Não era pra ser assim escrita por Bianca Raynor


Capítulo 2
Capítulo Dois




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Eu não saia do quarto.

Não porque era mantida presa, mas porque não achava necessário me deslocar pela casa. Quando Micaella percebeu como gostava de ficar no cômodo, começou a fazer nossas tarefas de leitura e escrita no quarto. Contudo, ela chegou hoje afirmando que jantaria com a família. Fazia semanas que estava na casa, mas só havia tido contato com Micaella, Jaclyn e a Senhora que trazia minha comida. Para mim estava ótimo, nunca precisei de muitas pessoas ao meu redor, no entanto, Micaella colocou na cabeça que para poder ter uma vida social precisaria socializar com outros indivíduos.

— Será seu primeiro contato com a minha família. Mesmo que ela não esteja toda aqui — afirma. — Já conhece papai, porém, tenho mais dois irmãos e um sobrinho. Apenas Matthew está em casa no momento.

— Há apenas você de mulher?

— Sim, mamãe faleceu há muitos anos.

Engulo em seco.

— Deve ter sido doloroso.

Micaella para e a imito. Quando vira-se para mim noto a saudade em seus olhos, uma melancolia preenche suas feições e sinto o aperto no peito de quando perdi mamãe.

— Não me lembro muito bem dela, tinha apenas cinco anos quando ela se foi — ela suspira. — Papai não gosta de falar sobre ela. Na verdade, ele não gosta de falar de nenhuma das duas esposas que teve.

Franzo o cenho.

— Duas?

A mudança de assunto espanta a dor de seus olhos.

— A mãe de Michael não é a mesma que a minha e de Matthew.

Não esperava por essa informação. É triste saber como um homem acabou perdendo as duas esposas e ficou sozinho para criar os filhos. Nunca conheci o meu pai, porém, todas as vezes que via uma criança com seus pais nas ruas de Londres me imaginava em seu lugar. Tornava tudo mais difícil, por esse motivo comecei a evitar encontrar famílias, apesar de ser complicado tal feito.

— Sinto muito — murmuro.

— Obrigada, Eliza — sussura com a voz embargada, ela respira fundo. — Lembra-se de todas as regras que lhe ensinei desde que chegou? — Aceno. — Ótimo! Não precisa ficar apreensiva. Esse é apenas um jantar em família, no entanto, é bom que coloque em prática tudo que aprendeu.

— Não estou nervosa, você que está — murmuro.

Micaella solta uma risadinha e retorna a caminhada.

Assim que chegamos a sala de jantar, na qual há uma mesa grande, há talheres dispostos apenas para quatro pessoas. O senhor que havia me abordado semanas atrás está sentado à cabeceira da mesa e no instante que nos vê, levanta-se juntamente com um homem de cabelos escuros. Quando vira-se para nos cumprimentar, olhos azuis como o céu de verão me fazem prender a respiração.

— Matthew, está é a Srta. Elizabeth, na qual viverá conosco.

Os olhos de verão voltam-se para mim e um sorriso de canto é dirigido a mim. Ele ergue a mão e de acordo com as minhas lições estendo a minha, quando seus lábios tocam a pele nua um formigamento perpassa pelo meu corpo. No momento que se afasta, a sensação se vai e meu corpo parece vazio.

— Encantado.

Nos sentamos para iniciarmos a refeição.

Micaella inicia uma conversa com o pai enquanto tento me concentrar em todas as regras que devo ter a mesa. Porém, sinto o meu rosto queimar como se estivesse sendo observada. Quando ergo os olhos, encontro o olhar penetrante do irmã de Micaella. No mesmo instante volto minha atenção para a comida.

Estávamos comendo cordeiro com legumes. Não havia comido algo tão extraordinário em toda a minha vida, não era um prato que era servido para mim e mamãe quando tínhamos um teto e quando fomos morar nas ruas, nada parecido chegava em nossas bocas.

Apesar de manter-me completamente focada na refeição, não deixei de sentir o olhar quente de Matthew Walter sobre mim. Era desconfortável e tudo que mais ansiava era levantar-me e correr para o meu quarto. Contudo, seria uma desfeita para Micaella que se preocupou tanto em me trazer para jantar.

— Recebi um telegrama de Michael essa tarde — Sr. Watson informou.

— O que dizia? — Micaella questiona.

— Que chegarão dentro de duas semanas.

A jovem bate palmas com a notícia e noto um brilho diferente em seu olhar, tornando suas feições mais belas que o comum. Era perceptível sua preferência pelo mais velho, apesar de ainda não compreender, poucas eram as vezes em que mencionava o irmão que estava presente à mesa esta noite.

Matthew.

Ainda sentia os seus olhos sobre mim, no entanto continuei observando sua irmã quase saltitando com a informação recebida.

— Eliza, você amará Barret. É um doce de criança — Micaella murmura com um sorriso nos lábios.

— Já conviveu com crianças?

Movo minha cabeça para encarar o Watson mais novo. O sorriso de canto continua em seu rosto e se acentua quando foco minha visão em sua face. Ele parece gostar de ter minha atenção.

— Não — resmungo fracamente.

Já havia visto crianças pelas ruas de Londres, mas nunca tinha falado com nenhuma delas, os pais não permitiam que elas se aproximassem de moradores de rua. Compreendia suas preocupações, eu mesma não confiava naqueles que viviam na mesma situação, especialmente os homens.

— Então, como sabe que a Srta. Elizabeth — ele pronuncia meu nome vagarosamente —, se dará bem com nosso sobrinho?

— Tenho uma intuição! Além do mais passei as últimas semanas com Eliza, a conheço mais do que você.

O seu sorriso se expande e agora posso ver seus dentes bem delineados.

— Tem razão, minha irmã, não a conheço. Ainda!

Ao fim do jantar, Micaella foi comigo até meu quarto, ainda muito animada com o retorno do irmão. Ela sentia muitas saudades do sobrinho e não parava de afirmar que iria adorar a criança. Depois de contar inúmeras travessuras do pequeno, bocejou e afirmou que deveria ir dormir.

Estava prestes a me trocar para dormir quando uma batida na porta me interrompeu. Não poderia ser Micaella, pois costumava bater e abrir a porta logo em seguida.

Direcionei-me até a porta e quando a abri foi impossível segurar meu espanto.

— Perdão, sei que é muito tarde, contudo, não tive a chance de me despedir da senhorita — Matthew afirmou com um sorriso tímido nos lábios. Ele ergue a mão e estendo a minha, quando os seus lábios são pressionados contra a minha pele o formigamento de mais cedo retornou e não pude controlar o calor que subiu para as minhas bochechas. — Espero encontrá-la amanhã, no desjejum.

Aceno. O sorriso de canto se forma em seus lábios e logo me dá as costas. Mesmo quando some do corredor, ainda estou sentindo o formigamento e meu coração está duas vezes mais acelerado que o normal. Posso sentir o calor que parece permanente em minha face, mesmo o dia estando frio.

Não sei o motivo de todas essas reações, porém, parte de mim afirma que devo sentir mais disto e a outra grita que devo correr na direção contrária. Mas, tudo que quero é compreender o que está se passando, antes de tomar qualquer decisão, e espero que quando acontecer não seja tarde demais.


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