor. Ela fora pega um passo mais tarde e os dois começaram uma disputa silenciosa de empurrões e puxões, perdidos em seu próprio mundo, para então assumir seus melhores semblantes de desânimo assim que alcançaram Aurélia na entrada da biscoutaria.

Seguiram caminhos opostos na quietude do início de noite, voltando-se na direção um do outro uma única vez. Nela, Joseph a ofereceu o sorriso mais lindo e ela o retribuiu. Ele ainda nem havia partido e ela mal podia esperar para vê-lo outra vez e, assim que estava no conforto do casarão, Joana questionou-se se era errado sentir-se tão feliz com alguém. Pensou em todas as vezes em que tentara convencer a si mesma que não esperaria que Joseph ficasse. Como fora boba, porque sempre foi o que ela queria. Ele voltaria e esse pensamento a manteria segura.

Com essa certeza Joana passou os dias seguintes. Ocupando sua mente com a biscoutaria e os resmungos de seu pai, que cinco dias depois já afirmava estar completamente bem. É claro que ele não convenceu a ninguém e Joana continuou a frente dos cuidados com a fábrica, sentando ao seu lado todas as noites para contar tudo que era necessário. Vez ou outra pegava-se desanimada, sentindo falta dos clientes, do cheiro dos biscoitos por cada canto. Então ela obrigava-se a lembrar que era forte o suficiente para superar aquilo e, junto com Manoel e os funcionários, se animava quando sentia que era a hora de trazer a biscoutaria de volta, ainda melhor.

Por isso, em uma pacata noite de quinta-feira, Joana estava sentada no sofá da sala de desenho, avaliando a lista de materiais que fizera mais cedo. Desviou o olhar dos papéis por um segundo, tentando descansar sua mente que, mais do que nunca, não parava, e se viu imaginando o que Joseph estava fazendo naquele momento. Torcendo para que ele esteve bem, assim como Olivia e o bebê, ela não notara que estava sorrindo até ter que suprimi-lo quando Alfredo surgiu pela porta.

— Podemos conversar?

— Não é um bom momento, Alfredo.

A verdade é que ela não estava com vontade de vê-lo. Alfredo tornara-se invasivo e estranho nos últimos dias, sempre ao pé de Manoel, o importunando com coisas da biscoutaria, ou em seu próprio encalço, a cortejando de forma ainda mais descarada. Olhando de relance para seu rosto esguio, Joana tentou lembrar o que levara Alfredo a realmente se tornar um estranho, esperando que ele simplesmente a deixasse.

O que não aconteceu.

— É urgente.

Algo na voz dele a deixou inquieta e, vencida e impaciente, Joana ficou de pé abandonando os papéis.

— Tudo bem. Sobre o que é a conversa?

Ela esperou por uma resposta, mas o que recebera deixou todos os seus sentidos em alerta. Alfredo entrou lentamente no cômodo, fechando a porta em seguida. Então sorriu para ela e um arrepio lhe percorreu.

— Estava conversando com seu pai agora mesmo. Surgiu um problema.

— Que problema?

Joana temeu que sua voz falhasse, mas conseguiu manter-se inexpressiva, sem fraquejar.

— Estou há alguns dias levantando as contas das biscoutaria. Sabia que Manoel possui dívidas com impostos? E isso somado ao que teremos que gastar para reergue-la... Veja você mesma.

Tomando o papel que Alfredo carregava, Joana ficou boquiaberta com a quantidade de dinheiro escrita no documento com “Província de Pernambuco” em letras grandes.

— Algo deve estar errado. Meu pai nunca faria dívidas assim.

Alfredo balançou os ombros, sentando-se na poltrona mais próxima em uma postura relaxada.

— Temo que ele não tenha esse dinheiro e quem ajudaria um devedor assim agora?! Se não pagarmos teremos que entregar o prédio ao Estado.

Embasbacada, Joana encarou o papel que segurava com força, encontrando dificuldade para acreditar no que estava vendo. Do outro lado da sala, Alfredo sorria diante do primeiro vislumbre de medo que vira em Joana, a brecha perfeita que ele estava esperando, porque ele estava cansado de esperar.

— Felizmente, eu tenho a solução.

— Que seria?

— Meu próprio dinheiro.

Joana o encarou, tentando entender se aquilo significava que ficariam bem. Mas a expressão de Alfredo incitava que havia algo mais e por algum motivo ela não se permitiu ter esperanças, sua apreensão estendendo-se mais e mais.

— Só que eu estou cansado de tentar ser paciente, Joana.

Qualquer rastro de humor havia desaparecido de Alfredo e agora ele caminhava lentamente na direção dela, que por instinto se afastava cada vez mais.

— Aquele lugar só existe por minha causa. Foi minha ideia. E ainda assim fui passado para trás. Pelo Manoel, por você, por aquele inglesinho. – soprando a raiva que acumulava dentro de si, ele se aproximou mais, tomando bruscamente o papel da mão de Joana. – Ainda assim, é para você que ele vai deixar aquele lugar.

O coração de Joana começou a martelar em seu peito num ritmo assustador, a alertando que precisava deixar aquela sala.

— Fique longe de mim. – mas Alfredo a ignorou, fazendo Joana trombar contra o aparador de madeira escura. – Mandei ficar longe de mim. Acho que você precisa se acalmar, Alfredo. Depois conversamos.

Decidida e assustada, Joana quase correra em direção a porta, apenas para seu desespero tornar-se maior ao encontrá-la trancada. O medo se misturou a fúria e ela o abordou, encontrando seu sorriso e a chave em sua mão estendida.

— É isso que você quer? – então estendeu a outra, erguendo o papel. – Ou isso?

Assistindo seu receio em responder, Alfredo voltou a chegar perto.

— Você quer salvar sua preciosa fábrica, Joana? Eu juro que estou disposto a ajudar. Você só tem que casar comigo.

O que?

Joana engasgou em repúdio, agarrando-se ainda mais a maçaneta.

— Você enlouqueceu se acha que vou aceitar isso. Me deixe sair ou eu vou gritar.

Mas ameaça de Joana apenas serviu para aumentar o humor no rosto de Alfredo.

— Tente.

Joana virou-se para a porta, puxando a maçaneta com força, e quando estava prestes a chamar por alguém, a mão de Alfredo fora lançada contra sua boca, a calando. Sua mão tremia pelo susto e por um momento ela achou que desmaiaria, antes de duramente lhe morder a mão.

Soltando um grunhido, Alfredo lamentou que Joana fosse tão difícil e o obrigasse a levar as coisas para um ponto que ele esperava não ter que fazê-lo. Enroscando o braço nos ombros dela, a obrigou a se manter imóvel, mas Joana tentou novamente escapar, seu movimento desesperado levando o material frio que Alfredo pressionava contra seu pescoço afundar em sua pele.

— Fique quieta e não me obrigue a fazer algo que eu não quero.

Joana trincou os dentes, tentando conter o tremor agora em seu queixo, quando lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. Alguém precisava aparecer porque ela não reconhecia aquele homem e o pânico tomava conta dela, dificultando sua respiração.

Em um movimento rápido, Alfredo a arrastou até o espelho na parede ao lado e Joana fora obrigada a encarar o reflexo dos dois. Viu a fina linha vermelha escorrer por seu pescoço e seu choro silencioso se intensificou.

— Não ficamos bem juntos? Até tentei fazer do jeito certo e cortejá-la, mas você sempre me recusa.

O medo refletido nela tornava a diversão no rosto de Alfredo ainda mais assustadora e Joana precisou desviar o olhar.

— Eu nunca vou me casar com você. Pode esquecer essa ideia estúpida.

— Tem certeza disso? Porque foi tão fácil colocar fogo naquela fábrica com seu pai dentro quanto seria colocar aqui mesmo, com toda a sua família.

Enfrentando o olhar de Alfredo com repulsa através do espelho, ela tentou acertá-lo com o cotovelo, mas a faca cravou em sua pele e a dor a fez soluçar.

— Só depende de você, Joana. Manter aquele lugar e todos felizes. Se case comigo e assim que a biscoutaria estiver em meu nome eu prometo que vou ajudá-los a não perdê-la e os deixarei em paz.

Ela não sabia o que deveria responder. Joana nunca permitiria que isso acontecesse, mas naquele momento não conseguia enxergar nenhuma outra saída. Sentia-se vencida e esgotada, o medo corroendo cada canto de sua mente e a impedindo de pensar. Então ela a fez a única coisa que ainda lhe restava forças.

Fechou os olhos e desejou que tudo aquilo não passasse do pior pesadelo de sua vida.


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