Jughead Jones

— Jughead! – ouvi alguém batendo com força na porta do trailer.

Acordei sobressaltado, sentindo o coração quase pular do peito. Havia chegado cansado e percebi que acabara dormindo no sofá com as mesmas roupas de ontem, comprimi os olhos percebendo o quanto havia dormido. Me sentia renovado após passar quase uma noite inteira em claro deixando Elizabeth em casa e sendo obrigado a ir para a aula no dia seguinte. Passei a mão pelo rosto ainda anestesiado pelo sono quando ouvi alguém chamando à porta de novo.

— Jughead! – identifiquei a voz doce de Toni – não me faça arrombar essa porta!

— Não fode Toni! – gritei indo atende-la.

Quando abri a porta ela parecia séria, ergui as sobrancelhas esperando que me dissesse algo, mas ela apenas passou por mim entrando no trailer.

— Então ok – dei de ombros fechando a porta.

Ela se sentou à mesa me encarando séria, o que ignorei. Toni era o tipo fiel de irmã super-protetora. Chegava a ser chato a forma como cuidava de mim, como se eu fosse um moleque inconsequente.

Eu a conheci após o abandono de minha mãe com Jellybean, naquela época eu vivia nutrindo um ressentimento muito forte pelo meu pai, até que ele finalmente entrou na linha, acordando para a realidade.

Ele tentou me trazer de volta de várias formas, uma delas foi Toni. Ela me perseguia por todos os lados se certificando pessoalmente de que eu estudaria, me alimentaria e não fizesse mais nenhuma outra tolice. Desde então eu a via como uma leal companheira, sendo um pé no saco algumas vezes por se preocupar em vão.

— Toni, você não veio aqui pra ficar me encarando, veio? – disse de costas para ela enquanto servia cereais em um pote na bancada da cozinha.

Já passavam das três horas da tarde, estava faminto de uma forma surreal.  

— Estou tentando te analisar Jughead – ela com certeza estava brava – e entender porque até hoje esconde as coisas de mim.

Me sentei a mesa em sua frente fazendo uma expressão de desdém, sorrindo. Ela se curvou para frente me encarando séria. Toni não conseguiria me intimidar nem em um milhão de anos, era fofa demais para isso.

— Como foi que você deixou Nick se tornar líder? – ela colocou as mãos na cabeça – ele é um completo idiota!

Eu gargalhei evitando que os cereais e o leite caíssem da minha boca fechando-a.

— Fangs já te contou?

— Ele não quer dizer nada, disse que não é assunto dele –estreitou os olhos – é por isso que estava tão estranho ontem na escola?

— Na verdade eu estava cansado, não dormi nada naquela noite do Whyte Wyrm – terminei de comer e joguei a tigela na pia.

Quando me virei, Toni sorria maliciosa para mim o que me fez revirar os olhos com desdém.

— O que tá rolando entre você e Betty aliás? – bufei – Jughead, não venha me dizer que deixou de ser líder para não ter que aceitá-la na gangue! - ela elevou o tom de voz e eu fiz o mesmo. 

— Toni, ela tem outras escolhas e possibilidades, entrar para os serpentes pode acabar com o futuro dela! – repensei sobre o que dizia e me acalmei – Mas não foi por isso que deixei de ser líder.

Me levantei andando até o sofá deixando meu corpo cair em seu estofado novamente, eu sabia que Toni insistiria, e omitir a verdade para ela não seria possível. Ela se sentou ao meu lado e contei tudo o que havia acontecido no galpão abandonado duas noites atrás, desabafei sobre como isso me fazia sentir um completo inútil. Ela ouvia com calma cada palavra e quando finalmente fiquei em silêncio percebi que ela encarava o chão com minhas pernas sobre seu colo.

— Vai tomar um banho Jones – ela continuava a fitar o tapete da sala – Nick vai dar uma reunião no Whyte Wyrm hoje à noite – ela olhou para mim por fim – pediu que eu viesse te chamar.

— Eu não quero ir – me sentei no sofá virando o rosto como uma criança em pirraça.

— Nós vamos passar no Pop’s antes - ela apertava minha bochecha - eu sei que você está morrendo de fome.

Assenti. Sempre estava.

◙ ○ ◙ ○ ◙

Quando chegamos ao Pop’s o Sol já tinha se posto, tínhamos pouco tempo até a misteriosa reunião que eu realmente não queria participar. Provavelmente Nick se intitularia líder e diria sobre os novos planos para o grupo, talvez não fossem os mesmos que os meus e eu não estava com saco para ser contrariado, principalmente por alguém tão mesquinho como ele. 

Avistei Archie ao fundo do estabelecimento com uma garota morena, quem imaginei ser Verônica por estar no Whyte Wyrm ao seu lado. Imediatamente me lembrei da iniciação de Elizabeth e a cena que fiz na frente de todos tirando-a do palco. Eu me sentia quase que na obrigação de protege-la e de alguma forma mantê-la longe de tudo isso.

Fazia sentido todo o seu envolvimento e entrega para descobrir o paradeiro de sua mãe e eu mais do que ninguém sabia como era sentir a falta de uma, mas não conseguia permitir que ela arriscasse tudo o que tinha entrando para uma gangue em uma cidade medíocre.

Por mais que me doesse, eu entendia completamente as diferenças entre os polos opostos de Riverdale. O preconceito estabelecido por aqueles que habitavam no Lado Sul fazia jus à nossas possibilidades e vice-versa. Mesmo que pudéssemos mudar essa realidade, nós continuaríamos não sendo bem aceitos pelo restante dos moradores.

— Jughead – Pop Tate assentiu com a cabeça encarando sério minha jaqueta enquanto eu entrava e me sentava ao lado de Toni – o que vai querer hoje?

O pronunciamento do meu nome chamou a atenção de Archie, que ergueu o pescoço me procurando. Ao perceber sua atitude Verônica olhou para trás, fazendo o mesmo.

— O mesmo de sempre Pop – pisquei.

— Droga – sussurrei quando percebi que ambos vinham em direção a mim.

— Oi Jughead, podemos nos sentar com vocês? – assenti - Essa é Verônica, minha namorada. 

— Prazer – disse seco estendendo a mão – Verônica Lodge, certo?

— Isso – ela selou o aperto sorrindo simpática olhando para Toni.

— Ah, Toni Topaz – ambas apertaram as mãos também.

Os dois se sentaram e Verônica pigarreou olhando para Archie, ele entendeu o comando e começou.

— Como vão as coisas? – ergui as sobrancelhas.

— Pode ir direto ao ponto Archie – ambos sorrimos imediatamente.

Archie tinha um jeito para perguntar se eu realmente estava bem e  outro para me enrolar fingindo cortesia, eu conhecia muito bem ambos os jeitos.

— Eu sei que te disse para deixar que Betty entrasse para os serpentes... – ele se debruçou sobre os braço erguendo as sobrancelhas – mas depois do que ela fez naquele bar eu repensei - suspirou – nós achamos que é melhor deixar ela fora disso.

Ambos se entreolharam comprimindo os lábios e o clima ficou tenso de repente.

— Eu te vi saindo da casa dela ontem Jughead... – Verônica soltou e Toni olhou para mim imediatamente sem deixar transparecer que estava furiosa por não ter essa informação – Ela acredita que você vai aceitá-la na gangue em breve, não consegui fazer com que ela desistisse.

— Na verdade – passei a mão sobre os cabelos retirando a touca cinza – essa decisão já não me diz respeito mais.

Pop deixou o lanche sob a mesa desejando um bom apetite e eu agradeci.

(música)

— Como assim? - Archie murmurou confuso. 

Dei de ombros repousando as costas no banco.

— Eu não sou o líder mais.

◙ ○ ◙ ○ ◙

— Vocês estão atrasados – meu pai dizia encostado em um canto da parede sorrindo – mas antes tarde do que nunca não é filho? – ele me puxou para um abraço lateral desajeitado.

Hoje não tínhamos música no bar, apesar de se tratar de um sábado, todos estavam sérios e atentos, esperando o que seria dito. Nos meus poucos dias como líder ou um simples serpente, eu nunca havia participado de uma reunião séria, nós discutíamos os assuntos importantes enquanto jogávamos sinuca ou qualquer outra coisa. Ao que parecia Nick iria encarar sua liderança como a administração de uma empresa, eu não me surpreenderia com isso.

— Nós estamos aqui reunidos hoje – meu pai finalmente quebrou o silêncio me soltando – para anunciar o nosso líder temporário. Nick venha até aqui – Nick caminhou até ele orgulhoso. 

Ele era alto e forte com feições ridiculamente bem desenhadas, seus cabelos lisos formavam um topete no topo da cabeça, era poucos anos mais velho do que eu e vários serpentes o vangloriavam por ser um ótimo lutador. Algumas vezes Nick e outros serpentes combinavam lutas apostadas, o que havia sido proibido pelo meu pai um tempo atrás por se tornar um evento cada vez mais violento. Ele tinha ainda o péssimo hábito de flertar com todas as garotas que via e Toni era a única que não caia no seu charme, apesar da insistência.

Por fim, ao meu ver sua única qualidade era ser filho de Bruce, seu completo oposto, pois o achava tão esnobe quanto arrogante.

— Nick será o líder temporário de vocês, até que Jughead, o sucessor legítimo, esteja pronto para assumir o seu lugar – meu pai deu leves batidinhas em seu ombro o apertando no final – sei que estamos em boas mãos, mas estarei por perto quando precisarem - ele apertou um olho e arregalou o outro - e de olho principalmente.

Todos riram. 

— Finalmente a monarquia acabou – ouvi Penny sussurrar para Tall Boy que revirou os olhos, até as cobras mais venenosas morriam perto dela.

— Ignora – Toni sussurrou ao meu lado percebendo que eu havia escutado.

— Então Nick, quer dizer alguma coisa? – ele assentiu e meu pai se afastou.

— Nós estamos em uma nova era – ele estendia os braços, olhando ao redor – estamos por um fio de acabar com o domínio dos Ghoulies em Riverdale. Mas podemos mais – ele se virava a medida que encarava a todos ao seu redor – vamos provar que não somos a sujeira de Riverdale que se esconde no Lado Sul, o nosso próximo passo é dominar o Lado Norte também.

Todos urravam, alguns socavam o ar. Eu e Toni permanecíamos calados observando, meu pai sutilmente batia palmas com um dos ombros apoiados na parede. Ele mais do que ninguém repudiava a injustiça que pairava sobre a cidade, que descarregava todos os seus erros e crimes em apenas um dos polos, omitindo os podres da região nobre.

— Como faremos isso? - alguém perguntou baixo ao meu lado.

Nick estendeu uma das mãos pedindo silêncio.

— A resposta é Alice Smith – meu pai pareceu incomodado de repente como se o nome fosse uma maldição, ele se endireitou e olhou para Penny por poucos segundos – Alice nos difamou cruelmente por algum tempo, porém poucos sabem que ela foi uma serpente – ele sorria de canto mostrando os dentes perfeitos.

Sussurros baixos ecoavam no bar, e o sorriso debochado de Nick me fervia o sangue, ele observava rapidamente as pessoas ao redor até que seu olhar parou em mim, ele provavelmente estaria se divertindo antecipadamente com alguma coisa.

— Essa é a oportunidade perfeita de mostrar o quanto temos do lado Norte em nós, e o primeiro passo é a entrada de um deles em nossa gangue – ele se encostou em uma sinuca finalmente desviando seu olhar para os próprios sapatos.

— E quem é o novato? – Sweet Pea perguntou sério logo atrás. 

— Na verdade – ele voltou a sorrir estampando as covas nas bochechas - a novata é uma loirinha sexy que vocês já conhecem.

Quando ele levantou o olhar para mim novamente, minha mão fechada já cortava o ar enquanto eu impulsivamente avançava em sua direção.