O Leitor escrita por Cláudia Batiston


Capítulo 5
Capítulo 5




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— Maze, Sir Orion e a família chegaram. – Anne veio avisá-la, tirando-a de cima dos livros contábeis que estava debruçada revisando os apontamentos de Modred, fazendo as anotações de praxe do que deveria comprar, receber e pagar.

Mais cedo, ele tinha lhe dado um olhar cheio de desejo, comentado que se vestido verde escuro com detalhes em preto era muito bonito, roubado mais um beijo, antes de sair para inspecionar as terras ao redor. Prometendo que voltaria em breve para receber a família de Orion.

Alisando a saia do vestido se deu conta que todos eles tinham sido dados por Olímpia, eram praticamente novos, poucas vezes usados, e só precisaram de ajustes quanto a altura.

Aquela tratante! Agora me dei conta que os vestidos foram dados com o intuito de me deixar com cara de uma dama. Provavelmente já estava tramando para que eu tivesse uma oportunidade com Modred.”

A tarde estava linda e Maze parou à porta do casarão sentindo o sol aquecer seu rosto e mãos, enquanto aguardava os visitantes descerem da carruagem. Mais tarde iria escrever para a doce Ollie e descobrir quais eram suas intenções quanto aos vestidos, mas agora não era hora de pensar nisso, porque os filhos de Sir Orion já estavam correndo em sua direção, enquanto ele ajudava a esposa descer da carruagem.

Todos com idade próxima, Hector com doze, Paul com dez e Gilles com oito anos, eram filhos apenas de Orion. E Alwyn, com cinco anos, era filho de Catrin, porém tanto na aparência física quanto no companheirismo eles se pareciam irmãos de sangue, unidos em todas as artes e bagunças.

— Milady. – Paul parou ao lado dela, fazendo uma reverência.

— Oh, não, meu jovem rapaz. Não sou uma lady. Sou apenas a serviçal responsável por recebe-los e conduzi-los para a sala de estar.

— Ah, mas em breve você será uma lady. Verá só como tenho razão.

— Paul, por favor, pare de constrange-la com suas palavras impertinentes. – Lady Catrin, grávida de sete meses estava linda, dentro de um vestido floral, próprio para o campo.

Maze os cumprimentou com as devidas exigências que a divisão de classe impunha e os conduziu até a sala azul, onde Modred e tia Dot já se encontravam esperando por eles com bolos, sanduíches diversos, sucos e vinho para que pudessem se recuperar da longa viagem de dois dias.

Enquanto os adultos se cumprimentavam, os olhos das crianças se brilhavam vendo o jardim interno e com a possibilidade de correr e se divertir muito.

— Maze, nós podemos brincar lá fora, só um pouquinho? – Hector não conseguiu se segurar por muito mais tempo, o dia estava tão lindo que ele tinha razão de desejar ir correr pelo jardim bem cuidado que Modred usava como refúgio pessoal.

— Seus pais e Sua Alteza é quem deverão dizer se você pode ou não. E caso eles concordem, poderei fazer companhia a vocês.

— Primeiro acabem de comer, depois vão brincar. É preciso ter algo dentro da barriga antes de saírem gastando as energias. – Determinou tia Dot.

Com a boca cheia de bolo de laranja, Gilles puxou assunto com Modred:

— Então, você é aquele que consegue ouvir os pensamentos dos outros? O que os meus estão dizendo agora?

Gilles era impertinente, maduro para sua idade, mas ainda assim uma criança. Apesar da bagunça, barulhos e risos, Modred se sentiu feliz ao lado daqueles meninos, e estava se divertindo com Gilles que demonstrava uma capacidade enorme de controlar o próprio escudo.

Sentiu o olhar preocupado de Maze em sua direção, sabia que ela estava medindo suas reações ante a irreverência do menino. Apenas riu divertido e deu uma piscadela discreta em sua direção.

— Vejo que você consegue subir e abaixar seus escudos quando deseja. Isto é bom Gilles, sinal de que você tem mais auto controle sobre seu poder do que eu quando tinha sua idade.

Firmando os olhos no rosto do menino, Modred esperou ele baixar os escudos para poder perguntar mentalmente: “O que você acha de ter um poder como esse?”

Normal. Posso me desligar dos sons dos outros quando me incomodam. Aprendi com meu pai que eu possuo escudos muito fortes, sempre que eu desejo consigo mantê-los erguidos. Modred, você está namorando Maze?”

Fofoqueiro. Isso é pergunta que uma criança de sua idade faça?”

É que ela é tão linda. Se ela não se casar com você, eu caso com ela”!

“Bem, precisamos perguntar a dama quem ela deseja não?”

Modred começou a rir e o despachou pra fora junto com os irmãos. Aquele pequeno segredo seria deles, sabia que Gilles não iria contar nada a ninguém.

Os olhinhos deles brilharam de alegria quando saíram correndo pro imenso jardim, acompanhados por Maze.

— O que foi isto entre você e Gilles? – Catryn olhava curiosa, tentando saber o que tinha ocorrido.

— Uma conversa particular entre dois leitores, só isso. – Modred riu e lançou um olhar para Maze que estava correndo com os meninos do lado de fora da casa.

Tia Dot estava muito preocupada com os diversos poderes que os meninos apresentavam para notar o olhar de cobiça que o sobrinho tinha ao observar quão linda Maze estava naquele dia brincando com os meninos.

— A cada dia que passa os poderes parecem cada vez mais cedo. Isso me preocupa muito. Um adulto consegue controlar seus dons, mas uma criança pequena poderá nos expor com facilidade. Entendo sua preocupação com seus filhos, Orion. Posso ajudar a todos a lidarem com seus dons. Mas o que me preocupa mais é com o jovem Gilles.

— Por que, milady? – Catryn já havia se afeiçoado aos jovens como se fossem seus filhos, mas nutria um carinho especial por Gilles que surgira em sua vida em um dos piores momentos que já tinha enfrentado: o rapto de Alwyn. Sabia que se não fosse por Gilles e por Orion não teria mais o filho ao seu lado.

— Por favor, me chame de tia Dot, me sinto mais amada assim e somos todos da mesma família. Não? - Ela sorriu para Catryn e colocou uma mão sobre a dela, afagando-a, em uma clara tentativa de acalmar os temores que iam pela mente de Catryn.

— Eu respeito, não entendo como esses dons surgem, como prosperam e tudo mais, mas os respeito. Não sei o que teria sido de nós, sem nenhum de vocês. Mas... com todo respeito, não queria que ele tivesse o mesmo dom de Vossa Alteza. Tenho medo que meu menino perca a doçura que hoje ele tem e que se torne um tanto arredio aos outros. – Suspirando profundamente, completou: - Perdão, estou preocupada com o que poderá acontecer com ele. Sei que ele é forte, destemido e mais maduro que outros de sua idade, mas, ao mesmo tempo, eu vejo a doçura que tem dentro de seu coração.

— De fato ele tem o dom que eu possuo. Ele pode captar emoções, sentimentos e ler as mentes das pessoas à volta dele. Mas acredito que por ter vivido nas ruas nos primeiros anos de vida, passando por todo tipo de dificuldade, tendo que aprender a roubar, mentir e brigar para viver, tenha conseguido criar muros mais fortes e resistentes que os meus. Acredito que isto será uma fator de segurança para ele, não terá que se esconder debaixo das saias de ninguém em algum lugar distante.

— Por favor, Modred, não interprete mal minhas palavras. É apenas meu coração de mãe cheio de preocupação.

— Eu sei que não pretendia ser rude. Eu que fui rude ao colocar as palavras nua e cruas para fora. Mas acalme-se. Ele não é um caso perdido como eu.

— Pare com isto Modred! Agora! Você não pode se permitir ficar se lamuriando pelos cantos da casa!

— Não posso, tia Dot? Até o solteirão convicto da família se casou e eu não. Acho que pra mim é fácil toda essa situação? Viver sozinho não está sendo fácil pra mim. – Quando Orion abriu a boca para falar algo, Modred o cortou e continuou. – O pequeno Gilles possui muros bem fortes, conseguiu abaixa-los e conversar comigo mentalmente. Coisa que nunca tinha conseguido fazer antes com ninguém, apesar de já ter tentado com Argus e Iago. Acredito que eu possa ajudá-lo a fechar ainda mais a mente, se proteger e fortalecer os escudos da mente. E tia Dot poderá ajudar ensinando como lidar com as pessoas de muros fracos, como não sair correndo pra algum canto escuro com medo de todos.

— Você não parece que já fez isto alguma vez em sua vida. – comentou Catryn.

— Nos últimos dez anos não. Mas no começo sim. Temia ao ouvir alguns pensamentos desconhecidos, quando entrava em algum lugar cheio de gente, o som de cada pensamento me bombardeando me deixava agoniado. E quando eu ouvia que o quê era dito nos lábios era diferente do que estava na cabeça da pessoa, isto me causava nojo e repugnância.

— Nunca houve algum pensamento divertido? Situações hilárias que não poderia esconder? – Perguntou Orion em um tom cheio de divertimento, quebrando a seriedade da conversa.

— Sim. Como o dia que uma senhora casada ficou toda apaixonada olhando para Argus. Ela estava em cólicas por causa dele, aparentemente o tratou com indiferença, mas por dentro era um pensamento mais pecaminoso que outro.

— E o que você fez?

— Eu? Nada, só disse que ele poderia ter encontrada uma nova amante.

— Danadinho! Você nunca nos contou isto antes! – Tia Dot se divertia com aquela situação.

— E qual foi o resultado?

— O resultado, Orion? Bem, lembra daquele marido furioso que quase deu um tiro em Argus há uns seis anos atrás?

A conversa se tornou mais amena, girando em torno de assuntos familiares e Modred pode se concentrar em fazer algo que tinha se tornado um hábito para ele: admirar Maze de longe.

Aquele era o jardim favorito dele, não era aberto para todos, e ver que Maze combinava perfeitamente com ele, que ela conseguia se sentir à vontade naquele lugar o deixava muito feliz.

O riso deles preenchia o espaço enquanto corriam de um lado para outro no jardim, Maze sentou no banco que havia debaixo do velho carvalho e ficou olhando os meninos se divertindo, subindo na árvore e gritando uns com outros.

Era bom ter um tempinho só para si, pois sentia que Modred não tirava os olhos dela, por mais sutil que ele tentasse, ela podia notar que a observava de longe. Nos últimos dias isto havia se tornado algo comum, e a cada dia ela desejava estar perto dele cada vez mais.

As relações entre nobres e plebeus sempre acabavam mal e somente para um lado: o dela. Seus pensamentos iam de um ponto a outra, questionando a loucura que era aquele relacionamento:

Será que sou boa o suficiente para ele? Será que não é um erro deixar que ele avance?’

‘O que iriam achar se descobrissem que tenho um filho? Ou que achariam se soubessem como ele foi concebido?’

‘Tia Dot com certeza não aprovaria, ela não consegue esconder que não aprova os olhares que ele me lança. Será que não é hora de partir?’

‘Talvez seja hora mesmo de partir. Vou perguntar a Olímpia se posso voltar para Myrtledowns’.

Era bom saber que ele nutria por elas bons sentimentos.  E que ele a respeitava, que nunca tentou nenhum ato agressivo como seu ex-patrão. Ela ficava se perguntando como ele reagiria se soubesse de seu passado. Isto poderia acabar com suas esperanças de uma vida em paz lá no ducado.

—  Maze, Mazeeeeeeeeeeeeee! Tô com dor de barriga! - O pequeno Alwyn a puxava pela saia, todo sujo de terra, suado e cansado de brincar, queria deitar e dormir.

Levou o menino para a ala sul, que recebia o sol da manhã e era bem aconchegante, com quatro camas de solteiro, e cortinas grossas que não permitia a passagem do sol para quem desejasse descansar ao longo do dia, onde uma criad já esperava para cuidar do menino.

— Meu pai pode te ver, sabia?

— Sim, Vossa Alteza me contou que ele sempre está por perto de você, não? – O pequeno Alwyn podia ver fantasmas e o seu falecido pai era uma companhia constante com ele. – O que ele está falando com você?

— Que ele sabe que você está sofrendo com suas dúvidas, mas que se tiver paciência terá o que tanto deseja. Você precisa ter paciência.

— E o que mais disse o fofoqueiro do seu pai, Alwyn? - Lady Catryn entrou no quarto sorrateiramente e deu um baita susto nos dois, que estavam na conversa que não viram ela entrando. Depois de rirem um tanto e de falarem mal dos fofoqueiros, ajudando Catryn a deitar para também descansar, Maze estava saindo, quando a lady a chamou para conversar.

— Eu devo imaginar que como o braço direito de Vossa Alteza você deve ter muita coisa pra fazer, mas gostaria de um pouco de atenção de uma mulher de idade tão próxima a minha. Se importa?

— Claro, milady. Posso ficar um tempo com você.

— A por favor, me chame pelo nome. Odeio essa mania de usarem títulos para criar tanta separação. Somente Catryn. Sente ao meu lado, por favor.

Ela ficou um tanto surpresa com o pedido, mas obedeceu, pois sabia que não adiantava nada discutir com os membros daquela família. Conversaram por quase duas horas, falando sobre filhos, Londres, estudos e muito mais.

— Catryn. Posso te fazer uma pergunta intima?

— Pode. O que a aflige?

— Foi fácil para sir Orion aceitar Alwyn?

— Você sabe como foi que nós nos conhecemos?

— Bem, como tudo que diz respeito à esta família, cedo ou tarde, todos ficando sabendo e como estou muito próxima a Vossa Alteza... sim, eu fiquei sabendo. - O sorriso tímido dela dizia exatamente que ela sabia muito mais que uma simples criada saberia, que ela estava por dentro de todas as fofocas mais quentes da família e que era uma pessoa de confiança.

— Orion lutou ao meu lado para recuperar Alwyn e quando ele voltou para meus braços, achei que ele iria embora, mas ao contrário, ficou comigo, aceitou bem minha gravidez e assumiu meu filho e cuida dele como cuido dos filhos dele. Na verdade a relação deles é extremamente paternal, há muito amor envolvido entre eles.

— Vocês fazem uma linda família, parecem que estão juntos desde sempre. E sir Orion olha pra você com uma devoção enorme.

— Do mesmo jeito que Modred olha pra você.

— Ah, Catryn, deixemos isto pra lá. Eu sou uma criada, filha de uma criada, sobrinha de um mordomo que sempre trabalhou para esta família e nunca conheci meu pai. Quem sou eu para ele?

— Se ele de fato estiver apaixonado por você, isto não importará. Acho que ele se preocupa bem mais se você pode lidar com o dom dele do que com o título.

— Não é o dom dele que me incomoda. Ele sabe que não consegue ler minha mente. Acho que é isso que o atraí, de não conseguir ouvir meus pensamentos e o que eu sinto.

— Eu acho que não seja somente por isto. Pode não parecer, mas sou muito observadora, ele tenta disfarçar, mas sempre mantém um olhar em você, no que você está fazendo. E normalmente o olhar dele é quente.

— Normalmente quente?

— Outras vezes, bem quente. Se me entende.

Ambas riram com a observação, até que Maze viu que já estava quase na hora do jantar e precisava trabalhar um pouco mais antes do fim do dia chegar.

— Vá minha querida. Eu ainda preciso ficar deitada um pouco mais. E pense em tudo que falamos. Permita ser feliz ao lado de um homem que parece ter um coração muito bom.

— Sim, vou pensar nisto com todo cuidado, preciso decidir o que farei com essa informação.

Ao chegar na biblioteca, o sorriso ainda estava estampado em seu rosto, brincando com alegria pelo fato de saber que outra pessoa tinha visto o quanto Modred a olhava.

Virou em direção sem sua mesa, sem olhar para os lados e acabou tropeçando em Modred, que olhou para ela perguntando o que a tinha deixado tão feliz.

Sua resposta foi ficar na ponta dos pés e beija-lo, segurando em seu casaco.

Modred ficou admirado por ela ter tomado a iniciativa naquele momento, a abraçou com força e a encostou na estante tirando a visão de qualquer um que passasse pela janela. Soltou os cabelos dela e enroscou a mão, enquanto abaixava e beijava seu pescoço, sentindo o cheiro que dela emanava.

Onde os lábios dele passavam deixavam um rastro de paixão, tirando toda a razão de Maze. Sentiu a mão dele sobre seu seio e sua boca beijando seu pescoço. Parecia que o mundo estava girando, mas ainda não estava pronta para permitir que o envolvimento deles fosse mais longe.

Gentilmente o empurrou e sentiu as mãos dele, descendo lentamente por seus braços e segurando suas mãos, que ele beijou olhando para ela.

Modred se separou dela com dificuldade, respeitando o limite que ela tinha imposto, seu corpo inteiro estava aquecido pelo desejo que ela despertava nele, mas sabia que ela ainda não estava pronta para a próxima fase da sedução e que um movimento em falso poderia afastá-la dele de uma vez por todas.

Saiu assoviando baixinho, feliz em saber que ela aceitava de bom grado a corte que ele fazia.


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