O guarda-costas escrita por Luah


Capítulo 3
O COMEÇO DO Fim




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CAPÍTULO I
O COMEÇO DO FIM

Encaro o prato cheio a minha frente com mais interesse do que me é realmente necessário. Não movo um músculo. Não tenho fome. Tenho raiva. Mágoa. Ressentimento.
A tempos o único som, à exceção do barulho dos empregados, que se ouve ecoar pelos cômodos da casa é o de minha respiração. Minha única companhia de todos os dias é minha sombra. Papai nunca está por perto e quando o faz passa horas trancado em seu escritório sem permitir que alguém, quem quer que seja, ouse se aproximar. Isso me enfurece. Como se fosse uma criança, sou obrigada a aceitar que agora existem zonas proibidas em minha própria casa, quase como se um grande segredo fosse guardado a sete chaves.
Sinto-me sozinha. Sem minha mãe aqui para lembrá-lo de que tem família, o sujeito só consegue se afundar mais e mais no trabalho. Em alguns dias é como se estivesse morto também, tamanha a sua ausência. Cléo apenas diz que meu pai precisa de mais tempo para se adaptar à nova realidade. Discordo. O homem adulto pode ter perdido a mulher, mas a “criança” perdeu a mãe. Egoísmo, ou certa insensibilidade de minha parte, não importa. Após dois meses, o único a ser dito é que preciso do meu pai, ou o que quer tenha sobrado dele. Tragicamente, o idiota não se dá conta disso.

Desisto de tentar comer. Olho o relógio pendurado na parede ao lado da porta da sala de jantar e sinto o costumeiro desânimo me corroer de dentro para fora em uma tortura auto imposta; íntima; sutil.
Suspiro baixo sem querer atrair a atenção de Cléo que parece concentrada em descascar batatas no cômodo ao lado.
É hora de encarar mais um dia sem elas.

(…)
Parte da manhã transcorre arrastada, como de costume. O relógio é um inimigo insistente, que parece caçoar de mim a medida em que suas batidas desaceleram conforme minha mente vagueia sem um rumo específico, ainda que por lembranças e fatos perigosos. Minha cabeça é um verdadeiro campo minado. Sinto-me aérea, alheia a tudo e todos e, ao mesmo tempo, mais consciente do que nunca de que estou inevitavelmente sozinha. Procuro por meios de me sentir bem, ou mesmo minimamente interessada, mas descubro, infelizmente, que tais artifícios já não se mostram tão eficientes. A simples ideia do sonho que compartilhávamos me machuca. Meus amigos já não me alcançam, envoltos em uma bolha da qual não faço mais parte e meus professores agora falam outra língua: menos elaborada ou convidativa. Tudo e todos berram a todo instante que não me encaixo aqui. Talvez seja a hora de lhes dar ouvidos.

(…)
Na saída da faculdade - resolvi trancar minha matrícula por tempo indeterminado - decido passar na cafetaria da esquina. Aquela, meio empoeirada e escondida, com a placa de entre remendada na porta de designer gasto, que dá ao lugar uma aparência antiga; ao mesmo tempo inteligente e aconchegante, que mamãe e eu costumávamos frequentar aos domingos.
Com as mãos a abraçarem meu próprio corpo, levemente inclinado para frente devido ao peso da mochila, marcho pelo pequeno salão de decoração vintage, contando as falhas no piso, aqui e ali; um sorriso pobre a emoldurar meu rosto que se recusa a fazer contato direto com quem quer que cruze o meu caminho.
Em frente ao balcão, ao fundo da loja, peço um expresso simples e espero meu pedido em pé e em silêncio. Jane, uma quarentona de estatura mediana, cabelos castanho dourados e sorriso gentil, que responde como gerente do local, se aproxima, animada, ralha comigo por meu sumiço e pergunta educadamente por minha mãe. Engulo em seco, amaldiçoando meu pai pelos “panos quentes” que conseguira por sobre o caso, e lhe ponho a par dos últimos acontecimentos, surpresa por sua ignorância particularmente invejável. A verdade lhe alcança e sua postura muda de imediato. Apesar de seu sorriso gentil e inabalável, seus olhos demonstram algo que já me é insuportavelmente comum: pena.
Mordo os lábios com os olhos a encarar o chão aos meus pés e sinto-me mal no mesmo instante em que ela resolve que meu pedido será uma cortesia e se põe à disposição para conversar sobre como me sinto e tenho passado.
Foi uma péssima ideia entrar aqui.
Quero ir embora.

Cancelo meu pedido ignorando as condolências e os protestos da gerente simpática e corro para a saída, onde um homem me observa com seriedade. Sem tempo para desacelerar meus passos, apenas lhe dou um encontrão dolorido e sumo na esquina seguinte sem pedir desculpas. Não olho para trás, mas sei que muito provavelmente ele já passou dos 30, o terno que veste está mais do que sujo e desbotado e a expressão em seu rosto está longe de ser boa. Ainda assim, é impossível ter certeza do que vi, já que tenho os olhos embaçados pelas grossas lágrimas que fazem de tudo para me dominar a cada instante.

(…)
Em casa, livro-me do peso que me afunda as costas com um estardalhaço manhoso, os sapatos atirados em um canto qualquer de meu trajeto. Tropeço algumas vezes devido a visão turva e ignoro com uma veemência insensível, todas as perguntas de uma Cléo mais do que apreensiva e preocupada.
Isolo-me em meu lugar secreto – o único canto em toda a casa em que ainda me permito sentir sua ausência com total liberdade – e choro. Choro em silêncio até simplesmente já não ter mais lágrimas. Ressentida com a dor que me arranca o ar dos pulmões de novo e de novo; faz meu coração sangrar constantemente e lamentavelmente não se mostra capaz de ir embora.

Durante o almoço, me surpreendo ao encontrar a figura cansada de meu pai empoleirada à cabeceira da mesa. Como num passado distante, me parece. Ele tem o corpo curvado para a frente, como se um grande peso estivesse posto sobre seus ombros e, no rosto, uma expressão seca, quase vazia.
Acomodo-me em meu lugar de sempre, em silêncio, e repito o ritual que executei pela manhã. Culpada, constato que Cléo, de fato, fez torta de batata e me obrigo a sorrir quando sua voz calma e contida me questiona sobre o meu bem-estar. Relembro a ida fracassada até a cafeteria. Engulo em seco, ligeiramente tonta e enjoada. Não estou com fome.

— Você saiu cedo hoje – sua voz soa tão diferente e repentina, que agride meus ouvidos surpresos.
Pisco algumas vezes, como se para assimilar o fato de que meu pai está mesmo tentando começar uma conversa comigo, mas não ouso responder.
— Ela saiu no horário de sempre, Pat. - Cléo garante ao terminar de encher o copo dele e se afastar.
Papai franze o cenho, confuso por um instante.
— Verdade? E aonde foi? - Torna a se dirigir a mim.
Próximo a entrada do cômodo, Cléo gesticula, alarmada, para que eu o responda. Apenas retruco seu desespero por nos aproximar com um suave entrave de meu maxilar e remexo a comida em meu prato, ignorando-o.
— Hã... – intromete-se de modo atrapalhado – à faculdade. Ela foi à faculdade.
— Hm – ele dá algumas garfadas em sua comida distraidamente –, e como foi a aula, Becky?
— Não foi – dou de ombros num tom contido, sem grandes informações.
— O que quer dizer? Não teve aula hoje? Pensei que a faculdade fosse diferente da escola. - Tenta soar divertido sem grande sucesso. Não me esforço para achar graça.
— Você não entenderia – baixo a cabeça, sem muita vontade de conversar, me assombro. Pela manhã, tudo o que queria era que interagisse comigo e agora quero desesperadamente que ele se levante e vá embora.
— Acho que consigo, se me esforçar – rebate em um deboche frio.
Engulo em seco ao pesar minha resposta. Me sinto ainda mais enjoada.
— Eu... tranquei a faculdade hoje pela manhã.
As minhas costas, ainda parada junto ao batente entre um cômodo e outro, Cléo me encara surpresa, enquanto direciona a meu pai olhares receosos. Ele por sua vez, tem a testa franzida e os músculos dos braços tensionados pela surpresa. Seus dedos apertam os talheres com força antes de soltá-los sobre o prato em um som fino e incômodo. Ele levanta o olhar a minha procura pela primeira vez, aparentemente indignado; sua refeição esquecida.
— E, por que, exatamente, – levanta o olhar a minha procura pela primeira vez, aparentemente indignado - a senhorita fez isso, posso saber? - Corpo recostado à cadeira, braços cruzados com autoridade.
Algo em seu tom me desperta fúria. Quero lhe dirigir algumas palavras feias, me levantar e ir embora, mas sua postura e o falso respeito que ainda nutro por ele não me permitem a princípio.
— Por que resolveu se importar? - Rebato ao imitá-lo, recostando-me em minha cadeira e cruzando meus braços, a contragosto de Cléo que parece à beira de um infarto para evitar uma briga.
Seus olhos passeiam por meu rosto e parecem se deter, hesitantes, aos indícios de que andei chorando, mas ele nada diz ou faz a esse respeito.
— Porque, por acaso, assino o cheque da mensalidade todo o mês e ainda sou seu pai! - Urra em um meio deboche. Encolho ligeiramente os ombros, mas não me deixo intimidar. - Agora, Rebeka, responda à pergunta-me repreende. - Por que fez isso?
Mordo os lábios e ignoro o impulso de revirar os olhos.
— Porque o período vinha se arrastando há muito tempo, meus professores estavam prontos para me reprovar e eu... eu não estou com cabeça para continuar com o que quer que seja agora. É tudo muito recente – desvio o olhar para o tampo da mesa.
Seu rosto se contorce levemente. Ele arqueia uma sobrancelha em minha direção e me encara de um jeito piedoso, quase cruel. Tento reconhecer o homem a minha frente como sendo meu pai, mas sinto uma grande dificuldade em fazê-lo.
— Levou dois meses para chegar a essa conclusão? - Volta sua atenção a refeição até então esquecida, com um dar de ombros.
É minha vez de tensionar os músculos dos braços em surpresa. Olho dele para minha governanta; cenho franzido, olhos apertados em uma tentativa de mais uma vez, tentar reconhecer a figura sentada à mesa comigo.
— O que quer dizer? - Pergunto confusa.
— Quero dizer que isso teria feito mais sentido um tempo atrás. – Beberica um pouco de seu suco para limpar a garganta, com certa indiferença. - O que aconteceu não é mais uma desculpa.
— Desculpa? - Retruco indignada. - Acha mesmo que estou usando o fato de minha mãe ter morrido como uma desculpa para desistir da faculdade? - Sua falta de reação inicial só faz minha raiva crescer. - Responda, papai, é isso o que o senhor acha?
— Tsc, Becky, você
— O senhor sabe que medicina sempre foi o meu sonho, não sabe?! - Argumento ofendida pelo jeito com que ele me olha. - Responda! - Lhe dirijo um grito histérico que faz a velha senhora a uma certa distância pular assustada.
— É, eu acho! - Soa firme, os talheres deixados de lado outra vez.
— Quem é você e o que fez com o meu pai? - Minha voz soa tão baixa e descrente que desconfio não ter proferido a pergunta.
Seu maxilar trava e ele uni as sobrancelhas em uma expressão severa, mas não parece se focar em meu breve desabafo pouco sonoro.
— Sua mãe ter morrido não é mais uma desculpa para parar sua vida. Já faz dois meses. Você precisa seguir em frente! - Meus olhos queimam e sinto que vou engasgar a qualquer momento, tamanha a força que faço para não chorar.
Tento contar até dez em busca de calma, mas desisto ao chegar ao quatro. A figura fria a minha frente definitivamente não é o meu pai e, portanto, não lhe devo respeito. Não lhe devo nada a não ser a intensa mágoa que pouco a pouco me sufoca.
— Seguir em frente como o senhor tem feito? - Retruco com agressividade; minhas mãos espalmadas sobre o tampo da mesa levam meu prato ao chão. - É preferível que eu corte os pulsos de uma vez!
Papai se levanta no mesmo instante.
— Rebeka, eu exijo respeito! - Me repreende, o corpo reclinado ao meu encontro, as veias do braço saltadas pela força com que sua raiva bombeia o sangue em seu sistema.
— Respeito? - Repito a palavra como se em dúvida sobre o que acabo de ouvir. - Respeito? Para o inferno o respeito, o senhor e essa sua maldita hipocrisia!
— Calada!
— Não! - Soco a superfície de madeira e também me ponho de pé. - Eu não vou mais me calar! O senhor não tem o direito de dizer coisa alguma. Não depois de ter me ignorado por dois meses. Não depois de ter se escondido no trabalho como se nada tivesse acontecido. – Ele estreita os olhos em minha direção, o maxilar travado mais fortemente. - Seu falso sofrimento seria mais digno se o senhor tivesse se transformado em um maldito porco bêbado! - Dentes trincados denunciam o esforço que faz para manter o controle. - Diga a verdade, papai: o senhor ao menos ainda se lembra dela? Porque, para ser sincera, eu não ficaria surpresa caso descobrisse que vou, sei lá, ganhar uma madrasta, ou
Percebo que passei do limite quando já é tarde demais. A bofetada que recebo é tão forte e vira meu rosto de forma tão repentina que não consigo emitir reação alguma, tamanho o meu choque. Coloco a mão sobre a face atingida e posso senti-la latejar.
Seus olhos se arregalam ao perceberem o que seu súbito impulso acaba de fazer e ele parece despertar de um sono muito longo, de repente: assustado; confuso; arrependido. Seus braços se erguem quase que por reflexo.
— Querida, eu...
— Fique bem longe de mim!
Fujo de seu toque e observo as mãos que pairam no ar a meio caminho de meu corpo. Seu semblante transborda culpa. Desejo odiá-lo, mas simplesmente não consigo.

Ainda parada junto a porta, Cléo nos encara com pavor; as mãos posicionadas sobre a boca aberta em um “o” perfeito. Ela parece a beira de um ataque cardíaco. Quero revidar. Chorar. Gritar. Simplesmente explodir e então fugir sem um destino certo. Opto pelo que me parece mais fácil.
Sem mais o que dizer, lhes viro as costas e irrompo porta à fora, desesperada para estar sozinha. Sinto os passos apressados de meu pai e da velha senhora em meu encalço.
— Aonde você vai? - Questiona ao me agarrar pelo braço com certa ansiedade.
Me solto com um solavanco e sigo para a saída, passando a mão em um casaco qualquer pendurado ao cabideiro na entrada.
— Becky!
— Eu só vou dar uma volta – visto o casaco; a mão sobre a maçaneta.
— Querida...
— Tudo bem, pai, eu só... preciso pensar um pouco – anuncio antes de escancarar a porta da frente e me lançar a rua.
— Eu sinto muito – anuncia parado a porta de casa; sua voz ecoando pelo espaço entre as várias casas ironicamente lotadas de família felizes e bem estruturadas.
— Eu também. - Sussurro sem me permitir olhar para trás e sigo caminho, com lágrimas silenciosas a me mancharem a face.

Caminho a esmo e choro por mais tempo do que me permito de fato notar, enquanto observo as fileiras de casinhas coloridas dispostas ao longo de todo o bairro residencial. Lembro-me de ouvir minha mãe contar o quanto gostava de toda a simplicidade e sofisticação a que um rápido e intenso olhar destinado aquela arquitetura lhe remetia. Deus, como sinto falta dela.

(…)
Escoro-me a um poste qualquer, próximo a um sinal de trânsito duas quadras a frente. Me sinto cansada, mas ainda não quero ir para casa. Não quero me obrigar a sentir o peso de sua ausência, ou mesmo, a estranha indiferença de meu pai, somada a sua recente culpa por algo que ele nem ao menos sabe nomear, desconfio.
O sinal se fecha. Olho ao redor por mero reflexo, já que não pretendo me mover, e... lá está ele, me encarando com a mesma seriedade. Ergo uma sobrancelha e o encaro de cenho franzido. Apesar de nosso encontro ter durado apenas alguns poucos segundos, tenho certeza de que é ele. O estranho à porta da cafeteria. Considero atravessar a rua e lhe pedir desculpas por talvez tê-lo machucado pela manhã, mas algo em sua postura diz que preciso simplesmente dar meia volta e ir embora. De repente sinto medo. Em seguida sinto raiva, pois não há nenhum motivo para que eu sinta medo. Eu nem ao menos o conheço.
O sinal torna a se abrir e entre a movimentação de carros e pessoas pela rua, o estranho some. Intrigada, mas não interessada o suficiente apenas dou de ombros e, vencida, decido que talvez seja hora de ir para casa. Sinto o telefone vibrar em meu bolso e reconheço minha deixa. Cléo deve estar mais do que preocupada.
Escolho o caminho mais longo ainda protelando minha volta ao lar e meu consequente reencontro com meu pai, completamente alheia a tudo e todos com exceção à lembrança do tal homem estranho. Sem que seja capaz de me conter, em um segundo começo a me perguntar seu nome, sua idade, carreira, rotina... Uma curiosidade que não me é padrão, mas me ajuda a não pensar em minha própria vida.
Cruzo os quarteirões a caminho de casa calmamente, quase me arrastando, eu diria. Observo o sol se pondo ao longe encantada com sua beleza e assombrada com o tempo que levara caminhando desde o almoço. Sinto-me tomada por uma súbita preguiça.
Passo pela floricultura a mais ou menos 3 quadras de meu destino final - aquela com uma parede de tijolos caindo aos pedaços, letreiro que a muito não ganha vida e a velhinha aborrecida pelo tédio e a ausência de clientes debruçada sobre o balcão – e tenho de me obrigar a olhar duas vezes para ter certeza. Começo a me sentir apreensiva. Escorado a um carro qualquer estacionado junto ao meio fio está o mesmo rapaz de terno, com o mesmo olhar trabalhado na mais pura seriedade. Seriedade essa que agora destoa do sorriso maldoso que brinca em seus lábios e me gela a espinha.
Dou meia volta sem pensar duas vezes e sigo em direção a pequena pracinha não muito longe dali. Talvez um lugar cheio de famílias me ajude a conter a tensão que insiste em se apoderar de mim. Tento ser discreta ao aumentar o ritmo de meu caminhar para uma meia corrida e não tardo a ouvir passos em meu encalço. Uma olhada para trás confirma o óbvio: estou mesmo sendo seguida. Estou sendo seguida pelo estranho homem da cafeteria. Engulo em seco e luto para manter a calma com certa dificuldade. Percebo, meio assombrada, que sentir medo mais cedo não havia, de fato, sido tão irracional quanto imaginei à primeira vista.
Enxergo a pracinha logo após a esquina e me preparo para mandar a calma e a descrição para o inferno, quando um par de braços enlaça minha cintura com brusquidão. Debato-me, em um ato de resistência inútil e me sinto ser puxada para a escuridão de uma viela a um canto que até então não notara. Estou em pânico!
Faço menção de gritar, mas uma das mãos de meu suposto novo perseguidor encontra meus lábios antes que eu tenha a chance. Torno a me debater e, alarmada, percebo que meus pés já não tocam o chão. Me desespero um pouco mais e, mesmo desnorteada, tenho de me obrigar a continuar lutando. O homem as minhas costas, bufa e pragueja baixo. Ele não está sozinho, dou-me conta mais e mais alarmada à medida que minha mente começa a projetar todas as possibilidades a que estou exposta. Uma olhada rápida pelo canto de olho me confirma que há outros dois com ele. Contenho um soluço. Tudo o que sinto se resume a um misto de terror e adrenalina. Minhas veias doem, tamanha a intensidade do pulsar de meu sangue nelas. O zumbido em meus ouvidos é alto.
Os três parecem se comunicar, atentos ao redor. Me debato um pouco mais e esperneio sob seus dedos inutilmente. Tenho a respiração descompassada. Seus braços se apertam e depois afrouxam ao meu redor. Receio que a qualquer momento possa desmaiar.

— Eu não vou te machucar. - Soluço sob seus dedos. - Respire fundo e tente se acalmar. – Ecoa a voz às minhas costas. - Eu vou por você no chão, ok? - Assinto em meio a lágrimas silenciosas. Meu coração martela em minhas costelas.
Toco o chão outra vez e saio em disparada sem pensar duas vezes, a calma completamente ignorada. O trio pragueja em meu encalço. Não me atrevo a olhar para trás, nem que estivesse louca acreditaria em qualquer um dos três.
— Sério, isso? - Ouço-o gritar.
Irrompo à rua outra vez e olho de um lado a outro, ofegante e atordoada. Pouco tempo se passou, de fato, percebo. Procuro por ajuda, alarmada, mas a movimentação mais pertinente ainda se concentra na pequena pracinha que pretendera usar como refúgio, a alguns instantes.
Arregalo meus olhos. Parado a uma distância curta está o homem da cafeteria, que ainda parece estar a minha procura. Em choque, reparo que do bolso de seu terno velho ele sacou uma arma. Nossos olhares se encontram e o mundo perde o foco, por um instante; o tempo desacelera gradualmente. Seu braço se ergue no ar; o dedo pronto sobre o gatilho. Fecho os olhos por extinto e rezo em silêncio.
Mãos enlaçam minha cintura outra vez. O estalo das balas é ouvido. Meu corpo gira no ar. Pisco algumas vezes. Estou no chão com algo ou alguém sobre mim. Uma ardência muito bem-vinda em minhas pernas indica que possivelmente ralei os joelhos. Tento me levantar e mãos pressionam meu corpo para baixo com brutalidade. Mais tiros se seguem. A movimentação na rua torna-se caótica, aterrorizante. Correria e gritos, isso é tudo o que se consegue perceber.
— Fique abaixada! - Ordena uma voz rouca, diferente da anterior.
Não me atrevo a desobedecer e nem conseguiria se tentasse. Meu corpo treme dos pés à cabeça. Mais disparos são ouvidos e, então, silêncio. Os três rapazes trocam algumas palavras para as quais não me atento muito. O peso que até então me prendia se desloca. Sou posta de pé como uma boneca de pano e solto o ar que a muito vinha prendendo sem perceber. Corro as mãos por meu corpo trêmulo, como se para me certificar de que não me falta nenhum pedaço. Estou chorando. Olho a volta. A rua está deserta depois de toda a loucura dos últimos instantes à exceção de um curioso ou outro que tenta descobrir ou entender o que acaba de acontecer em uma rua até então, tranquila de um simples e pacato bairro residencial.
Alguns metros à frente, jaz o corpo do homem da cafeteria; o terno velho manchado com o seu sangue. Enquanto encaro o cadáver, a gravidade do que acaba de acontecer me atinge. Me desespero um pouco mais. Agora, choro tanto que consigo me sentir desidratar.
O garoto que me puxara para viela mais cedo, move-se em minha direção. Caminho para trás; os olhos esbugalhados e o coração saindo pela boca.
— Você está bem?
— Fique bem longe de mim! - Grito em alerta.
Recuo um pouco mais. Minhas costas se chocam com algo sólido; firme. Cheguei a uma parede, percebo aflita.
— Se você se acalmar, nós podemos explicar tudo – tenta.
Ele se aproxima um pouco mais, com receio. Como se, de fato, estivesse tentando não me as sustar. É tarde para isso. Ele e os amigos acabam de matar um homem bem na minha frente. Uma olhada a mais para o corpo estirado ao meio fio me confirma que não há nada que possa ser dito, ou explicado.
Percorro o entorno com os olhos a procura de ajuda, mas os poucos curiosos que ainda restavam já desapareceram, provavelmente por medo de serem envolvidos no que quer que fosse.
Nego com a cabeça e soluço audivelmente.
— Ok – a voz rouca do rapaz que me protegera dos tiros nos chama atenção. Ele está falando ao telefone. - Mas não demorem. O corpo não pode ficar aqui para sempre.
Ele encerra a chamada e fixa seu olhar em mim por um único instante, antes de se dirigir ao garoto que tentava me acalmar momentos atrás.
— Você fica, cuida da polícia e das testemunhas. Garanta que nada saia daqui. Nós vamos levar a garota.
Me sinto enlouquecer no mesmo instante.
— Não vou a lugar nenhum com vocês – me obrigo a dizer.
O garoto revira os olhos com deboche e avança em minha direção, para me jogar sobre o ombro como um saco de batatas, suponho.
Me movimento alarmada. Por ser pequena, consigo me esquivar de seus braços ágeis e insistentes e me precipito para a esquina seguinte, correndo como se o mundo estivesse acabando. Os outros dois parecem surpresos demais para apresentar qualquer reação imediata.
Cruzo a pracinha, agora vazia, aos tropeços e quase sou atropelada ao tentar atravessar a pista de sinal aberto. Serpenteio entre os carros, criando uma distância que julgo segura entre mim e o trio de assassinos. Ocasionalmente, ouço o praguejo de um motorista, ou um pedestre que quase derrubo em meu percurso. Ignoro tudo. Só quero chegar em casa e chamar a polícia.

Entro em casa aos berros e chamo por Cléo, papai, qualquer um que seja capaz de me ajudar. Ninguém aparece a princípio.
Impaciente, finjo não ligar para a maldita restrição à ala leste e saio a procura de quem quer que seja. No corredor, sou pega de surpresa ao me agarrarem pelo braço com brutalidade.
— Você está tentando se matar? - Pergunta o garoto moreno de voz rouca. - E só para constar, aquele chute doeu – me aperta com um pouco mais de força.
Me debato inutilmente em seus braços. Ele parece irritado e não faz menção de me soltar.
Grito por ajuda e isso só parece irritá-lo ainda mais.
Em pânico, me questiono sobre o que ele faz em minha casa e o porquê de ninguém aparecer ou mesmo responder a qualquer uma de minhas súplicas.

A figura de meu pai se projeta no corredor. Ele tem o rosto inchado, como se tivesse dormido ou chorado muito e parece alarmado, provavelmente por meus gritos angustiados e incessantes.
O aperto em meu braço some de imediato. Sinto minha respiração presa. Minha garganta dói.
Papai corre os olhos de mim para o garoto e enfim, por todo o meu corpo atentamente. Sua postura demonstra sua genuína preocupação.
— O que foi que houve?
Contraio o rosto em uma expressão confusa e incomodada ao constatar que sua pergunta não é dirigida a mim.
— Eles deram o primeiro passo – retruca o moreno.
— E aonde estão os outros dois?
Minha confusão aumenta. Me sinto tonta.
— Nate está verificando o perímetro e Josh está cuidando do corpo.
— Corpo? - questiona alarmado.
O garoto dá de ombros.
— Você está bem? - Se dirige a mim pela primeira vez.
Olho de um paro o outro.
— Eu pareço bem? - Devolvo a pergunta em um gesto malcriado. Estou à beira das lágrimas.
Meu pai encolhe os ombros e olha para o moreno como quem pede ajuda. O garoto revira os olhos, cobre o rosto com uma das mãos e nega com a cabeça, em um tédio desmedido, antes de lhe gesticular um incentivo contrariado.
O que está acontecendo, afinal?
— Venham comigo – pede antes de desaparecer em seu escritório.

No cômodo, olho para tudo como se esta fosse a primeira vez na vida em que o visito. A princípio estranho e, então, me surpreendo. Não há absolutamente nada de diferente entre o ambiente diante de meus olhos e a imagem que tenho dele em minha memória. Nada!
Meu pai acomoda-se em sua escrivaninha, desliga o monitor de seu computador, afasta o que parece uma pilha de relatórios e cruza os braços sobre o tampo da superfície polida.
Ele gesticula para que nos sentemos a sua frente. Sua expressão é neutra, mas seus ombros denunciam a tensão que o esmaga.
O moreno desconsidera o convite com um meneio de cabeça, educado.
Papai volta a gesticular. Dou de ombros e me recuso a movimentar-me.
— O que está acontecendo? - Inclino o corpo para frente – Vocês... Vocês se conhecem? - movo meu olhar entre os dois – Papai, ele... ele...
— Salvou sua vida? - Se intromete, o garoto, com ar arrogante. - É, salvei sim! Não se incomode em me agradecer. Esse é o meu trabalho – alfineta com sarcasmo.
— Você matou um homem! - Retruco em choque.
— Não, Nate matou um homem. Eu, impedi que um homem matasse você! - Argumenta com pouco caso.
Arregalo meus olhos. Tento falar, mas me faltam palavras. Mais uma vez desconfio de que vá vomitar.
Encaro meu pai em um pedido silencioso por respostas. Ele suspira cansado e, por um instante, posso vislumbrar todo o peso dos últimos meses em seu rosto de meia idade.
— Peter, peça aos outros dois para virem até aqui. Agora!
Peter assenti e desaparece no corredor.
— Becky, sente-se, por favor – aponta a cadeira a frente de sua escrivaninha como quem fala com um sócio, velho e rabugento.
— Estou bem assim. - Garanto.
— Rebeka, por favor! - Torna a gesticular, dessa vez com ar bastante autoritário.
Ignoro sua sugestão e guio meu corpo até a poltrona vermelha escorada à parede oposta, ao lado da linda, extensa e bem cuidada estante de livros.
Acomodo-me sem grandes palavras. Sento-me sobre as pernas dobradas e sinto meus machucados arderem em protesto. Me encolho como uma garotinha com frio e respiro fundo, desolada. Suas sobrancelhas se unem em minha direção.
— Satisfeito? Estou ouvindo – anuncio.
Ele se levanta e caminha até a frente de sua mesa; o corpo inclinado, escorado sobre a superfície lisa, enquanto me encara um tanto aflito.
— Eu não sei por onde começar – admite com ar derrotado.
— Que tal pelo começo? - Retruco aflita. - Por Deus, eu acabo de ver um homem morrer!
— Olha, eu imagino que esteja em choque, confusa e
— Assustada, desconfiada, magoada e a lista de -adas não vai ficar pequena. - Ele nega com a cabeça como se pensasse no que dizer em resposta até que desiste e suspira.
— Prometo que quando os meninos voltarem, tudo o que puder ser explicado, será explicado.
— Você vai, é mentir para mim! - Aponto o indicador em sua direção.
Mordo os lábios, como se para me impedir de gritar com ele. Minha mente gira em um turbilhão de perguntas sem respostas. Soluço baixinho enquanto sinto as lágrimas acumulando-se mais e mais ao redor dos meus olhos, até que simplesmente já não sou mais capaz de contê-las.
Meu pai caminha para junto de mim, senta-se no braço da poltrona ao meu lado e afaga meus cabelos com ternura, enquanto se desculpa e ousa prometer que tudo ficará bem. Me recuso a acreditar, mas me permito ser confortada ao deitar a cabeça em seu colo e chorar um pouco mais.

Alguns minutos se passam enquanto me desmancho em lágrimas em silêncio. Suaves batidas na porta indicam que o trio está de volta.
Peter é o primeiro a cruzar o batente. Sua expressão é neutra e a postura, rígida. Os outros dois entram logo atrás e, apesar de se aterem à mesma postura, se mostram mais simpáticos.
Reconheço o garoto que me arrastou para a viela sem nenhum aviso e depois tentou inutilmente me acalmar. Ele sorri abertamente e pisca para mim. O último, apenas me cumprimenta com um meneio de cabeça delicado e um sorriso tímido. Seus olhos transbordam empatia.
Meu pai os encara por um instante e Peter assenti para ele
— Querida, esses são: Peter, Josh e Nate – meu pai aponta os três que agora se encontram enfileirados – e eles são seus guarda-costas!
Franzo meu cenho com dificuldade para assimilar a informação que me chega aos ouvidos, então arregalo os olhos e espero, ansiosa para ouvi-lo dizer que é tudo uma piada. Infelizmente, meu pai não faz isso.
— O quê? Como assim? Por que isso justo agora? - Sinto minha língua se atropelar com as perguntas e minha boca fica seca. Meu cérebro começa a trabalhar imensamente com as mais absurdas teorias.
— Na verdade, estamos cuidando de você a meses e – intromete-se Nate, que resmunga ao receber um tapa na cabeça dado por Josh, que o fuzila com os olhos.
— Como assim a meses? Papai, eu
— Se ficar quieta e escutar, vai entender tudo – me corta.
— Isso depende do que “tudo” quer dizer – cruzo os braços; minhas lágrimas definitivamente esquecidas.
Enxugo meu rosto e endireito minha postura para ouvir suas explicações.
— Você corre perigo! - Estreito os olhos em sua direção.
— E? - O instigo.
— E isso é tudo o que você precisa saber – intromete-se Peter com ar carrancudo.
Abro a boca para protestar.
— Querida, isso é para o seu bem!
— Mas
— Sem, “mas”, mimadinha, ouviu o seu pai!
— Papai! Por Deus, eu não preciso de guarda-costas. Isso é ridículo!
— Jura? Não foi o que pareceu quando aquele cara tinha uma arma apontada para a sua cabeça – alfineta o moreno intrometido com ar mais do que indignado.
Lhe dou língua quase que por instinto.
Meu pai revira os olhos e caminha para o centro do escritório.
— O que você precisa entender, é que eu estou em um momento crítico da minha carreira e o futuro desse projeto coloca sua vida em risco – tenta explicar.
— Por que o senhor, simplesmente não abandona o projeto? - Retruco com infantilidade.
— Porque não é tão simples assim! - Me repreende ao anunciar o óbvio.
— Parece bem simples para mim – continuo a rebater.
— Eu disse que ela não precisava saber – Peter torna a se intrometer com ar entediado. Os outros dois apenas se mantém à parte de tudo, apesar de parecerem muito confortáveis com a situação que se desenrola a sua frente.
— Isso não está em discussão, Rebeka!
— Ah não?
— Não!
— Mas é a minha vida!
— É a sua segurança!
— E o senhor espera mesmo que eu confie a minha segurança à três estranhos?
— Tsc, tem razão! Por que ele esperaria que você aceitasse ser protegida? É óbvio que a patricinha prefere viver perigosamente – Peter passa um braço por meus ombros em um abraço desajeitado. - Após recusar a proteção de estranhos, patricinha morre assassinada. É um bom título para uma matéria de jornal, não acha? - Gesticula como se apontasse um letreiro no céu.
Arregalo os meus olhos e o empurro bruscamente como se seu toque queimasse.
— Cale a boca! Você está me assustando! - Protesto.
Ele me encara com deboche e faz caretas em minha direção. Olho dele para meu pai, completamente indignada, mas o senhor Williams nada diz ou faz, além de dar de ombros em um pedido silencioso e impotente de desculpas.
— Relaxe, Becky, nada vai acontecer a você, enquanto estivermos por perto – Josh garante ao se aproximar com um sorriso cheio de dentes, completamente alheio à carranca que Peter lhe dirige.
Lhe retribuo o sorriso com um outro, nem tão aberto, ou simpático, mas minimamente agradecido.
— Posso? - Sussurro chateada.
— Meu pai indica a porta com um meneio de cabeça. Lanço olhares feios a ele e a Peter e abandono o cômodo à passos duros. Não me sinto capaz de verbalizar todo o caos a que se resume minha mente. Quero explodir. Quebrar alguma coisa.

Irrompo em meu quarto no limite da frustração e corro para o banheiro, batendo portas e jogando objetos no chão pelo caminho.
Debruço-me sobre a pia e respiro pesada e pausadamente. Encaro meu reflexo com certo receio e custo a me reconhecer. A menina que me encara de volta tem o rosto cansado, inchado pelo choro e marcado pelos arranhões de ter sido jogada no chão durante uma troca de tiros. Estou um caco!
Fico nua e avanço para o chuveiro na esperança de que a água que me lava leve com ela os hematomas, cortes e as lembranças das últimas horas. Depois choro por saber que isso não é possível. Soluço até que o ar me faz falta e meus ossos doem devido ao intenso chacoalhar de meus ombros. Me sinto péssima.
Cubro-me com o roupão pendurado atrás da porta e sigo para o quarto com passos arrastados; sofridos. Não sei mensurar quanto tempo se passou, ou mesmo o horário em que me encontro. Não me importo. Quero me esconder embaixo das cobertas e apenas dormir e, mais que tudo quero que esse dia acabe logo.
Me detenho a meio caminho entre o closet e a suíte. Sentado à beira de minha cama, está Peter. Ele encara o teto com ar despreocupado; o corpo inclinado para trás; o peso nas mãos espalmadas sobre o colchão. Pigarreio para chamar sua atenção. Seus olhos seguem o barulho e percorrem meu corpo de cima à baixo. Cruzo os braços abaixo dos seios e lhe dirijo uma carranca. Ele arqueia uma sobrancelha em resposta.
— O que faz no meu quarto?
— O meu trabalho? - Rebate com deboche.
— Eu já tenho uma sombra, está bem?!
— Que, diferente de mim, te abandona no escuro. Pouco confiável – pisca.
Lhe mostro a língua. Ele dá de ombros e volta a encarar o teto. Bufo e bato os pés como uma criança mimada antes de caminhar até a porta do quarto e escancará-la com brusquidão.
— Vá embora! - Aponto o corredor com autoridade.
Peter revira os olhos e finge um bocejo.
— Sem chance.
— Eu não estou brincando, Peter, vá embora!
— Eu adoraria – endireita sua postura – mas infelizmente não posso fazer isso, patricinha. Já disse: esse é o meu trabalho.
— E eu vou ter que me vestir na sua frente, é?
— Se esse for o seu desejo, eu não vou me opor – sorri de canto e pisca, voltando a me olhar de cima à baixo.
Coro no mesmo instante. Em seguida empino o nariz para disfarçar.
— Vá para o inferno! - Retruco constrangida. - E saia logo do meu quarto! - Acrescento.
— Eu acho que você não entendeu – finge divertimento. - Não posso te deixar sozinha.
Travo meu maxilar e fixo minha expressão em uma careta mal-humorada, volto a cruzar os braços e me ponho a bater somente um pé no chão esperando vencê-lo pelo cansaço, mas ele apenas torna a revirar os olhos e se levanta com ar mais do que entediado.
— Ande logo com isso, garota!
— Eu não vou me trocar na sua frente!
— Não é tão difícil. Você tira esse roupão e coloca qualquer outra coisa. Quanto tempo pode demorar?
— O tempo que você demorar para sair!
— Ou?... - Ele gesticula na direção de meu closet com sarcasmo. - Eu te deixo trancar a porta e fico de costas se isso te fizer sentir melhor – implica.
Puxo o ar com força.
— Eu não gosto de você! - desabafo ao caminhar a contragosto na direção de meu closet.
— A recíproca é verdadeira, mimadinha!
Travo o maxilar e o encaro com ódio.
— O que foi? A palavra mimadinha te incomoda, mimadinha? - Coloca uma mão sob o queixo como se pensasse. - Patricinha também combina bastante – pondera. - O que você prefere, fazer compras ou dar ordens? Acho que dar ordens, afinal, só sabe ficar dizendo: “Vá embora, vá embora!”. Já sei: você manda comprarem! Genial!
Fico vermelha de raiva com tamanha arrogância e deboche. Quem esse idiota pensa que é?
— Escute aqui, seu... seu... - giro sobre os calcanhares e avanço em sua direção me apossando de um travesseiro.
Praguejando alto, desfiro alguns golpes por toda a extensão de seu tórax e ombros de uma maneira que julgo bastante dolorida até ter meus pulsos agarrados com força. Pisco algumas vezes levemente desorientada e sinto minhas costas chocarem-se com algo macio, o colchão de minha cama. Peter tem o rosto à centímetros do meu. Sua respiração me causa arrepios e sua expressão fria me gela a espinha.
Engulo em seco.
— Escute aqui, você! - Me pressiona mais sobre a superfície macia às minhas costas. - Não pense que porque tenho que te proteger, sou obrigado a aturar os seus chiliques. Vamos ter que passar a conviver, gostando ou não, então, aceite isso. Eu não vou a lugar nenhum. Só... pelo amor de Deus, vista logo uma roupa! - Se afasta tão bruscamente quanto se aproximou.
Me sento com certo receio, assustada com sua postura e o observo me dar as costas como disse que faria.
— Por que é você quem tem que ficar? - Pergunto baixo.
— Porque Nate é comprometido e Josh é um tarado. Mas se quer tanto assim acabar com um relacionamento de quatro anos, ou ser estuprada, eu posso me retirar. Quem você prefere que eu chame? - Caminha até a saída teatralmente.
— Esqueça! - Me levanto da cama e sigo para o closet, onde sumo entre as roupas e cabides com ar derrotado. - E eu, definitivamente, não gosto de você! – Ponho só a cabeça para fora do pequeno espaço a tempo de vê-lo se virar com ar entediado e um dar de ombros.


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