Espadas, Chamas e Chifres escrita por Risadinha


Capítulo 4
Colchão


Notas iniciais do capítulo

Olahahahah. É, demorei. Sempre demoro, virou um hábito meu agora. Mas cap grande, isso que importa. Já aviso que as coisas começam a tomar rumo no próximo cap, isso é, preparação do torneio.



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Lass passou a mão pelo pescoço. Três arranhões marcavam a lateral, pouco visível, mas dolorido quando pensava. Tentou ignorar. Um gole do café foi ingerido, sua quentura despertando do sono que pesava suas pálpebras.

Ao abaixar a caneca, notou o olhar de Jin do outro lado da mesa. O refeitório não estava tão cheio àquela hora, porém vários olhares se voltavam para ele. Era novo ali, entendia a curiosidade dos alunos; menos a de Jin.

— O que foi? — Lass perguntou.

O sorriso presente em Jin se alongou.

— Eu estou tão orgulhoso de você — respondeu o ruivo.

— Do que você tá falando?

— Ah, vai! Não precisa mentir para mim. — Lass continuou a olhar confuso. — Eu sei que aconteceu. Você tá tentando esconder esse arranhão no pescoço só reforça o que eu tô falando.

O ninja moveu as mãos, mais confuso.

— Eu não faço ideia do que você tá tentando me dizer.

Jin se apoiou na mesa, aproximando-se de Lass.

— Eu vi a Elesis indo para o seu quarto ontem — contou o ruivo. — Sei que aconteceu entre vocês.

O rosto inexpressivo de Lass não cedeu. Ele tomou mais um gole do café, sem perder a postura.

— Nada aconteceu entre a gente — admitiu.

— É, e eu amo o Azin. Fala a verdade!

— Que verdade?

Jin começava a perder a paciência, o que não era uma intenção do ninja.

— Você pode fingir o quanto quiser, mas eu sei que aconteceu — o ruivo cruzou os braços, concordando com o que ele próprio dizia. — E como funciona isso? De dia, vocês se pegam na porrada e de noite... — Jin balançou as sobrancelhas, brincalhão. — É tão intenso quanto de dia?

Lass soltou um longo suspiro, cansado das acusações estranhas do amigo. Ele apoiou os braços na mesa, agora mais próximo de Jin.

— Nada aconteceu, essa é a verdade. Eu queria que tivesse acontecido, mas... — uma pausa longa enquanto procurava por palavras. — Elesis e eu temos um certo problema com isso.

Agora era Jin quem expressava confusão. Perdido na explicação do ninja.

— Como assim problema?

— Bem, as coisas ficam quentes demais e... — Com as mãos, Lass simulou um tipo de explosão.

Jin coçou a bochecha. Mais perdido que antes.

— É basicamente...

***

Elesis era a perdição de Lass Isolet. Por ela, ele pararia o mundo com as próprias mãos. Completamente apaixonado pela garota sobre si, que usava apenas a roupa de baixo naquela fria noite. Embora trêmula do frio, não disse uma única palavra enquanto mantivesse próxima dele.

— Quer que eu tire o resto? — Perguntou Elesis.

Ela segurou a alça do sutiã.

— Não acho que seja uma boa ideia — disse Lass. — Continuarmos com isso...

— Você não...

— Não, não é isso.

O rapaz usou os cotovelos de apoio, falando mais perto.

— Eu não quero te machucar — admitiu, solene. — De novo.

— Você não vai.

— Elesis, eu não posso te prometer algo assim.

A espadachim apoiou a mão no peito de Lass. Quente, quase a queimando. Porém, ela não se importava. Lentamente, sua mão desceu pelo torso do ninja.

— Podemos tentar.

— Eu não acho...

Elesis o calou com o beijo. A vontade de Lass era ir contra, afastar as sensações que a espadachim provocava nele. Sua mente lutava para se manter sã, ter um controle que escorregava aos poucos de sua mão.

O que não durou por muito tempo. A mão de Elesis deslizou por baixo de sua calça e qualquer controle que estava tendo se perdeu. Aconteceria de novo e medo foi a única emoção que se apegou para segurar o braço da espadachim.

— Elesis, não, não, não...

Ela parou, confusa. Ao questionar, dor foi tudo que Elesis sentiu. Puxou seu braço de Lass, vendo a marca de queimadura em seu antebraço. Uma marca vermelha de mão.

— Elesis, desculpe! Não foi minha intenção.

Instante seguinte, o casal olhou para o lado e viu parte do colchão em chamas azuis. Elesis pulou para fora da cama e puxou o lençol consigo. Lass caiu para o lado enquanto via a espadachim enrolar a coberta em chamas e se encolher por cima, apagando de certa forma.

Parte do colchão ainda queimava quando o ninja apagou com a própria mão. A pôs por cima do tecido, restando apenas fumaça.

— Está tudo bem — disse Elesis.

Lass se aproximou dela. A culpa o matava por dentro.

— Não foi sua culpa.

— Desculpa, eu não queria que isso acontecesse — falou o ninja. — Você está bem?

Ele se abaixou ao lado dela. A queimadura no braço estava mais visível. Lass tentou tocar, mas Elesis recuou.

Ela sorria. Uma feição positiva, não de lamentação.

— Estou bem — repetiu a mesma. — Não me machucou.

— Sim, eu te machuquei. De novo.

Elesis puxou a coberta para si. De repente, o frio voltou e as poucas roupas não a aqueceriam mais. Lass se aproximou dela, seu braço a contornando pelos ombros. Sua pele não queimava mais, era um sutil calor.

— É melhor eu ir — anunciou a espadachim.

Ela levantou e foi atrás de suas peças de roupa.

— Você pode ficar aqui — disse Lass. — Só dormir... Sem conversa ou...

Elesis saltou para dentro da calça, então vestiu sua camiseta.

— Se a Lothos descobrir que estou aqui, ela te mata — explicava a espadachim, procurando por seu casaco. — Melhor não.

— É, mas... — Lass levantou. — Você pode sair de manhã. Lothos não vai saber.

Ela encontrou o casaco sob a cama. Quando começou a vestir, percebeu a chateação do ninja. Ele queria consertar as coisas; todas, se possível.

— Lass.

Elesis se aproximou dele.

— Não é sua culpa.

— Tecnicamente...

Ela colocou a mão sobre a boca do mesmo.

— Não é sua culpa — repetiu a espadachim. — É melhor você ir tomar um banho quente. Depois nos vemos.

Com a mesma mão, o puxou pelo rosto e deu um beijo. Elesis foi embora, a batida da porta trazendo o frio para o quarto de Lass.

O ar prendido foi solto. As mãos seguraram sua nuca, abaixando a cabeça. Elesis o tirava do sério e precisava de um longo banho quente.

***

Lass tomou mais um pouco do seu café, observando a expressão pensativa de Jin.

— Espera um pouco — pediu o ruivo. — Suas partes pegaram fogo?

Lass cuspiu um pouco do café dentro da caneca.

— Não, mas o que?! — O ninja indagou.

— Cara, você conta a história sem muitos detalhes, eu tenho que preencher com minha imaginação.

— Sua imaginação é uma merda, isso sim. Não aconteceu como você está imaginando.

Jin se recostou na cadeira, mais aliviado. Lass prosseguiu:

— Elesis e eu estamos tentando fazer já faz tempo. E sempre que chegamos lá, isso acontece.

— Eu só não entendi bem como isso funciona. Você fica com tesão e as coisas começam a pegar fogo, simples assim?

O olhar seco de Lass dizia muito sobre o que pensava da pergunta do amigo. Ele tomou outro gole do café, até percebe que a caneca estava vazia. Havia tomado tudo.

— Não — respondeu Lass. — Sabe, eu sempre tenho controle das chamas. Quando luto, quando durmo e agora mesmo, estou tendo controle sobre as chamas. — Cutucou a própria cabeça. — O problema é quando tenho alguma distração. Tipo dor.

— Eu já te vi em umas situações bem pesadas e nunca perdeu o controle das chamas por isso — destacou Jin.

— Porque eu sou acostumado à dor. Sei como lidar com isso.

— Ah, então você não é acostumado a... — o ruivo se calou. — Que merda.

Lass assentiu enquanto esfregava o rosto. Era uma mistura de sono e desejo que mexia com seu corpo. Não sabia o que fazer.

— A Elesis, ela... — suspirou, sem palavras. — Ela é diferente quando estamos sozinhos.

— No sentido bom ou ruim? — Jin fez a pergunta, um pouco receoso.

— No bom, muito bom. — Lass cobriu os olhos, encolhido. Lentamente, encostou sua cabeça na mesa. — Nossa, eu nem sei como explicar.

Apoiado à mesa, Jin sorria para o jeito nervoso do amigo lidar com os sentimentos. Se fosse há dois anos, Lass nunca admitiria com essas palavras, o máximo que faria era olhar feio e mudar o assunto. Era bom ver que o relacionamento dele entre a Elesis tinha amadurecido, porém persistido em problemas como das chamas.

— Uau, você parece o Sieghart falando assim — comentou o ruivo.

Lass descobriu os olhos, deixando sua cabeça descansar sobre a mesa.

— Não me compare ao merda do Sieghart. Falando nele, onde está?

— Provavelmente arrumando a ratazana dele.

As sobrancelhas de Lass arquearam com um murmúrio:

— Ratazana?

— Você vai entender quando ver — falou Jin, positivo. — Então, o que vamos fazer hoje?

Lass não tinha planos para hoje. Na verdade, seu plano principal era encontrar Grandiel, mas nada dele até o momento. Então o segundo plano veio em mente, ganhando forma com a entrada de Elesis no refeitório. Os olhos de Lass a seguiram à distância, Jin fazendo o mesmo ao notar a espadachim.

Atrás dela, as duas inseparáveis amigas. Arme quem tomava direção, um caminho que fazia elas ficarem mais próximas de onde eles estavam.

— Elas estão vindo para cá? — Jin murmurou.

Lass não teve tempo de responder. Lire sentou ao lado de Jin, Arme ao lado dele e Elesis na ponta da mesa. Um silêncio se estabeleceu entre olhares confusos do ninja.

— Olá, rapazes — de forma mais alegre possível, cumprimentou Arme. — Espero que não se importem da gente sentar aqui.

— Claro que não — falou Jin, na mesma intensidade. — Lass e eu estávamos falando sobre...

A desculpa que Jin tivesse a dar, Lass não prestou atenção. Esperava por alguma palavra de Elesis, mas apenas olhares silenciosos. Ela encolheu os braços sob a mesa. Um dos membros estava enfaixado, e ele sabia o motivo.

Desconfortável, Elesis levantou da cadeira.

— Vou pegar um café — ela disse antes de sair.

Lass fez o mesmo. Pegou sua caneca e correu atrás da espadachim.

— Não aja como se estivesse tudo bem entre a gente — falou Elesis sobre o ombro.

Lass tentou aproximar a mão dela, mas se afastou com a passagem de alunos entre eles. Elesis seguiu pelo refeitório movimentado.

— Quero saber se você está bem — falou Lass entre passos.

Elesis parou diante o balcão de alimentação. Não precisava necessariamente de café, mas pegou uma caneca e a encheu sem hesitação.

— Como está o seu braço? — Ele não tirou os olhos na ferida enfaixada. — Pior?

— Melhor. Não tem com o que você se preocupar.

Ela tomou o café. Ao afastar a caneca, percebeu a seriedade do rapaz sobre ela. Elesis lançou a mesma expressão fechada.

— Estou bem, pare de se sentir culpado.

— Não é uma escolha minha — disse, frustrado.

Lass largou a caneca no balcão, sem mais vontade de beber algo. Ele olhava para Elesis e sentia tanto culpa quanto uma certa indignação própria. Não tinha sido de propósito, mas por não ter conseguido conter as chamas, ele a feriu.

— Desculpe por ter te pressionado — disse Elesis. — Acho melhor tomarmos um tempo disso.

Entreolharam-se. Lass demorou a entender a proposta que ela oferecia.

— Podemos tentar depois — sugeriu o ninja.

Elesis sorriu, segurando uma risada.

— Estou falando sério. — Lass se aproximou. Seu braço contornou o ombro da espadachim, puxando-a para mais perto enquanto falava ele falava em voz baixa. — Posso te compensar pelo que fiz.

As palavras sedutoras fizeram Elesis sorrir com mesma intenção. Ela apoiou a mão sobra a de Lass em seu ombro.

— Mesmo?

— Com toda certeza.

A feição da espadachim se manteve suave, até se fechar por uma repentina raiva. Sua mão se fechou furiosamente em volta dos dedos de Lass. Ele rugiu, ajoelhando em dor.

— Eu ainda estou com raiva de você — destacou Elesis. — Não pense que vou deixar isso passar.

Soltou os dedos do rapaz e partiu. Lass teve que segurar a própria mão, provavelmente quebrada, e correr atrás da espadachim.

— Então o que foi tudo aquilo ontem? — Ele indagou.

— Chama-se trégua!

— Trégua?

Lass acelerou o passo, parando diante a ruiva.

— Trégua?! Eu não sabia que eu tinha essa opção.

— Você não tem, eu tenho.

Elesis seguiu em frente. Lass a seguiu.

A conversa morreu quando ela chegou na mesa e a atenção dos seus amigos pararam neles. Não  devem ter ouvido, mas sabia que algo tinha acontecido entre eles. A espadachim, apesar disso, ignorou. Sentou-se em seu lugar e continuou a tomar seu café.

De pé, Lass a encarou, desistindo com um gesto com a mão boa para Jin.

— Vamos, preciso da sua ajuda para trocar o colchão — explicou Lass.

— Dessa idade e ainda faz xixi na cama? — Perguntou Lire, sem esconder o sorriso afiado.

Foi a vez da elfa ser encarada. Lass quase se permitiu liberar a raiva que tinha dela, mas optou por lançar outro tipo de resposta.

Ele se apoiou na mesa e abaixou o rosto até à altura dos olhos de Lire. Um sorriso e o mesmo falou:

— Não foi por isso. Ontem à noite, Elesis e eu transamos e... — A pausa foi proposital, tempo suficiente para todos à mesa ingerirem a informação e olharem surpresos. — Foi bem intenso. Acabamos queimando o colchão, então sabe como é.

Lire possuía um olhar de desprezo, mas nada que superou o nervosismo de Elesis. Pura fúria por trás de uma caneca de café. Lass simplesmente sorriu para ambas, principalmente para a espadachim.

— Prometo não te machucar da próxima vez — disse para ela.

O silêncio de Elesis era perigoso. Lass deu uma piscadela e deixou a mesa, Jin logo atrás com medo de ser vítima.

Com a saída deles, a espadachim soltou a caneca na mesa e contorceu os dedos das mãos.

— Então foi por isso que você saiu no meio da madrugada — apontou Arme, surpresa. — Achei que tivesse ido no banheiro.

— Não era para vocês saberem — murmurou Elesis.

— Você está se arriscando demais por esse idiota — comentou Lire, totalmente reprovativa. — Se a Lothos saber...

— Eu sei o que acontece se a Lothos saber!

Embora estivesse consciente que maior parte do castigo cairia em Lass, Elesis temia saber o que a comandante poderia fazer com ela.

***

Elesis precisava ficar sozinha.

Não exatamente isolada do mundo porque não queria olhar na cara das pessoas. Era o que a coisa dentro dela queria. O que fosse, retorcia-se por seu corpo, fazendo-a sentir calor e uma onda de frio em questão de segundos.

Andando pelo corredor, Elesis perdia o equilíbrio. Nenhum aluno por perto, nenhum conhecido; completamente sozinha. Considerava uma boa coisa, não ser vista naquele estado, mas uma péssima quando as paredes deixaram de servir de apoio.

Aos poucos, a espadachim caiu. Seus joelhos encostaram no chão enquanto seu braço era segurado. Não caía mais. Elesis ergueu o olhar. Chifres e um par de olhos sérios, embora sem intenções.

— Acho que precisamos conversar — sugeriu Dio.

Elesis recuperou o equilíbrio. O asmodiano ainda a segurava quando ficou de pé.

— Sobre...?

— Essa coisa dentro de você — ele apontou. — Onde conseguiu?

Elesis riu baixo.

— Que coisa?

Dio não parecia paciente, muito menos disposto para algo. Ele tinha olheiras e um jeito arrastado de andar. Elesis percebeu isso ao ser puxada por ele, sendo guiada por um caminho que não sabia onde a levaria.

Ela esperava parar em qualquer lugar da escola. Menos o armário de faxina.

— Certo, você vai jogar um detergente em mim ou...? — Elesis debochou.

— Corta as piadas por um instante, ok?

A espadachim fez um sinal de concordância enquanto se apoiava na parede do armário.

— Ontem, na cidade — Dio destacou com importância. — Você pressentiu a chegada daquele monstro.

— Eu não pressenti exatamente.

— Eu vi nos seus olhos. Você e eu tivemos o mesmo pressentimento.

Elesis cruzou os braços. Não tinha como inventar mais desculpas, não para Dio. Ele era observador e inteligente, engana-lo com mentiras bobas não funcionaria nunca.

Ela suspirou.

— Eu não sei o que é — insistiu Elesis, porém séria. — Eu apenas ganhei essa coisa de um demônio que estava no meu caminho.

— Demônio? Aqui, em Canaban?

— Não, fora. Em Arquimidia, para ser precisa. Foram alguns meses atrás.

Dio se encostou na parede oposta a ela. Alguma coisa fazia sentido para ele que Elesis não tinha descoberto ainda.

— É algo parecido com o monstro de ontem? — Ele questionou.

— Parecia mais humano e forte — ela deu de ombros. — Você sabe o que tenho?

Dio estendeu a mão normal.

— Posso?

Elesis não se importou de pôr a mão sobre a dele. Alguns segundos bastaram para o asmodiano a soltar.

— Você tem a mana de um asmodiano — ele respondeu.

— Mana de asmodiano? O que isso significa?

— A mana de vocês, humanos, é diferente de uma mana asmodiana. É como se minha mana fosse feita de uma magia mais densa e a sua mais livre. Lupus também tem isso.

A magia de Elyos, foi o que a espadachim entendeu. O que seu corpo fazia era rejeitar aquela magia estrangeira. Um vírus, uma doença que a manteve conectada com outros seres de mesma magia.

— Creio que o Lass não tenha percebido isso — comentou o asmodiano. — Ele tem parte dessa mana no corpo.

— É, ele seria a primeira pessoa a perceber uma coisa assim — contou Elesis. Encarava as próprias mãos, veias escuras em destaque. — Como faço pra tirar isso?

— Você não tira — respondeu com certa incerteza, mais como uma preocupação. — Deve sair com o tempo. Não é como se fosse uma doença.

Não era um vírus para causar alguma doença, mas ainda sim, Elesis se sentia doente com aquele tipo de magia dentro dela. Era incerto se o tempo era o melhor remédio. Se Dio, dono de uma mana do tipo, não sabe o que fazer, o que outras pessoas diriam? A espadachim estava sozinha nessa situação.

Ela forçou um sorriso, que soou convincente para o asmodiano.

— É, vou melhorar.

***

Jin cruzou os braços.

— Hum, é verdade. O colchão tá mesmo queimado — apontou.

Lass jogou o travesseiro nele. Quando tirou as cobertas de cima, a parte queimada pareceu maior. Inclusive o cheiro do queimado podia ser sentido nos lençóis. Aparentemente, o colchão não seria a única coisa a ser trocada.

— Me pergunto como não queimou o resto — continuou Jin. — Colchão é uma coisa que pega fogo muito rápido.

— Talvez pelas chamas não serem exatamente um fogo. Vai me ajudar ou não?

— Não, gosto de ver você lidar sozinho. É tipo uma metáfora para seus pecados.

Lass lançou um olhar seco.

— Pecados?

— Sim — disse Jin com um largo sorriso. — Você é um pecador, Lass Isolet.

Foi a vez das cobertas acertarem o ruivo. Ele deu mais uma risada. Lass o ignorou e se focou em retirar o colchão, tão pesado que o fez ter dificuldades para isso.

— Mas falando sério, eu ainda não entendi como isso funciona — continuou Jin, menos cômico. — Se você deixa as chamas saírem, ao ponto de queimar o colchão, então a Elesis...

A pergunta permaneceu incompleta, seguida por um silêncio e a queda do colchão da cama. Lass continuou a segurar as laterais, encarando as próprias mãos. Quando decidiu olhar o lutador, a resposta já tinha sido entendida por ele.

— Você pode matar a Elesis assim — Jin falou com preocupação. — São as chamas, Lass! Eu entendo que a Elesis seja a dona, mas ela ainda pode ser machucada por elas.

— Você acha que eu não sei? — O ninja perguntou baixo. — Acha que eu sou tão cego assim para não ter percebido isso?

As mãos pesaram sobre o colchão. Ele tinha culpa e ninguém tiraria isso dele, nem mesmo Elesis. Somente Lass entendia o peso da responsabilidade das chamas azuis, e o perigo que representavam mesmo quando ele tentava demonstrar afeição.

— O que a Elesis acha disso? — Perguntou Jin, ainda preocupado.

— Ela sabe que eu posso machuca-la. — Lançou um olhar óbvio. — É a Elesis, a teimosia em pessoa.

— E em nenhum momento...

— Sim, eu aviso a ela sobre isso. Mas não é como se... — Interrompeu a si próprio. Os lábios se pressionaram, uma energia tristonha e indignada. — Não é simplesmente “não fazer”. É difícil olhar para a pessoa que você ama e não poder encosta-la porque pode feri-la a qualquer momento.

Jin olhou com o mesmo tamanho de tristeza.

— Pode ser uma questão de tempo — o lutador mencionou. — Você deve achar a resposta para isso.

Lass assentiu. Não era positividade, mas a única opção que o restava.

— Até lá, tente não tacar fogo no colchão de novo.

Lass o encarou e ambos riram segundos seguintes. O ninja tinha sentido falta dessa falta de noção no ar. Embora Elesis, durante esses dois anos, tenha conseguido manter o mesmo nível, com Jin era diferente. Uma brincadeira que só eles dois conseguiam entender.

Mas antes que o ninja pudesse soltar algum comentário do tipo, o quarto foi invadido por um estranho. Foi o que pareceu para Lass no primeiro olhar.

— Ora, se não é nosso incrível ninja — disse Sieghart, encostado no batente da porta. — Enfim está de volta!

Lass não conseguiu desfazer a expressão confusa.

— Ah, essa ratazana — ele murmurou.

— Eu te disse — riu Jin.

— Será que não existe um lugar dessa cidade que não façam piada do meu bigode?!

— Não — disse Dio ao entrar no quarto. — Por que estão trocando o colchão?

Jin deu uma coçada na bochecha e Lass desviou o olhar.

— Tava testando minhas chamas — contou o ninja. — E queimei um pouco. Não conte para a Lothos.

Tanto Dio quanto Sieghart acreditaram na mentira. Afinal, a própria verdade parecia mais mentira, então facilitava o trabalho do ninja.

— Precisa de ajuda? — Sieghart perguntou.

Lass sorriu em agradecimento.

***

Jin seguia na frente pelo corredor, caso o aparecimento de alguma diretora surgisse diante deles. Atrás, Sieghart e Dio carregavam o colchão, uma cooperação rara de se ver deles dois. Lass ficava agradecido por isso, andando por último com grande cautela. Tinha certeza que sua mentiria poderia ser mais problemática que a verdade se Lothos descobrisse.

Seus passos diminuíram até parar completamente. A dupla adiante parou antes, levantando perguntar a Lass, que foram respondidas pela voz de Jin.

— Onde está indo Elesis?

Ele olhou sobre os ombros dos amigos. Elesis vestia um casaco enquanto olhava com desconforto para o colchão.

Então ela notou o ninja. Lass desviou o olhar imediatamente.

— Vou ao Conselho — dizia a espadachim. — Hum, o que vocês estão fazendo?

— Ajudando o Lass com o colchão — falou Sieghart. — O idiota foi treinar dentro do quarto.

— Ah — Elesis olhou com uma estranha surpresa, lançando um olhar ameaçador para o ninja escondido —, treino. É, eu falei para ele fazer isso do lado de fora. Cuidado com a Lothos, ela pode surtar se ver isso.

— É por isso que estamos andando escondidos — explicou Jin com a voz mais baixa. — Temos que ir, aliás.

O lutador continuou o caminho, Dio e Sieghart acompanhando no mesmo ritmo. Elesis os observou enquanto acenava em despedida. Com a aproximação de Lass, seriedade encarnou na espadachim. Olhos afiados como uma espada.

— Não me diga...

— Eu não contei para eles — interrompeu Lass. — Muito menos para o Sieghart.

Elesis não desviou a ameaça que transmitia seu olhar. Ao piscar, o clima ficou ameno. Uma mudança repentina de humor que a espadachim tinha aprendido a fazer, controlando sua raiva de uma forma positiva.

— Tenta não queimar outro colchão enquanto isso — disse Elesis antes de partir.

Mas Lass a segurou. E a soltou ao receber outro olhar nervoso.

— Sei que não quer isso, mas vamos ter que conversar — lembrou Lass. — Pode não ser agora ou amanhã, mas vamos ter que falar sobre o que aconteceu.

— Não, não temos o que conversar.

— Por que está fugindo tanto disso? — A pergunta soou irritada.

Elesis não tinha uma espada, mas Lass se sentiu ameaçado com o mover da mão da mesma. Ela apenas passou os dedos pelo cabelo, um gesto descontraído. Um pouco irritada, mas nada que o fosse ferir.

— Não vamos conversar sobre isso — insistiu Elesis, contendo a raiva. — E tenho trabalho para fazer.

Ela se afastou, sem ser impedida, dessa vez.

— No Conselho? — Lass ergueu uma sobrancelha.

— Ronan me chamou.

— Para quê?

Elesis preparou a resposta rude, o que não saiu. Simplesmente paralisou no corredor, mão na testa e olhos fechados.

— Tudo bem? — Lass perguntou.

A espadachim se encolheu dentro do casaco. Em silêncio, ela partiu.

Não era exatamente frio que o ninja sentia, mas estremeceu com a distância de Elesis. Se não fosse pelo colchão, seguiria sua amada para entender o que tem passado pela cabeça dela.

Você é bem burrinho, hein.

Lass fez uma careta. Como poderia entender o que passava pela mente de Elesis enquanto ele tinha a própria para cuidar.

— Cala a boca ­— ele murmurou.

As chamas riram.

***

Elesis sentou na mesa com um imenso sorriso no rosto.

— Eu vou ser sua campeã?

Ronan largou a caixa de documentos sobre a mesa e encarou a espadachim.

— Elesis, eu não vou falar de novo.

A pose confiante de Elesis se quebrou.

— Eu sou sua melhor escolha!

— Você é a pior, na verdade.

— Eu posso ganhar para você. — Elesis se debruçou na mesa, desesperada pela atenção do líder. — É uma promessa. Eu ganho!

Ronan largou as milhares de cartas que tirava da caixa. Sua atenção agora pertencia inteiramente a Elesis, que esboçou um sorriso satisfeito.

— Não — foi tudo que ele disse.

Elesis pulou para fora da mesa, rodeando-a. Ronan soltou um longo suspiro quando a espadachim se apoiou nas costas de sua cadeira.

— Me diga então seu campeão — exigiu a mesma. — Quem é? Porque eu aposto que o venço na mão.

— Elesis...

— Sem mãos, então. — Ela apoiou o pé na mesa. — Com meu pé.

— Elesiiis...

— Certo só com o vento da minha respiração! — A espadachim inspirou e assoprou contra o rosto de Ronan. — Que tal?!

Antes que houvesse outra demonstração de força passiva, Ronan segurou o rosto dela e a afastou. Elesis abriu os braços para o lado. Ironicamente, ela estava sendo sincera sobre sua força indireta.

— Elesis — Ronan falou, calmo e paciente. Com um sorriso, ele continuou: — A questão não é ganhar. Essa é uma questão política, não um torneio qualquer.

— Então... você não quer ganhar?

— Não é como se eu fosse ganhar algo com isso — disse com sinceridade. — É só um evento bobo. Não me importo de ganhar.

Ronan voltou às cartas sobre a mesa. Então, suas mãos foram esmagadas pelo peso do corpo de Elesis sobre elas. Eles mantiveram o contato visual por longos segundos.

— Ronan, nós precisamos ganhar esse torneio.

— Nós? — Sem surpresa, apenas uma pergunta cansada.

— Sim!

Elesis levantou, assim permanecendo de pé sobre a mesa. Ronan somente ficou olhando o discurso agitado da amiga.

— Temos que ganhar! Se você perder, os outros continentes vão achar que você é fraco; que nós somos fracos! E isso é uma coisa imperdoável enquanto tiver eu, Elesis, nessa terra sagrada. — Ela tomou uma pausa para respirar, então continuou: — É por isso que você precisa me escolher como sua campeã. Eu farei os outros continentes nos temerem.

Silêncio. Longo, e constrangedor, silêncio.

— Elesis, desce da mesa.

Ela desceu.

— Por que me chamou aqui se não vai me escolher como sua campeã?

— Encontrei uma coisa e acho que você tem o direito de pegar.

Elesis não tinha ideia do que poderia ser.

***

Aquela era uma sala do Conselho que Elesis nunca tinha visitado; e entendia o porquê enquanto existisse Cazeaje para impedi-la. Ao contrário da tia, Ronan dava a liberdade que ela quisesse. Estar naquela sala era uma prova concreta.

Parecia um armazém de equipamentos raros, todos guardados em caixas de vidro ou pendurados nas paredes. Elesis se sentiu tentada de pegar uma arma, porém Ronan vinha logo atrás para impedi-la de qualquer coisa.

— Aqui — ele avisou.

Ele abriu uma longa caixa de madeira, tirando vários cadeados no processo. Elesis sentiu uma leve tensão enquanto via a caixa ser aberta. Ronan deu um passo para o lado e fez um gesto para ela ver.

Uma espada. A lâmina grande, do mesmo tamanho que a espadachim, e tão enferrujada quanto. Elesis não viu valor, mas se sentiu presa no chão por aquele objeto gasto. Pelas sensações que surgiram, aos poucos ela entendeu o que era.

Elesis segurou o cabo da espada e a puxou para fora da caixa. Apenas uma parte da espada veio junto enquanto um pedaço da lâmina permaneceu na caixa.

— Encontrei recentemente — explicou Ronan. — Cazeaje deve ter guardado como um troféu ou sei lá o quê.

— Mas nada do corpo de Gerard? — Elesis olhou com esperança.

— Desculpe, Elesis. O mais provável é que Cazeaje tenha sumido de vez com o corpo dele.

Elesis apoiou a ponta quebrada da espada no chão. Não sabia o que sentir ao certo, ódio ou tristeza, mas sabia que era uma emoção forte que a fazia pensar por todas as noites. Ela não teve a oportunidade de se despedir apropriadamente de Gerard, tudo foi muito corrido. Encontrar seu corpo era o que precisava, no entanto, uma ideia descartada após anos tentando entender o que Cazeaje fez com o corpo de Gerard.

Apesar de tudo, Elesis evitou esboçar as emoções sobre isso. Em vez disso, ela sorriu em agradecimento para Ronan.

— Valeu — sussurrou. — Vou consertar a espada e ver se consigo usar. Estou precisando de uma nova mesmo.

— Não acha um pouco pesada?

Elesis ergueu a espada com um único braço. Então respondeu inocentemente:

— Não.

Ronan abriu um sorriso desajeitado.

— Tinha esquecido que eu estava falando com você — ele comentou.

***

Enquanto todos baforavam fumaça pelo frio, Lass comia um picolé. A neve a sua volta não o incomodava, nem mesmo era percebida.

— Como você consegue comer isso? — Jin tentou entender.

— Dois anos fora — dizia o ninja —, além de não ter tempo para comer isso. Eu senti falta do sorvete.

— E precisa comer aqui fora?

Lass mordeu um grande pedaço. Jin olhou nervosamente, sem palavras necessárias para rebater a atitude do amigo.

Dio saiu do colégio e se juntou a eles ao lado do colchão novo, jogado ao chão.

— Lothos tá te procurando ­— mencionou o asmodiano. — Vai ser difícil entrar sem ser percebido com esse colchão.

— Podem entrar pelo fundo, eu chamo ela aqui pra fora — disse Lass.

— Certeza? — Sieghart olhou preocupado, por já saber como seria o encontro entre eles.

Lass assentiu. Eles não discutiram. Cada um pegou a ponto do colchão e seguiram para o outro lado do colégio enquanto o ninja observava com meio picolé na boca.

Sozinho, levou a mão para o alto e disparou as chamas azuis. Nada agressivo, o suficiente para chamar a atenção das pessoas dentro da escola; o que não precisa de muito para Lothos o notar.

No momento que abaixou o braço, a comandante saiu disparada do prédio em direção a ele. Lass continuou a comer seu sorvete, indiferente diante a seriedade da mulher.

— Você ficou louco, Isolet?! — Questionou Lothos. — Qual parte das chamas azuis você não entendeu?

— Espirrei, desculpa.

Lothos inspirou fundo.

— De qualquer forma — ela tirou o nervosismo do peito. — Grandiel não virá hoje. Aparentemente, vou ter que cuidar de você por enquanto.

O picolé acabou e restou apenas o palito preso entre os dentes de Lass. Ele fez uma careta após ouvir a notícia.

— Não vou causar problemas para você, Lothos.

— Se fosse apenas você o problema, eu não reclamaria. Mas tenho que reclamar quando tem a Elesis por perto...

Lass revirou os olhos.

— Você não tem com o que se preocupar, isso te garanto — ele respondeu. — A única coisa que a Elesis quer fazer comigo é enfiar a espada no meu peito. E creio que você aprove isso.

Lothos não tinha senso de humor, mas seu silêncio concordou com o deboche do ninja.

— Entenda que minha preocupação tem motivo — ela disse, séria. — O torneio está se aproximando e logo a cidade vai estar cheia de visitantes de fora.

— E o que isso tem a ver com a minha relação com a Elesis?

— Bem, por causa da relação de vocês, Cazeaje caiu do Conselho e foi morta. — Lothos cruzou os braços. — Tenho medo de saber o que vocês podem destruir mais.

Lass tirou o palito de picolé da boca. A comandante tinha um ponto válido. Se nem mesmo Cazeaje conseguiu separa-los, o que aconteceria com os demais conselhos de Ernas? Era como as chamas, um poder incontrolável e que destruiria tudo a sua volta.

— Nada disso vai acontecer — garantiu o mesmo. — Prometo.

Lothos apontou no meio do peito dele.

— Então fique longe da Elesis.

Ela foi embora, sem interesse da saber o que o ninja pensava. Mas mesmo que ficasse, Lass não saberia o que dizer; se concordaria ou não.

***

Elesis se aproximava da entrada da escola quando sentiu algo a seguir. Não era uma presença poderosa, nem mesmo possuía mana. Era uma criatura fraca, o que a fez ignorar por grande parte do caminho.

Mas ela tropeçou. Quase desabou na neve pelo peso da espada de Gerard que carregava nas costas. Isso a fez se voltar furiosa para a coisa que segurava seu pé.

— Hã?

Não era uma pessoa ou criatura. Um ser inofensivo como previu, mas muito similar.

Elesis ergueu a perna e o gato branco segurou firme em sua bota para não cair.

— Gatinho?

Ele miou. Elesis riu, então o pegou em um abraço furioso. O felino tremia sob seus braços, mas ronronava sob o queixo da espadachim.

Elesis correu para dentro da escola. Era uma loucura o que um gato fazia do lado de fora, andando pela neve apenas para chegar perto dela. Provavelmente tinha aprendido com o dono, alguém tão imprudente quanto o felino.

Ela bateu na porta e esperou. Lass abriu uma brecha do outro lado, surpreso ao nota-la.

— O que...

Elesis ergueu o gato. Lass olhou com outra surpresa. O felino miou com a cauda agitada.

— Acho que isso te pertence — disse Elesis, sorrindo.

A porta se abriu por completo. Lass pegou o gato, dando um abraço que mostrava todas suas emoções do momento. Ele tinha sentido falta daquele ser peludo.

— Eu achei que nunca mais o veria — sussurrou o ninja. — Onde você o achou?

Enquanto Elesis entrava no quarto, ela falava:

— Na verdade, ele que me achou. — Ela notou o colchão novo. — Esse parece maior.

— Era o único que tinha na loja.

— Bem, Lothos vai perceber que você trocou o colchão.

Eles se olharam. Lass tenso e Elesis indiferente da situação. O ninja pôs o gato no chão, que imediatamente saiu correndo para os cantos alto do quarto.

— Vamos torcer para que ela não perceba — falou o mesmo. — Afinal, o que você faz aqui? Achei que quisesse me esfaquear.

Elesis tirou o peso das costas, uma mochila praticamente, e lançou o olhar sério para o ninja. Nunca deixou explicito esse tipo de desejo; estava com raiva dele, sim, porém nada que o machucasse fisicamente. Apesar disso, ela soltou um suspiro nervoso.

— Eu só não quero conversar sobre o que aconteceu — explicou a espadachim. — E pode ficar tranquilo, você saberá quando quero te esfaquear.

Deu um sorriso brincalhão, mas Lass não deixou de ficar tenso.

— Então o que é isso na mochila? — Ele apontou.

Elesis tirou parte da espada do interior da mochila. Lass deu um passo para trás, encostando na porta.

— É do Gerard.

— E...?

— E que eu não vou te atacar com isso — disse a espadachim enquanto guardava a espada. — Ronan encontrou no Conselho e me deu.

Lass mudou a postura, atento ao que ela dizia. Era a primeira vez que ele notava um cansaço na mesma. Olhos caídos, pés arrastando pelo chão. Elesis estava diferente e fazia o máximo para que isso não fosse notado, porém falhando quando tocou no assunto que envolvia Gerard. Mesmo após dois anos, ela ainda estava afetada por sua morte.

— Vou pedir para a Mari consertar depois — continuou Elesis. — Acho que posso usar como uma nova arma. O que acha?

— Que não seja em mim, tudo bem.

Isso quebrou o humor sério da espadachim. Ela sorriu, contendo uma risada.

— Não vou te atacar, Lass. Pelo menos por hoje.

— Ah então...

O ninja andou em direção a ela, braços abertos. Elesis pôs a mão em seu peito quando próximos.

— Mas eu posso mudar de ideia — ela disse, séria.

Elesis ganhou o espaço que queria. Após isso, Lass começou a falar sobre algo que ela não ouviu. Todos os sons à volta ficaram abafados, distantes demais para serem compreendidos. A primeira coisa que Elesis fez ao perceber foi olhar as próprias mãos. As palmas estavam pálidas, um pouco trêmulas.

Elesis piscou. Os sons voltaram e nenhum deles era a voz de Lass. Em silêncio, ele a olhava, confuso.

— Tudo bem?

Elesis afastou os braços, deixando as mangas cobrirem as veias escuras. Manter tal problema distante de Lass era a melhor opção que poderia escolher no momento.

— Estou. Posso passar a noite aqui?

Ele sorriu e ela ergueu o dedo como aviso.

— Para dormir.

— Você pode fazer isso no seu quarto, não? — Questionou o ninja, desapontado.

Elesis voltou a pegar espada, mais a ponta quebrada da lâmina.

— É, mas no meu quarto não tem as chamas azuis para consertar isso — disse a espadachim, referindo-se a espada.

— Sabe, as chamas não servem para isso.

— Podemos assar alguns marshmallows depois, se quiser.

Ele considerou, aceitando a proposta.

***

De olhos fechados, Elesis conseguiu sentir o cheiro do quarto. Metal queimado e o doce de marshmallow, misturados com o cheiro de madeira que apenas uma pessoa que ela conhecia tinha.

Elesis abriu os olhos. A seriedade foi apontada para Lupus, de pé na ponta da cama.

— Bom dia — ele cumprimentou, acenando com uma pistola em mão.

Ao lado dela, Lass ainda dormia. Elesis queria entender como ele não foi o primeiro a perceber a presença do irmão no quarto.

— O que você quer?

— Quero ter um papo com meu querido irmão.

Elesis se sentou na cama.

— Você é a última pessoa que ele quer ver, Lupus.

O Caçador sorriu.

— Não é você quem decidi isso. — O sorriso se alongou. — Por que estão dormindo na mesma cama?

Elesis estava com sono e sem paciência para lidar com as piadas do mesmo. Por isso, acertou um tapa no ombro de Lass, que despertou em susto.

— O idiota do seu irmão tá aqui — ela avisou.

Desacreditado, Lass demorou a perceber Lupus com a arma apontada para ele. Não ficou surpreso, era um tipo de comportamento que achava normal do haro.

— Também senti sua falta — falou o ninja, sentando-se. — Vejo que sentiu a minha também.

— Dois anos passam rápido quando você não está na minha vida — contou Lupus com bom humor. — Infelizmente, a vida me obriga a te encontrar de novo.

Elesis encarava com sono a conversa. Sem querer saber onde aquilo pararia, ela levantou da cama e foi para o banheiro.

— Mas serei bem direto — continuou Lupus. — Tenho um trabalho importante e preciso falar com você.

Lass jogou os braços de lado.

— Você está falando.

— Não — apontou a arma, a mira precisa no peito do ninja. — Preciso falar com a coisa dentro de você.

— Deixa eu pensar — cruzou os braços. — Não.

Lupus se remexeu, seu humor se alterando.

— Não estou te pedindo.

— É, mas para você falar com essa coisa precisa da minha permissão. Então...

Lupus disparou e Lass rugiu com o tiro no peito. Outro disparo, mas o ninja avançava contra o caçador com o pé erguido. O chute acertou Lupus no rosto e o jogou contra a parede.

— Eu não acredito que você quer me matar para falar com as chamas — falou Lass, retorcido de dor. — Ficou louco?

Lupus se levantou, arrastando pela parede.

— Infelizmente, você não morre — disse, puxando o gatilho.

Nesse momento, Elesis saiu do banheiro com a escova de dente na boca. Assustou-se com os irmãos pulando de um lado para o outro, ataques sendo desferidos e desviados. Por um instante, pensou em não intervir na briga, por considerar uma discussão casual entre eles, mas não pôde permanecer neutra por tanto tempo.

Ela se sentiu incomodada de como a briga não tinha fim. Então decidiu por um.

— Parem com isso!

Elesis avançou sem um alvo definido. Seu soco pegou em Lupus e o disparou contra a janela. Seu punho ardeu, desacostumado de usar o berserk.

— Está cedo para vocês brigarem — reclamou a ruiva.

Lass tentou argumentar, mas a granada aos seus pés o fez voar pela mesma janela que Lupus. Elesis também foi atingida pela explosão, que apenas a jogou no chão. Antes apenas seu punho doía, agora era todo seu corpo.

Ela suspirou.

***

Lass se moveu em meio a neve. Todo calor que tinha abraçado sob a coberta da cama desapareceu e o responsável se encontrava metros a sua frente, procurando por algo. A raiva com o incomodo fizeram o ninja se mover de punhos cerrados.

Lupus ficou de pé a tempo de desviar do soco de Lass. Em contra-ataque, enfiou a faca na costela do meio irmão, deixando um grande corte que pingava por toda neve.

— Não complica para mim! — Gritou Lupus.

O Caçador investiu com mais um corte, porém segurado pelo braço e arremessado no chão. Embora fosse uma briga entre dois rapazes fortes e inteligentes, eles brigavam desajeitadamente, como duas crianças brigando na neve.

Lass tomou mais uma facada em meios aos golpes. A dor enfraqueceu uma das suas pernas. Seus joelhos encontraram o chão enquanto as mãos seguravam o sangue que esvaia da ferida. Ele estava perdendo calor.

Alguns passos longe, Lupus guardava a faca e pegava sua Scarlet. A mira estava feita, mas nenhum dispara foi feito. O vento gelado passou entre os irmãos e terminou atrás do haro.

A fina lâmina do florete encostou sob o queixo de Lupus. As suas costas, uma presença que combinava muito com a dele, no entanto, mais delicada.

— Não presta nem para dizer um oi? — Perguntou Edel.

Lupus sorriu.

— Desculpa, me esqueci — foi a desculpa dele.

Lass odiava Edel, mas agradecia por sua repentina aparição. Quando se perguntou o que ela fazia ali, a resposta parou ao lado dele, sob um guarda-chuva branco.

Adel não tinha mudado. Uma delicadeza de homem com pose forte.

— Querido Isolet! Senti sua falta.

Lass nem tanto. Receber a visita de Adel significava problema.


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Notas finais do capítulo

Review?



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