Solta o som escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 12
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores. Não tenho muitos recados por hoje. Só passando pra desejar que tudo esteja bem. Nos vemos no meio do mês. ♥



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A fila de entrada para a Jukes virava o quarteirão naquela quinta-feira. Com os passos desacelerados enquanto decidia se ir até ali havia sido a melhor decisão, Caíque percorreu metade dela até ouvir seu nome pela primeira vez. Ítalo estava com o usual grupo de amigos, e Caíque controlou de última hora um arquear surpreso de sobrancelhas quando ele esticou a mão em sua direção. Deixou que ele segurasse seu braço e foi puxado diretamente para um beijo estalado na bochecha. Esboçou um sorriso pequeno ao que ele se afastava para o olhar de perto e segurou uma nova reação admirada quando o ouviu começar:

— Ouvi falar que você ia estar por aqui. Te encontro lá dentro?

Nenhum convite para furar fila com ele, como imaginou que devesse ter acontecido se esperava tanto vê-lo por lá. Assentiu em silêncio e apontou o caminho de antes, para onde seguiu de imediato, antes que tivesse que encontrar algo definitivo a responder.

O segundo chamado veio quando estava alcançando o que deveria ser o último terço das pessoas à espera, mas não precisaria ter acontecido. Caíque encontrou os olhos característicos do colega de quarto ainda ao longe, e eles se arregalaram em sua direção enquanto Felipe – o irmão – saía de um abraço frouxo de Cauê para vir buscá-lo e carregar até o grupo em que estava. Outra coisa que não precisaria olhar demais para descobrir era que Rômulo fazia parte dele.

— Já tava todo mundo achando que você não vinha!

Mais uma vez, Caíque pensou que não entendia muito bem que tipo de relacionamento os garotos estabeleciam naquela faculdade. Felipe, especialmente, sabia o caminho para seu dormitório. Se fazia tanta questão de sua companhia, poderia apenas ter passado por lá uns minutos antes de encontrar os outros. Ou ao menos ter lhe dito que estaria por lá, porque até então estava avisado de que os planos de todos eles eram bem diferentes.

— Que bom que eu vim, então — comentou, incerto, e então se pegou de cara com Rômulo; havia sido puxado para o centro da roda apertada, a ponto de quase encostar o peito no dele. Testou o segundo sorriso econômico da noite e recebeu o segundo beijo na bochecha, enquanto os dedos de Rômulo vinham correr por seu antebraço, do cotovelo ao punho; um segundo hesitante como se fosse segurar sua mão, então a quebra abrupta de contato. Caíque cruzou os braços na tentativa de se convencer de que a decisão de se manterem longe era sua.

Por fim, o terceiro chamado. Estava prestes a se virar com um sonoro “o que é, caramba?!” quando reconheceu Vinícius com um walkie-talkie na mão. Engoliu o grito irritado e deixou o sorriso despontar. O homem abriu espaço no meio dos outros rapazes e chegou perto o bastante para cumprimentá-lo. E é claro que foi sem querer que trombou o ombro com o peito de Rômulo ao dar ao bochecha para o promoter beijar.

— Quer entrar? — ele perguntou, tão perto que o hálito de bala de hortelã, forte demais para o seu gosto, alcançou sua respiração. — São seus amigos? Anda, vem.

Agora, sim, estava segurando a mão de alguém, enquanto Vinícius o guiava de volta pela extensa fila. Teve tempo apenas de segurar a camisa de Felipe para levá-lo junto. Foi somente quando parou em frente à porta que olhou para trás e encontrou o trenzinho que havia se formado às suas costas: Felipe puxando Cauê ao cruzar um dedo com o dele, e Remo logo atrás, sem se importar se realmente alguém o havia puxado ou não. Interrompendo a fila, o promoter se inclinou para o guichê de cadastro.

— Me dá três terraços e um VIP.

De canto de olhos, Caíque enxergou enquanto Felipe esquadrinhava seu rosto em busca de respostas para uma pergunta que nunca chegou a fazer. Vinícius veio antes dela, para empulseirá-los. Lipe, Cauê e Rômulo com a azul, Caíque com a laranja.

— Vocês podem subir pro terraço se quiserem. E você ganha bebidas.

Caíque ganhou também um sorriso. E foi isso que o colocou para sorrir mais uma vez, depois de apertar o braço de Vinícius em agradecimento enquanto puxava Felipe para dentro, de uma vez.

— Que história é essa de bebidas de graça?

— Ah, eu tenho meus contatos — respondeu apenas, com o tom mais idiota que conseguiu alcançar acima da música alta. Ela começava a preencher o ambiente enquanto se aproximavam da porta acústica, que estava entreaberta.

Então aquilo era uma balada de verdade. Talvez fosse apenas a força do som reverberando nos pés, mas a batida da música parecia mudar a frequência das batidas de seu coração. Podia senti-la erguer seu nível de adrenalina para um patamar que nunca tinha alcançado. Era lindo.

O salão cheio de luzes e fumaça fez seus olhos lacrimejarem instantaneamente. Estava no meio do processo de esfregá-los com uma força sobre-humana quando a mão de Rômulo veio ao encontro de suas costas. Não precisava espiar para saber que era dele. Primeiro uma pressão de dedos, num toque leve como todas as outras vezes, depois finalmente a palma da mão o puxando para perto. Quando afastou as mãos do rosto, o garoto estava ao seu lado, com o peito encostado em seu braço e a boca próxima demais de seu ouvido.

— Quem é aquele?

— Só alguém — respondeu sem pensar duas vezes, os ombros erguidos para demonstrar naturalidade. — Eu vou pegar uma bebida — falou para ter a chance de se afastar, mas descobriu que não teria liberdade quando sentiu a mão dele envolver seu punho. Era um toque cuidadoso, embora não chegasse à mão.

— Eu vou com você.

Caíque aproveitou o momento para apontar o bar para Felipe e, enquanto dava as costas para todos eles, a fim de andar na frente, sentiu um sorriso espontâneo passeando em seu rosto, mexendo em músculos que, se tentasse fingir que não estava se divertindo, teria muito trabalho para devolver no lugar.

A primeira rodada de tequila foi unânime. Em seguida, Caíque viu os amigos decidirem por longnecks enquanto se mimava com uma das caipirinhas mais caras do cardápio. Era impossível não se incomodar com a companhia de Felipe – ou sua falta de companhia, se melhor analisasse. Bebericando da bebida mais doce que já havia experimentado, seus olhos caíam para o lado o tempo todo, onde o amigo, encostado ao peito de Cauê, tinha toda a atenção dele. O modo como Cauê se inclinava para olhá-lo de perto, baixinho como era, o jeito que ria de tudo o que dizia, como às vezes acariciava suas costas e, quando achava inapropriado, deixava a boca beijar seu cabelo em vez de procurar pela dele.

Caíque não estava sozinho enquanto via tudo acontecer, mas sentia que também não estava acompanhado. Conseguia sentir o perfume de Rômulo em meio a toda aquela gente e o cheiro da fumaça que ainda irritava seus olhos, mas já não tinha contato com ele. Nada do toque em suas costas, nada dos sussurros em seu ouvido, nada do olhar que um momento antes teria acreditado indicar ciúmes. Agora era tão óbvio que era apenas sua cabeça de novo, enxergando coisas onde queria.

Talvez tenha sido uma decisão inconsciente, ou a falta de costume com o álcool fazendo efeito inesperado, mas seus pés começaram a se mover quando uma das músicas mais famosas do momento fizeram as pessoas gritarem. Ele não saberia justificar, porque a achava irritante e costumava mudar de estação sempre que ela aparecia em uma rádio, então não se juntou aos gritos, mas logo estava acompanhando o ritmo; primeiro os passos o levando de costas para mais perto da pista de dança, depois o quadril se embalando pelo ritmo, daquele modo que, bom, o álcool o obrigava a ser honesto: sabia bem como fazer.

Good girls, I know you want it, eh eh eh, ou fosse lá a ordem em que as frases vinham. Era mesmo uma música sobre nada na opinião dele, mas o remix que o DJ fazia era gostoso de dançar. Parou de repente quando sentiu um abraço firme pelas costas. Arregalou os olhos e estava pronto para se virar e empurrar o que imaginou ser um cara muito bêbado, quando escutou um falsete horroroso adentrar quente em seu ouvido. Era uma brincadeira, mas trouxe aquela vontade recorrente de calar a boca de Ítalo:

Blurred liiiines — ele cantava.

Se rendeu a um riso solto enquanto deixava o corpo acompanhar o dele na melodia. Quando achou que fosse o suficiente, poucos segundos depois, mas que pareceram mais íntimos do que poderia lidar, virou de frente para ele. Os dedos de Ítalo vieram de seu abdômen para os fios de seu cabelo, segurando junto com eles o nó da bandana na nuca. Caíque já tinha prendido as mãos na camisa dele quando aceitou um beijo, segurando o tecido na altura de seu peito, onde podia trazê-lo para perto com maior facilidade.

A verdade era que gostava dos beijos de Ítalo muito mais do que gostava dele. E no fundo não podia reclamar que ele sentisse a mesma coisa. Honesto fosse, era uma pessoa muito mais interessante que Ítalo, tinha certeza de que sim. Mas Ítalo não o conhecia o bastante para saber que deveria se apaixonar por ele. Ninguém o conhecia o bastante para saber que deveria se apaixonar por ele. Caíque se apaixonaria por si mesmo se pudesse. Rômulo deveria também. Já não tinha ideia do que estava pensando enquanto misturava o hálito no dele; o copo vazio de caipirinha pressionado entre os corpos, a garrafa gelada da cerveja dele encostando no espaço de pele descoberta em suas costas, onde o abraço fazia a camiseta subir um pouco.

O beijo durou uma música mais; a dança, duas ou três. Então Ítalo apontou para o bar, onde jurou que pegaria mais uma bebida. Caíque deixou que fosse. Sabia que ele não voltaria. Não esperava que ele voltasse, ou talvez até desejasse que não. Mas estavam na mesma página o tempo todo, ao que parecia; sempre na introdução, enrolando demais em uma história que não parecia interessante o bastante para persuadi-los a conhecer o primeiro capítulo.

Encontrou o outro lado do balcão e mostrou a pulseira para pedir mais uma daquelas caipirinhas. Não tinha certeza sobre a direção em que precisaria andar se quisesse se juntar novamente ao casal mais apaixonado da faculdade e Rômulo, então decidiu não fazer isso, até por também não ter certeza de que gostaria. Estava de volta à pista de dança alguns minutos depois, com meio copo da bebida desaparecendo como se alguém tivesse tomado por ele. Que porcaria de barman tinha escolhido, que nem enchia seu copo o bastante.

Desta vez, não se surpreendeu com a aproximação de um cara desconhecido. Era bonito, tinha cara de ser da faculdade, mas Caíque nunca o tinha visto na dele. Talvez fosse da faculdade, mas de outra. Tinha os cabelos bem escuros e os olhos indecisos entre o amarelo e o azul por causa das luzes do ambiente. Não eram como os de Rômulo, não o sugavam para dentro, não o convidavam para perto, mas, na falta da escuridão confortável dos dele, aceitou como convite o sussurro no ouvido.

Ficou pela primeira música, quando achou que conseguiu manter algum tipo de conversa decente, pela segunda, quando ocupou a boca com a saliva amarga demais de bebida que ele tinha, e pela terceira, depois da qual ele disse que precisava encontrar os amigos. Mais uma vez, Caíque não se importou de ficar sozinho. Já não sentia que estava; tinha OneRepublic tocando nos ouvidos, batendo debaixo dos pés e embalando sua pulsação. E, bem, tinha o olhar que queria sobre o seu quando cruzou a pista. Exatamente onde o tinha abandonado, ao lado de Cauê, agora sentado em um banco enquanto bebida sua cerveja.

Caíque estava zonzo demais para fingir que não queria a companhia dele; para si mesmo ou quem quer que perguntasse. Arrastou os pés até lá; o sorriso do reconhecimento ainda fixado nos lábios enquanto se inclinava na direção dele.

— Vem dançar?

Ele negou com a cabeça. E seu sorriso desapareceu. Caíque não soube como insistir; em sua mente, uma dezena de situações aconteceram de maneira simultânea, mas, apesar de bêbado, teve certeza de que ficou apenas parado em frente a ele, o encarando. Não sentou em seu colo, não se enfiou entre as pernas dele até estar perto o bastante para beijá-lo, não sorriu de maneira meiga e tentou convencê-lo a ir. Apenas ficou ali, digerindo a negativa junto com o álcool e se encolhendo contra o balcão para olhar a pista de dança. Os pés parados; a sobriedade sendo testada enquanto tentava usar os canudos como hashis para caçar alguns morangos e fingia para si mesmo que realmente estava interessado em comê-los. Talvez para não ver como Felipe e Cauê eram incríveis juntos, talvez para não precisar lidar com o azedume de Rômulo.

— Tô indo embora — anunciou ao deixar o copo atrás das costas. Era cedo para uma balada, mas não para uma quinta-feira.

— Eu vou também.

Caíque não queria saber. Queria que Rômulo explodisse. Que não conseguisse ir junto porque seus pedaços estavam espalhados por todos os cantos. Queria poder rasgá-lo em milhões deles e jogar para cima. O máximo que conseguiu foi deixá-lo para trás, preso nos caixas de pagamento, vazios àquela hora, mas que tomavam muito mais tempo do que ele próprio precisava para mostrar a pulseira VIP e ser liberado. Até porque Rômulo iria para outro lado. Ele não morava nos dormitórios, dividia uma república com Cauê e outros garotos, então qual seria o interesse dele em acompanhá-lo até o campus?

Caíque nunca saberia, de qualquer forma, porque não deixou que acontecesse. Foi dormir até deixar para trás o álcool e a frustração; deitando ainda com as roupas da noite e empurrando Danilo para o canto da cama, impossibilitado de mandá-lo embora.

— Vai pra lá — resmungou apenas e arrancou dele o travesseiro, que era seu. Deitou com os pés ao lado da cabeça dele, e os pés dele ao lado da sua.

E não conseguiu mesmo deixar para trás nenhuma daquelas coisas, porque, um pouco antes do despertador tocar, precisou correr prédio afora até o banheiro, onde deixou as frutas quase inteiras e o resto do nada que havia comido no dia anterior; e, enquanto se sentava na frente do vaso sanitário, incerto sobre continuar a dormir ali mesmo ou voltar para dividir o colchão apertado com Danilo – ou talvez agora pudesse expulsá-lo –, o chacoalhar de cabeça de Rômulo ainda estava fixo em suas lembranças, indo e vindo como se para provocá-lo. E Caíque não estava pronto para perdoar.


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