PS: NÃO ESCREVA escrita por scarecrow


Capítulo 5
quinto capítulo




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CAPÍTULO 05

 

De tudo o que poderia ocorrer em um sábado de manhã, a situação em que eu me encontrava era a menos provável possível; ainda assim, estava acontecendo. Ali, bem em frente aos meus olhos, independente se eu acreditava ou não.

Não sei dizer ao certo em qual horário Mike havia chegado em minha casa, mas existia uma certa garantia que ele falava já há uma eternidade. E mesmo ciente que ele direcionava um monólogo perfeitamente para mim, eu não conseguia prestar atenção. Nada mais havia entrado em meus ouvidos depois de uma certa frase em específico.

—Não, Mike, nós não vamos almoçar juntos. Não tem a menor condição disso acontecer.— eu respondi pela milésima vez, massageando minhas têmporas. Michael e suas visitas inesperadas e cada vez mais frequentes sempre me tiravam do sério, e eu sempre me pergunto se seria esse o seu verdadeiro talento. 

—Vai se foder, Brian, eu já fiz as reservas. Nós vamos. Fim!— ele exclamou por fim, sentando de volta no sofá espaçoso de minha sala fria. A mesa de centro ainda estava torta no meio do tapete devido a noite passada, e eu nem me lembrava de ter tirado tantas almofadas assim do lugar. Mal tive tempo de arrumar a bagunça que eu e Matt fizemos na noite passada, por receber Mike e suas conversas logo cedo. Pensar em Matthew me fez lembrar do motivo pelo qual eu não poderia almoçar com meu irmão naquele dia.

—Tá, tá bom. Mas então, vamos agora.— eu disse autoritário. Ele me olhou incrédulo, como se não pudesse acreditar no meu tom impositivo. Ele voltou sua atenção para a televisão, trocando de canal repetidas vezes. —Agora, Mike!

—Não. Você não prestou atenção em uma palavra, não é? Os meninos estão chegando aqui. E por chegando, eu quero dizer daqui uns bons dez minutos, então segura sua onda aí.— ele explicou, sem tirar o olho do televisor. 

Suspirei nervoso, olhando para o relógio pela milésima vez naquela manhã. Faltavam apenas cinco minutos para o fatídico meio dia, e o bilhete torto de Matthew não saía da minha cabeça. Se ele fosse mesmo vir me buscar para o almoço, o que quer que isso signifique, provavelmente ele tocaria a campainha a qualquer momento. E se apenas a ideia de ter meu irmão e Matt no mesmo recinto me dava arrepios, imaginar a interação dos dois somado aos meninos chegava a ser a própria personificação de um pesadelo. 

Sem nenhuma solução aparente, decidi por sentar ao lado de meu irmão. Decidi que não havia porque me incomodar com a relativa bagunça do cômodo, já que, de uma maneira ou de outra, eu sairia de casa para o almoço de qualquer forma. Reparei, ainda olhando para o meu lento relógio de parede, que amanhã completariam dez dias da ausência de Linda — ela não me ligou para perguntar sobre aquela conta paga, ou ao menos respondeu minha mensagem desejando-lhe uma estranha boa viagem, por saber que hoje ela finalmente chegaria à Itália, depois de muito passear no país francês. 

E mesmo estando tão longe, meu casamento com Linda me cansava. 

Pensar no assunto me tirava o ânimo, e eu sequer sentia fome, apesar do horário. 

—Que cara horrorosa, irmão. Anda, levanta.— Mike me reprimiu, chutando-me sem força em uma tentativa inútil de me tirar para fora do sofá. Eu o olhei sem entender, e ele caiu na risada. —Vou te ajudar a escolher uma roupa. Ou você vai sair de pijama?

—Vou sair de pijama— respondi, fazendo pirraça. Mesmo que de nada adiantasse argumentar contra Michael, sempre gostei de deixar claro meu descontentamento quando ele ganhava alguma de nossas discussões; essa vez não seria diferente. 

Meu irmão levantou sem dizer nenhuma palavra, e eu tentei imaginar o que viria a seguir. E quando diversas roupas vieram do quarto em minha direção com força, eu já tinha me distraído com algum programa sobre animais selvagens que Mike tinha colocado na televisão. Michael havia, literalmente, tirado todas as minhas roupas de meu armário, jogando uma por uma na sala, me acertando mesmo sem precisar do esforço mínimo. 

Levantei já meio puto, quando uma blusa ficou presa em minha cabeça, emaranhando meus cabelos já antes atrapalhados. 

—Você é um idiota, Brian, sabia disso? Vai se vestir, sim senhor, anda logo, tira esse seu pijama horroroso— dizia meu irmão, gargalhando da minha cara.

—Eu não acredito que você fez isso comigo!— briguei, verdadeiramente emburrado. —Eu te odeio. Sério. Sério mesmo.

—Não adianta fazer bico pra mim.— ele respondeu, dando ombros. Eu nada mais disse, decidi por apanhar as roupas que estavam espalhadas pela sala, me decidindo sobre qual delas eu iria de fato de vestir. Foi então que eu ouvi a campainha tocar alta, quase pulando de susto. —Ah, deve ser os meninos.

Senti meu peito doer de ansiedade, o coração esmurrando minhas costelas com força por antecipação. Me perguntei, nos segundos seguintes, qual seria minha reação se Matt estivesse despreocupado atrás da porta, e só voltei a respirar quando vi os cachos bem cuidados de Liza adentrar a casa.

—O que houve aqui?— Noah perguntou, fechando a porta por ter sido o último a entrar. —Nossa, Brian, que cara horrível. Morreu e esqueceu de cair?

—Vai se foder— xinguei, imaginando que, provavelmente, minha cara estava uma merda mesmo. Ainda sentia meu batimento cardíaco acelerado e não conseguia prestar atenção nos assuntos que vieram a seguir. 

Eu estava na sala da minha própria casa, inerte, ouvindo meus amigos discutirem sobre o que iríamos almoçar hoje, quando meu irmão me empurrou até o quarto, mandando-me trocar logo de roupa. E quando finalmente caí em mim, escolhi quaisquer peças de roupa, apressado. Se saísse agora, poderia evitar encontrar com Matt para o almoço. Mandaria uma mensagem para ele pedindo desculpas, explicando que já tinha um compromisso inadiável, perguntando se poderíamos marcar o encontro para outro dia.

O alívio, todavia, durou muito pouco: eu ainda estava com a calça no meio das pernas quando ouvi a campainha tocar mais uma vez naquela manhã, e quase me atrapalhei com a peça de roupa ao tentar correr até a sala. Ouvi uma conversa tímida vindo do cômodo ao lado e a campainha tocar mais uma vez. Xinguei um palavrão baixinho e, devidamente vestido, fui correndo até a entrada da casa. 

A sala estava uma bagunça Ainda tinha peças de roupas jogadas pelo chão, esquecidas no sofá ou na mesa de centro que ainda estava fora do lugar. Tinha cobertas grossas não dobradas entre as almofadas, e resquícios da noite anterior em cima do tapete. Noah, Liza, Mike e Hannah estavam espalhados no cômodo, sentindo-se em casa, em um silêncio nada típico vindo daqueles quatro. Meu olhos correram por todos os cantos até finalmente chegarem na entrada da casa, e caírem na graciosidade de Matt escorado na porta. 

Matthew e suas roupas rasgadas, moletons quentes e botas pesadas, sempre com um sorriso no rosto, me olhando daquele jeito de quem me decifra inteiro. 

—Interrompo? — ele me perguntou, achando graça. 

—Puta merda.— soltei, —eu torci bastante para que isso não acontecesse.— 

—Brian é muito ranzinza, não se incomode com ele.— disse Michael, estendendo a mão para o recém chegado —Meu nome é Mike. Sou irmão mais novo desse chato aí.

Revirei os olhos, decidindo ir para a cozinha enquanto todas as apresentações eram feitas. Precisava de um bom copo de água gelado, sem ter certeza se devido a ressaca de vinho ou se por conta da ansiedade. Ouvia a conversa de longe e um número considerável de risadas. Senti meu estômago embrulhar, sem saber ao certo o motivo. 

Apesar de ter aceitado, mesmo que aos poucos, a estranha e recente presença de Matt, não queria ainda que ele entrasse para minha rotina. Não queria que ele conhecesse meu irmão, meus melhores amigos ou meu restaurante preferido. Eu não saberia dizer o motivo para tal; talvez eu simplesmente não quisesse que Matthew entrasse de forma efetiva em minha vida, de modo que seria difícil torná-lo depois. Ou então, de alguma maneira, eu não queria que ele visse o quão patético e rotineiro era minha vida pessoal. O quanto não havia nada de interessante no que eu tinha cultivado para mim em todos os meus vinte e nove anos, ou o quanto eu não valeria a pena todo aquele esforço inexplicável que Matthew fazia para me conhecer, mesmo que aos poucos.

Quando voltei para a sala, meu irmão mais novo estava empurrando todos os outros convidados para fora de casa, dizendo que iriam, sim, no restaurante mencionado e que todos deveriam ir na frente em seu carro, que nós dois logo sairíamos para lá. Matt foi encaixotado no automóvel vermelho exagerado, espremido no banco de trás junto dos meus amigos, sem sequer trocar uma única palavra comigo. 

Céus, que arrependimento.

—Que cara é essa?— Mike me perguntou, no instante em que a porta foi fechada com um barulho exagerado. Revirei os olhos, e meu irmão riu da minha cara. Procurei pela minha carteira e a chave do carro, tentando colocar no mínimo alguma parte da minha vida em ordem. Coloquei meus sapatos pesados e saí de casa, mal humorado. —Me dê logo essas chaves, Bri, anda. Sei que você ainda tá com raiva de mim, mas esse seu carro estragado já é perigoso sem você dirigindo.

Não ousei responder. Bati a porta do carro com força, esquecendo que se tratava do meu próprio. E diferente do que eu acreditei que aconteceria, meu irmão nada disse sobre minha visita inesperada de alguém que ele com certeza conhecia. Claro: não necessariamente Mike era um falante dedicado em todo momento, porém eu conhecia bem meu irmão. Conhecia aquela sua maldita memória visual perfeita a ponto de saber que ele se lembrava, sim, de ter visto Matt na boate naquela fatídica sexta-feira. Ele até tinha comentado comigo sobre o assunto no dia seguinte, por céus! E depois de tanto falar sobre como ter Linda fora do país era minha oportunidade perfeita para conhecer o mundo fora do casamento, era plausível concluir que o silêncio de Michael sobre o assunto era ilógico. 

Era ilógico a ponto de ser suspeito. 

E a medida que ele falava sobre suas novidades semanais obviamente não tão interessantes assim, mais minha ansiedade crescia. Será que meu irmão tinha, talvez, chegado em sua própria conclusão inexata e perversa a ponto de sequer precisar perguntar nada para mim? Ou será então (que  deus proíba essa alternativa de ser verdadeira) que ele e Matthew tinham trocado palavras suficientes mais cedo de modo que minha participação sobre o assunto não era mais necessária?

Foi em um mundo de pensamentos desconectados, cuja explicação ainda não era entendível para mim, que eu interrompi o monólogo propositalmente monótono de meu irmão para perguntar: —Você não vai dizer nada?— Seus olhos claros me encararam em um tom divertido, como se perguntasse do que eu estava falando, me obrigando a falar palavra por palavra. —Não vai me perguntar nada sobre Matt? Jura?

—Matt?— Ele riu, dando gargalhadas gostosas enquanto fazia curvas de mal jeito —Como vocês parecem íntimos! Eu não tenho nada pra perguntar, Brian. Já te disse que achei ele uma graça e que você deveria aproveitar que sua esposa não tá aí pra terminar de vez esse casamento.

Abri e fechei a boca algumas vezes, mas nada disse. 

Sim, Mike já havia me dito tudo isso. E a simplicidade com que ele repetiu seus achismos me deixou tímido. Ele também nada mais disse sobre isso, dando-me a entender que Michael sabia também, de cor e salteado, minha opinião sobre o assunto: eu não iria me divorciar. 

No mínimo não agora, por mais que eu tenha perdido a conta de quantas horas tinham se passado desde a última notícia que tive de Linda.

Quando finalmente chegamos, não soube conter minha surpresa. Estávamos na pizzaria que sempre fomos durante os fins de semana, e nada de novo tinha naquele lugar estranhamente comum. 

—Você não disse que tinha feito uma reserva?— eu perguntei, imediatamente querendo voltar para o carro ao sentir o frio do lado de fora. Meu irmão gargalhou, entregando-me as chaves do carro, explicando que só havia me dito aquilo para me convencer de sair de casa. 

Ainda fingindo estar emburrado, fomos até o nosso lugar de sempre, em uma varanda onde meu irmão poderia fumar dos seus cigarros fortes sem necessariamente incomodar os outros clientes; e, por consequência, acabar nos expulsando de nossa pizzaria preferida. Liza, Hanna e Noah já estavam sentados em seus devidos lugares, decidindo alguma coisa baseado no cardápio (coisa que nós insistíamos em fazer, mesmo sabendo que sempre pediríamos os mesmos sabores de sempre) e meu peito se aqueceu de saudade. Não me lembro quando tinha sido a última vez que fiz parte desse ritual.

Era uma sensação boa de estar onde você pertence, mesmo que esse lugar fosse uma pizzaria barata no centro da cidade. Sensação esta que, claro, foi embora no instante que os olhos castanhos de Matthew se encontraram com os meus, no meio de um sorriso divertido vindo da parte dele. 

Quis, imediatamente, enfiar minha cara no bueiro mais próximo. Mike já chegou acendendo um de seus cigarros, tomando o lugar do canto e me obrigando a sentar ao lado de Matthew. Eu nada disse: fiquei ali, calado, vendo meus amigos, meu irmão e um estranho que só eu conhecia interagirem como se aquela cena fosse a mais comum de todo o universo. E talvez fosse mesmo. Mas ainda assim, tinha um ou dois pensamentos ansiosos que não largavam minha cabeça, independente de meu esforço em deixá-los ir.

Porque Matthew me levou para almoçar em um restaurante elegante, de poucas mesas e atendimento impecável. Nós tomamos vinhos caros e ele pagou a conta, como em um verdadeiro encontro, desses que vemos em filmes bobos de romance. Agora, em comparação, eu o trouxe para a pizzaria mais genérica possível, em que a única pessoa que tinha nos servindo era o Bob, o garçom mais folgado que já conheci em minha vida.

Me afundei na cadeira, inconscientemente, e ouvi meu irmão reclamar da minha postura. Matthew estava sorridente, como parecia ser do seu costume. Parecia relativamente mais bem vestido do que no dia anterior, quando apareceu em minha casa de jeans rasgados e vinhos caros. Talvez, cogitei, hoje ele também tinha planos de me acompanhar em algum restaurante bonito, de preços longos. Senti uma estranha curiosidade me incomodar: como teria sido nosso almoço, se os meninos não tivessem aparecido? Senti minhas bochechas arderem, cheias de vergonha, pela sequência de pensamentos que surgiram em minha cabeça logo em seguida.

Pedimos, finalmente, as três pizzas que eram de praxe. 

Os cardápios foram deixados no lado da mesa enorme, e a conversa continuou fluida como se Bob nunca tivesse vindo nos interromper com os pedidos. Hannah dizia alguma coisa sobre esse novo cliente que tinha aparecido em seu consultório, e como ela tinha cogitado seriamente indicá-lo para outro psicólogo, com a esperança de chamá-lo para sair. 

— A culpa não é minha se ele é apenas maravilhoso — ela se justificou, caindo na risada. 

Hannah era dessas pessoas que a gente não consegue evitar rir junto dela, de tão contagiante. Sua voz era sempre incrível, mas sua risada era perfeita; e naquele sábado em particular, ela parecia estar ainda mais radiante do que normalmente: os cabelos estavam presos em um penteado de aparência difícil, o óculos esquecido dentro da bolsa e as cores frias de sua roupa quente combinavam com sua pele rosada. 

E quando nossos olhares se encontraram, ela entortou o sorriso com um tom de deboche, como quem me parabenizava pela escolha do novo namorado. Reprovei-a em silêncio, mas ela não se deixou abalar por minha expressão — eu havia sido devidamente ignorado. Lembro que cheguei a abrir a boca para reclamar com ela qualquer coisa que seja, quando Matthew passou a falar, e todos nós passamos a prestar atenção em sua pessoa, como se ele fosse a coisa mais cativante existia.

Matt passou a explicar algo sobre a cidade (seus lugares preferidos, as boates que ele acreditava que gostaríamos) e dizia com um certo orgulho como a noite era maravilhosa se a gente soubesse aproveitar. E com ele ali, sentado do meu lado, tomando a atenção de meus amigos, me fez perceber como parecia mesmo um encontro com o objetivo de apresentar meu novo namorado. Como aquele era o primeiro contato das pessoas mais próximas de mim, com um cara que eu recém conheci. Como no fim daquele almoço eu iria esperar pelas opiniões cheias de achismos de meus amigos e, por mais que fingisse que não, levaria em consideração cada uma delas. Como aquele pequeno contato poderia mudar tudo sobre minha relação com o Scott dali pra frente.

E, principalmente, como Matthew parecia estar indo muito bem.

A pizza chegou em pouco tempo, e a conversa não parava em um ponto morto sequer, mesmo que eu não estivesse participando efetivamente dela.

Não conseguia me concentrar nos assuntos da mesa, e fiquei me perguntando coisas que eu sabia ter a possibilidade de nunca serem respondidas (nem mesmo com o tempo). Porque depois de passar pela minha cabeça a estranha ideia de ter Matthew como alguém que eu apresentaria, algo em minhas entranhas pareceu acender. E isso — não me perguntei o porquê — me deu a estranha sensação de me sentir um pouquinho mais especial.

— Pensando no quê, Bri? — meu irmão perguntou, procurando por outro pedaço de pizza.

— Oi? — resmunguei, distraído. Vi os olhares da mesa caírem em mim: — Nada demais, pra ser sincero. Só umas coisas lá do hospital.

Meu irmão me encarou com dúvida, antes de me servir mais um pedaço de margarita. Ele nada mais voltou a perguntar, e eu agradeci por isso. No fim, minha relação com meu irmão era sempre daquela maneira: poderíamos nos cutucar do modo que fosse, mas sempre me sentia melhor na sua companhia. Ele me entendia com poucas palavras, quase como se sintetizasse toda confusão dentro da minha cabeça com apenas aquela frase mentirosa.

***

— Você pode me agradecer depois, Matthew. — Mike disse, orgulhoso, bebericando um pouco de refrigerante em seu copo exagerado. — Essa pizzaria é a melhor do país. Não acredito que você não conhecia aqui antes.

— Eu só posso concordar! Me convidem a próxima vez que vocês forem vir. — ele respondeu, risonho. Seus olhos castanhos me procuravam de relance, e eu fingi não os ter visto.

Bob apareceu, quinze minutos depois de termos pedido a conta, com o valor do almoço e a maquininha de cartão. No meio do falatório de quem pagava o quê, Noah sugeriu que dividíssimos em preços iguais para evitar a bagunça e as contas matemáticas desnecessárias. Eu aceitei, contrariado, pois acreditava que precisava, sim, pagar a quantia de Matthew para ficarmos minimamente quites. Claro que alguns pedaços de pizza não se equivaleriam ao almoço de semana passada, mas gostava de pensar que já seria algum começo.

— Vocês querem ir à algum lugar por agora? Conheci uma cafeteria nova e muito boa aqui do lado. — Ofereci. Tomar café forte logo após o almoço foi uma mania confortável que peguei de Linda, logo nos primeiros meses de namoro, e que até hoje não consegui me desvincular.

Lizza deu alguns passos para frente, anunciando sua partida. — Eu bem que queria, mas preciso dormir no mínimo uma horinha antes de ir pro plantão. — Arrumou a saia justa, amarelada, e levantou os olhos, a espera de alguma coisa. — Não quer me dar uma carona, Mike? 

— Pois iria adorar. — respondeu meu irmão, galanteador. — Hoje infelizmente é dia de trabalho.

— Todo mundo sabe que isso é mentira, Mike. Você odeia tirar dias de folga. Aposto que hoje nem precisava ir trabalhar. — Noah reclamou. — Eu, no caso, preciso voltar pra agência o quanto antes. Então vamos andando. 

Hannah disse já ter combinado um date para mais tarde e, por isso, precisava ir para casa logo para se aprontar devidamente para o tal encontro. E depois de muitos abraços de despedidas, todos seguiram seus devidos caminhos. 

Menos Matthew e eu.

— Tem certeza que dá tempo de um café antes de voltar para o trabalho? — ele me perguntou, estranhamente acanhado. 

— Ah, hoje é meu dia de folga, na verdade. Não é como se eu tivesse um horário marcado para nada nos sábados. 

Matthew nada me disse como resposta; apenas abriu um sorriso. E foi um sorriso tão bonito, sincero e cheio de dentes, que quando percebi, já estava sorrindo junto. Eu estava tão maravilhado por seu entortar de lábios, que não prestei atenção em nenhuma palavra que ele disse a seguir. Puxou-me pelas mãos, mostrando que o sinal estava aberto para os pedestres, perguntando-me se a cafeteria era mesmo para aquele lado. 

— Não achei que fosse conhecer seus amigos e sua família tão cedo — ele disse, sorridente, agora andando do meu lado na larga calçada do centro, sem nunca soltar minhas mãos. Seus dedos abraçavam os meus, aquecendo-os, e eu não afastei seu toque: havia gostado de sentir sua mão comprida na minha, e por isso não me incomodei com a intimidade repentina. 

— Deixa de falar besteira. A cafeteria é bem ali, ó — respondi, automaticamente deixando um sorriso brincar em meu rosto também. Puxei sua mão para meu lado, apressando nossos passos — Tá muito frio e eu só quero meu café logo. Vem.

E ele foi. Seus dedos ainda entrelaçados nos meus; seus olhos me encarando de vez em quando, a conversa boba que nunca deixou de existir. Nós encontramos uma mesa vazia no canto da cafeteria, e discutimos feito criança sobre os sabores existentes no enorme cardápio. Demoramos quase dez minutos para escolher nossos pedidos, e apostamos o preço da conta para quem escolhesse o melhor sabor.

— Espero que não tenha sido inconveniente hoje. Não achei que nenhuma das duas coisas fosse acontecer. — confessei, depois que a garçonete deixou nossa mesa. — Quero dizer, não sabia que deveria ter levado seu bilhete a sério, e nem mesmo que Mike iria lembrar de ir lá em casa hoje. Acabou que aconteceu tudo ao mesmo tempo.

— Você sempre deve levar meus bilhetes a sério. Sempre. — ele enfatizou, com um tom sério.

— Quer dizer então que eles vão aparecer de novo? Não sabia que seria algo recorrente. — respondi. Sabia ter uma careta debochada em meu rosto; Matthew continuou olhando nos meus olhos, sem se deixar intimidar pelo meu sorriso sarcástico. 

— Claro que você não achou. — Matt disse em um sopro: — Você é um bobo, Brian.

Senti as palavras quase escaparem de minha boca para respondê-lo, quando senti meu celular vibrar escandaloso no meu bolso da frente. Tirei-o apressado de minha calça, encarando o número que eu já sabia de cor. Devo ter feito uma careta ao desligar o telefone, pois logo Matthew voltou a falar.

—Queria conhecer sua mulher. Ela não está na cidade?

— Não sei se isso lhe diz respeito. — respondi mal educado. Voltei a guardar o celular no bolso, me contorcendo na cadeira para fazer o aparelho voltar de onde tinha vindo. 

— Vamos, deixe de ser chato. Vamos brincar do jogo das vinte perguntas, que tal? — sugeriu, abrindo um sorriso bonito. — Funciona assim: nós temos vinte perguntas para fazer um pro outro, dez de cada, um de cada vez. E precisa responder de forma sincera. Vamos, não faça essa cara. Eu começo! Sua esposa não está na cidade?

Pensei algumas vezes antes de responder. — Ela está viajando, na verdade. Linda foi convidada para dar algumas palestras nesse congresso famoso que roda a Europa. 

— Oh, que incrível! Ela deve ser muito foda. — me respondeu, de olhos castanhos arregalados. Parecia verdadeiramente impressionado. 

— Sim, ela é. — confirmei. Vi sua boca se contorcer de expectativa, lembrando-me da existência do jogo bobo. — Okay. Bom. Eu não sou muito bom com isso de perguntas, não acredito que tô fazendo isso. Com o que você trabalha? 

— Ah, ultimamente eu não tenho trabalhado. Tirei o ano para fazer outras coisas, digamos assim. — disse Matt, evasivo. — Se você pudesse escolher um lugar para morar, qual seria? Um lugar que você não conhece. 

— Tokio. — respondi rápido. — Onde você mora?

O garçom voltou a nossa mesa com nossos pedidos, colocando as enormes xícaras de café em nossa frente. Agradecemos, como era de praxe, e ele me olhou divertido antes de responder: — Pro leste da cidade. 

Trocamos as xícaras para provarmos o sabor do outro, curtindo a aposta boba que tínhamos feito logo quando chegamos à cafeteria. Seu café era doce e tinha sabor de caramelo; meu café era forte, e tinha aroma de canela. Ele concordou, com uma risada gostosa, que eu havia ganhado a aposta dessa vez, admitindo que sua bebida ficaria enjoativa rápido. Não reclamei da sua conclusão, e sorri tímido atrás da xícara. Olhei discretamente para Matthew, que falava sobre alguma coisa não muito importante. Reparei em seu cabelo bagunçado, o nariz fino e a pele lisa. Eu estava preso naquilo. Na sua aparência, nas suas respostas vagas, na minha curiosidade crescente e nunca saciada. 

Matthew Scott: era tudo o que eu sabia sobre ele. Não conhecia seu trabalho, seus estudos, o bairro em que morava ou o nome do seu cachorro. Não sabia nada sobre ele, senão as bobagens que ele compartilhava por acreditar não dizer muito sobre si (e realmente não diziam). E não é como se Matt não participasse de nossas conversas, muito pelo contrário — ele estava sempre fazendo perguntas, opinando e fazendo graça, sem nunca deixar de esconder qualquer íntima, desnecessária ou essencial informação sobre sua pessoa.

— Okay, é minha vez de perguntar.

— Não sei se quero continuar jogando, — o interrompi, — você está evitando minhas perguntas. O leste da cidade pode ser ainda perto de onde eu moro, pro lado do centro, ou então mais pra lá da cidade, quase que no subúrbio. Responder “no leste da cidade” não responde minha pergunta.

Ele me encarou com certo encanto, como uma criança que tenta entender uma matéria nova na escola. Vi seus olhos correrem por mim, até meu último fio de cabelo, analisando se eu merecia ou não as informações que viriam a seguir. 

— Você está curioso. — ele me disse. Não respondi. Mexi com os ombros, como quem faz pouco caso, e voltei a bebericar do meu café quente. — Amanhã você tem algum horário livre? Vou te levar a um lugar especial. 

Disse, meio sem jeito, que iria conferir meus horários antes de confirmar o nosso próximo encontro. Sabia que não teria tempo para nada no dia seguinte, mas não queria negar o pedido de Matthew de forma tão imediata. Ele voltou a falar, agora me contando sobre como teria que me levar a uma outra cafeteria que com certeza se tornaria a minha preferida a partir de então. Sorri, meio bobo, olhando para a rua enquanto o ouvia falar. Naquele dia, o céu estava tão nublado quanto eu.


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