Mesmo que aquele objeto não fosse uma espada, com uma lâmina afiada e objeto pontiagudo que pudesse perfurar outras pessoas, Fa Zhou achou-o de uma estrema delicadeza, igualmente quando movia a espada em campo de batalha. Era preciso equilíbrio para que não caísse nem para a direita e nem para a esquerda. Era preciso foco, para que não o deixasse cair. Também precisava de segurança, não somente uma segurança física, mas um controle mental. Todas as informações que sua filha passava para ele, era assimilada e convertida em ações.

Os movimentos com as mãos precisavam ser leves como a folha que se curva na brisa do amanhecer. Era necessário que sua postura não fosse grosseira, para que, ao movimentar os braços, a elegância fosse transmitida ao mover o leque que Mulan ensinava ele a utilizar, como fez com seus amigos.

— Muito bem, papai, está quase tão elegante quanto a vovó. — Mulan riu.

— Ah! É? Sabia que sua avó nunca foi muito boa em dança, ela sempre pisou nos dedos do meu pé.

— Eu ouvi isso. — A voz da senhora soou vindo do interior da casa dos Fa.

Mulan sorriu e sacou seu leque do bolso do quimono que vestia. Estavam se preparando para o ano novo, e haveria uma apresentação no centro da vila.

Parecia ser fácil, mas era muito complicado, ainda mais ele que possuía um machucado em sua perna. Foi na última batalha, defendendo o Império, que Fa Zhou se machucou gravemente. Nessa época, sua esposa estava grávida e ele precisou ficar fora de casa por seis longos meses. Quando retornou, Mulan havia nascido horas antes. Ele estava mancando e mal podia segurar a filha no colo e em pé. Precisou sentar e apoiar a bengala ao lado da cama, para pegar a pequena em seus braços.

***

Mulan era uma coisa bem pequenininha e a parteira dissera que ela poderia ter o mal da noite. Era como diziam quando as crianças recém-nascidas não sobreviviam uma noite inteira após o nascimento.

Dessa forma, Fa Zhou entregou a menina nos braços da mãe, levantando-se. Ele ignorou a bengala e foi andando com dificuldade até o templo dos ancestrais. Lá, ascendeu um incenso, e juntou as mãos, orando para os antepassados protegerem sua filha.

— Ela é uma menininha tão bonita. — Disse o guardião coruja, aquele que possuía mais sabedoria entre os guardiões. — Será muito sábia.

— Tenho certeza de que ela será uma boa mãe e dona de casa. — Avaliou a cobra, a guardiã que possuía destreza. — Será muito amorosa.

— Ela vai ser uma guerreira. — Comentou o grande dragão de pedra, causando uma crise de risos entre os outros guardiões. — Honrada e corajosa.

— Cê tá de brincadeira né? Ô tijolinho. — Mushu aproximou-se dos guardiões e subiu em cima do dragão maior, olhando Mulan pela janela. — Olha o tamanho daquela coisa.

— Você também é pequeno. — Constatou o dragão. — Eu diria que ela é maior do que você.

— Eu estou encolhido no meu tamanho de bolso. — Birrou Mushu. — Se estivesse no meu tamanho normal, vocês iriam pedir misericórdia para o grande Mushu.

A cobra e a coruja riram, enquanto o grande dragão de pedra ainda observava Mulan.

— Sinto uma energia forte vindo dela. Um dia Mulan vai provar ser o membro mais honroso dessa família.

— Do que você tá falando? Se ela arrumar um marido já vai ser muita coisa. — Mushu bocejou. — Se bem que se ela for igual Fa Yu, poderá chamar muita atenção fazendo a dancinha do leque.

— Ele não possuía vergonha de ser quem era. O mesmo ocorrerá com Mulan, honrada por não se curvar as exigências do mundo. — O grande dragão olhou para o céu e Mushu também direcionou a cabeça para cima, procurando o que ele estava vendo. — E você, meu caro irmão, fará parte do processo.

— Eu? Guardião da princesa? Eu nunca! — Mushu balançou os braços. — Eu quero ação, quero muita luta, se quiser, pode levar a Mulan pra passear na feira. — Ele fez uma voz afeminada e depois gargalhou.

— Um dia você entenderá. — O dragão deu meia volta e deixou Mulan sob vigia da avó, que cuidava para que ela permanecesse viva. — E um dia minha existência não será nada além de pó.

***

Quando a lição terminou, o leque de Mulan caiu nas mãos dela e Fa Zhou fez uma reverência, agradecendo a plateia que o observava. O cachorro, um grilo e um tipo de lagarto vermelho.

— Eu já disse que sou um dragão. — Mushu disse indignado pela forma como era tratado. — Até parece que esse povo não tem cultura.

— Está bem, está bem, um dragão. — O velho Fa se rendeu ao dragão.

— Saiba que o grande dragão de pedra fez uma profecia muitos anos atrás dizendo que eu seria o grande guardião que levaria Mulan a vitória da guerra, ou algo parecido, naquela época eu não entendi nada, mas agora tudo faz sentido. Eu sou demais.

Enquanto Mushu se gabava, o grilo cricrilou, achando que ele estava mentindo. Mushu ficou ainda mais irritado e disse que se pudesse o próprio dragão diria.

— Já que tocou no assunto, eu não vi mais a estatua do dragão de pedra. — Fa Zhou comentou, esfregando os dedos na barba. — Ele foi construído pelo primeiro ancestral Fa.

— Jura? — Mushu engoliu em seco. — Vai ver ele precisou tirar férias.

— Mushu, você sabe o que aconteceu com ele? — Mulan perguntou e depois de olhá-lo com seriedade, o dragão se jogou nos braços dela e começou a explicar como o dragão se transformou em pedacinhos de concreto quebrado e nem o melhor artesão poderia concertá-lo. — Mas, onde foi parar os restos dele?

— Não me faça perguntas difíceis, eu estava ajudando você a ganhar uma guerra e ser uma condecorada. Mandei bem, e ele mesmo disse que eu faria isso, vai ver sabia que ia virar pedacinhos de estátua de dragão.

Fa Zhou foi caminhando com Mulan até onde a estátua do dragão se encontrava, não havia nada além de um belo crisântemo recém brotado da terra. Mulan ajoelhou-se e juntou as mãos fazendo uma oração ao grande dragão de pedra, aquele guardião que, mesmo não estando ali em sua presença imponente, seria sempre o grande guardião e mais sábio de todos, o que possuía um grande coração.