Owosekun conta até três. Então conta de novo, mais de novo. E mais uma vez, só pra garantir. E é só então que ela volta os seus olhos para a mesa mais à esquerda, na direção da moça ruiva debruçada sobre seu próprio copo de suco verde. Keyla Detmer, ela sabe que esse é o nome da moça. Como Owosekun estava esperando, seus olhos se entrecruzam durante um ou dois milissegundos.

Como das outras vezes, é ela quem desvia o olhar. Tem sorte da sua pele não ser do tipo que fica vermelha porque, se fosse, com certeza ela estaria assim agora. Ela não sabe muito bem como reagir a essas coisas. Não sabe nem mesmo se interpretou direito os sinais. Talvez seja só coisa da sua cabeça. Tudo bem que Detmer sempre esbarra com ela quando ela está praticando os seus exercícios e sempre dá uma volta pelo refeitório justo quando Owosekun está lá e não para de olhar para ela com aqueles olhos grandes e intimidadores... mas isso não quer dizer nada, quer?

Owosekun quase cai da cadeira quando percebe que, enquanto estava perdida em seus devaneios, Keyla Detmer estava se aproximando dela. Agora mesmo, ela está parada a apenas centímetros de distância de sua mesa. Owosekun força a si mesma a não parecer apavorada.

— Oficial Owosekun – Keyla Detmer cumprimenta.

— Oficial... Detmer, não é? – Owosekun formula a frase na forma de uma pergunta, ainda que já conheça a resposta. Ela não quer ficar parecendo uma stalker obsessiva nem nada disso.

— Isso aí. A da ponte de comando, acho que você já deve ter me visto lá alguma vez – ela não tem certeza se Keyla Detmer está brincando ou não, mas prefere acreditar que sim.

— Aconteceu... hum... Alguma coisa? – droga, por que é que ela não pode falar como uma pessoa normal?

Keyla levanta as sobrancelhas. Owosekun não a conhece há muito tempo, mas já percebeu que essa é uma coisa que ela costuma fazer bastante enquanto conversa com as outras pessoas ou mesmo quando parece estar falando com si mesma.

 — Ainda não. Mas seria legal se acontecesse, você não acha?

A insinuação presente nas palavras dela deixa Owosekun incapaz de dizer qualquer coisa. Depois do que parecem ser uns dez ou mil minutos, Keyla volta a abrir a boca.

— O que eu estou querendo dizer... – os olhos dela continuam fixos em Owosekun e Owosekun não consegue deixar de olhar pra eles – É que seria legal se a gente começasse a correr juntas, você não acha?

— Bem... Se você está propondo... – ela ainda está se esforçando para não parecer muito idiota. Obviamente, seus esforços não estão gerando bons resultados.

— Começamos amanhã então, pode ser?

— Quando for melhor pra você.

— Amanhã bem cedo, então.

 Keyla Detmer sorri para ela ao dizer isso. Owosekun não consegue não retribuir ao sorriso. Mas antes que ela possa dizer alguma coisa, a Tenente já deu as costas para ela e continuou o seu caminho sabe-se lá para onde. Mas não sem antes lançar mais uma daqueles olhares longos e intimidadores e cheios de subtextos não pronunciados, é claro. Owosekun não consegue desviar os seus olhos por um segundo sequer.

E, mesmo depois que a outra moça sai da sala, mesmo depois de terminar a sua própria salada, Owosekun ainda está com os olhos nela. Em comparação com Keyla Detmer, nem as estrelas lá fora são tão incríveis assim, ela tem certeza disso.

Ela mal pode esperar para amanhã. Amanhã bem cedo.