Rum&Renda escrita por Queen Vee


Capítulo 1
Rum&Renda


Notas iniciais do capítulo

HAPPY PRIDE MONTH!!!!!!!!
Em homenagem ao mês do Orgulho, olha eu aqui pra postar piratas gays pra vocês!!!!!
É aquela de sempre, um dos personagens é da Shianny e eu roubei pra escrever viadagem, já que ela se recusa. :/ Se você quer ler, tem que escrever você mesmo, tá foda
ESPERO QUE GOSTEM!!!!!!!!! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/778486/chapter/1

Cortando a neblina densa que dançava sobre o mar soturno, o navio de grande porte parecia uma pintura, no meio da água escura da noite. Sua bandeira sacudia ao vento, e o convés estava, num momento raro, extremamente silencioso. A madrugada no meio do mar pertencia a ele, e só a ele — o Leviathan. Seus tripulantes, desmaiados de rum, uísque ou de exaustão, quem sabe, se escondiam em seus compartimentos. O navio, no entanto, não deixava de ser imponente, mesmo tão fantasmagórico no meio da noite.

Mas sempre, sempre, tem uma alma inquieta que se recusa a dormir.

Ethan era o imediato do Leviathan por diversas razões — uma delas sendo a falta de opção, quando não havia tripulação alguma senão o capitão, seu amigo, e ele, quando começaram a navegar. Outra razão era sua capacidade analítica, e o pouco que sabia ler. Uma pena sua habilidade de pensar demais ser a razão dele acabar desperto, mesmo com os olhos cansados, olhando pra as estrelas.

Com a mente divagando, quase não notou os passos tímidos que se aproximavam, caminhando sobre a madeira antiga, mas firme, do navio. Sob a luz lunar, um dos marujos chegou mais perto, observando Ethan, que deitava tranquilamente com a cabeça apoiada num monte de tecido embolado. Seus olhares se encontraram brevemente, e o menino sorriu, deixando o olhar escapar.

Sem pronunciar uma palavra, sentou ao seu lado e deitou perto dele, as mãos apoiadas na barriga. Ficaram os dois quietos, observando os astros. Por um instante, não se perguntaram de onde vinham, ou pra onde iam. Admiraram o céu que se estendia por milhas, e mergulharam na magnitude.

Eventualmente, o olhar dos dois se encontrou outra vez.

— Não consegue dormir? — A voz rouca, madura, do Imediato rompeu a quietude da noite. Mesmo com os dois se olhando tão diretamente, o marujo sentiu um formigar de ouvir sua voz tão direcionada pra ele. Sorriu.

— Fiquei pensando em você.

Foi um pouco de ousadia da sua parte, mas teria se arrependido mais de não ter arriscado. Era mais jovem, numa hierarquia menor e certamente não teria onde enfiar a cara se ouvisse uma resposta hostil. Talvez devesse se jogar do convés pra virar espuma do mar!

Entretanto, apesar da surpresa discreta na expressão, Ethan não pareceu disposto a jogar ele pra as piranhas, arrancar seus olhos ou nada parecido. Isso acalmou um pouco o coração de David. Pelo menos isso!

— De verdade, ou é mais uma brincadeirinha? — Talvez tivesse sido um pouco ácido, mas não ressentia o garoto.

Há alguns dias, quando pararam no porto pela primeira vez em meses — e primeira vez do garoto desde que entrou na tripulação —, Ethan foi alvo de uma das pegadinhas dos outros. E, na mesma leva, David teve sua iniciação como parte verdadeira daquele grupo de piratas bêbados. Navegar por meses e saquear outros navios era só metade do serviço. Beber e fazer farra quando aportavam era a outra metade, essencial para ser, de fato, um pirata.

Todo mundo sabia que Ethan era um pouco… Diferente dos outros. Não um diferente ruim. Nele faltava uma mão, mas nenhum membro é bom demais para que não possa ser substituído. No Leviathan, o mais importante é sua capacidade de trabalhar, não se sua perna é de carne e osso ou de madeira. No entanto, era um pouco além disso. Ele tinha… Gostos muito específicos.

Era um homem forte, atraente, com uma barba bem cuidada. Em realidade, ele era o mais bem cuidado que um homem do mar pode ser. Asseado mesmo nas piores circunstâncias, elegante mesmo nos piores cenários. Como qualquer outro, gastava seus ganhos em bebidas e festas, mas nunca deixava de comprar tecidos finos, joias e sapatos quando aportavam.

Isso, e suas fugas com rapazes de vestido, toda vez que o Leviathan atracava.

Ele nunca admitia, claro. Mas era recorrente! Eram sempre rapazes jovens, com os lábios pintados de carmim e as bochechas coradas. Alguns fugidos de suas casas, outros que tiveram de fazer o que faziam para ajudar a família com algumas moedas que conseguiam arrancar de homens como Ethan. Algumas figuras se apresentavam com nomes femininos, algumas com nomes masculinos — algumas não falavam absolutamente nada, e trocavam olhares através do salão até terem uma oportunidade de se aproximar.

Assim, surgiu a ideia para a brincadeira. Uma perturbação com o Imediato, um rito de passagem para os marujos mais novos. Parecia uma boa ideia! David foi um dos três felizardos, e se viu num vestido azulado, um pouco maior que ele, e sendo mandado pro quarto de Ethan com uma caneca de cerveja.

É difícil explicar porque logo ele tinha chamado a atenção do homem. Os três o cortejaram por alguns minutos, com bebidas e petiscos. Claro, era óbvio que tinha algo fora do comum. Três garotos, de vez? Ethan não estava convencido. Mas, também, não lhe custava nada aceitar uma massagem, um carinho, um elogio e aceitar uns petiscos. Especialmente quando não conseguia tirar os olhos de David.

Ele tinha algo no olhar, achava. Ele não parecia inocente, mas também era óbvio que nunca tinha se aproximado de um homem assim. Havia uma curiosidade no seu olhar, algo muito… Cru. Uma vontade, no meio daquelas piadas. Um arrepio, de sentir aquela mão em sua cintura, sobre o tecido delicado de um vestido que nunca nem pensou em vestir.

Quando a ilusão acabou, e a brincadeira foi “revelada” (como se Ethan não soubesse, oh, que patetas), ficou quase um vazio. Um formigamento onde os dedos do homem haviam tocado, um arrepio fantasma da memória de ter seu pescoço beijado, o calor da respiração quente contra seu maxilar.

Era um moleque de vestido tendo uma ereção por causa de um pirata.

Exatamente por isso, Ethan não o ressentia. Na verdade, estava muito, muito curioso para saber se o que tinha enxergado nos olhos dele era só impressão. Porque, jurava, ele não parecia estar interpretando um papel naquela noite.

— É verdade… — A voz do marujo pareceu um suspiro. Parecia receoso. — Eu… Aquilo que aconteceu…

— Tudo bem. Fizeram você fazer aquilo. — Foi, no fundo, uma provocação. Ninguém fez David estremecer ao toque do pirata, ninguém obrigou ele a beijá-lo, ninguém disse que ele precisava levar aquilo tão a sério. E, céus, quem sabe quão longe teria se entregado se não tivessem terminado a brincadeira tão cedo?

Ethan sabia. David sabia.

— Você sabe que não é bem assim… — A voz vacilou, mas o olhar se manteve na direção dele. Talvez, de fato, David tivesse se entregado demais. Porém, era óbvio que não tinha sido só ele. — ...E você não rejeitou, também.

Ethan riu da afirmação. É, de fato, não rejeitou. Muito pelo contrário! Ficou extremamente instigado, mesmo sabendo que era tudo algum tipo de pegadinha, boa demais pra ser verdade. Respirou fundo, e virou de lado, na direção do garoto. Mesmo um pouco incerto, ele fez o mesmo. Se olharam um tempinho.

— Nós dois estamos em xeque, David.

— Por que você me beijou?

— Por que você correspondeu?

— Foi o vestido? — Se sentiu mal por falar daquele jeito. Mas, tinha culpa? Aquilo era novo pra ele. — Foi por causa do vestido…?

Novamente, o homem riu de sua fala. Achava curioso como ele era meio bruto, mas meio doce. Era impetuoso, como alguém de sua idade estava fadado a ser, mas tinha uma leveza e um olhar amável que era difícil de ignorar. E, claro, não parecia satisfeito de receber uma risada como resposta.

— O vestido não era o mais bonito que eu já vi. Mas lhe caiu bem. — Sorriu, tranquilo. Mesmo na noite, com a iluminação fraca e a luz da lua, com suas tantas sombras noturnas, ele viu o rosto de David rosar. — Vestidos são um bônus. Eu adoro vestidos. As cores, os cortes, os detalhes em renda e seda e babados…

...Se deixou levar, um pouco. Quando seu olhar encontrou o do rapaz mais uma vez, foi Ethan que se viu balançado. É, ele era mesmo diferente dos outros… Mas, aparentemente, alguém queria entender mais desse lado dele. Não disseram nada por alguns instantes, até o garoto, delicadamente, apoiar a mão sobre seu peito. O olhar era curioso.

— Fala mais…

Ugh, sentiu o rosto esquentar.

— Não tem muito pra falar. Gosto de tecidos, de costura… E de vestidos. — Evitou o olhar interessado do menino por uns segundos. Se sentia ser observado tão de perto, que se sentia nu. No entanto, quando estava de fato nu, não se sentia tão… Despido. Seja lá o que aquilo significasse. — Minha mãe costurava.

— ...Então… Gosta de homens de vestido porque gosta de vestidos?

— Gosto de homens e gosto de vestidos. Não gosto de homens só quando usam vestidos, e não gosto de vestidos só quando estão em corpos de homens. Ter o dois combinados é só um luxo que eu me dou de vez em quando.

David nunca pensou que ouviria algo assim sair da boca de um pirata. A barba, os ombros largos, as cicatrizes, a postura, a espada na bainha… E ele falando de vestidos e homens e homens de vestido. Inevitavelmente, sorriu, achando graça e admirado com o jeito como ele admitia algo assim, sem medo.

Lembrou de sua voz rouca no pé de seu ouvido, naquele quarto de aluguel. De seus toques firmes, mas que faziam sua pele arder, o corpo estremecer. Lembrou de sentir sua barba roçando contra seu pescoço, e de como a seda e renda faziam sua pele arrepiar ao toque.

…Ele era mesmo completamente de outro mundo. Deixou o garoto que nem uma bússola quebrada, sem saber direito pra onde aquilo estava levando. Mas, é, ainda queria saber mais e mais.

— E de mim? Você gosta?

A ousadia dele fez os dois rirem, quebrando um pouco o silêncio sério do ambiente, depois de alguns instantes deles se encarando. O olhar de Ethan vagou pelas estrelas por um momento, e ele degustou aquela leveza,  e o toque suave do rapaz em seu peito.

— É, talvez eu goste.

— Com ou sem o vestido?

O sorriso brincou em seus lábios, e ele adorou a sensação de flerte jovem que não experimentava há alguns anos. Deixou o olhar correr pelo rosto do garoto, a respiração tranquila. Os lábios que já havia beijado uma vez, os olhos curiosos e ternos, a incerteza misturada com ousadia.

Escondidos na neblina que flutuava sobre o mar, passeando pelas tábuas do Leviathan, seus lábios se tocaram gentilmente. O polegar de Ethan acariciava as maçãs de seu rosto, e não resistia em beijar sua boca, seu maxilar… Cheirar seu pescoço, e sentir seu arrepio…

David sentia o gosto amargo do rum em sua língua, sentia a textura de seus cabelos entre os dedos, sentia o calor de seu corpo ali, tão perto do dele. Não sabia se já tinha se jogado no mar ou não, mas se sentia feito de espuma, pronto para sair dançando na brisa marítima.

A barba roçou por seu maxilar, e ele lembrou da sensação da seda entre eles dois. Ethan acariciou seus cabelos, suave, e o observou por alguns momentos. Admirou, até, com seu sorriso tranquilo. David não sabia como resistir a um olhar tão carinhoso, tão terno.

— Bem… Eu posso te fazer um agrado e vestir o vestido de novo… — Os olhares se encontraram, e ele sorriu. — Se quiser, claro.

Mesmo na madrugada, o Leviathan ainda era o Monstro do Mar.

Sempre, sempre havia uma… Ou duas almas inquietas, que se recusavam a dormir.

Entre rum e renda, entre pele e seda.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

só mais um dia comum no Leviathan, o único navio pirata onde nem um só homem tem escorbuto (eles chupam muita laranja)
vamos falar dos benefícios da vitamina c nos comentários? vamos



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rum&Renda" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.