Verde é a cor mais quente escrita por vilã do mundo


Capítulo 7
Capitulo sete: Cris




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/778653/chapter/7

Mais uma longa semana estava começando e a maioria dos colegas de classe estavam ansiosos para a chegada da sexta-feira. Alguns, como eu, por que era o dia mais próximo do final de semana, onde poderíamos sair e descansar. Outros, entretanto, estavam ansiosos pela aula de direito civil, que temos toda sexta-feira. A grande maioria das pessoas que estão no segundo grupo são do sexo feminino e, honestamente, eu não entendo o motivo de tanta ansiedade para ter aula de uma matéria especifica, mas as garotas queriam ver o “professor bonitão”. Parecem que nunca viram um homem bonito na vida.

Era segunda de manhã e Valquíria estava se programando para ficar na biblioteca depois da aula durante todos os dias da semana para terminar logo os trabalhos que temos para fazer. Ela é muito neurótica com essa questão dos trabalhos. Para ela tudo tem que estar perfeito e ela não aceita nada além da perfeição. Juro que se eu soubesse que ela é tão chata com essas coisas eu teria procurado outro grupo para fazer os trabalhos.

— Não posso ficar depois da aula – falei para Valquíria, interrompendo o monologo dela sobre como era importante terminar esses trabalhos logo.

— Por que? – Perguntou Elizabeth, impedindo um protesto indignado da Valquíria.

— Eu trabalho a tarde e só posso ficar na biblioteca pesquisando os trabalhos nos finais de semana – respondi.

— Tudo bem, eu e a Valquíria vamos adiantando os trabalhos e sábado você nos ajuda a termina-los – disse Elizabeth.

— Mas você vai deixar que Cris não faça nada? – Perguntou Valquíria indignada.

— Ele vai nos ajudar com os trabalhos, só que ele não pode ficar depois da aula, afinal ele precisa trabalhar. E outra, eu vou te ajudar, então você não vai fazer os trabalhos sozinha, se essa é a sua preocupação. – Respondeu Elizabeth um pouco irritada.

A resposta irritada de Elizabeth me deixou surpreso, pois ela sempre me pareceu muito calma, exceto quando ela deu uma resposta bem grossa para o professor de civil, resposta essa que tirou a sala do estado de transe em que estávamos e nos fez prestar atenção na aula. Acho que ela deveria fazer isso em todas as aulas, pois sempre tem gente que não presta o mínimo de atenção no que o professor está falando e tenho certeza de que esse pessoal vai acabar se ferrando no final do semestre, mas isso não é problema meu.

As aulas da segunda-feira eram as piores da semana. Esse era o único dia em que temos duas matérias no mesmo dia, que são língua portuguesa e teoria geral do direito. O professor de língua portuguesa explicava bem a matéria, mas era muito repetitivo e dependia muito dos slides que ele usava na aula, mas o professor de TGD era um poço sem fim da mais pura arrogância. Ele passava a primeira metade da aula falando dos dois mestrados que ele fez fora do Brasil e também do mestrado que ele fez com um tal de Mascaro, que é um desses caras fodas para caralho que tem no direito. Ah! Já ia me esquecendo, o professor de TGD também fala muito do doutorado que ele fez em Oxford. Na segunda metade da aula o professor finge que passa a matéria, mas a cada dez palavras que ele fala, oito se resumem a um único nome: Hans Kelsen. Era a segunda aula que tínhamos com esse professor e ninguém aguentava mais ouvir falar desse tal de Kelsen.

Na terça-feira a minha turma tem Direito Constitucional e todos estavam esperando que a aula dessa semana não desse tanto sono quanto a aula da semana passada. A aula dá sono por causa da forma como o professor fala, pois ele fala muito calmamente e em um tom de voz bem tranquilo, que vai dando muito sono durante a aula. Na semana passada, como foi a primeira semana de aulas, teve pouca matéria, já que os professores se preocuparam em nos explicar o sistema de avaliação da faculdade, que poderia ser bem confuso se a pessoa não prestasse atenção. O sistema de avaliação era composto por cinco atividades avaliativas, dois trabalhos e três provas, e cada uma dessas avaliações valiam até 20 pontos. A maior nota que um aluno pode tirar no semestre é 100, mas o aluno precisa de, no mínimo, 70 pontos para passar. O que os alunos precisavam ter atenção é que duas provas eram juntas. É uma prova só, que vale até 40 pontos, mas que na hora em que a jota for lançada no sistema, serão duas notas diferentes e a soma dessas duas notas é a nota que o aluno tirou nessa prova. Não é difícil de entender, mas pode ser um pouco confuso para quem não presta atenção no que os professores falam e, acredite em mim, tem muita gente que não presta atenção no que os professores falam.

Bom meu trabalho não é dos mais legais, mas ganho o bastante para me manter. O fato de dividir a casa com meus dois irmãos ajuda bastante, pois as despesas da casa são divididas em três, de forma que não fica pesado para ninguém. Eu trabalho na recepção de um hospital que fica perto da faculdade, mas que é um pouco longe da minha casa, já que moro em Itaquera. Não é difícil de chegar, já que o metro me deixa praticamente na porta do trabalho e vou andando até a estação de Itaquera, mas é uma merda pegar o metro cheio para chegar até a faculdade e depois pegar o metro cheio para voltar para casa. A melhor parte é que não trabalho aos finais de semana. A pior parte não é o metro lotado todo dia, é aguentar gente estressada o dia inteiro. Eu acho incrível como as pessoas conseguem ser estressadas até quando estão doentes. Talvez o estresse seja algo intrínseco de toda pessoa que more na cidade de São Paulo.

A aula de Direito Constitucional não deu tanto sono como eu pensei que daria, mas acho que isso se deve ao fato de que o professor começou a passar a matéria. Deu para ver pela quantidade de matéria que ele passou hoje que a aula passada realmente foi só uma introdução a matéria e que daqui para frente seria muita matéria em todas as aulas. Se o volume de conteúdo que os professores das outras matérias passarem forem iguais ao que o professor de direito constitucional passou os alunos teriam muita coisa para estudar para as provas e, obviamente, as provas semestrais seriam todas na mesma semana.

Na quarta-feira tivemos aula de Direito Penal e o professor começou a nos explicar o princípio da legalidade, ou seja, que não tem crime sem lei anterior que o defina, assim como não existe pena sem prévia cominação legal. Acho que isso definitivamente deve cair na prova dessa matéria, pois o professor repetiu essa afirmação inúmeras vezes no decorrer da aula. Bom, ele começou a matéria nos explicando o princípio da reserva legal e os seus aspectos, que se dividem em aspecto formal e aspecto material. O aspecto formal é a reserva absoluta da lei (somente a lei poderá veicular matéria penal). Segundo a doutrina dominante, somente a lei, em sua concepção formal e estrita, pode criar tipos e impor penas. Já o aspecto material é o tipo penal que exerce também uma função seletiva, que consiste em o legislador, por meio do tipo, selecionar, entre todas as condutas humanas, as mais perniciosas à sociedade. Em um tipo penal não pode constar condutas positivas, não perniciosas à sociedade. Depois que o professor nos explicou isso ele falou sobre os princípios em que o princípio da reserva legal se estabeleceu, que são os princípios da adequação social: de acordo com este princípio, não podem ser considerados criminosos fatos socialmente adequados, ou seja, as condutas que são aprovadas pela coletividade não podem ser consideradas criminosas pelo legislador, mas que existem alguns obstáculos como o fato de que costume não revoga lei, ou seja, ainda que o costume leve a norma penal ao desuso, ele não poderá revogá-la. E tudo isso para explicar o princípio da anterioridade, que é o fato de que não há crime sem lei “anterior” que o defina nem pena sem prévia cominação legal, ou seja, a lei que descreve um crime deve ser anterior ao fato incriminado. A irretroatividade da lei é uma consequência lógica da anterioridade. A lei penal só poderá alcançar fatos anteriores para beneficiar o réu. E foi nessa aula que eu tive a certeza de que eu estava muito fodido para estudar para as provas e que eu teria que ceder um pouco e dar razão a Valquíria quando ela disse que precisamos começar a estudar para as provas o quanto antes, para fugir das provas de recuperação.

Para mim a melhor aula que temos é Direito Empresarial. O professor, apesar de ter feito mestrado e doutorado fora do Brasil não fica falando sobre isso toda hora e foca mais em passar a matéria do que em outra coisa, a não ser quando ele está contando piadas ou falando sobre os outros professores, geralmente os outros professores estão no meio das piadas, mas não é nada ofensivo. Confesso que a melhor parte da aula é quando o professor conta sobre as coisas que ele já passou com os clientes e também com alguns colegas de trabalho. Obviamente ele nunca fala os nomes dos clientes dele, até por que, de acordo com o código de ética da OAB, ele não pode expor os clientes dele, mas, até onde sei, não tem nada que o impeça de usar os casos em que ele trabalhou como exemplos em sala de aula.

Finalmente sexta-feira. Eu já estava preparado para anotar os pontos importantes da aula, até porque Elizabeth e Valquíria, assim como nenhuma outra garota da sala, anotaria nada e só prestaria atenção na bunda do professor, coisa que, para elas, era muito mais interessante do que a aula propriamente dita.

— Bom dia a todas e a todos, antes de começar a passar a matéria de hoje eu gostaria de saber se todos receberam os trabalhos que vocês deverão me entregar, assim como as informações sobre a data de entrega? – O professor perguntou assim que entrou na sala.

Todos da turma confirmaram o recebimento das atividades e das datas de entrega, pois Elizabeth tinha mandado os trabalhos pelo grupo de whattsapp da sala, assim como mandou as datas de entrega e as demais informações que ele tinha passado para ela. Como ela recebeu essas informações eu não sei, mas ela fez o favor de compartilhar com a sala.

— Já que todos receberam eu gostaria de convida-los para um grupo de estudos que estou organizando fora do período de aulas, onde pretendo solucionar possíveis duvidas que possam surgir, assim como auxilia-los com os trabalhos – o professor disse.

— Como vai funcionar esse grupo de estudos? – Perguntei.

— Serão grupos de poucos alunos, ainda não defini o tamanho dos grupos nem os horários, mas pretendo fazer durante a semana depois das aulas e, talvez um grupo aos sábados, para atender os alunos que não podem ficar depois das aulas durante a semana, mas antes de definir esses pontos eu preciso saber quantos alunos tem interesse para solicitar para a coordenação um espaço onde todos poderão se reunir, por isso estou passando uma lista para os interessados colocarem o nome, a turma, a disponibilidade de dia e horário para participar e um telefone para contato, assim poderei informa-los de tudo sobre os grupos de estudo – ele respondeu, entregando a lista para os alunos da primeira fileira.

— Agora que já passei os recados e a lista já está circulando vamos começar a matéria de hoje. Vocês sabem o que é e quem é sujeito de direito? – Perguntou o professor. Ninguém na sala sabia a resposta.

— Sujeito é um conceito que se pode usar de diferentes formas. Pode-se tratar de um indivíduo que, num determinado contexto, carece de identificação ou de denominação. Também pode fazer referência a uma categoria filosófica ou a uma função gramatical. Direito, por sua vez, pode ser aquilo que guia o agir/comportar-se correto, legítimo ou adequado das pessoas. A noção também está associada às normas que expressam um ideal de justiça e que permitem regular a conduta e os vínculos humanos. Diante destas definições, podemos compreender a que se refere a ideia de sujeito de direito. Trata-se daquele a quem se pode imputar direitos e obrigações através da lei. Todas as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, são sujeitos de direito. – O professor explicou.

 Durante o restante da aula o professor explicou que todos os seres humanos já nascem como sujeitos de direito, mas que até os dezesseis anos precisam ser representados pelos pais ou tutores para absolutamente tudo o que queiram fazer, já que são absolutamente incapazes de realizar atos da vida civil e que entre os dezesseis e os dezoito anos a pessoa é relativamente incapaz, ou seja, pode realizar alguns atos da vida civil sem a representação dos responsáveis, como votar, por exemplo, mas que para realizar outros atos, como comprar uma casa, essas pessoas precisam ser representadas e que só adquirimos a capacidade civil plena aos dezoito anos, com exceção dos casos de emancipação, que pode ocorrer depois dos dezesseis anos, ou casos em que a pessoa já é maior de dezoito anos, mas não tem como praticar atos da vida civil, por estar em coma ou não ter discernimento o suficiente para entender o que está fazendo.

Eu achei que essa aula de civil foi bem mais interessante do que a aula da semana passada. Parecia que o professor tinha se preparado melhor para dar essa aula. Talvez ele só precisasse de um pouco de tempo para descobrir como prender a atenção dos alunos e a ideia de fazer um grupo de estudos foi muito boa, apesar de ter muitos pontos a serem definidos. Não tem nenhum outro professor que se disponha a fazer isso, ou pelo menos nenhum outro professor nos falou sobre iniciativas parecidas com essa para que os alunos participem.

No final da aula Valquíria e Elizabeth desceram em direção a biblioteca e eu fui correndo para o trabalho, mas não sem avisa-las que estarei amanhã na parte da manhã na biblioteca para ajuda-las com os trabalhos. Valquíria disse que os trabalhos já estavam quase prontos e que eu poderia ajuda-las a fazer a revisão amanhã. Por mim não tinha nenhum problema se eu faria ou não a revisão dos trabalhos, o que eu não queria era deixa-las fazendo tudo sozinhas, pois não seria justo que eu ganhe nota em cima do que outras pessoas se esforçaram para fazer. Quando chegamos no segundo andar encontramos o professor de Civil e Valquíria disse que esperaria por Elizabeth na biblioteca e eu me despedi, pois se eu demorasse mais um pouco eu chegaria atrasado no trabalho e a última coisa que eu preciso é que me descontem alguma coisa do meu salário, que já não é muito alto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Verde é a cor mais quente" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.