Primeiro, eu matei o meu pai... escrita por Myu Kamimura, Madame Chanel


Capítulo 2
Capítulo I




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No norte da França, está a comuna de Chantilly, cidade que não chega a ter 10.000 habitantes, mas que recebe turistas o ano todo, graças ao Château de Chantilly, um monumento histórico onde teria sido criado o creme de mesmo nome. A cidade também é conhecida como a “Capital do Cavalo da França”, então, naturalmente seus habitantes são fascinados pelos animais e não perdem a oportunidade de praticar o esporte no imenso hipódromo que há nas proximidades do Castelo.

É nesse cenário que encontramos a bela Dorothée. Uma mulher de, aproximadamente, 30 anos, cabelos esverdeados, olhos azuis cintilantes e um sorriso encantador, tão encantador que, quem o vê, não imagina como fora a  sua vida anos antes, mas ela nem fazia questão que soubessem. Quando lhe perguntavam de seu marido, sempre repetia a mesma história: ele havia sido encontrado morto no bosque após uma noite de bebedeira com os amigos. Apesar de ter se tornado viúva muito jovem, não tinha pretensão em casar-se novamente. Era feliz com seus cavalos e, principalmente, com o legado que seu marido havia lhe deixado: a doce Aimée. Uma garotinha de cabelos loiros, grandes olhos azuis, o mesmo sorriso da mãe e que dividia com ela a paixão por cavalos, tanto que já sabia montar e até possuía uma égua de estimação, a Shire Améthyste.

Além da mãe e da égua, Aimée possuía outra pessoa que considerava amiga: Didier, um primo parisiense de sua mãe – que atualmente morava na Grécia – que lhes visitava ao menos duas vezes por ano. Sempre que vinha, trazia um livro e lia uma boa parte junto com a pequena loira, que adorava o jeito de seu primo, por mais sério e, por muitas vezes, ranzinza que este fosse. As duas amavam suas visitas, que eram aguardadas com grande ansiedade por Aimée, mal sabia ela que veria seu amado primo antes do esperado.     

 

                                              ***

 

Naquele navio com destino a Athenas, a pequena Aimée refletia tudo que tinha lhe acontecido. Foi um baque muito forte para uma criança de cinco anos. Encarou o oceano e deixou as lágrimas caírem. Agora ela era órfã, ou melhor, nem tanto:

—Aimée… – o jovem de cabelos longos e azulados surgiu, com seu terno preto, simbolizando o luto pela prima perdida – Eu te procurei por todo o navio. Vamos, é hora do jantar.

—Eu não quero comer, Didier… Não até você me explicar o que foi tudo aquilo.

O jovem se calou e começou a refletir. Sentia um grande poder na garotinha que ele sempre gostou. Lembrava de quando lia para elas seus livros preferidos e de como a loirinha o encarava encantada a cada parágrafo dissertado por ele:

A verdade é que não quero destruir sua inocência com a verdade— pensou

—Pode deixar comigo, Camus – falou o outro jovem que o acompanhava. Aimée lembrou dele como o garoto de armadura prateada que a abraçou antes dela desmaiar.

—Quem é você e por que chamou meu primo Didier de Camus?

—Bom, pequena Aimée… Isso tem a ver com a história que eu vou lhe contar. Seu primo disse que você gosta de histórias, não é?

—Sim… Um dia terei livros tão legais quanto os que ele lê para mim.

—Claro que vai – deu um leve sorriso, sentou de frente a ela e a abraçou – antes de começar a história, quero me apresentar a você. Aonde nasci, na Cote d'azur me chamavam de Thierry… Mas aí fui para a Grécia e lá ganhei um outro nome e aquela armadura que você viu.

—E como te chamam agora?

—Misty… O Cavaleiro de Prata da constelação de Lagarto.

—Então o Didier?

—Sim… Didier é um pouco mais importante. Sua armadura brilha como ouro. Ele é Camus de Aquário. Nós dois somos defensores da Deusa Athena e, de vez em quando, a ajudamos a salvar o mundo.

—Uau – foi o único som que saiu de sua boca. Os olhos, antes marejados devido o choro, agora voltaram a ter o brilho que Didier, ou melhor, Camus, se lembrava – Mas… O que aconteceu na floresta? Por que a minha mãe…?

—Dorothée também era uma guerreira – Camus tomou a palavra – a mais brava de todas elas, igual a seu pai, que morreu antes de você nascer. Os dois eram guerreiros tão poderosos que irritaram muita gente… Por isso se esconderam em Chantilly e passaram a viver como donos daquele haras.

—Então a minha mãe também lutava?

—Sim. Dorothée era quase tão poderosa quanto eu… Mas as pessoas que atacaram vocês duas estavam abençoadas por um deus maligno. Nós tentamos ajudar, porém chegamos tarde… E só conseguimos salvar você.

—Você realmente não lembra nada do que aconteceu na floresta, Aimée?

—Eu me lembro de algumas coisas…- A pequena começou a relatar suas vagas lembranças para o Primo e seu amigo.

 

“Como a tarde estava tranquila, ela deixou os funcionários cuidado do haras, selou Chevalier  d'Or e Amethyste, nossos cavalos, e partimos para o bosque. Cavalgamos bastante, minha mãe era magnífica montando, uma verdadeira amazona… Eu disse isso a ela quando aquele homem apareceu. Vestia negro, uma armadura negra. Tinha os cabelos loiros bem claros e os olhos com íris vermelhas. Eles tiveram uma conversa, mas não entendia o idioma em que eles falavam, entendia apenas quando se chamavam pelo nome… O do homem era Zephiros:

Finalmente te localizei, minha amada Dorothée.

Amada? Você me abandonou! Desertou o Santuário por poder, por uma ilusória vida eterna!

Achei que você completaria dizendo que te abandonei grávida – ela o olhou espantada – O quê? Eu sabia que você estava grávida quando deixei o Santuário. Fora que estive o tempo todo no seu encalço, Dot… Se não apareci antes, é porque não senti que minha filha estava preparada para me conhecer.

Ela não é sua filha.

Você não pode negar isso, Dorothée… Ela pode ter seu sorriso e seus olhos, mas se parece comigo.

Não… Ela não pode ter como pai um adorador de demônios.

Ah, Dot… Minha amada e doce Dorothée… Eu não adoro demônios… – ele se aproximou e tocou o lado esquerdo de seu rosto – Eu sou um demônio!

Não duvido da veracidade disso. O ar cheira a enxofre desde que você apareceu!  Afinal de contas, o que você quer comigo?

Não é óbvio? Eu vim lhe buscar… A proposta ainda está de pé. Venha viver comigo na Ilha da Rainha da Morte. Você tem poder para isso e já desertou o Santuário

Está enganado, Zephiros. Não sou uma desertora! Estou aqui a mando do Grande Mestre… Em uma missão que apenas ele tem conhecimento…

Uma pena… Terei que acabar contigo então, minha amada Dorothée de Flamingo. Sinto tanto que não me ame mais…

Engana-se se pensa que não te amo mais. Eu nunca deixei de te amar, Zephiros, mas não posso ser a esposa de um demônio! Sou uma mulher Cavaleiro, uma guerreira da elite de Athena!

E então eu senti um calor, seguido de um clarão, que ofuscou minha visão por alguns instantes. Quando a recobrei, minha mãe vestia uma armadura reluzente, com alguns tons de rosa, misturados a cor prateada. Ela e o homem começaram a lutar, parecia que minha mãe ganharia fácil, mas aí apareceram aqueles outros caras de armadura negra e… Quando percebi, minha mãe estava caída. Parecia que não respirava. O homem veio caminhando em minha direção, mais uma vez falando naquela língua que eu não conheço:

Minha boneca… Vamos embora para a Ilha da Rainha da Morte? Eu sinto um grande poder dentro de você… Com alguns anos de treinamento, sem dúvidas nenhuma, você chegará a elite da cavalaria negra.

—Maman…”.

—Eu não sei o que aconteceu. Senti meu corpo esquentar e, quando dei por mim, estava rodeada pelos outros caras de preto. Eles tinham expressão de medo. O tal Zephiros estava morto na minha frente. Acho que eu fiz isso, mas não sei como. Quando achei que ia morrer também, vocês dois aparecerem.

—E você desmaiou no meu colo – Misty completou

—Ajudei em alguma coisa?

—Sim, Aimée… Zephiros era um cavaleiro, assim como nós, porém desertou o Santuário e se aliou a uma ordem inimiga…

—Era dessas pessoas que minha mãe se escondia?

Camus assentiu com a cabeça. Não poderia contar quem na verdade era aquele homem. Não naquele momento… Talvez nunca:

—Agora que você está mais calma, que tal comermos alguma coisa? – Misty sugeriu, com um meio sorriso, apenas tentando ser amistoso. Sabia que, se a menina tivesse a mesma índole que o primo, perguntaria porquê do sorriso, afinal ela acabou de ficar órfã – Você está há muito tempo sem se alimentar. Camus e eu cuidaremos de você… Para sempre.

Aimée assentiu com a cabeça. Sempre tivera uma afeição especial por seu primo Didier, sabia que, mesmo sendo chamado por outro nome, ele ainda a protegeria e sentia o mesmo sobre Misty, apesar de o conhecer há pouco tempo. Quando se levantou, os dois lhe estenderam as mãos e caminharam juntos até o salão de refeições do navio. Uma última lágrima deixou os olhos de Aimée, mas não chegou a escorrer pelas maçãs de seu rosto, pois a brisa marinha a levou para longe, misturando sua dor a água  do o mar. Misty e Camus se olharam, e em um suspiro, entenderam o que fora aquela repentina brisa: o adeus que Dorothée não pôde dizer à filha que, tal como o nome dizia, era muito amada.

 

Por volta das onze da noite, após muitas histórias de batalhas de Dorothée narradas por Camus, Aimée finalmente dormiu. O Cavaleiro de Aquário a cobriu, afagou-lhe os cabelos loiros e dirigiu seu olhar a Misty, que olhava o oceano pela janela da cabine:

—Thierry? – chamou.

—O-… Senhor Camus?! – exclamou extremamente surpreso

—Por que me chamou pelo nome civil? Sei que odeia fazer uso dessas identidades.

—Porque o que vou te pedir é extremamente pessoal – ele respirou fundo e firmou o olhar na pequena janela da cabine, na qual a luz da lua penetrava e fazia sombra sobre o rosto do francês. Um rosto fino, firme e anguloso. Sempre diziam que ele era o mais insensível de toda a confraria, mas desde que passou a conviver mais com ele, Misty passou a duvidar disso. Por fim suspirou e disse - Preciso que você treine… Que cuide de Aimée.

—Mas… Senhor Ca-… Didier. Ela é sua prima. Aposto que Dorothée gostaria que você a treinasse.

—Você também estava lá. Viu o que ela pode fazer – olhou de soslaio para a criança adormecida – Eu posso ser o mago da água e do gelo, mas você consegue controlar o poder dos filhos do vento. Confio-a a você, Misty de Lagarto.

—C-certo. Eu prometo não desapontá-lo , senhor Camus.

O aquariano apenas assentiu com a cabeça, sentou em uma poltrona e abriu um livro. Leu durante um tempo, até que adormeceu.


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Notas finais do capítulo

As falas em negrito e itálico simbolizam a conversa que Aimée não entendia.



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