Pele escrita por slytherina


Capítulo 6
Encontro




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Porta fechada

Sam estava ainda na cama, apesar de já ser 09 horas da manhã. Isso não era um problema. Não estudava, seu trabalho era feito em casa, sem horário fixo, feito sob comissão, não morava com a família. Isso significava que poderia passar o dia na cama que ninguém se importaria consigo. Poderia até morrer, que ninguém ficaria sabendo, até seu cadáver começar a feder. Acordara tarde porque passara a noite chorando nessa mesma cama, por causa da humilhação passada no dia anterior. Fora chamado de ... de que mesmo? Una ... unabomber? Uma pesquisa no google revelou tratar-se de um famoso terrorista, assassino em massa. Alguém o chamou de stalker e criminoso. A lembrança despertou novas lágrimas. O pior de tudo foi que seu muso foi até seu apartamento, e o vira em seu habitat. Ele vira o que ele era e a forma desprezível em que vivia. Ele se sentia um caco, uma merda. Soluçou. Tivera muita sorte por lembrar-se de chamar por Gabriel, seu advogado e amigo. Do contrário poderia até estar preso agora.

Uma forte e contínua batida na porta o tirou de seu devaneio. Levantou-se devagar e ficou imaginando quem seria. Ruby e Garth ligariam primeiro. Sem dúvida deveria ser Gabriel. Ele foi até a porta da frente e averiguou pelo olho mágico. Tomou um susto tão grande que precisou se escorar na parede pra não cair. Ali, atrás da porta estava seu muso, o cara da loja de armas, que na delegacia de polícia descobriu chamar-se Dean Winchester. O que ele ainda queria? Veio humilhá-lo ainda mais?

— O que você quer? Eu vou chamar meu advogado. Entenda-se com ele. — Sam gritou sem abrir a porta.

— Desculpe. Vim aqui pra lhe dizer isso. Que sinto muito. Não era pra chegar no ponto que chegou. Eu não ... eu não sabia que tudo aquilo ia acontecer. Não te conhecia. Pensei que fosse um criminoso. E ... cara, sinceramente, é meio estranho ficar falando pra uma porta. Eu poderia entrar?

— Não. Não pode. — Sam arriou no chão, enquando escondia o rosto atrás das mãos.

— Ok! Tudo bem. Acho que mereço esse gelo, mas sinceramente vim me desculpar e ... fumar o cachimbo da paz. Não sou um sujeito turrão. Sei reconhecer quando estou errado. Gostaria ... gostaria de ser seu amigo.

Dean sentia-se um imbecil por ficar se humilhando atrás do perdão e simpatia do outro homem, e estava contando nos dedos o tempo gasto naquela tarefa ingrata. Ele estava no limite, faltando muito pouco pra mandar o outro se danar.

— Amigo? Por que? Por que você viu minhas mãos e ficou com peninha? É isso?

— Peninha? Cara, você é um artista. Seus desenhos são coisa de profissional. Eu fiquei sinceramente admirado e ... bem, acho que estou te chateando com essa conversa. Só queria que soubesse que retirei a queixa na polícia e o processo morreu. É só isso. Fica na paz.

Dean ainda esperou que o outro mudasse de idéia e abrisse a porta, o que não aconteceu, e por isso, muito a contragosto, resolveu ir embora.

Sam percebeu o movimento atrás da porta. Lágrimas escorriam por seu rosto quando ele percebeu que Dean fora embora. Ele gostaria muito de ser amigo daquele rapaz bonito e popular, mas ... não ia dar certo, não a ferida ambulante que ele era. Ele se pouparia de ver o olhar de nojo e repulsa do outro, quando estivesse em crise.


Vida


Alguns dias se passaram em que Sam mais uma vez se viu no fundo do poço, se sentindo o último dos homens. Não tinha apetite, chorava um pouco, de vez em quando, sem motivo. Descuidou da limpeza do apartamento e da própria higiene e bem estar. Queria morrer, e o modo como vivia era como o de um zumbi. Um dia não aguentou mais. Saiu do apartamento e foi à lage do prédio. Era um dia ensolarado e ventilado que atenuou o desconforto pela doença. Estava se sentindo sufocado. O clima opressivo de auto-comiseração e depressão estava lhe dando engulhos e tontura. Queria muito respirar ar fresco e viver ao ar livre. Ele queria viver mais do que tudo. Viver como as outras pessoas. Bronzeando-se ao sol. Rindo e aproveitando a vida. Ele queria ser feliz. Por que não tinha direito a isso, como toda a gente? Não mais chorou. Talvez porque não houvessem mais lágrimas guardadas. Experimentou rir um pouco. Talvez tivesse que dizer adeus à possibilidade de voltar pra seu planeta natal, Psorya, e tivesse que aprender a conviver com os humanos, como os humanos, e não mais como alienboy. Sam chorou e riu ao mesmo tempo.

Ao retornar para seu apartamento, sua face ardia por ter ficado tanto tempo exposto à luz solar. Procurou o Trip Advisor no tablet, atrás de pontos turísticos em sua cidade. Estava resolvido a viver a vida, e nada melhor do que perambular por lugares bonitos e ter gente em volta. Aquele pensamento lhe dava arrepios, mas ele estava cansado de se esconder e fugir. Iria enfrentar a vida e os humanos. E se por acaso entrasse em pânico, sempre poderia chamar seus amigos para socorrê-lo.

Optou por: Primeiro, mercado de pulgas. Segundo, uma cafeteria. Terceiro, teatro. Este seria um dia bem movimentado. E Sam se sentiria revigorado ao final, quase se sentindo uma pessoa igual às outras. Vestiu-se o mais leve possível e saiu de casa. É uma pena que a realidade nunca siga nossos planos. O mercado de pulgas estava superlotado,  e as pessoas esbarravam constantemente em Sam. Ele se sentiu oprimido, e teve que se afastar antes de entrar em pânico. Andou a esmo, ainda tentando seguir sua agenda. Foi a uma cafeteria. Entrou e fez seu pedido, evitando encarar as pessoas. Depois procurou a mesa mais escondida. Novamente tentando evitar contato físico. Procurou seu smartphone para ver qual seria o próximo passeio. Percebeu a ironia do gesto. Saíra de casa para interagir com o mundo e sentir a vida fora do casulo. E agora lá estava ele, se escondendo num cantinho e mergulhando no smartphone para não ser atingido pela vida a sua volta. Ele empertigou-se e olhou ao redor.

Subitamente ele fez contato visual involuntário com outro homem. Sam empalideceu e tratou de desviar o olhar. Suas mãos começaram a suar e ele considerou sair correndo como uma opção. Antes que realmente pusesse seu plano em prática, o outro homem se aproximou.

O outro homem não era outro senão Dean Winchester, o bonitão da loja de armas.

— Ei! Que bom vê-lo fora do apartamento. Posso me sentar? Essa cafeteria vive cheia de turistas, e eu me pergunto se o café deles é mesmo essa coisa maravilhosa que falam. Acho que é só a griffe que atrai esse povo. — falou um sorridente Dean, já sentando-se à mesa com Sam.

Sam permaneceu calado. Dean não se importou. Sentia-se em débito com o cara por tê-lo tratado como criminoso.

— Olha, andei vendo os desenhos que você fez. Nossa, nem se tivesse posado sairia tão perfeito. Eu me senti até como um ator da TV. Sério! Você ganha a vida fazendo desenhos das pessoas? Elas encomendam os desenhos e você cobra por sua arte? É isso? Bem, eu teria de boa vontade pago pelos meus desenhos. Sabia que minha mãe gostou imensamente? Ela até os enquadrou. Acredita nisso? Sinto muito por toda ... aquela confusão. Pensei outra coisa ... pensei o pior, mas veja ... outra pessoa no meu lugar teria feito o mesmo. Mas eu, bem, eu o julguei mal. Estou arrependido disso e ... queria que fôssemos amigos. O que me diz?

Sam sentia-se nauseado com aquela conversa. Lembranças da escola, de seus colegas franzindo a cara ao ver sua pele ... garotas fazendo uma careta de desgosto, nojo, repulsa ... de modo nenhum ele passaria por tudo isso de novo. Sentiu tontura. Devia ser o ambiente abafado da cafeteria. Evitava olhar para o outro e passou a procurar uma saída dali. Se ele fosse ágil o bastante, poderia sair correndo.

Quando enfim tomou coragem o café chegou. Um capuccino.

— O café parece muito bom. Acho que vou pedir também. Um expresso, por favor. — Dean falou, já tirando uma cédula da carteira e entregando ao garçom.

Sam aproveitou a distração do outro para olhá-lo curioso. Como era bonito! Sob a iluminação natural, filtrada pelas vidraças do salão, ele adquiria um tom dourado, como se fosse uma entidade celeste, como um rapaz de ouro. E esses lábios então! Sam poderia passar horas desenhando aquela boca perfeita: cheia e polpuda, como fruta madura. O olhar de Dean encontrou o dele novamente. Sam desviou o seu. Aquilo estava saindo do controle. Não podia confiar nesse cara, mas ... seria tão bom desenhá-lo ... Não!

— Não!

— O que disse? Não o que?

— Eu ... Eu ... tenho que ir pra casa ... está ficando tarde e ... obrigado. Obrigado por ... por ...

— Não tem que me agradecer por nada. — Dean sorriu e tocou na mão enluvada de Sam. — Eu sinto muito pela forma como te tratei. E ... andei pesquisando na internet e li sobre sua doença ...

Sam sentiu como se tivesse levado um choque elétrico. Sua doença era seu ponto fraco, seu nervo exposto. Ele nunca discutia isso com estranhos. Ele levantou-se atabalhoadamente e saiu correndo para fora do café, sem destino certo.

 


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