Underwater escrita por Lizzie-chan


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Wah, oi povo!
Ando lendo um monte de fanfic com hanahaki nos últimos tempos e bateu uma vontade de fazer uma minha uhaushaushu. Na verdade era pra ser só um angst com romance, mas acabei perdendo a mão no meio do caminho por conta dos sentimentos da Uraraka e outras coisas que andaram acontecendo na minha vida pessoal uahsuahsuahs.
É um presente de aniversário atrasadinho pra minha nenê linda, Evyne ♥ Você sabe que angst não é o meu negócio, mas fiz o que pude ;)

Boa leitura povão.



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Uraraka sabia o que significava perder.

Já tinha perdido várias vezes na vida. Batalhas, discussões, jogos, pessoas. Nenhuma lição vem sem um fracasso, ela dizia para as crianças na televisão. Toda falha era uma oportunidade para crescer e Uraraka tinha o ânimo para abraçar o desafio.

Por outro lado, odiava reconhecer uma guerra perdida.

Podia tropeçar no caminho, mas uma hora seus esforços iam superar tudo e ajudá-la a melhorar. As falhas estavam lá para serem sobrepujadas, afinal de contas. Não tinha sentido em um desafio se ela não conseguia tirar uma lição dele.

Esse, no entanto, só lhe mandava uma mensagem, completa com luzes neon e flechas apontando na direção:

Desista.

Não havia razão em se envolver em uma futilidade, uma batalha que ela nunca poderia vencer, apesar de seus esforços, apesar de cada lágrima que ela derramasse. Embora, bem, ela não tivesse pedido por nada disso.

Foi inevitável.

.

.

Ochako e Tsuyu se conheciam já fazia nove anos. Ambas jovens adultas, suas carreiras como heroínas tinham decolado ao ponto de precisarem recusar entrevistas para ter tempo de dormir. Uraraka não podia negar que estava feliz: era o que ela sonhara, afinal de contas. O dinheiro inundava sua conta bancária, e a família nunca mais enfrentaria problemas financeiros. Ainda, ela aprendera com o tempo a satisfação de trabalhar para a sociedade, salvando as pessoas, trazendo paz. Seu trabalho era sua paixão em cada pequeno detalhe.

Tsuyu era sua melhor amiga — dividiam um apartamento, um gato fofo e acima do peso e cada memória dolorosa e conselho gentil. Tsuyu estava lá com ela quando lamentou a perda de Deku, os longos meses em que ficou em casa, atormentada pelos pesadelos, pela imagem de seu amigo coberto de sangue, e não conseguia comer, sair, se divertir. Foi Tsuyu quem acampou ao lado de sua cama, garantindo que ela se alimentasse direito, que se cuidasse. Foi Tsuyu quem penteou seu cabelo, puxou-a para assistir algo na televisão, preparou seus pratos favoritos nas refeições.

Asui segurou sua mão e a puxou para cima, enchendo Uraraka novamente com o desejo de viver. Foi Tsuyu, também, quem a ajudou a voltar ao trabalho como heroína, a enfrentar o medo, a ter fé de novo.

Ela já tinha um lugar especial no coração de Ochako.

Conforme o tempo passou, as duas se aproximaram mais e mais, e todo lembrete uma da outra aquecia seu coração. Ochako pensava nela todos os dias, bagunçando os cabelos de toda criança com a mochila estilosa da Froppy, colecionando bugigangas temáticas aos baldes. Seu apartamento era uma aconchegante mistura do rosa e preto de Uravity com o verde de Froppy.

Ela confidenciaria qualquer coisa para Tsuyu e pensava, de verdade, que Tsuyu faria exatamente o mesmo.

Foi um choque, então, aquela noite chuvosa de verão em que ela voltou para casa e descobriu que estava errada.

Estava escuro e a tempestade caía pesada. Os trovões ecoavam do lado de fora com cada gota, reverberando no quarteirão de seu prédio enquanto Ochako subia no elevador, rezando para que não ficasse preso entre o primeiro piso e o seu andar, como da última vez. Podia (provavelmente devia) subir de escada, mas isso significava passar por todos os doze pisos e, honestamente, Uraraka e sua labirintite estavam velhas demais para essas coisas.

Então, sim, ela escolheu o elevador.

A luz amarelada do indicador do painel continuou acesa todo o tempo até chegar ao seu andar, então as portas abriram com um plim. Suspirando em alívio, Uravity abriu a porta do apartamento, retirando sua jaqueta assim que entrou.

As luzes da sala de estar estavam acesas, mas não havia qualquer sinal de Tsuyu, exceto pela televisão transmitindo as notícias e Cheese miando alegremente sobre o sofá marrom. Uraraka prosseguiu, retirando seus sapatos e caminhando até o sofá, acarinhando o gato atrás da orelha e captando as notícias.

Estavam falando sobre uma explosão que houve durante um enfrentamento de um vilão com sua amiga, Jirou. Estavam passando o evento em vários ângulos diferentes enquanto os repórteres discutiam o acontecido. Fazendo beicinho, Ochako olhou ao redor, reparando nas luzes acesas do corredor dos quartos.

— Tsuyu-chan? — chamou, deixando Cheese em paz com seu cochilo e seguindo pelo corredor. A chuva estava tão barulhenta que era quase como se caísse dentro do prédio. A porta do quarto de Tsuyu estava aberta, mas as luzes estavam apagadas, e uma fraca luminosidade vinha do banheiro. Franzindo a testa, Ochako chamou outra vez, sem resposta.

Decidiu entrar. O que podia dar errado, afinal? Tsuyu e ela dividiam tudo, e a morena conhecia seu quarto como a palma de sua mão. Foi fácil evitar a mobília no caminho, mas, quando estava a um par de passos da porta, finalmente escutou Tsuyu.

Estava tossindo. Não a tosse seca e dolorida de uma gripe, mas uma úmida. Uma que a fazia se lembrar de…

Um passo. Um passo hesitante e podia lembrar-se do vermelho nos dedos de Midoriya, encharcando as luvas pálidas. Um passo e ela conseguia se recordar de seus olhos profundos e assustados enquanto ele levantava o olhar para ela.

Deu o segundo passo.

Parou no batente da porta.

Tsuyu estava curvada sobre a pia, uma mão pálida e trêmula segurando a borda do mármore enquanto a outra afundava na água da torneira aberta. Asui ofegava, as madeixas negras em cascata sobre seus ombros, fazendo com que parecesse menor e mais pálida.

— Tsuyu-chan?

A cabeça de Tsuyu virou em sua direção na velocidade de um raio.

Seus olhos eram um par de círculos de ébano emoldurados por cílios grossos e úmidos. Os lábios rosados estavam apenas um tom mais escuro que o branco, fazendo com que a pequena pétala lilás pendurada ali ficasse ainda mais perceptível.

— Isso… O que…

Conseguiu respirar de novo.

Tsuyu estava bem e seus estranhos vislumbres de Deku tinham sido desencadeados por nada. Nada agora, ao menos.

— Isso aí é uma pétala? — Uraraka conseguiu perguntar, apontando para seu rosto. Tsuyu virou-se para olhar no espelho, espanando a pétala para longe tão logo a viu. Então, enquanto a morena preparava outra pergunta, começou a tossir outra vez.

Ochako se aproximou rapidamente, segurando seus ombros enquanto o corpo de Tsuyu tremia. Sua pele estava úmida, o cabelo grudava no suor enquanto ela vomitava mais pétalas na pia. A morena observou, chocada, conforme os pequenos fragmentos lilases entupiam o ralo, e a realização veio em uma dolorosa memória.

Hanahaki, a doença do amor, Mina tinha dito, suspirando no sofá enquanto folheava o livro do roteiro de Romeu e Julieta. Yaoyorozu, de pé ao lado de uma das mesas da cozinha, levantou as sobrancelhas em surpresa. Eles fazem parecer bem dolorosa no livro.

É a morte, Momo havia dito em retorno. A morte de uma pessoa é dolorosa. É triste.

Tão triste. Na época, elas nem tinham ideia do quanto.

Ochako e Tsuyu se separaram uma hora depois.

Asui não tinha dito nada sobre a doença e optou por não dizer nada dessa vez também, enquanto fechava sua porta, deixando Uraraka de fora — de seu quarto, de sua vida.

Não falaram sobre isso depois.

.

.

Falaram sobre isso depois.

Precisamente, uma semana depois.

Ochako não tinha certeza de qual delas precisava do tempo para espairecer. Ficou mentindo para si mesma enquanto passava a semana inteira no piloto automático: é, ela estava dando um tempo para Tsuyu, espaço para que ela pensasse sobre o que havia acontecido.

Ficou aflita o tempo todo.

Suas noites foram preenchidas com pesadelos sobre a morte, sobre o gélido desespero. Talvez, pensou para si mesma, talvez Tsuyu a tivesse deixado de fora porque conseguira ver o terror em seus olhos naquela noite. Quando, apesar de Tsuyu ser a pessoa que estava sofrendo, era Uraraka quem estava débil e desamparada.

Tsuyu sempre a salvava. Ela estava lá em cada queda, cada arranhão, cada choro.

O que Uraraka podia fazer por ela em retorno? Quando era mais necessária, conseguia apenas gaguejar até ser posta para fora do quarto, da vida de Tsuyu…

Uma semana depois, quando voltou para o apartamento após uma patrulha, o corpo cansado, tendo ignorado o almoço outra novamente, estava chovendo.

Dessa vez, Tsuyu estava sentada no sofá, afagando a orelha de Cheese e assistindo a um programa na Netflix. Uraraka parou à porta, congelada no lugar. Sentia como se seu batimento cardíaco estivesse tão alto quanto as sirenes da ambulância nas ruas lá embaixo. Batendo, agitando-se, inseguro, pedindo que ela desse a volta, que não enfrentasse a situação.

Respirou fundo, sentindo os olhos arderem enquanto arrancava os sapatos e silenciosamente dava a volta no sofá, sentando-se do outro lado do gato. Inspirar e expirar. Ela ia conseguir. Conseguia ficar lá.

Se fugisse agora, talvez Tsuyu não desse a ela outra oportunidade. Talvez essa fosse a única, e Uraraka tinha que ser forte.

Lentamente, como se emergisse da água, o zumbido do programa e o ronronar de Cheese inundaram seus ouvidos.

— Já faz uns dois meses.

— O-O quê? — Virando-se, podia ver que Tsuyu ainda olhava para a televisão, a voz suave. Podia estar falando da estação chuvosa, até onde Uraraka sabia.

— Já faz uns dois meses desde que as pétalas começaram a aparecer.

— Ah.

Hanahaki, o desabrochar silencioso de uma flor do amor nos pulmões de uma pessoa. Ochako pesquisara sobre isso nos últimos dias, durante suas noites insones, rezando para que a ajudasse a manter a calma. Por que se dar ao trabalho? Era assustador.

Um amor não correspondido era necessário para que as flores desabrochassem. Cresceriam junto com o sentimento, dolorosas emocionalmente tanto quanto fisicamente, e a pessoa logo morreria sufocada em sua própria paixão. Que ironia cruel.

Significava duas coisas.

A primeira era que a vida de Tsuyu tinha sido posta em risco por seus sentimentos, e Uraraka nada podia fazer a respeito.

A segunda era que sua melhor amiga tinha se apaixonado por alguém e não havia lhe contado.

Ambas machucavam Uraraka profundamente.

Não devia esperar que Tsuyu se abrisse com ela da mesma forma que fazia. Era injusto — só porque ela estava disposta a compartilhar seus sentimentos e procurar ajuda, não significava que os outros também estariam. Talvez Tsuyu não se sentisse confortável para contar. E, pensando agora, não conseguia se lembrar de alguma vez em que ela tivesse contado de algum crush.

— Não ‘tá tão ruim ainda… — Tsuyu murmurou, tirando Uraraka de seus pensamentos. A morena queria pegar sua mão, apertar de forma tranquilizadora, mas os eventos recentes a deixaram cautelosa, hiperconsciente de cada abordagem que tentava. — Mas dói… ‘Tá lentamente atrapalhando as minhas missões e as minhas patrulhas.

Sua voz quebrou na próxima fala:

— Ochako-chan… — Íris de obsidiana encontraram as de chocolate de Uraraka, a pele em um suave tom de amarelo causado pela luz. Ela parecia fina como papel, frágil, e as lágrimas escorreram por suas bochechas. — Eu não quero morrer.

Você não tem que morrer — respondeu, ou melhor, demandou, movendo-se para perto e segurando sua mão. Cheese miou irritado entre elas, pulando para fora do sofá. Tsuyu apertou a mão de Uraraka em retorno, e sua pele estava tão, tão fria. — Você não tem que morrer, Tsuyu-chan.

— Eu não sei — confessou Asui, a voz embargada. Poderiam ser as pétalas? Ou talvez um bolo na garganta, como o que Uraraka sentia agora enquanto o peito doía? — Eu não consigo esquecer, Ochako-chan. Eu não posso deixar pra trás.

Por que?

Asui a puxou para perto, apoiando a cabeça no ombro de Ochako e respirando fundo, mas não respondeu. Uravity ergueu uma mão, penteando seus cabelos de ébano com os dedos, enchendo os pulmões com o aroma de seu xampu.

Tinha que dar um tempo para Tsuyu.

Tempo para curar o coração partido.

.

.

Quem poderia ser a pessoa que havia quebrado o coração de Tsuyu?

Não era uma pergunta que pudesse fazer. E também não iria mudar nada, ao mesmo tempo em que mudaria tudo.

Uraraka se pegou pensando nisso do momento em que descobriu a doença até o momento em que Tsuyu finalmente concordou em ir com ela ao hospital. Por um lado, se soubesse quem era a pessoa, poderia planejar alguma forma de manter a amiga longe dela. Talvez a distância ajudasse a curar o que ela sentia e a pôr um fim nessa doença do amor.

Por outro lado, pensar sobre a pessoa por quem Tsuyu estava apaixonada a fazia sentir inexplicavelmente triste por dentro.

Asui estava morrendo por causa desse alguém, então era uma reação normal. Doía pensar em sua amiga sofrendo.

Tão profundamente.

— Parece uma flor de lis — a médica disse, observando os resultados do exame cuidadosamente.

— O tipo de flor faz alguma diferença? — Tsuyu perguntou, cautelosa. A médica assentiu, apoiando o exame na mesa.

— A planta pode crescer em uma velocidade maior ou menor dependendo da espécie — explicou, apontando para a silhueta da flor na imagem. — Você consegue ver como as raízes estão rasas? Se fosse uma margarida, já ia estar em todo lugar agora.

— Acho… que entendi… — Tsuyu murmurou. Uraraka apoiou uma mão sobre seu ombro e apertou de leve enquanto olhava para a médica.

Podia ser pior, haviam dito. Podia, mesmo.

— Nós vamos ter que fazer mais alguns exames para dizer exatamente que flor é. Isso pode ajudar na seleção do remédio — a doutora prosseguiu, digitando algo no computador, provavelmente preparando o pedido para o próximo exame. — Não vai te curar, mas pode retardar o crescimento da sua planta e te dar mais um tempo para resolver as coisas com seu parceiro ou se preparar para a cirurgia.

Tsuyu se recusou a fazer a cirurgia.

Uraraka não podia culpá-la. Também não ia querer, se estivesse no lugar dela. Tirar as flores através de um procedimento cirúrgico significava arrancar também as memórias da pessoa amada, e com certeza seria bem doloroso. Embora, ironicamente, o amor doesse também. Uma situação sem perspectivas de sucesso, como Yaoyorozu certa vez havia descrito.

Voltaram para casa em um silêncio sepulcral.

.

.

Estava difícil de conversar esses dias. Uraraka sempre surgia com os mais bobos temas, da melhor marca de esmalte até a sensualidade de sua nova action figure. Agora, no entanto, não conseguia comentar sobre nada banal. Tudo o que pensava em dizer fazia seu peito apertar-se e doer.

Logo Tsuyu não estaria mais ali. Se nada mudasse, ficaria sozinha, incapaz de salvar a pessoa que mais precisava dela, apesar do título de heroína.

Que fracasso.

Nunca tinha sido forte, sabia disso desde o princípio. Força não era algo a se possuir, mas sim a construir, conquistar, e ela trabalhou duro para conseguir ao longo dos anos.

Podia tropeçar e cair. Os erros faziam parte do caminho. Faziam parte do processo de crescer, ela dizia para as crianças, dizia para si mesma.

A verdade, no entanto, era que alguns erros ela não podia dar-se ao luxo de cometer.

Perder Tsuyu era um deles.

.

.

Ficou deitada lá à meia noite, encarando seu teto, rememorando os anos juntas. Levantou-se, então, e inspecionou uma a uma as coisas que havia guardado em seu armário, pegou o uniforme de líder de torcida; sua primeira arma de heroína; livros antigos que Tsuyu tinha emprestado para ela e que ela sempre dizia que leria depois; fotos de seus amigos da escola, de suas equipes das agências.

Seus olhos se demoraram em cada foto, cada braço casualmente jogado sobre os ombros de Asui. Quem poderia ser? Quem poderia ser a pessoa que havia enlaçado o coração de Tsuyu, que lhe dera a semente de lis?  Quem a estava tirando de Uraraka, cujo peito doía tanto?

Estava sozinha. Fraca.

(Algumas vezes, admitia para si mesma que estava desmoronando, contorcendo-se, sufocando; afundando embaixo d’água, tão longe de alcance, tão longe daqueles que precisavam dela.)

(Pensava em Deku. Fotos emolduradas, sorrisos e uma lápide.)

(Não era ela quem precisava de ajuda.)

(Mas queria pedir.)

.

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(Não pediu.)

.

.

A estação chuvosa estava prestes a acabar quando foi chamada para missão com viagem.

Quatro dias, haviam dito, seriam mais que suficientes para investigar os criminosos espalhando-se por Sapporo. White Word, seu parceiro, segurou seu ombro e lhe disse que ela não parecia bem, que precisava recompor-se.

Não era mentira. Ochako sabia, bem lá no fundo, que estava mal. Era esperado, na verdade, considerando que ela não conseguia ficar contente com nada já fazia semanas. Todo momento fora de casa, ficava preocupada com a saúde de Tsuyu; todo momento em que estava com ela era horrível com sua condição, que piorava lentamente.

Uraraka se sentia péssima e sabia que não tinha o direito. Asui era quem tinha todo direito de estar mal, mas continuava com sua vida cotidiana.

Tsuyu era tão forte.

 Aceitou a missão, preparando uma pequena mala e separando-se dela.

Quatro dias foram mais longos do que esperava.

O tempo na missão foi quase como um colete salva vidas — Uraraka sentiu como se pudesse flutuar e respirar pela primeira vez em tanto tempo. Deixou a adrenalina absorvê-la, incapaz de direcionar os pensamentos para qualquer outro lado. Os primeiros três dias eram para observação e planejamento, enquanto no quarto iriam atacar.

Não saiu como esperado.

Os vilões de alguma forma já sabiam de sua chegada e montaram uma armadilha própria, pegando sua equipe no segundo dia.

Em resumo, sangue foi derramado. Mais do que ela se sentia confortável em admitir, mas não tinha muito que pudesse fazer quando deixou o hospital com um pulso quebrado na manhã seguinte, toda enfaixada por causa de pequenos cortes e arranhões. Colocou uma máscara cirúrgica, mas isso não impediu que os repórteres na entrada do hospital reconhecessem a heroína da gravidade, o que levou a uma série de perguntas que ela evitou gentilmente.

De volta ao seu quarto no hotel, Uraraka trancou a porta e escorregou as costas por ela até que chegasse ao chão. O braço doía para caramba e ela estava tão cansada emocional e fisicamente. Era como se não tivesse dormido há semanas.

(Talvez não tivesse mesmo, não de verdade.)

Estava cansada de se sentir chateada. Nada chamava sua atenção, nada lhe dava vontade de se levantar de manhã. Tinha o dinheiro, tinha o trabalho perfeito, mas ela por si mesma nada tinha.

Um desastre como heroína, perdendo amigos, perdendo Tsuyu. Todo e cada dia, estava mais e mais longe, enquanto Uraraka nada podia fazer além de se contorcer em frustração, em auto depreciação.

Sentia-se doente, concluiu, apoiando a mão boa sobre a testa enfaixada. Estava com uma enxaqueca insistente, pulsando forte com cada respiração, cada som, com a luz clínica do hospital, os corredores brilhantes e limpos, os sussurros, os soluços baixinhos, a tensão.

Sufocando. Era como estar sufocando.

Quase pulou quando ouviu o zumbido do telefone. Esquecido sobre o criado mudo no modo silencioso, ele se moveu de um lado para o outro com as vibrações de uma ligação. Lamentando-se, ela se levantou, andando na escuridão até que chegou à cama, batendo a canela de leve no móvel. O telefone parou de zumbir, e, quando ela o pegou, estreitando os olhos por causa da luz, tinha registrado um total de vinte e sete ligações perdidas.

Desbloqueando a tela, Uraraka suspirou fundo quando passou pela lista e o nome de Tsuyu apareceu pelo menos umas dez vezes. Algo se apertou dentro de si, desconfortável, pesado, obstruindo a garganta e mandando arrepios pela pele, e Ochako pressionou o botão de ligar.

Tocou só por dois segundos antes que Tsuyu atendesse.

— Ochako-chan! — ela coaxou do outro lado, a voz rouca. Os lábios de Uraraka tremeram enquanto abria a boca para responder, mas Tsuyu a interrompeu antes que pudesse: — Você ‘tá bem? Eu vi as notícias ontem, mas só anunciaram que os heróis iam pro hospital local e não ouvi mais de você até meia hora atrás! Você parecia… Você ‘tá…

O peito de Uraraka doeu. Seu coração se apertou tanto quanto os dedos ao redor do celular. Sentia-se tão, tão sozinha.

Tsuyu soluçou do outro lado.

— Eu ‘tava quase comprando uma passagem de avião pra Sapporo. ‘Tava quase… Não sei, eu pensei em ligar pro Kaminari, ele mora aí agora, certo? Eu pensei em ligar pros seus pais, eu pensei em viajar pra aí, não consegui parar de pensar e mesmo assim não podia fazer nada. Você… Você ‘tá bem, certo? Me diz que ‘tá.

— Eu não sei — Uraraka sussurrou. O braço latejava, a cabeça latejava, seu coração bombeava dor pelas veias. Tsuyu estava preocupada com ela, apesar da própria situação, pensou em viajar para cuidar de Uraraka. — É que… Posso… te ligar mais tarde?

— O-O quê? Ochako-chan, o que ‘tá acontecendo? — Tsuyu perguntou, perplexa, a voz chateada. A morena apertou os lábios juntos, imaginando a expressão que a outra estaria fazendo agora, e doeu.

— Eu não sei — disse, com toda honestidade.

Soltou o telefone, observando ele cair no colchão. Seu peito doía tanto. Levantou-se, calafrios descendo por sua pele em cada ponto em que as roupas tocavam. Deu um passo para o banheiro, então a dor ficou insuportável, e ela correu.

Curvando-se sobre o vaso sanitário, tossiu, machucada. Uma, duas vezes, em desespero, ela precisava muito respirar, muito, muito, muito.

Quando abriu os olhos, um par de pétalas púrpuras estava flutuando na água.

Ah.

Ah não.

Ah não, não, não, não, não, não, não, não, não.

.

.

Quem poderia ser?

Quem poderia ser a pessoa que quebrara o coração de Tsuyu?

Quem poderia ser a pessoa que a estava tirando de Ochako?

Quem poderia ser a pessoa que Tsuyu amava, quando Ochako estava apaixonando-se por ela?

.

.

Era um mal entendido, concluiu mais tarde, embarcando no voo de volta para Tóquio.

Já estava apaixonada fazia bastante tempo. Toda refeição quente a fazia tropeçar. Toda mão gentil ajudando a subir o zíper de seu traje de Uravity a fazia bambear. Cada sorriso brotava em seu coração.

Ochako já estava se apaixonando fazia muito, muito tempo. Só que percebeu tão tarde.

Tarde demais.

.

.

Tinha sido tão hipócrita de ficar chateada que Tsuyu escondera sua doença.

Uraraka não conseguia se obrigar a contar. Não quando as pétalas lilases se multiplicaram, não quando o resultado do exame de Tsuyu veio.

Era chamada de aguapé, uma linda flor lilás e branca que crescia na superfície da água com a raiz descendo o rio. Um remédio foi preparado para Tsuyu, que continuou a mesma, ainda, só que um pouco mais falante que antes.

Ochako se fechou.

Era egoísta, mas ela não conseguia fingir que nada tinha acontecido. As pétalas aumentavam a cada dia, dolorosas, tornando difícil respirar. Tinha que aceitar a realidade: ia esquecer sobre sua melhor amiga, ou falecer da solitária morte do amor.

O amor que floresceu em seu peito tomou o espaço de todo o resto. Sonhava com isso toda noite, e algumas vezes eram pesadelos assustadores que a faziam acordar gritando.

Essa era uma dessas noites.

Sabia que era um sonho. Não tinha outro jeito de Midoriya aparecer lá. Estavam perto do complexo de prédios Mitsuru, com vidro quebrado para todo lado, um vilão sem rosto reinando perante a equipe como um deus. O céu estava esverdeado, uma cor doentia que se espalhava até o horizonte e se misturava com a destruição ao redor deles. Midoriya ofegava exausto e murmurava instruções.

Uma explosão veio em seguida, ela conseguia lembrar-se dessa explosão. Seu peito doía, as costas queimavam, estava difícil respirar, formar respostas coerentes. Olhou para cima, ouvindo seu nome sendo chamado.

Midoriya estava lá, agachado sobre os escombros, de costas para ela. Ele se virou, pálido como uma estátua, quase sem vida. Estava sem vida, na verdade, ela lembrou a si mesma. Seus ouvidos zumbiam enquanto ele murmurava algo, e ela não conseguiu ouvir, nunca conseguiria.

Tosse.

Luvas brancas ficando carmim.

Estavam de volta ao banheiro. Tsuyu se curvava para frente, tirando flores inteiras dos lábios, empilhando-as sobre o gabinete. As pétalas lilases estavam vermelhas no mármore, pingando no chão.

Para, Ochako queria dizer. Seus pulmões ardiam, suas costas estavam em chamas, não conseguia por as palavras para fora, grudadas em sua língua como lama. Para nunca serem ditas, para nunca tocarem a luz da realidade.

Nunca fora forte. Força era algo que ela tinha que se esforçar para construir, e, ainda assim, depois de dizer tantas vezes que iria abraçar todos os desafios, Ochako sabia que estava fugindo.

Respirou fundo, desesperada. Não era real, não era, queria acordar, disse a si mesma de novo e de novo, e seu coração estava a ponto de explodir para fora do peito quando finalmente conseguiu, sentando-se na cama e gritando o mais alto que pôde.

Tsuyu surgiu do corredor logo depois, a voz falha, como em seus sonhos:

— Ochako-chan? — perguntou, entrando no quarto enquanto Ochako soluçava baixinho sob as cobertas. A estação chuvosa já tinha acabado, mas estava chovendo lá fora, e o som inundava o quarto pela vidraça fina da janela. — Ochako-chan, o que houve?

— Eu estou com medo — Ochako respondeu, embora não devesse. Não devia ser a vítima ali, mas deixou as palavras escorrerem de seus lábios como uma cascata. — Eu tive um pesadelo com o Deku-kun.

— Ah, Midoriya-chan — Tsuyu sussurrou, e Uravity conseguiu sentir o movimento do colchão quando ela se ajoelhou do outro lado, acomodando-se perto da morena. — É assustador, ainda, entendo.

— Não — interrompeu, negando com a cabeça, embora não pudesse ser vista na escuridão. Um trovão soou ao longe. — Não é que ele… Eu lembro dele sangrando e… Eu ‘to com medo de estar passando por aquilo de novo, você aparece no meio, não consigo parar os sonhos.

Eu apareço…

— Você aparece lá, as pétalas, a morte. Tsuyu-chan, ‘tá acontecendo de novo.

— É… Eu… — Tsuyu tropeçou nas sílabas, soando nervosa. Então, depois de um segundo, ela suspirou, e o som era tão fora de seu padrão que Uraraka tremeu sob as cobertas. — Eu estou te machucando, não estou?

— Tsu… Não! — ela exclamou, sentando-se e estendendo a mão para a de Tsuyu. Sua pele estava fria, mais fria do que deveria, como se ela tivesse passeado lá fora. Podia ser a doença. Podia ser a morte vindo. — Você não fez nada de errado, é que eu…

— Eu sei, Ochako-chan — Tsuyu interrompeu, a voz suave, tão baixinha, desprendida de quaisquer sentimentos. Resignação tangenciava cada palavra e ela não apertou a mão de Uraraka de volta. — Eu sei que eu estou te machucando esse tempo todo.

— O quê? Você não ‘tá me machucando! — Ochako balançou a mão que segurava, desesperada. Queria enxergar, focar os olhos nos de Asui para fazê-la entender. — Sou eu que não consigo fazer nada por você, eu que…

— Você não, não precisa fazer nada por mim. Para de se recriminar por minha causa, não quero isso.

— O que você quer dizer?

— Vamos parar — Tsuyu puxou a mão de volta, a voz fria como uma nevasca, dura como uma pedra. — Eu estou pondo um ponto final.

— Tsuyu-chan, espera!

Espera, espera, por favor, não…

Uraraka não pôde pará-la.

Na manhã seguinte, estava sozinha em seu aconchegante apartamento rosa, preto e verde.

 .

.

Não demorou mais do que duas semanas para que começasse a tossir sangue junto com as pétalas.

Nenhum sinal de Tsuyu. Sem cartas, sem ligações, sem mensagens, sem notícias na televisão. Ela desapareceu do planeta. Uraraka olhou-se no espelho, o cabelo uma bagunça, os olhos rasos e emoldurados por olheiras escuras, gotas de sangue nos lábios.

Ela realmente conseguiu dessa vez. Que maravilha.

Não era para estar mal. Ela quem devia ajudar, ser o pilar, no entanto, lá foi ela e conseguiu afastar Tsuyu. De novo e de novo e de novo ela se ergueu, apenas para cair, conforme passavam os anos, conforme as memórias enchiam seu peito com flores.

Mas Ochako não queria desistir.

Sabia lá no fundo, tinha certeza todas as manhãs quando chegava na agência e a equipe a recebia com notícias, com oportunidades interessantes de ser útil. Não queria perder para a dor. Não queria perder para o hanahaki. Não queria perder Tsuyu.

Mas não podia salvar Tsuyu.

Yaoyorozu visitou sua agência nesse intervalo, o cabelo perfeito, as palavras certas sempre ao seu alcance. Era crepúsculo e ela se encostava à mesa de Uraraka, observando o sol sumindo pela parede de vidro.

— Você pode pedir ajuda, sabia? — murmurou.

Ochako estremeceu, erguendo o olhar para sua nuca. A voz espalhou pela agência vazia como música.

— Você pode superar isso de novo, Uraraka-san. — Olhando sobre o ombro, suas íris negras encontraram as de Ochako. Eram gentis, mas firmes, como todos aqueles anos atrás quando ela escorou Todoroki à luz da perda de Deku. — Você só precisa pedir.

Todos eles caíam. Todos desmoronavam. Ochako sabia, ela sabia o tempo todo que isso era coisa da cabeça dela, só da cabeça dela, porém não conseguia lutar contra, não era forte o suficiente.

— É assustador — respondeu, uma primeira e hesitante verdade. Yaoyorozu virou-se, admirando o horizonte outra vez, conforme o azul escuro inundava o prédio.

— Sempre é. Mas sabe o que também é assustador?

Ochako deixou a questão suspender-se no ar por alguns segundos antes que Momo respondesse a própria pergunta:

— Perder alguém que amamos.

Ah, sabiam tão bem disso.

— Nós todos estamos assustados, Uraraka-san. Estamos sempre com medo do que pode acontecer, apavorados de perder os nossos amigos. Então peça ajuda. — Sua voz demorou-se no ar outra vez. — Nós faríamos isso com prazer por você, porque te amamos, Uraraka-san. E os seus amigos nunca vão desistir de você.

Ela não pediu uma resposta de Uraraka. Não precisava, de toda forma. A flor desabrochou em seu peito e Ochako soluçou, escondendo o rosto nas mãos enquanto a noite caía sobre Tóquio, e Momo ficou ali, com ela, ouvindo cada soluço desesperado.

Quando se deitou nessa noite, Cheese tomou metade do travesseiro e ela sonhou.

Sonhou com Yuuei e aulas e felicidade. Com vinte amigos, que aumentaram para quarenta, que aumentaram para cem e incontáveis mais. Sonhou com acordar de manhã, descer para a sala de estar e ouvir Bakugou gritar com Kaminari enquanto Satou assava alguma coisa para o café da manhã.

Sonhou com Mina segurando um livro, Romeu e Julieta, choramingando a respeito dele enquanto Yaoyorozu bebericava seu chá da tarde e Hagakure dava uma olhada em revistas antigas antes de jogá-las no lixo.

Hanahaki, a doença do amor, Mina disse. Ochako, curvada no outro sofá com Tsuyu, levantou o olhar para ela enquanto ela fazia beicinho. Eles fazem parecer tão dolorosa no livro.

É a morte, Yaoyorozu informou. A morte de uma pessoa é dolorosa. É triste.

É triste, Uraraka concordou mentalmente, observando a luz dourada que invadia o cômodo pelas longas janelas, dando vida à cena que se desenrolava.

Mas ainda é amor, Mina acrescentou, franzindo a testa. É só amor, não é nada malvado, mas os personagens ficam se acovardando. Por que eles não… Se confessassem o que sentem, eles podiam resolver tudo. Mas eles ficam desistindo antes de tentar.

Confessar não é tão simples, Jirou comentou, pousando ao lado de Hagakure e juntando-se à conversa. Sua expressão era séria e conhecedora. É assustador pensar no que pode acontecer com a gente se formos rejeitados.

Mas se eles não perguntarem, eles nunca vão saber, reclamou Mina.

Às vezes, a gente prefere a dúvida que a resposta, Jirou murmurou. Mas, sendo Hanahaki, eu imagino que você vá morrer de qualquer forma, então por que não… dar uma chance?

É ruim, Yaoyorozu interrompeu outra vez, solene, desistir e se arrepender depois. Estamos sempre com medo de perder as pessoas, mas, se a gente não luta por elas, se a gente desiste desde o começo, então estávamos destinados a sofrer sozinhos desde o princípio.

Uraraka sonhou com Deku.

Deku sorrindo em uma foto ao lado de um caixão, enquanto seu verdadeiro eu estava deitado cercado de frígidos buquês de narciso. Bakugou segurava sua mão com os olhos vermelhos, que levantaram para cumprimentá-la quando ela chegou perto. A mesma testa franzida, os mesmos traços de mármore, esculpidos profundamente em cada curva de sua face. Vá embora, eles diziam. Vá embora, eu não preciso de você.

Ele segurou a mão dela quando chegou perto. Seus dedos tremiam tanto, traindo sua postura, e ela sabia: tanto quanto ela estava desmoronando, ele estava desmoronando, eles estavam desmoronando.

Eles a amavam, sabia. Observá-la sofrer, isso era doloroso, tanto quanto a perda de Deku.

Yaoyorozu encheu seu coração de luz quando ela estava cega pela própria insegurança. Nunca desistiriam dela, então não devia desistir de si mesma.

No passado, ela caiu, deixou-se despencar com o medo que a engolia. Pensou que tinha aprendido, pensou que conseguiria se recompor e seguir em frente.

Ochako tinha que acreditar em si mesma, essa era a lição. Ela tinha que confiar nos outros, tinha que pedir ajuda, tinha que deixar doer quando doesse.

E então, quando pudesse ficar de pé sozinha, ela poderia puxar Tsuyu para cima. Porque onde ela errou no passado, onde deixou passar, não iria mais repetir, do contrário, o arrependimento iria assombrá-la até o túmulo.

Decidiu nesse momento, quando abriu os olhos para seu teto, inundado pela luz fraca da manhã.

Ela ia enfrentar.

.

.

Enfrentou.

Pediu ajuda dos amigos, visitou os pais, marcou consultas com o médico. Cercou-se de amor, enchendo seu peito, lutando contra as raízes. Deixou que doesse e abriu seu coração, fez os exames e começou a tomar o remédio para hanahaki, guardou as coisas velhas de volta no closet e limpou o apartamento, preparando tudo para quando Tsuyu voltasse.

Foi difícil. Ficou com medo o tempo todo.

O médico disse que ela tinha uma íris laevigata, uma espécie com pétalas arroxeadas que crescia em águas rasas. Que ironia, pensou mais uma vez, que ela tivesse uma flor do pântano dentro do peito para representar seu amor pela mulher sapo. O médico não achou nem um pouco engraçado, conforme explicava que as raízes já estavam bem desenvolvidas, sendo esse um tipo de flor que seria fatal mais rápido do que o normal.

Isso explicava porque ela começou a tossir sangue tão rápido quando Tsuyu nem tinha chegado nesse ponto ainda mesmo depois de meses.

Significava, também, que ela tinha pouco tempo restando.

Ela mandava mensagens para Tsuyu às vezes, ligava para ela, mas era em vão. Asui não respondia, e restava para Uravity pensar em outras formas de entrar em contato com ela.

Cheese sente sua falta, e nenhuma resposta.

Eu sinto sua falta, e nenhuma resposta.

O encanamento do apartamento entupiu e estourou, está tudo inundando aqui, socorro, e nenhuma resposta.

Era uma estratégia idiota, de qualquer forma. Tsuyu estava assustada, assim como Uraraka, mas ainda tinha alguns meses, ou assim previra seu médico. Ela ainda ia ter um tempo para se levantar, pensar melhor, contar para Tsuyu.

.

.

Talvez ela não tivesse todo esse tempo no fim das contas.

Suas vidas eram pautadas no perigo, havia-se esquecido. Era isso que Yaoyorozu queria dizer quando falou que todo mundo tinha medo o tempo todo. Claro que tinham, quem sabia o que poderia acontecer com eles quando enfrentavam a morte todos os dias?

De alguma forma, ela tendia a esquecer que seu trabalho não dava margem para coisas como dar um tempo.

Estavam no último mês do outono. O frio já estava chegando e o traje de Uraraka era tão fino que lhe dava arrepios, embora fosse equipado com aquecimento interno.

O frio entrou quando a frente foi cortada pelo inimigo.

Ela ficou caída lá, sobre os escombros, tentando assimilar o que estava acontecendo. O peito doía, mas essa já era uma constante há meses. A íris a tomou de dentro para fora, queimando em seus pulmões, lembrando-a das pendências não resolvidas a cada inspiração que dava. Isso não era a flor.

Essa dor agressiva, amarga, não era seu amor.

Talvez ela não tivesse tanto tempo assim, pensou, apavorada. Tarde demais, tarde demais, tarde demais, tarde demais.

E tinha tentado tanto. Ela lutou! Lutou contra a tristeza, lutou contra as inseguranças, lutou contra a voz dentro dela dizendo que devia desistir. Ela aceitou o desafio, foi de cabeça, preparou sua estratégia e partiu para o ataque. Abraçou as falhas e buscou conhecimento, crescimento.

E ainda ia deixar um gosto amargo na boca.

(Tsuyu ainda não sabia.)

(Apesar de sua luta, não tinha contado para ela ainda. Agora estava erguendo-se sozinha e queria dizer cara a cara e deixar tudo desmoronar.)

(Uraraka já ia perder de qualquer forma, mas ainda podia segurar a mão de Tsuyu e ajudá-la a enfrentar a própria dor, conquistar a pessoa que ela amava.)

(Esse era o tanto que Ochako a amava.)

.

.

Aparentemente, a íris laevigata significava tristeza do amor.

Que ironia, de novo e de novo e de novo, pensou Uraraka, suspirando com uma risada contida. Essa doença tinha sido feita para ser irônica, provavelmente. O amor floresceu em seu peito — um botão puro e doce que, com o tempo, iria obstruir seus pulmões até a morte.

Lamentos silenciosos, a dor solitária, a ânsia pelo outro e o medo enlaçavam-se nas pétalas púrpura, no aroma agradável. Talvez seu amor sempre tivesse sido silencioso e dolorido.

Estava se afogando.

Uma pena, ela não ia conseguir deixar tudo brilhante e bonito dessa vez.

.

.

Viu Tsuyu de novo.

Em uma cama de hospital, com a cabeça leve e provavelmente com medicamento nas veias, a primeira coisa que Ochako viu quando abriu os olhos foi o amontoado negro das madeixas de Tsuyu para a esquerda.

Olhos grandes de ébano a encararam, e a voz rouca tocou seus ouvidos antes que sequer conseguisse assimilar o que se passava:

Ochako-chan!

— Tsuyu… — murmurou em retorno, sentindo-se zonza. Piscou duas vezes. — Tsuyu-chan?

— Sim — Tsuyu respondeu, e subitamente havia mãos na de Uraraka, segurando sua palma com gentileza, apertando de uma forma da qual ela sentia falta há semanas. — Sou eu, Ochako-chan.

— Ah.

Sentia-se fraca. Era difícil assimilar, mas Tsuyu provavelmente estava ansiosa, porque começou a falar de novo nervosamente:

— As enfermeiras disseram que a sua condição está estável, que deram uns pontos no seu machucado, e você ia ficar bem. Elas disseram que você teve uma concussão e perdeu sangue, mas que tudo já estava ok agora. Disseram… que você tem uma flor. N-Nos pulmões.

Ah.

Ochako não conseguia bem se concentrar. Observou as lágrimas brotando nos olhos de Tsuyu, descendo em pequenas gotas.

— Eles disseram que você está morrendo por causa dela.

Não, Uraraka queria dizer. Não faça isso.

— Ochako-chan. — Sua voz falhou, sôfrega, e o coração de Ochako se partiu junto. — Eu sinto tanto. Sinto tanto que te deixei dessa…

— É você — interrompeu.

Porque, de todas as coisas que queria dizer quando visse Tsuyu de novo, era essa que afastava todas as outras, que inundava seu peito, fazia seu coração apertar-se, confortável, leve, com amor.

— Essa flor é sua, Tsuyu-chan.

Os lábios de Tsuyu permaneceram entreabertos. Ela encarou Uravity de olhos arregalados, então, de repente, começou a tossir, levantando-se e correndo para uma porta na lateral, provavelmente o banheiro.

Surpresa, Uraraka se sentou, tentando ir atrás dela, mas a tontura a manteve no lugar e seu estômago deu uma pontada. Grunhindo, caiu de volta no colchão, ouvindo a tosse úmida de Tsuyu, os soluços doloridos. Não era ela quem poderia curar Tsuyu, isso já era óbvio. Ochako só torcia para que pudesse salvar a amiga com o tempo que lhe restava.

A cabeça de Tsuyu emergiu da porta do banheiro.

— Se foi — ela disse, limpando a garganta em êxtase. — Se foi.

— O-O que se foi? — perguntou a morena, hesitante.

— As flores — Tsuyu explicou, pisando para fora do banheiro e seguindo lentamente de volta para o lado de Ochako. — Eu acabei de botar todas para fora. Eu me sinto, me sinto limpa.

Uraraka franziu as sobrancelhas.

— Mas isso não pode ser possível.

— É claro que pode — Asui negou, sorrindo gentilmente enquanto sentava ao lado da cama, segurando a mão de Uraraka outra vez, e seu polegar afagou a pele com carinho. — É o que acontece quando a pessoa que você ama corresponde os seus sentimentos.

— A pessoa… Hã. — Uraraka calou-se então, perdida.

Isso não podia significar o que ela estava pensando que significava.

— Isso significa exatamente o que você acha que significa.

— Espera, eu disse em voz alta? — perguntou, observando em horror como Tsuyu assentia.

Ela exibia um sorriso doce nos lábios, o rosto corado, aconchegante, familiar. Uraraka sentiu o calor se espalhando no peito — talvez fossem as flores murchando, dando espaço para tanto amor.

Inspirou, ouvindo a risada de Tsuyu.

Seus pulmões ainda pareciam entupidos, mas não doeu dessa vez. Seus ouvidos, eles conseguiam captar cada toque carinhoso na voz de Tsuyu.

Antes ela estava embaixo d’água. Longe, em algum lugar em que não podia decepcionar ninguém, algum lugar em que podia fingir que não sentia dor. Assim como as flores em seu peito, assim como as flores no peito de Tsuyu, seu amor nasceu embaixo d’água, mas floresceu na superfície, vivo, colorido, onde havia luz.

Uraraka sorriu e Tsuyu puxou uma madeixa de cabelo de chocolate para trás de sua orelha enquanto dizia:

— Sabia que aguapé significa falante?

— Ah, isso combina direitinho. — A mão se demorou em sua orelha, segurando sua bochecha enquanto Tsuyu se inclinava para perto, tocando sua sentença com os lábios.

Não estava mais se afogando.

.

.

É ruim, Yaoyorozu tinha dito naquele dia, desistir e se arrepender depois. Estamos sempre com medo de perder as pessoas, mas, se a gente não luta por elas, se a gente desiste desde o começo, então estávamos destinados a sofrer sozinhos desde o princípio.

Tsuyu havia dado uma olhadela para Uraraka, sentada ao seu lado, o semblante capturado pelo véu da luz vespertina que tomava a sala de estar.

Podia ter isso, no entanto, decidira naquele dia. Mesmo se não fosse paixão, ela ainda podia ser parte da vida de Uraraka, apoiar a pessoa que amava. Tsuyu queria que ela sorrisse sempre, e para isso poderia desistir de tudo, até de seu próprio coração.

.

.

Muitos anos depois, quando elas se casam, ela descobre, surpresa, que não tem arrependimento nenhum.


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Notas finais do capítulo

Meu veredito é: a gente precisa de mais Tsuchako nas nossas vidas.
Pensei seriamente em fazer TodoDeku, mas eu sei que a Evy ama Tsuchako e esse ship precisa de mais amor. E também, já tenho um caminhão de TodoDeku a caminho, melhor mudar pra ter mais variedade uahushaushuahs
Era pra ser um angst simplezinho, mas mudei as coisas no meio do caminho. Se vocês tiverem achado meio confuso, deve ser porque eu tava confusa enquanto escrevia suahushaushuahsuahu. Mas acho que acabou sendo em meu benefício no caso dessa fic. Ah, também, a Uraraka me dá uma impressão de quem daria nome de comida pros animais UAHUSAUSHUAHSU. Acabei escolhendo Cheese aleatoriamente e decidi manter o nome do inglês pra versão traduzida também por comodidade :3
Ela foi inspirada também nessa música aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=F0F2yComQ1U

Então, bom, foi escrita primeiro em inglês e depois traduzida, então peço desculpas se tiver umas partes que soem forçadas. Além do que, sei que tem uns erros ao longo do texto, mas decidi manter alguns pra dar um ar mais informal pra história. Queria mandar um agradecimento GIGANTE com direito a gritos e surtos pra Ellkie, que fez a capa mais linda do UNIVERSO pra essa história e mano, ela pegou a minha descrição porca e transformou em algo que é exatamente o que eu queria e que me passa todo o sentimento da fanfic. Eu to muito agradecida, seu anjo T-T
Also, um agradecimento suuuuper especial pra Lily, que me ajudou a escolher as flores pras meninas e também conspirou comigo em segredo da Evy uahsuahsuhaush. Espero que a gente tenha pegado ela de surpresa!

Feedback sempre é apreciado ♥

Obrigada a todo mundo que leu e até a próxima :)

EDIT: Fanfic agora betada pela anja maravilhosa Morphoria, pessoa santa que aceitou betar 7k sem reclamar e me entregou uma betagem super neném que me deixo chorosa :(( Se precisarem de betagens, recomendo viu ♥ Obrigada, linda ♥♥♥♥



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