Daydream escrita por Shironeko-sama


Capítulo 3
03




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/7772/chapter/3

–Oi? –insistia- Ô, coleguinha, tô falando com você! Depois de alguns instantes sentado em frente ao elevador, sem reação nenhuma, Suke recapitulou os acontecimentos, mas sem conseguir se levantar por hora. Mirou a pessoa alta à sua frente, colocada em um elevador totalmente diferente dos outros que vira, cheio de ferros e tábuas de metal enferrujados, pronto para cair a qualquer momento. Antes de responder os chamados antes ignorados pela lerdeza de Suke, o menino parou novamente, dessa vez para prestar um pouco mais de atenção ao ser à sua frente. Era alto. Isso não havia dúvida nenhuma. Bem mais alto que Lalien, que por sua vez era mais alta que Suke, fazendo dele o mais baixo dos três. Vestia as mesmas roupas que as suas, com a única diferença de estarem sujas de uma substância preta, parecida com a que tinha visto algumas vezes no pequeno fogão à lenha que havia na casa de seus tutores. Possuía grandes olhos verdes, de um verde tão belo que nunca havia visto antes, nem mesmo por entre a floresta, quando fugia pra lá. Cabelos. Que tipo de cabelo é esse?... Eram de um vermelho-sangue tão vívido que quase faziam seus pequenos olhinhos castanhos apertarem-se quando a iluminação forte do corredor da porta azul resolvia encontrar-lhes. Eram espetados; muito espetados, além de altos. Suke podia jurar que se fosse possível controlar aquelas mechas rebeldes, seus cabelos ruivos atingiriam quase metade da longa mecha que nascia abaixo de seus próprios cabelos mais curtos. E do seu lado direito, uma pequena mecha vermelha deslizava até acima dos ombros. Observava aquele rosto tão simpático, com um olhar animado e um sorriso encantador nos lábios. Não sabia o motivo, mas a pessoa à sua frente lhe lembrava de sua floresta, sua horta e sua colina. Lhe era sutil e convenientemente familiar. –Bem... –disse, deixando um suspiro derrotado escapar por entre os lábios perfeitos- Já vi que você não é muito de conversa. Mas sinto em lhe informar que tenho ordens expressas pra te levar comigo até seu local de trabalho, e não importa se você me disser um “não”, você precisa ir de qualqu– –Meu nome é Suke! O pequeno não parecia irritado, mas sim, cansado por ter reunido suas forças contra sua timidez e poder ter gritado tal frase. Ainda no chão, Suke observava a pessoa, esperando alguma reação, talvez negativa. A repentina frase do menor surpreendeu de certa forma a pessoa no elevador. O observou com os grandes olhos brilhantes, piscando repetidas vezes, e logo depois, sorriu, resolvendo pôr sua prática social à mostra. –E eu sou Akito! Muito prazer, pequeno Suke, de agora em diante, sou seu supervisor! “Supervisor”? –É a mesma coisa que um tutor? –Não, é muito melhor! Eu não vou ficar pegando no seu pé pra ir tomar banho, lavar os pratos, ou parar de brincar na lama. Vou só tomar conta de você pra que faça seu trabalho do jeito certo e que, claro, não se machuque. Bem melhor, não acha? O de cabelos castanhos sorriu. Observando aquela face, percebeu logo que seu sorriso era totalmente diferente do de Naito. Era doce, amável, seguro. Não lhe intimidava em dizer coisas que lhe constrangeriam, nem exigia nada dele. Apenas um sorriso em troca, e a certeza de um grande aliado naquele mundo tão novo e esquisito. –E, sem querer ser chato, mas... Não posso te ensinar nada com você sentado aí no chão... O menino levantou-se rapidamente, e em uma fração de segundos, estava na porta do elevador, encabulado. O ruivo deixou uma barulhenta gargalhada escapulir, enquanto dizia as palavras “gostei de você!” e puxava o pequenino para dentro do elevador mal-conservado. Dentro do elevador, Suke percebeu o quanto era diferente do que havia andado mais cedo. Era umas sete vezes menor que o primeiro, sem luxo algum, com o teto bem em cima de suas cabeças, dessa vez, sem libélula alguma; apenas poeira, teias de aranha e pregos enferrujados saindo de seus lugares. –Bem diferente dos elevadores Superiores, não? Mas acho que para as nossas necessidades, ele não é tão ruim assim. Um suspiro, e o menino já começava a trazer sua grande mecha para a frente do corpo e a envolvê-la nas mãos, num nítido ato de timidez. –Supervisor Akito... –Opa, nada de “supervisor Akito”! Além de feio, me faz parecer velho. E, acima de tudo –aproximou-se do rostinho do menino, abaixando-se- somos amigos! Suke assentiu com a cabeça, sorrindo e deixando suas maçãs tomarem cor. Em tão pouco tempo, conheceu três pessoas diferentes, cada uma com uma personalidade totalmente diferente da outra. Lalien era nervosa, Naito, esquisito, e Akito... protetor. –E você dizia...? –Ah... ah, sim! Eu... gostaria de saber se você me poderia me con- –Opa, já chegamos! O pequeno elevador estremeceu, assustando o menor, que instintivamente apertou o colete idêntico ao seu que o ruivo usava, fazendo-o rir mais uma vez. –Não se preocupe, ele é meio rude assim mesmo. Mas vamos lá! Saia dessa coisa apertada, e venha comigo. Eu vou te mostrar tudo o que tem pra ser visto por aqui. Suke hesitou por um instante. Através das portas abertas do precário elevador, observou um ambiente parecido com a lavanderia que os guardas haviam mencionado, porém, através de outras portas. Encontrava-se agora em um pequeno cômodo incrivelmente branco, do teto aos lados da também pequena porta, cujas únicas superfícies transparentes eram duas aberturas circulares por onde o menino vira o outro lado. Do lado esquerdo, armários parecidos com a porta do “quarto” onde passara a noite, por volta de trinta deles, prateados, cada um com uma superfície quadrangular ao lado, de espessura mais fina do que vira antes, e dessa vez sem teclas ou botões. Do lado direito, dois extensos bancos alvos ocupavam quase todo o espaço do então percebido vestiário. Enquanto o menor saía ligeiramente do elevador, Akito tateava em cima dos armários prateados, repetindo frases como “mas onde diabos está isso?”. O de cabelos castanhos viu as portas prateadas do elevador fecharem-se rapidamente, e o viu se mover numa velocidade incrível para baixo, deixando um amplo espaço vazio e perigoso na pequena sala. –Primeira lição do dia, jovem aprendiz: –dizia o ruivo, sem parar de procurar o que desejava- Nunca esquecer de acionar as grades quando o elevador não estiver presente. Com a mão esquerda, ainda olhando para cima dos armários, errou várias vezes até atingir um pequeno botão azul claro ao lado do grande buraco que o elevador deixara. E no mesmo instante, subiram grades de ferro também branco, fechando perfeitamente aquele vazio que tanto assustava Suke, o deixando aliviado finalmente. –Entendeu bem como se faz? –disse, virando a cabeça o máximo que podia para observar seu aprendiz, que estava em frente aos bancos, em pé. –Sim, superv– Ao receber um som parecido com “hmmmm!” dos lábios de seu supervisor, num nítido tom de repreensão bem-humorada, o menino recomeçou. –Entendi, Akito. –Bom, bem melhor assim! E sorrindo, voltou a tatear os armários, dessa vez logo após mais uma reclamação, encontrando o que tanto queria. Uma pequena plaquetinha vermelha, com números impressos em dourado ocupava uma de suas mãos. Antes de explicar ao menino do que se tratava, tratou de lhe apresentar ao aposento, mesmo concluindo que este já havia reconhecido. –Bem, este aqui é o seu vestiário. Não pense que o de todos nós é assim, pois é muito diferente desse luxo todo! ...”todos nós”? –Esses trinta armários aqui são inteiramente seus. Pode guardar o que quiser aqui, quando quiser. Só você tem livre acesso a essa sala, enquanto eu, como seu supervisor, só posso entrar quando estiver com você. E isso aqui –pegou a plaquetinha vermelha e a entregou nas mãos do menor- é como se fosse a chave de tudo nesse cômodo. É só colocar aqui ao lado do armário que ele abrirá. Suke prestava muita atenção a tudo que seu supervisor dizia. E incrivelmente entendia, deixando um pouco da sua lerdeza habitual de lado. –E que tal começarmos agora? Melhor guardar tudo que é frágil ou precioso aqui, pra não ter que procurar os pedacinhos enquanto estiver trabalhando. Frágil e precioso... –Akito, eu quero guardar uma coisa. –Sim senhor, jovem aprendiz. O que é? –Isto. O pequeno retirou-a do bolso com cuidado. Carinhosamente, a desdobrou, tentando alisar um pouco mais sua superfície –logo em seguida, estendeu-a a seu supervisor. –Um pedaço de papel? –Uma pintura. Uma pintura dos meus pais. O ruivo observava aquele pequeno pedacinho de papel desgasto, amassado, com as cores antes vivas desbotadas. Viu um homem do lado esquerdo, e ao seu lado, uma mulher. Uma bela mulher de cabelos cacheados castanhos e íris de mesma cor. Mesmo sendo uma pintura, pôde reconhecer traços físicos de seu aprendiz naquele pedaço de lembrança que ele guardara –e que talvez fosse o único que tivesse. –Entendi. –disse, retirando a pintura das mãos do menor e a manipulando com cuidado- Se sua mãe fosse tão bonita pessoalmente quanto nessa pintura, seu pai era um cara de sorte! –É, acho que sim... –respondeu-lhe, sorrindo sutilmente- Mas eu não os conheci pessoalmente pra poder ter tanta certeza disso... Akito segurava a pintura nas mãos delicadamente. Percebendo o desconforto do amigo, pediu-lhe para entregar-lhe a plaquetinha, aproximando-a do armário número um. –É... –dizia enquanto depositava cuidadosamente a lembrança de Suke no armário- mas eu tenho certeza de que era muito bonita mesmo. O menor o observava. –Por que? –Porque tenho a prova viva da beleza dela bem à minha frente. - - - Lalien ainda estava com aquela armadura de metal ao seu lado, acabando de sair do elevador menos luxuoso. Percebeu que estavam em frente a uma porta de cor indefinida, talvez um marrom mais luminoso. Fazendo o mesmo procedimento que fizeram antes, o guarda acessou os botões dourados, e a porta se abriu, não tão grande quanto as outras, não despertando tanto interesse em seu mecanismo como as outras. Mas o que vira dentro da pequena sala de mesma cor indefinida fez todas as suas palavras se esvaírem de uma só vez. Ao abrir as portas, o guarda entrou novamente no elevador e o fechou, indo para os andares de cima sem dizer palavra, deixando a pequena Lalien e a sala à sua frente. A ladra estava paralisada, observando o interior do aposento, mais especificamente aquilo que vira dentro do aposento. Não podia acreditar em seus olhos, e por muitas vezes piscou, sem conseguir dizer uma palavra sequer. Repetia inúmeras vezes dentro de sua mente que “isso não é real”, e mesmo assim, queria acreditar que fosse. Lembrou-se de pouco tempo atrás, talvez, no pequeno grupo de ladrões de Swallowtown. Ladrões estes que sonhavam em ter tantos aliados e componentes para um dia tornarem-se um verdadeiro clã. Mas enquanto este dia não chegava, perambulavam pela cidade a procura de comida, e quando estavam satisfeitos com a quantidade, alguns objetos que poderiam ter um valor comercial. Lembrou-se de que sempre que conseguiam algo de valor, como alguma roupa de couro, um prato de porcelana, ou até mesmo algum talher de prata velha, levavam para a sede de seu grupo, nos limites da cidade. Todos os ladrões se reuniam e compartilhavam o que conseguiram durante o dia, às vezes com alguns pães e frutas da floresta, outras sem absolutamente nada para saciar a fome dos gatunos. E era então que ela aparecia, com ou sem pão para degustar. Diziam entre o grupo de no máximo vinte ladrões que ela era da cidade vizinha, e que conseguia chegar tão rápido na cidade através de magia. Outros apenas a admiravam como uma grande líder; e ainda havia os que a temiam, mesmo sempre do lado de seus gatunos. Pegava tudo que era de valor considerável quando conseguiam algo, e depois de algumas horas com o grupo, zelando pela segurança e precária saúde de seus súditos, ia embora, levando todo o “lucro” do dia. E no dia seguinte, retornava no mesmo horário, trazendo pães, frutas, vinhos, água, e quando necessário, remédios e alguns mantimentos necessários para a saúde. Era sempre atenciosa, mas rígida ao ponto de expulsar ladrões que roubavam ladrões; isso ela não tolerava, de forma alguma. Um ruído a fez despertar de suas memórias finalmente. Um passo para trás, à medida que se aproximava mais. A voz que chegava aos seus ouvidos foi a confirmação. Era ela. - - - A frase dita por seu supervisor foi suficiente para deixar que sua face adquirisse a cor vermelha. Um olhar para seus pés, e o ruivo percebera que a reação de seu mais novo aprendiz não era das melhores quando o elogiavam. Mesmo assim, achava tudo o que vinha de Suke carregado de pureza e inocência incríveis, descobrindo a cada nova reação de que a experiência supervisor/aprendiz poderia ignorar as barreiras do profissionalismo –uma verdadeira amizade tornava-se de certa forma cogitável na mente do rapaz. Reagiu de forma inesperada para o menor, deixando escapar uma gargalhada animada e repousar a mão direita sobre seus cabelos castanhos espetados. –Vou te mostrar seu equipamento agora. Primeiro de tudo, sua proteção, claro. Estes óculos especiais e essas luvas de couro vão ajudar. –Mas, Akito... –Sim, jovem aprendiz? –O que eu exatamente vou fazer aqui? O ruivo deixou seus olhos mirarem surpresos para a face do menino. –Não te falaram nada? –Não. Nem ao menos perguntaram se eu queria ficar aqui e trabalhar... –Hmmm... –pensava numa forma de explicar sua tarefa ao garoto sem o assustar tanto- Imagine assim: essa torre gigantesca precisa de combustível pra funcionar. E como você deve imaginar, não há energia elétrica na cidade nem qualquer outro tipo de energia moderna. Tudo o que temos a fazer é depositar um pouco de “combustível” num certo período de tempo dentro do gerador da torre e sempre monitorar seu funcionamento. –É... só isso? –Sim! Fácil, não é? –Parece ser... –Ótimo, então pegue este cinto aqui. Há algumas pílulas nos compartimentos. São usadas em caso de emergência, e cada uma tem uma função; antialérgica, remover fuligem dos pulmões, evitar a falta de ar... Enfim, só espero que não precise usar nenhuma delas tão cedo! Pegou dois instrumentos estranhos, parecidos com pás normais, e entregou um deles a Suke, notando sua nítida face surpresa. Pegou a plaqueta vermelha e aproximou da porta branca com janelas redondas. –Coloque os óculos, Suke. Vai esquentar um pouco. Assim que a porta foi aberta, Suke sentiu o vento quente bater contra a pele sensível de seu rosto. Novamente entrara em um local enorme, talvez até maior que a “lavanderia”. Da mesma forma que esta, não possuía iluminação alguma, apenas a luz do fogo ardente queimando dentro de inúmeros geradores enormes, aos olhos do pequeno, feitos de metal. Já estava pronto para perguntar ao amigo ruivo qual era o tal combustível da torre, mas seu segundo passo dentro do local lhe respondera sem maiores dúvidas; carvão, muito carvão. O “combustível” estava espalhado por todo o chão do aposento, sem deixar uma parte de piso sequer descoberta. Foi seguindo os passos de Akito por entre montes de pedras negras sensíveis até chegar a um gerador não muito longe das portas brancas; o número pintado de vermelho em uma de suas faces era o mesmo impresso em sua plaquetinha vermelha. Observou ao seu redor. Não eram os únicos dentro do que Akito lhe contara ser chamado de “o Coração”; inúmeros rapazes faziam o mesmo procedimento que seu supervisor estava lhe explicando, pegando uma pequena quantidade de carvão e depositando no local próprio para isso, usando o instrumento que lhe fora dado. Repousavam ali mesmo, em cima dos carvões, a cada cinco minutos trabalhando –e cinco descansando, esperando os outros geradores cumprirem sua tarefa. E quando o processo era repetido por vinte vezes por cada um dos grupos de geradores, havia um descanso de quinze minutos; almoço ao meio-dia, seis horas da noite, fim do expediente, e logo depois de um tempo para o banho, às sete e meia, jantar. –E finalmente, depois disso tudo, dormir! –Você faz isso todos os dias, Akito? –Sim, meu jovem aprendiz. Todos os santos dias de minha vida. Ah, se eu pudesse trocar minhas horas de trabalho por horas de sono... –Mas, Akito... Se esse é o “coração” da torre, à noite ninguém cuida dele? –O Coração da torre é exatamente como o coração humano. Em nenhum momento ele pára, nem mesmo à noite. Existem turmas diferentes da manhã e da noite. Imagino que viu algumas pessoas prontas para se banhar quando te deram essa roupa, certo? –Como você sabe? –Ora, porque aquelas pessoas são do turno da noite, e estavam no fim de seu expediente. Digamos que elas têm um horário totalmente invertido do nosso, nos encontrando apenas na hora do nosso jantar e do almoço deles. Estranho, não? –Sim, bastante... –Opa, hora de verificar a temperatura do gerador. Pode vir aqui, vou te ensinar como se faz. –Tá! –respondeu prontamente seu aprendiz, sorrindo para seu supervisor. - - - –Ka... As palavras pareciam tornar-se areia dentro de sua boca. Queria reproduzir aquele nome, saber como a pessoa à sua frente reagiria àquele som tão familiar. Esteve cogitando a hipótese de ser alguém com a aparência idêntica, e até mesmo voz idêntica. Só seu nome poderia lhe afirmar com certeza... –Lalienaya... A gatuna arregalou os orbes. Agora não se movia, não podia se mover. Permanecia parada em frente à porta clara, deixando o olhar penetrante e dourado da pessoa vasculhar sua face à procura de uma mesma confirmação, talvez. Engoliu em seco quando seus passos a levaram até si num piscar de olhos, deixando o coração da menina bater em sua velocidade máxima. –Você não me reconhece, Lalienaya? –Você... Você é... –Achou que eu finalmente estivesse morta, querida Lalienaya? –...Karydine... –Mas, ora! –disse a mulher, fazendo os longos cabelos negros ondularem-se- Ela se lembra de mim! É uma honra, acredite. E não sou uma assombração que veio atrás de você, querida. –Todos no grupo... depois que você sumiu... –Eu sei, eu sei. Acharam que eu tivesse morrido em uma das viagens até a cidade vizinha. Até mesmo você. –Mas... eu não queria... –Ah, claro, agora você não queria a liderança! Humanos são mesmo engraçados... Lutam com todas as suas forças, tentando derrubar quem estiver na frente de seus planos, e quando não conseguem, acabam se redimindo, com medo de morrer. Exatamente como faz agora, querida Lalienaya. –Você... Você está errada... Os grandes olhos amarelo-ouro da mulher revelaram-se, vasculhando toda a face da menina. –Estou? –Jamais desejei tirá-la da liderança do grupo... Sempre a respeitei e admirei demais... –Estou ouvindo. –disse, sentando-se em um banco escuro próximo à outra porta- Continue. –Eu só achei que... que se eu fosse a líder, talvez pudesse causar algumas mudanças no grupo, mas que beneficiariam somente a mim... Não pensei nos outros do grupo, e... –E...? –Não me escolheram como líder. -É mesmo? Então quem é o atual líder daquela... –Não há mais grupo algum. A mulher levantou-se, súbito. Aproximou-se rapidamente da mais nova, os olhos ardendo em raiva. –O que disse? –Isso que ouviu. O grupo foi desfeito. –Você só pode... –Não há mais o que fazer. Lalien dizia as palavras com segurança. Sabia o ponto fraco da ex-líder, e aproveitaria o máximo que fosse possível. Havia lutado durante anos para que o grupo permanecesse unido, sem deixar se dispersar pela cidade, criando novos grupos, e conseqüentemente, rivalidade. -Depois que você se foi... ficamos sem objetivo nenhum, totalmente perdidos na cidade. E o grupo se desmanchou sem que ninguém pronunciasse a palavra de saída. Um suspiro escapou dos lábios da mais velha. Um olhar para baixo, e Lalien percebeu que estava nitidamente decepcionada. Mas precisava contar isso para a sua líder, mesmo sabendo que poderia a estar odiando agora. Ficava imaginando o que ela estava fazendo ali, e por que fora enviada a ela. Cogitava a possibilidade de Karydine ser algo parecido com uma... “tutora”. Mas rapidamente afastou esses pensamentos da cabeça. Deus me livre tê-la do meu lado dia e noite! –Tenho coisas a fazer aqui. A pequena ladra a observava, sem dizer palavra. –Tenho que te ensinar tudo o que sei sobre trabalhar aqui. "Que!?" –Mas então você é... –Isso mesmo, Lalienaya. A partir de agora, eu sou sua supervisora. "Pronto, agora sim eu posso morrer em paz..." –Pegue suas coisas. O expediente já começou faz tempo. - - - –Há quanto tempo eu estava trabalhando?... –É melhor não ficarmos pensando em tempo, se não é mais cansativo ainda! –Ah, obrigado, senhor supervisor... Suke estava deitado no seu banco de cor branca, completamente exausto. Estava faminto, mas o sono e o cansaço eram seus maiores inimigos no momento. Enquanto Akito retirava seu equipamento, o pequeno apenas deixava seu corpo repousar por míseros minutos, as mãos batendo o chão e o peito contra o assento. –Ei, Suke... É só o primeiro dia, jovem aprendiz! Vamos, tire essas coisas de trabalho, vamos tomar um banho e comer muito!! –...O que você disse? –Espera, deixa eu lembrar... –Não, Akito! Você disse... comer muito? –Sim, senhor. Depois do banho, temos nosso jantar habitu... O menino levantou em um pulo. Retirou seus óculos, as luvas, e todo o resto que utilizara para trabalhar, jogando em um armário de número qualquer. Antes de pegar nas mãos do supervisor sorrindo e apertar o botão do elevador, certificou-se se a pintura estava bem guardada. –Ei, calma aí, Suke! Temos que tomar um boooom banho primeiro. Além de você estar todo sujo de fuligem, não cheira muito bem não... –Ei, com você também não é diferente! Riram juntos enquanto entravam no elevador barulhento. E foi aí que Suke organizou os pensamentos na mente, embaçados por sua lerdeza habitual. Ele disse... “banho”? –Akito... –Sim? –O banho que você disse... é igual o daquelas pessoas que eu vi de manhã? –Hm? Mas claro que não! Eu não sei porque, mas parece que você é o preferido do Naito. Os olhinhos castanhos do menino arregalaram-se ligeiramente. –Você conhece o Naito? –Mas claro que conheço! Ele é nosso chefe, esqueceu? "Chefe..." O ruivo o observou, mirando os dois orbes esmeraldas na face do menor. –Algum problema? –É que... acho que ele foi gentil demais comigo hoje de manhã... –Então eu estava certo... Ah, mas que honra, ser supervisor do queridinho do cheeeefe! –Akito, quer me largar?... –É, realmente, seu cheiro não tá muito bom... –Akito!! Alguns minutos de silêncio separaram os dois mais novos amigos. Suke estava tentando se concentrar em seus pensamentos, apesar de a idéia de um bom banho particular e muita comida desviasse um pouco sua atenção quase inexistente. Queria entender por que estava sendo tratado “com tanto luxo”, como disse Akito. Não encontrava razão nenhuma para ser o preferido de Naito, e na verdade nem se importava em ser. Depois do que ele fizera, não queria nunca mais olhar na cara daquela pessoa estranha de cabelos azuis; mesmo sabendo que estava trabalhando para ele, para as mordomias dele. Imaginou o quanto Lalien estaria com raiva também se... Lalien! Só agora havia lembrado-se da amiga, com um dia de distância separando os dois. Imaginou se estaria bem, onde estaria, com quem estaria. Pensou em perguntar para Akito, mas cogitou que ele sabia tanto quanto ele. O supervisor nem sequer conhecia sua amiga gatuna. –Preocupado com alguma coisa? –Ah... é que... –admirou a capacidade do ruivo de perceber os estados emocionais do garoto- No jantar, todos do mesmo turno se encontram? Quero dizer... –De outras funções, você diz? Novamente, os olhinhos do menor se engrandeceram. Akito acertara mais uma vez. –Sim senhor, meu jovem aprendiz. Tem algum amigo trabalhando em outro local? –Sim... digamos que sim. –Hmm... Não se preocupe, vai vê-lo logo. Já chegamos! Era o que Suke temia. O mesmo local de mais cedo. Dessa vez, inúmeras pessoas chegavam ao local, algumas que vira trabalhando junto dele, outras totalmente desconhecidas. Esperançou avistar a amiga entre tantas pessoas seminuas com suas roupas em mãos, mas fora logo interrompido por Akito, que pegara em sua mão e lhe direcionava para uma pequena porta do lado esquerdo da “lavanderia”, o que fez suas maçãs acenderem-se. –O queridinho precisa de tratamento especial! –Espera, Akito, não precisa correr!! Passou correndo pelas portas pequenas, passando o cartãozinho vermelho de Suke por dentro rapidamente. E assim que o entregou para o menor, apertou um botãozinho vermelho, e fez-se ouvir barulho de águas caindo, talvez uma banheira ou um chuveiro. Não demorou nada para começar a se despir, retirando os sapatos e as meias, tacando-os em qualquer lugar do banheiro particular do aprendiz. Logo em seguida, retirou o colete rapidamente, com um sorriso estampado no rosto, dizendo coisas como “finalmente, um banho decente!”. Suke confessava estar um pouco assustado com aquilo. Como alguém pode ficar feliz em... ficar nu na frente de outra pessoa!? Mantinha-se do outro lado do pequeno aposento também branco, afastado de Akito, pensando numa forma de não ter de passar por aquilo. Sua timidez ficava fora do normal quando o assunto era seu corpo; não queria que ninguém o visse dessa forma, jamais. O ruivo percebeu que o amigo praticamente prensava-se na parede oposta a ele, com uma expressão nada amigável, quanto mais normal em sua face. Podia dizer que era de medo, ou até mesmo... de nojo. Não entendeu realmente o porquê daquela cara estranha, e mais uma vez, teria de perguntar. –O que houve, Suke? Algo errado? –Ah... n-nada não... –Não quer tomar banho? –N-não é isso, é que... –Seu porquinho! –Eu não quero que você me veja! O grito repentino do menor surpreendeu seu supervisor. Pensou finalmente ter entendido o que Suke queria dizer com aquela cara estranha, mas não conseguia. Pegou seus sapatos e meias, e logo em seguida seu colete. –Tá bem, Suke. Já entendi. Não vou te incomodar mais, ok? –Espera... Akito, aonde você vai? –Vou tomar banho, como um trabalhador normal, e não um queridinho. Pode ficar com esse luxo todo pra você, eu não me importo. Bom banho. –Mas eu não quis dizer isso! –Já ia esquecendo... a plaqueta, por favor. –Mas, Akito, eu... –A plaqueta. Seu aprendiz lhe entregou o objeto. O mais alto atravessou a saleta e aproximou a chave do compartimento ao lado da porta, fazendo-a abrir-se. Suke o observava, o olhar suplicando para que ficasse junto dele e lhe ensinasse mais coisas estranhas naquele lugar estranho. Mas o supervisor pouco se importou com os olhos lacrimejantes do garoto. Atravessou a porta de interior branco, deixando o pequeno Hyousuke sozinho em seu aposento luxuoso.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

(Não está finalizada ainda, gomen n_n')



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Daydream" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.