Não era pra ser assim escrita por Bianca Raynor


Capítulo 5
Capítulo Cinco




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/778481/chapter/5

Nos últimos dias, não houve nenhum contato entre eu e Michael Watson. Ele vivia na maioria das vezes em reuniões com o pai ou resolvendo alguma pendência das propriedades da família. Meus encontros secretos com Matthew haviam diminuído, até porque não queria arriscar ser flagrada pelos Watson que tinha chegado. Havia mais quatro par de olhos na casa e não iria correr esse risco.

O livro que havia iniciado a leitura já estava em sua metade e me sentia empolgada a cada página lida. No entanto, Micaella aboliu a leitura da tarde hoje para nos dedicarmos a um novo aprendizado: o bordado. As mãos delicadas e ágeis dela anunciavam que um belo trabalho estava por vir. Alguns de seus bordados tinham sido mostrados a mim antes de iniciarmos a aula e fiquei completamente encantada. Nunca seria capaz de fazer algo tão meigo. No entanto, Micaella não acreditava nisso.

Desvio minha atenção da toalha e da linha marsala e observo a tutora de Barret pedindo que ele leia mais estrofe do livro que o menino segura. Ele parece bastante desinteressado, mas se esforça mesmo assim. Quando termina, solta um suspiro. A tutora, Srta. Alene, estende a mão para pegar o livro, causando um sorriso de orelha a orelha no menino. Barret sai de sua cadeira e corre para o gramado, sua bola está largada próxima a uma das poucas árvores perto da propriedade.

— Oh! — A exclamação faz com que me volte para Micaella no mesmo instante.

— Algum problema? — questiono e percebo que há um envelope de papel grosso sobre as suas saias e ela segura um papel com a mesma textura do envelope.

— Fomos convidados para um baile no final de semana. — Ela ergue os olhos para mim e parece estonteante. — Esse será o momento perfeito para a apresentá-la. Lembra-se do que combinamos quando a apresentarmos?

Aceno.

— Sou uma prima de um ramo distante da família que vivia na fronteira entre a Escócia e a Inglaterra. Meus pais se foram quando ainda era pequena, era criada por uma tia, mas ela faleceu há alguns meses. Entrei em contato com vocês e fui convidada para viver entre os Watson.

Micaella bate palmas.

— Nunca a ouvi falar tanto — afirma dando uma risada.

O ruído de uma bola sendo chutada chama nossa atenção e observamos Barret brincar sozinho. Ele não parece animado com o fato de ser sempre ele a chutar a bola, porém, isso não o abala.

Levanto-me e caminho em direção ao menino. Ele para de correr atrás da bola quando nota que estou indo em direção a mesma. Levo o meu pé direito para trás e chuto a bola em sua direção. Em um primeiro momento ele parece surpreso com minha atitude, no entanto, logo se entrega a brincadeira e a bola é jogada para mim mais uma vez. Corro em sua direção com um sorriso se desenhando em meus lábios, chuto a bola mais uma vez.

— Isso inadmissível — Micaella resmunga próxima a nós. — É lógico que devo brincar também.

Barret começa a rir e corre em direção a bola. Pelo visão lateral, noto que a Srta. Alene aproveita que estamos dando atenção ao menino e segue para a casa.

— Srta. Elizabeth, você joga como um menino — Barret afirma.

— Isso deveria ser um elogio? — indago.

Ele une as sobrancelhas.

— Sim.

— Perdoe-me, Barret, mas as meninas podem jogar bola tão bem quanto os meninos. Assim como um menino pode não saber jogar.

Ele parece surpreso com minha afirmação.

— Srta. Alene sempre diz que meninas brincam de boneca ou de chá.

— Temo que ela está equivocada em sua afirmação. — Aproximo-me dele, me abaixo para ficar na altura de seus ouvidos. — Meninas e meninos podem fazer o que o fazem bem, não o que são impostos.

O garoto acena para mim estupefato com minha afirmação.

Tornamos a jogar, contudo, Micaella se cansa rápido e em meio a risadas ela diz que precisa se retirar. Com as bochechas afogueadas e a barra do vestido suja ela caminha para dentro de casa nos dando um breve aceno.

Após muita correria, eu e Barret nos largamos no chão sem fôlego. O menino está com a pele rosada devido ao exercício da tarde, mas também parece mais contente do que já tinha visto desde que o conheci.

— A senhorita é diferente. Obrigado por ter brincado comigo, ninguém nunca faz isso. — Meu peito se aperta ao ouvir a afirmação. Ele tinha um pai ao seu lado, familiares e mesmo assim se sentia sozinha. Podia ver um pouco de mim nessa criança.

— Se quiser, podemos brincar sempre que possível. Também não tinha com quem brincar quando criança. — Ele sorri para mim, completamente encantado com minhas palavras. — E muito menos uma tutora para me ensinar as letras.

Ele faz cara feia, o que me arranca uma risada divertida.

— Não me olhe assim. Acredite, gostaria de ter tido alguém que me ensinasse quando tinha a sua idade. Minha mãe era muito ocupada, me ensinou muito pouco, o que sei hoje é graças a sua tia.

— Mesmo? — Ele parece bastante surpreso com minha declaração.

— Sim. É bom dar valor aquilo que nos faz crescer e os estudos faz parte.

Barret foca os olhos no céu ainda claro, pensativo. Muitos não davam valor ao que lhes era entregue nas mãos devido à facilidade por ter uma família com posses, e ter o conhecimento de que nem todos tinham tudo fazia com que dessem valor ao que possuíam.

— Vamos entrar, está ficando tarde e você precisa se arrumar para o jantar.

Ele acena, se levanta e tenta me ajudar a erguer-me. Tento demonstrar que sua ajuda foi necessário, porém, não sei se sou bem sucedida.

Entramos na casa e uma criada leva Barret para seu quarto para lhe dar um banho. Sigo o caminho para o meu quarto, admirada por conseguir decifrar quais são os corredores certos que devo percorrer. Para chegar até lá preciso passar pelo trecho que leva a biblioteca e a sala de chá, em seguida viro à direita, subo um lance de escadas e chego ao corredor dos quartos de hóspedes.

Quando chego ao primeiro corredor, ouço ruídos vindos da biblioteca. Encosto os ouvidos contra a porta, na qual uma brecha se abre. Arregalo os olhos com a cena que vejo. Srta. Alene está pressionada de costas para a parede com as saias erguidas, enquanto Michael Watson está se movimentando contra ela. Os lábios da Srta. Alene percorre o pescoço e percorrem em direção a boca do ruivo. Enquanto isso os olhos dele seguem fechados, sem em momento algum abrirem-se.

— Michael — Srta. Alene geme o nome dele e os movimentos dele se aceleram. A imagem a minha frente é tão inacreditável que não consigo fechar os olhos e muito menos fugir, estou completamente paralisada, observando algo tão íntimo entre pessoas que conheço. Já havia visto homens e mulheres se beijarem de forma espalhafatosa e roupas quase serem removidas, mas nada assim. O que eles estavam fazendo? Era isso que acontecia entre um homem e uma mulher?

Michael solta um grunhido e Srta. Alene geme, os dois param e parece que tudo acabou. Para não ser pega no flagra, saio de perto da porta, porém, acabo esbarrando em um castiçal disposto em uma mesinha próxima. Ao invés de pegar o objeto e colocá-lo no mesmo lugar, corro para a porta da frente e, agradeço internamente, escondo-me no aposento da sala de chá.

Ouço murmúrios do lado de fora, no entanto não consigo entender o que estão falando. Encosto a orelha na porta para tentar decifrar as palavras, mas de repente tudo fica silencioso. Espero alguns instantes para tomar coragem para sair da sala. Quando tenho certeza que não há mais ninguém no corredor, abro a porta e saio. Fecho a porta e quando dou as costas para ela, prendo a respiração. Michael está à minha frente, descansando o corpo contra a parede e com os braços cruzados. Assim que encaro seu rosto, engulo em seco, não há expressão alguma nele. Não posso dizer se está irritado, apenas tenho seus olhos fixados nos meus, como se buscasse falar algo para mim.

Não sei quanto tempo se passa, não quebramos o olhar um só instante. Então, o canto de sua boca se eleva, ele desencosta da parede, descruza os braços, desvia o olhar e segue para longe do corredor.

Só então sinto que volto a respirar.

Uma leve batida tira a atenção de minha leitura, contudo, antes que possa me levantar a porta é aberta e quase grito ao constatar que é Matthew.

— O que está fazendo aqui? — questiono.

A casa estava muito cheia. Além de beijos roubadas em poucos instantes, sempre parecia que tínhamos contato respeitosos. Claro que não tínhamos ultrapassado limite algum, no entanto, tínhamos intimidade um com o outro e sempre parecíamos indiferentes.

— Estou com saudades — ele murmurou ao sentar-se em minha cama e aproximando os lábios dos meus. Sua boca toca a minha e o formigamento pela minha pele me faz esquecer o que deveria falar. Arrancando minha capacidade de pensar.

Matthew me deita e fica sobre mim. Suas mãos habilidosas acariciam minha pele sobre a camisola, enquanto o meu íntimo anseia não termos camadas de roupas atrapalhando o contato de nossas peles. Os beijos descem por meu pescoço, encontram minha clavícula e faz com que gemidos tímidos escapem de meus lábios. As minhas mãos se encaminham para os cabelos de Matthew, enquanto ele me delicia com mais beijos molhados sobre o meu corpo.

Um ruído no corredor me faz despertar e empurro Matthew para longe. Um suspiro cansado escapa de seus lábios.

— Há alguém no corredor — murmuro.

Ele arregala os olhos, porém, sai da cama e se joga do outro lado da cama. No momento que estou observando-o se esconder a porta é aberta.

— Desculpe entrar assim. — Micaella começa. — Mas esqueci de dizer que precisamos ir a modista.

— Tudo bem — afirmo apreensiva, esforçando-me para não olhar para o local onde Matthew está.

— Já vai dormir? — Micaella questiona ao movimentar as mãos nervosamente, há um sorriso sem graça nos lábios e seus olhos desviam-se do meu constantemente. Não é comum a maneira que está agindo, contudo, não poderia tentar iniciar essa conversa nesse momento com Matthew dentro do quarto.

— Sim — digo, porém, com um peso no coração por não poder ajudá-la nesse momento.

Ela engole em seco e morde o lábio inferior.

— Tudo bem, conversamos depois. Boa noite, Eliza.

Antes mesmo que possa devolver a gentileza, Micaella sai às pressas do quarto. Encaro o local onde ela estava e fecho os olhos ao sentir mais culpa se alojar em meu peito. Os lábios molhados de Matthew me despertam, fazendo me afastar dele.

— Por favor, vá!

— Mas por que?

— Quase fomos pegos, saia por favor.

Sinto os seus olhos sobre mim, esperando que mude de ideia, entretanto, quando percebe que isso não acontecerá ele se vai.

Deito-me na cama e solto um suspiro. Havia tentado adiar pensar no que estava acontecendo entre mim e Matthew, contudo, não dava mais. Desde que cheguei a essa casa fui ensinada que uma mulher deve se resguardar para o seu marido, ela deve ser meiga e casta, porém, nada do que tenho feito tem ligação com esse comportamento. Minha vida sempre foi tão limitada, contando os dias até o próxima refeição e agora tudo estava tão fácil. Queria aproveitar tudo que me era oferecido, inclusive a atenção de Matthew. Ele fazia me sentir linda e desejada, assim como as jovens se sentem nos livros, e queria desfrutar de cada segundo.

Entretanto, havia Micaella, que se dedicava dia e noite em me tornar uma dama e estava falhando com ela. Assim como falhei essa noite. Ela parecia tão aflita e não pude fazer nada para ajudá-la. A culpa martelava o meu peito.

Ergo me da cama, penso em ir até os aposentos de Micaella, todavia, reflito. Está tarde e podemos muito bem conversar sobre qualquer coisa durante um chá na manhã seguinte.

Não deixaria passar. Iria encontrar uma forma de ajudá-la, no que quer que seja.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Não era pra ser assim" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.