Memorial - INTERATIVA escrita por Giovanna


Capítulo 6
Finally Friday


Notas iniciais do capítulo

Achei importante dar um contesto do lado da Onyx também para o fluxo da história.



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“Sempre que ouvir essa voz, manda ela se foder.”

— To The Bone

A perspectiva pode ser engraçada.

Para cirurgiões, seus pacientes não passam de uma placa de carne pronta para ser cortada em pedaços. Para a família, aquele é um membro fragilizado e toda a atenção se volta para eles. Os enfermeiros cansados dos gigantescos turnos precisam cuidar das necessidades de outras pessoas enquanto todos se esquecem de que embaixo de toda aquela camada de doença, ainda existe um ser humano.

Um adolescente cheio de sonhos, incapacitado de viver a própria vida.

Onyx jurava nunca ter sentido tanta dor desde que se conhecia por gente. Seu crânio parecia latejar enquanto seu cérebro de gelatina batia no osso fraco como a mare forte, seu coração sacolejava tentando mantê-la viva pelos poucos meses que ainda tinha. As janelas fechadas eram a única coisa que lhe trazia conforto diante o sentimento de fraqueza que sentia, como se fosse um pedaço de lixo descartável.

O incômodo das muitas horas deitadas a atacou, seu corpo precisava se esticar. Em um longo suspiro tentou juntar forças para ficar sentada, mas fortes mãos a pararam antes que se desencostasse da cama. Contra sua vontade, Onyx abriu os olhos, o enfermeiro Mike a segurava.

— Mike. – Ela sorriu boba, enquanto sua voz rouca a incomodava.

— Boa tarde, Onyx. – O enfermeiro cumprimentou sorrindo de volta enquanto ajeitava a jovem na cama. – Assim está melhor?

Onyx assentiu minimamente enquanto assistia o enfermeiro trocando sua bandagem. Ela mantinha seus olhos fixos nele, se sentia bem sempre que o observava devido a sua extrema beleza. Ela provavelmente teria cantado Mike se tivesse alguma força.

— On? – A voz sonolenta, porém preocupada do pai da jovem chamou sua atenção.

— Senhor Cavalhieri. – O enfermeiro cumprimentou antes de sair do quarto.

— Oi pai... – Onyx sussurrou.

Os olhos de Anthony se encheram no mesmo segundo, o alívio sendo depositado em seu peito ao ouvir o doce som da voz de sua filha. Havia passado os dias trancado naquele quarto trocando de turnos com o marido e rejeitando ligações do trabalho para não deixarem Onyx de lado, a preocupação sendo maior do que tudo em seus corações agora que a idade final se aproximava.

— Oi filha. – Ele beijou a mão dela sentindo seus dedos gelados. – Como você está se sentindo?

— Com sede. – Ela formulou um sorriso ao encarar o rosto cansado, porém feliz do moreno.

Onyx não tinha palavras para descrever a gratidão que sentia sobre aquele homem. Que havia a adotado mesmo sabendo sobre o futuro que a reservava e feito daqueles dias contados o seu pequeno infinito. Ele era tudo o que ela mais amava e seu coração pesava só de pensar em partir e abandona-lo.

Anthony encheu um copo de água e com a ajuda de um canudinho saciou a sede de sua filha. Se manteve perto dela o máximo que podia, já que abraços ainda não eram permitidos, Onyx estava muito fraca para ficar se movendo.

— Pai, cadê o papai? – Onyx questionou, queria ver seu outro pai.

— Ele logo deve chegar, foi buscar o Peter.

— Eu quero ver o Addie. – Onyx pediu. – Ele estava no quarto.

— Vou ver o que consigo fazer por você. – O moreno beijou a testa da filha com ternura para se retirar da sala.

A porta mal havia sido fechada e seus olhos se encheram no mesmo instante, era horrível. Onyx não conhecia uma vida sem dor. Desde que havia nascido sentia seu câncer presente em seu corpo, ela não tinha ideia do que poderia ser viver um dia sem aquela parte que todas as outras pessoas não tinham, mas do mesmo modo, quanto mais próxima estava de fazer 18 anos, mais sentia que aquela dor constante que sentia já não era do seu corpo.

Sua mente e seu coração sangravam ao imaginar abandona-los.

— Onyx! – A voz contagiante de Peter aplacou os ouvidos da menina.

Uma figura pequena e de cabelos castanhos subiu em sua cama, seus olhos brilhavam ao encarar a irmã ainda viva. Apesar de novo, Peter entendia o que estava em jogo e ele sentia tristeza sempre que imaginava uma vida sem sua irmã mais velha.

Onyx fitou o rosto do homem de cabelos grisalhos que acompanhava Anthony, Stephen Cavalhieri. Seus olhos fundos lhe davam um ar de cansaço, mas o sorriso de felicidade em seu rosto dizia compensar qualquer esforço que tivesse feito. Para sua filha ele faria de tudo.

— Nos compramos isso pra você. – Peter estendeu um porta-retrato com a foto que Onyx mais amava.

A fotografia marcava o dia em que ela havia ganhado Steve, sua maquina de radiação gama. Ela sorria feliz por praticamente não sentir dor, um Peter de 5 anos se encontrava sentado em seu colo enquanto seus pais os abraçavam. Mas o rosto, mais a frente da foto, com uma careta estampada chacoalhou o coração da jovem.

Era Zachary, um garoto de cabelos castanhos e sorriso fácil, que ela se recusava a esquecer.

As lembranças dos seus anos juntos a invadiram, ela sentiu seu corpo se comprimir com a dor que essas memórias carregavam. Ela nunca havia o superado. Todos que o amavam não haviam, ela olhou para a família a sua frente. Nenhum deles superaria sua partida.

— Saiam. – Onyx pediu sentindo a voz trêmula.

— Mas filha, você acabou de acordar. – Stephen perguntou confuso.

— Eu não posso fazer isso com vocês. – Onyx sentiu as lágrimas quentes rolarem por seu rosto, ela estava fragilizada. – Nenhum de vocês merece isso.

Contra todas as indicações médicas, Anthony e Stephen abraçaram a filha, o desespero no timbre de voz de Onyx era visível, ela não estava sendo sarcástica ou expondo uma verdade supérflua de seu ser. Ela estava realmente com medo de morrer.

— Não importa o que aconteça, somos uma família, On. – Anthony a abraçava com força.

— E nessa família, estaremos juntos, sempre. – Stephen completou com os braços ao redor do marido e da menina.

— Até o infinito! – Peter gritou animado querendo se juntar ao abraço.

Stephen o segurou antes que ele machucasse sua irmã, Onyx riu da atitude do garoto, mas ele tinha razão. Mesmo que ela partisse, eles sempre estariam juntos, pois memórias são infinitas.

E o infinito pode ser o seu agora.

— Atrapalho? – Uma batida dupla na porta se seguiu da voz grave de Adam.

— Adam. – Onyx sorriu aliviada.

— Vamos pedir para trazerem o seu café da manhã. – Stephen que segurava Peter nas costas saiu da sala.

— Eu vou estar ali fora. – Anthony olhou severo para Adam, enquanto o analisava.

— Pai. – Onyx revirou os olhos com a atitude ciumenta do mais velho.

Assim que ele saiu, Adam caiu na gargalhada. Por todos aqueles anos de amizade, Anthony nunca confiou em Adam, ele sempre buscava um jeito de botar o moreno contra a parede imaginando que ele e sua filha tinham um caso.

— Ele é meio surtado. – Onyx comentou. – Você está limpo?

— Sem nenhum traço de pneumonia. – Adam comemorou. – Mas e você, como se sente?

Os olhos claros da menina se abaixaram. Por mais convincente que seus pais fossem em deixa-la tranquila, sempre havia uma voz em sua cabeça que dizia que ela não conseguiria sobreviver e que isso os devastaria. Ela nunca havia se sentido tão exposta daquele jeito.

— Eu vou morrer, Addie. – ela suspirou. – Por melhor que seja a vida que eles conseguiram me dar, eu vou morrer e parece que meu coração vai se partir em milhares de pedaços quando eu imagino isso.

Adam assentiu, sabia pelo o que ela estava passando. Vindo de uma família grande, Adam sempre pensava em como sua mãe ficaria devastada com sua morte ou como seus irmãos poderiam desenvolver problemas a partir disso. Eles eram tão unidos quanto cola e Adam sentia que era a tesoura pronta para arrebenta-los.

— Você tem duas opções. – Ele a olhou determinado. – Ou você fica se lamentando e perde o tempo que te resta, ou sempre que você ouvir essa voz, manda ela se foder. Você decide o que fazer com esses preciosos dias enquanto tentam te curar, porque a doença não vence.

— Eu sou mais forte. – Onyx fechou os olhos enquanto canalizava toda a sua determinação.

Ela sabia que dias como esses, repletos de dúvidas e medos eram inevitáveis, mas somente uma pessoa podia decidir o que fazer quando essa tristeza a abalava e ela não deixaria que seus últimos meses fossem um retrocesso total ao seu plano de viver cada minuto.

Ela não poderia se preocupar com o amanhã, pois estaria muito ocupada vivendo o hoje.

— Você é o que quiser ser. – Adam sorriu para a amiga. – No meu caso, eu sou um menino indo para a radioterapia, mas você ainda tem tempo de escolher.

— Ah, cai fora! – Onyx jogou um copo de plástico nele rindo.

Seus olhos recaíram sobre o retrato mais uma vez, ela ainda tinha uma chance.

Estar entre a vida e a morte era sempre a melhor perspectiva, pois ali, dentro daquela família com aqueles amigos, dentro daquele hospital, ela havia encontrado seu lugar e contra todas as chances, lutaria para ficar viva.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo teremos mais um personagem sendo apresentado e uma festinha!



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