PS: NÃO ESCREVA escrita por scarecrow


Capítulo 1
Primeiro capítulo


Notas iniciais do capítulo

Hello, pessoas ♥
Para quem não sabe, essa é a reescrita de uma fanfic muito antiga minha chamada PS: Don't Write. Dessa vez, além de melhorar umas coisinhas ali e outras aqui, decidi também fazer da história um romance com personagens originais, então não estranhe se você já tiver lido antes, porque tudo vai dar certo IEUHIDUHE
Se é sua primeira vez aqui, espero que você goste da história do início ao fim. ♥
A história originalmente tem 17 capítulos e provavelmente vou manter o mesmo número, apesar de ter aumentado o número de palavras por capítulo.
Espero que gostem do capítulo e boa leitura ♥



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CAPÍTULO 01

Não sabia como exatamente tinha chegado naquele ponto. Não que, a essa altura da história, isso tenha alguma importância prática; não tinha nenhuma, aliás. Mas ainda assim, eu, romântico como era, precisava de uma boa explicação para entender o que raios estava acontecendo naquele instante.

Porque, teoricamente, eu estava em um almoço bem no meio do expediente por uma tentativa frágil de colocar meu casamento de volta aos eixos, em um desses restaurantes que precisamos ligar duas semanas antes para conseguir reservar uma mesa naquela horário. Vestia minha melhor blusa de linho e meus cabelos estavam tão bem penteados que chegava estar engraçado. Tinha chegado dez minutos mais cedo, ansioso, usando o relógio de pulso que ganhei no primeiro aniversário de casamento.

Tudo isso para ficar sozinho por exatos quarenta minutos, até Linda decidir aparecer.

Se me perguntassem porque eu aceitei ficar ali, sentado, atualizando as mesmas redes sociais por minutos a fio, eu não saberia responder. Não existem motivos plausíveis pelo qual eu poderia atrasar o horário de almoço e, por consequência, o horário de todas as consultas que tinha marcado para o resto do dia. E ainda assim, eu estava ali. Com um sorriso amarelo no rosto, cumprimentando em um selo de lábios rápido a mulher que insistia não dar atenção a coisas bobas como horários e pontualidade.

“Não me olhe desse jeito, ok? Aconteceram um bilhão de coisas agora no hospital e… Ah, vai querer um vinho? Acho que vou pedir uma taça para mim” Linda me disse, sorridente, emendando assuntos um no outro. “Como está bonito hoje, querido! Alguma ocasião especial?”

“Você também não está nada mal” respondi risonho, deixando-me contagiar pela alegria dela, apesar de estar um pouco envergonhado por ter sido pego tão facilmente. Ela me mostrou a língua, reclamando que estava bonita sempre, e eu não neguei. Era verdade. Linda estava sempre tão maravilhosa que chegava a ser injusto, até. Não só pela harmonia que existia entre seus cabelos loiros, os olhos cor de mel e a pele dourada, mas também por toda sua graciosidade de escolher sempre as melhores peças do guarda-roupa ou de seguir religiosamente sua rotina de beleza todo dia antes de dormir.

Percebi, então, quanto tempo fazia desde a última vez em que parei para observar os pequenos detalhes da minha esposa. Não conseguia me lembrar qual tinha sido a última vez em que admirei seus olhos claros, ou reparei na cor de suas unhas curtas. Senti algo corroer meu estômago de ansiedade, por ter notado que algo tão simples e tão comum simplesmente desapareceu com o passar do nosso relacionamento. Soltei um suspiro cansado e tentei não me perguntar se ela ainda tinha o mesmo apreço pela minha aparência quanto costumava ter no início do nosso namoro.

Fizemos nossos pedidos e conversamos eventualidades, como se a existência de problema entre nós dois fosse nula. A conversa era tão leve e nostálgica, que deveria ter suspeitado que tal alívio viria acompanhado de alguma complicação inevitável.

“E então, eu fui convidada para participar desse projeto. Uma palestra por congresso, durante um mês inteiro. Acho que é um mês, não tenho certeza. E então esse médico, que é o organizador principal de tudo, entrou em contato com o hospital porque viu uma cirurgia minha um dia desses. Não é fantástico?”

“É mesmo, querida. Parece uma oportunidade e tanto, na verdade. E suas cirurgias são todas incríveis, então não estou surpreso que tenham te convidado para um projeto tão grande” eu comentei, realmente alegre pela conquista dela.

Linda sempre foi a primeira da turma. Desde o histórico escolar impecável até a uma boa relação com os professores, ela sempre tinha tudo que julgava necessário para ser a profissional que era hoje. Lembro de tê-la visto estudar noites atrás de noites para a prova de residência, cair de sono em cima dos livros pesados até passar na prova que queria. Até virar a mulher impressionante que Linda havia se tornado hoje. Não me julguem mal: minha esposa sempre foi uma mulher incrível. Desde a primeira vez em que a vi e todos os dias depois disso. Acontece que, com o tempo, ela conquistou exatamente tudo o que queria, uma coisa de cada vez, e nada poderia me deixar mais feliz no nosso relacionamento do que ter visto isso tudo de perto.  E eu sabia, como ninguém, que ter um convite para participar de um projeto tão grande era uma das conquistas que mais tinha desejado nos últimos anos, e isso tudo enchia meu peito de felicidade.

“Nós deveríamos comemorar, o que acha?” sugeri, cheio de sorrisos. “Posso pedir para Jackie cancelar minha próxima consulta e…”

“Só tem um probleminha nisso tudo” ela me interrompeu, terminando sua taça de vinho em grandes goladas. Viu o garçom se aproximar com nossos pratos e não pediu outra taça como normalmente faria. Então, ela ficou calada, esperando que os pedidos fossem servidos demoradamente, e eu me senti envelhecer. Ela agradeceu ao garçom, educada, e voltou os olhos amarelos para mim: “O projeto todo é na Europa. Durante um mês inteiro.”

Eu não tinha sequer encostado nos talheres quando Linda começou sua refeição, elogiando sua própria escolha.

“Um mês na Europa? E o hospital? O consultório ou seus pacientes?” perguntei aflito, tentando entender parcialmente o que se passava na cabeça daquela mulher.

“O hospital ficou muito honrado com o convite e o diretor disse que me daria um mês de férias para seguir com as palestras. E eu pensei em pedir ao Bruno para cuidar dos meus pacientes por um tempo, sabe? Ele me deve uma por aquela viagem fora de época que ele decidiu fazer para a Argentina, quando a…”

“Linda, por deus, eu realmente gostaria que você filtrasse a conversa agora” pedi sem paciência. E pela primeira vez em muito tempo, eu a vi séria, atenta e disposta a ter uma conversa de verdade relacionada a nós dois. Puxei o ar. “E como nós ficamos nisso tudo?”

Ela não respondeu. Largou o garfo no prato comprido e me olhou suplicante. Já existiu um tempo em que eu poderia entender tudo por aquele olhar, e encontrar a melhor de todas as soluções sem precisar de mais nada; e eu não sei quando foi que isso deixou de acontecer.

E não é como se ela tivesse que negar um sonho para ficar presa em solo americano comigo, não mesmo. Desde o início, antes mesmo dos primeiros beijos, sempre deixamos claro que a vida profissional estava mais do que em primeiro lugar. Prometemos nunca deixar nosso relacionamento nos dar passos para trás, nem que fosse para pegar impulso. Então, sim, impedir Linda de ir para seu projeto era algo que sequer passava pela minha cabeça. O que me corroía por dentro era sua facilidade em fingir que não existiam problemas em nosso casamento, como se estivéssemos nos nossos melhores dias, em que poderíamos passar por tudo e continuar estáveis feito rocha.

“Não acha que deveríamos tentar nos resolver antes? Deixar tudo certo, antes de ficarmos um mês inteiro em continentes separados? Ou então…” Minha voz saiu esguia, escorrendo pelas palavras, como se perguntasse mais para mim mesmo do que para ela.

“É apenas um mês, querido” Linda argumentou, fugindo de minha pergunta. “Não é tanto tempo assim.”

E eu sei o que são trinta dias. Ou no mínimo, eu queria acreditar saber. Eu queria acreditar em Linda. Acreditar no meu casamento. Acreditar que nada mudaria entre nós independente do que acontecesse, porque todos casais passam por momentos difíceis, às vezes.

O meu amor por Linda havia se espalhado, escorregadio.

Nosso relacionamento havia se tornado impossível, tão inacabado que tornou-se inexistente.

“Prometo que vai dar tudo certo” ela disse, com um sorriso fraco no rosto. “E, se você quiser, pode vir comigo para Europa, também. Viajar como fazíamos há alguns anos, lembra? Fazer as coisas funcionarem de alguma forma.”

“Eu agradeço a oferta, mas você sabe bem que não tem como eu simplesmente largar meus pacientes para trás por tanto tempo” resmunguei, finalmente colocando alguma comida na boca. Estava sem fome. “Não sou como você, que pode simplesmente deixar alguém no seu lugar que está tudo resolvido.”

“Querido, não seja exagerado. Ninguém vai morrer de amigdalite só porque você ficou uns dias fora” Linda respondeu, ríspida, como se estivesse engolindo aquilo por muito tempo. “Você vive reclamando que estamos com problemas, mas não faz o mínimo de esforço para ficarmos juntos! Vive enfurnado nesse hospital pediátrico como se fosse a coisa mais importante do mundo, mas não é!”

Não foi preciso que um de nós aumentasse o tom de voz para percebermos que a conversa tinha saído do assunto, se tornando apenas uma troca de verdades indesejadas por ambos os lados.

O meu amor por Linda se tornou algo que eu já não podia mais condicionar — só me bastava aguentar no meio de suas palavras duras. Olhei mais uma vez para o relógio e pedi a conta.

“Talvez você tenha razão, querida. Vai ser bom para nós dois.”

***

Não me lembro de ter tido duas semanas tão exaustivas quanto aquelas antes da partida de Linda.

Diferente do que tinha imaginado, nós não brigamos de novo sobre esse assunto ou qualquer outro. Aliás, acredito que mesmo se quiséssemos muito, seria impossível para nós dois brigarmos durante esse tempo, já que praticamente nunca nos víamos. Linda estava tão ocupada que nunca parava em casa; vivia no hospital preparando relatos de caso que poderiam ser usados para ilustrar sua palestra. Não tão coincidentemente, meu número de plantões havia aumentado, e o consultório mais cheio do que nunca.

Ela saía mais cedo, e eu chegava mais tarde.

E quando eu abracei seu corpo pequeno no aeroporto, percebi que talvez eu já estivesse acostumado com o amor torto de Linda o suficiente para suportar um mês, independente de quanto tempo ele durasse.

“Cara, é sério. Como seu irmão mais novo eu não poderia estar mais aliviado por você” Mike comentou no instante em que abri a porta do carro.

“Por que mesmo você veio comigo?” perguntei bufante, colocando o cinto apertado no lugar da carona. Ouvi o carro ligar e abri a janela com pressa, ansioso para prestar qualquer coisa que houvesse lá fora.

“Porque seu carro é uma merda e estraga o tempo inteiro, então eu te fiz um favor e te dei uma carona” ele respondeu, cheio de sorrisos, fazendo barulho ao mastigar seu chiclete. “E então, para onde vamos amanhã?”

“Você poderia só ter me emprestado o carro, como qualquer pessoa normal faria. E como assim amanhã? O que tem amanhã?” o olhei confuso, tentando descobrir se existia algum compromisso importante esquecido. Ele gargalhou.

“Amanhã é sexta. E sexta é sexta, e nós vamos fazer algo” ele justificou, como se dissesse a coisa mais plausível do mundo.

A discussão (se é que posso chamá-la disso) durou por todo caminho do aeroporto até meu consultório, próximo ao centro da cidade. Mike falava incansavelmente, repetindo várias e várias vezes as mesmas bobagens de sempre. E, independente do argumento, minha resposta final sempre se erguia com um enorme ‘não’ e uma boa revirada de olhos.

Michael era dois anos mais novo e, como todo irmão caçula, tinha o talento inexplicável de me tirar do sério quando eu menos precisava. Nós sempre convivemos muito bem juntos apesar disso, e tentávamos manter contato o máximo possível depois que saímos da casa de nossa mãe. Acontece que conviver bem não era sinônimo de tranquilidade, e nós dois estávamos sempre argumentando incansávelmente um contra o outro, até a conversa chegar em uma repetição estúpida de frases óbvias, como estava acontecendo agora.

“Sem a guria aí, o que vai te impedir?” Mike me questionou ao estacionar de qualquer jeito em frente ao meu trabalho.

“Nada nunca me impediu! Eu só não tenho mais vontade de frequentar esses lugares seus, sinceramente, Mike. Eu literalmente não tenho mais idade, pra ser mais específico. Então tchau e obrigado pela carona, okay?” respondi tudo de uma vez, saindo do carro apressado e batendo a porta antes que ele pudesse falar qualquer coisa.

Então, como se a manhã nunca tivesse acontecido, eu trabalhei como sempre. Como se Linda não tivesse viajado, e nós ainda estivéssemos nos evitando feito dois adolescentes. Como se tivesse algum motivo que me impedisse de chegar em casa cedo, me fazendo sair do trabalho aquele horário, exausto. Como se tivesse um bicho enorme dentro do meu quarto, debaixo das minhas roupas bem dobradas, apenas me esperando chegar em casa para me engolir de uma só vez.

Saí do banho de cabelos encharcados e coração miúdo, intimidado pela escuridão da casa grande. Meu sono não veio. Eu estava sozinho e isso era ainda pior do que antes, pois parecia algo nunca experimentado. Eu estava só, de um jeito diferente de como normalmente estava, e a sensação era tão horrenda que me comia de fora para dentro.

Eu era meu próprio motivo para trabalhar até tarde.

Esse foi o motivo, creio eu, que me levou a atender o telefonema do meu irmão mais novo no dia seguinte, mesmo sabendo que não tinha interesse algum no assunto que ele queria tratar. Porque, sim, eu poderia desfrutar desse tempo todo sozinho para analisar melhor meu casamento, planejar minhas próximas férias e quem sabe meditar um pouco, mas duvido ser criativo o suficiente para aturar todos esses trinta dias. Eu não tinha como fazer o tempo passar depressa e o tédio me comeria vivo.

É por isso que, depois de dez minutos com o celular no ouvido fingindo escutar o enorme monólogo de Michael, eu aceitei ir à boate mais tarde.

“Não dá mais pra desistir” Mike me disse, gargalhando, ao chegar em casa e me ver de pijamas. Tinha saído mais cedo do trabalho e aproveitado para tirar um cochilo, e agora simplesmente não entendia porque raios tinha aceitado sair de casa em um dia tão fodidamente preguiçoso como aquele.

“Está frio” reclamei. Meu irmão sequer me ouviu, e sentou em frente minha televisão com suas roupas extravagantes.

Se arrependimento matasse, eu provavelmente morreria por um motivo tão bobo quanto ir ou não à boate, afogado durante o banho por pensar demais sobre o assunto. Não sequei os cabelos ao sair do banheiro e tentei vestir a primeira roupa que me aparecesse, para evitar que minha insegurança me fizesse trocar de peças incansáveis vezes. Forcei um sorriso para Michael ao chegar na sala, e ele me olhou torto.

Já tinha passado muito tempo desde a última vez que Mike tentou me tirar de casa e realmente conseguiu. Pelos meus cálculos, dentre suas inúmeras e contínuas ligações, mais da metade delas continham uma pequena insistência por parte dele, mas eu não reclamo. Fico feliz por ele não ter desistido de mim ainda, apesar de ter negado seus convites mais vezes do que consigo me lembrar.

“Eu não acredito que você veio!” Hannah gritou estridente após ter me visto de longe. Abraçou-me com força, enrolando meu rosto nos seus cabelos tingidos de ruivo.

“Para ser sincero, nem eu” completei, com uma risada sincera. Liza e Noah logo se juntaram ao abraço, me apertando no meio daquela confusão de toques fortes de saudade. Tinha tanto tempo que não nos falávamos, que não demorou muito para que todo mundo começasse a falar ao mesmo tempo, sem conseguir necessariamente ouvir um ao outro.

“Tem certeza que consegue mexer suas pernas dentro disso?” Liza me perguntou, debochada, rindo das minhas calças jeans apertadas “E meu deus, até hoje esse all star surrado?”

“Nós definitivamente vamos sair para fazer compras” Noah entrou no assunto, ainda pendurado em mim em um abraço sem jeito.

“É por isso que eu não saio com vocês mais!”


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