Ser um ninja não era um trabalho fácil. Era altamente intensivo em esforço físico, além de todos os riscos associados a profissão. Por isso shinobis e kunoichis eram obrigados a passar por avaliações médicas em tempos regulares.

Ninguém gostava de passar pelas avaliações. O risco de ser afastado temporariamente ou permanentemente do trabalho aterrorizava muitas pessoas, mas não Kiba. Ele estava confiante que seus exames apontariam uma saúde de ferro. E era com essa confiança que o Inuzuka esperava ser atendido.

— Inuzuka Kiba.

Kiba reconheceu a voz, aparentemente Sakura era a ninja médica responsável por sua avaliação. Eles entraram no consultório apertado.

— Desculpa a espera, Kiba. — A kunoichi parecia cansada. — O hospital está cheio por causa das avaliações obrigatórias, e ainda um grupo de crianças da academia se machucou no primeiro treino com shuriken.

— Já tava na hora desses moleques ganharem umas cicatrizes! — As palavras saíram entre risadas.

— Você veio apenas para pegar os resultados, certos? — Sakura procurou nos envelopes os exames de Kiba, e começou a lê-los. — Vamos ver o que temos aqui.

— Eu acho um desperdício ter que fazer esses exames. — Apesar de Sakura responder com um murmuro, Kiba continuou falando sozinho — Vai dar tudo negativo!

— Certo. Os resultados estão dentro do padrão, exc-

— Eu sabia! De jeito nenhum que ia ter alguma coisa de errado comigo.

— Exceto — Sakura aumento o tom de voz — seu lipidograma. Seu colesterol está muito elevado.

— Não é uma dessas coisas que quanto mais melhor?

— Colesterol alto significa que tem muita gordura no seu sangue. Isso pode causar problemas no coração.

— Mas eu to em boa forma! — Kiba levantou a camisa exibindo o abdômen sem nenhuma gordurinha extra, mas foi impedido de continuar exibindo os músculos com um soco na barriga.

— Cobre isso, Kiba! — Sakura não bateu mais forte apenas por causa da ética profissional.

— Caralho, Sakura! Isso doeu.

— Como essa é a primeira vez que seu colesterol apareceu alterado, vamos tentar controlar apenas com uma mudança de dieta. — A kunoichi escreveu algumas recomendações junto com um pedido de exames e entregou os papeis a Kiba. — Depois de três meses seguindo essa dieta, faça esses exames. Assim podemos avaliar se teve algum efeito.

Kiba saiu devastado do hospital. Ele não conseguia acreditar que sua saúde havia falhado! Até Akamaru, que esperava do lado de fora, latiu preocupado ao ver o parceiro.

— Tá tudo bem, Akamaru. Se os meus resultados não foram perfeitos, os do Shino vão ser piores. — O cachorro latiu. — Quando ele chegar em casa e falar que está com problemas no colesterol eu vou poder falar que faço a dieta com ele. Assim ele vai me amar ainda mais! — E riu.

— Tadaima.

— Okaeri. — A voz de Kiba veio da cozinha, e Shino foi atrás do marido.

Apesar de ser recepcionado com um beijo, Shino sentiu que Kiba estava estranho. A falta de animação do companheiro era atípica, e ainda havia o fato de Kiba estar brincando com uma maçã. Ele odiava a fruta!

— Alguma coisa errada?

— Nada. — Kiba olhou para a maçã novamente. — É só que... Não, não é nada! Como foi sua avaliação? Tudo certo?

— Sim.  Mas meu exame de coagulação apresentou uma alteração.

— Shino, isso é grave! O que faram? — Kiba não conseguiu evitar se arrepender de ter desejado que os resultados do marido fossem piores. A chateação com a própria avaliação foi esquecida.

— Que eu não deveria me preocupar. Meu tempo de coagulação foi de 12 minutos. O resultado padrão é até 10.

— Caralho, Shino! Seu exame tá normal, não me faz me preocupar à toa.

— Desculpa. — Dessa vez Shino beijou Kiba para complementar o pedido de desculpas. — E como foi a sua consulta?

Kiba ficou olhando a maçã por mais um tempo antes de colocá-la no cesto de frutas. Sem querer pressionar, Shino aproveitou o tempo e se serviu de chá gelado.

— Eu preciso fazer uma dieta.

—Porque? Seu peso não aumentou. — Agora a atitude do parceiro estava explicada. Se tinha uma coisa que Kiba amava era comida.

— Colesterol alto. A Sakura deu umas recomendações alimentares. — A cabeça apontou para a geladeira.

Shino tirou o papel do imã e olhou as orientações. Sem carne vermelha, aumentar a quantidade ingerida de frutas e legumes, reduzir leite e derivados e pão apenas se fosse integral. Para ele aquelas não eram restrições tão severas. Mas a comida favorita de Kiba era carne. Ia ser uma dieta difícil.

— Eu faço a dieta com você.

— Não precisa.

— Eu sei. Mas é mais fácil fazer uma dieta se tiver companhia.

Kiba ficou genuinamente agradecido. Antes sua intenção era esperar que Shino tivesse que fazer uma dieta também para poder fazer a mesma oferta sem revelar que também tinha a mesma recomendação médica. Mas Shino se propôs a fazer a dieta com ele mesmo sem precisar.

O jantar daquela noite foi uma salada de repolho, arroz e peixe. A comida estava saborosa, Shino era um bom cozinheiro. Contudo Kiba não conseguia parar de pensar no ensopado de carne que tinha na geladeira. Só de imaginar a comida ele já salivava e um mal humor se instaurava.

— Shino, eu acho que já vou dormir. Eu fico pensando em comida e só fico com mais fome! — Os dois estavam abraçados no sofá vendo televisão. — Você vem comigo?

— Não, eu estava esperando você ir dormir para trabalhar um pouco. Teve um incidente na academia hoje. Preciso preencher uns formulários.

— Ah! A Sakura tinha comentado algo assim. O que aconteceu?

— As crianças ficaram atirando shurikens umas nas outras ao invés de tentarem acertar o alvo.

— Eu fiz exatamente isso quando estava na academia! Iruka-sensei ficou muito irritado.

— Eu lembro.

Kiba se despediu com um último beijo e subiu as escadas para o quarto. Assim que pisou no último degrau ele escutou a televisão desligar.

No dia seguinte Kiba acordou revigorado. Nem parecia que estava de dieta! Ele tinha certeza que ia acordar morrendo de fome, mas estava aguentando bem. Seu organismo era realmente muito adaptativo.

Ao chegar na cozinha, Kiba encontrou um bilhete de Shino falando que teve que ir para o trabalho mais cedo. Uma pena porque fazer as refeições sozinho era muito chato. Além do bilhete também havia louça suja na pia, o que era estranho. Kiba lembrava de lavar a louça durante a noite. Era a divisão de tarefas, Shino fazias as refeições e Kiba limpava tudo. Foi então que ele percebeu o que tinha acontecido. A louça estava suja com restos de ensopado. Shino provavelmente não havia aguentado de fome e teve que reforçar o jantar.

Kiba riu com a ideia de estar aguentado a dieta e Shino não. Foi apenas uma refeição! Foi com esse bom humor que ele saiu de casa. A geladeira não estava abastecida para seguir as orientações médicas. Era preciso fazer compras. Tinha um mercadinho perto de casa onde eles sempre iam.

— Bom dia, Kiba-kun. — A senhorinha que cuidava da loja se aproximou. — Os produtos dessa semana estavam ruins? O Shino-kun veio esses dias.

— Tava tudo certo! Mas a gente teve um imprevisto médico. — Kiba mostrou as orientações da Sakura como se fossem uma lista de mercado.

— Eu não sabia que você estava doente, Kiba-kun. Eu vou pedir pra Futaba-chan pegar o que você precisa. — A dona da loja acenou para uma menina que estava nos fundos do estabelecimento.

— Na verdade, é o Shino que está precisando fazer essa dieta. Mas eu estou ajudando ele fazendo a dieta também. — O sorrido de Kiba foi enorme.

— O Shino-kun teve tanta sorte de achar um marido como você. — A mulher deu um tapinha carinhoso no rosto do cliente.

Kiba riu. Mas a baa-chan tinha razão, o Shino era um cara de sorte que tinha um maridão.

Quando Shino chegou em casa encontrou um Kiba muito mais animado do que no dia anterior. Ele até estava arriscando fazer o jantar! Sem querer atrapalhar o marido, Shino apenas sentou na bancada da cozinha para que pudessem ficar conversando enquanto a comida era feita.

— Aconteceu alguma coisa na academia? Você saiu muito cedo hoje. — Kiba cortava os legumes para o curry. Sem carne.

— Por cauda do incidente de ontem tivemos uma reunião com todo o corpo docente. Algumas pessoas aproveitaram para lavar roupa suja. Foi horrível.

— Hideki?

Shino confirmou com a cabeça.

— Não gosto dele. — Para Kiba era simples assim, mas Shino não podia ter uma atitude de desgosto explicito com os companheiros de trabalho. Iria contra o que ele tentava ensinar para os alunos.

No fim o jantar acabou ficando razoável, mas o sentimento de descontentamento em saber que não havia comido carne o dia todo deixou Kiba novamente com o humor ruim. Tudo que ele queria era saber que poderia satisfazer a vontade de comer alguma coisa verdadeiramente gostosa no dia seguinte. Se o colesterol não o matasse a dieta iria! Porém foi uma pequena felicidade ir para o quarto com Shino.

Durante o resto da semana Kiba ficou cada vez mais frustrado. Em todas as refeições ele mantinha o compromisso com a dieta e Shino seguia com a mesma alimentação. Mas todos os dias de manhã ele encontrava vestígios na sala ou na cozinha de ataques noturnos à geladeira! A gota d’água foi encontrar uma embalagem de chocolate vazia na mesa de jantar. Shino nem gostava de chocolate porque afetava os insetos! Como era fim de semana, Kiba decidiu que era hora de confrontar o marido sobre os lanches noturnos.

Quando Shino chegou na cozinha encontrou Kiba sentado na mesa de jantar com uma cara pouco amigável.

— Shino, você comeu o chocolate?

Sem bom dia. Shino estranhou. Os olhos seguiram para onde Kiba apontava. Ele nem sabia que tinha chocolate na casa.

— Eu não gosto de chocolate.

— E você não quebrou a dieta nem uma vez?

— Não. — Shino passou pela mesa e foi para a cozinha fazer chá. ­— Eu me alimentei com as mesmas restrições que você.

— Eu sei que você não precisa fazer a dieta comigo. Mas sabe, seria bom se quando você comesse alguma coisa as evidências fossem apagadas. — O tom de voz um pouco mais alto para o marido escutar.

Com um copinho nas mãos, Shino saiu da cozinha e se sentou na frente de Kiba.

— Eu não sei do que você está falando.

Shino parecia genuinamente confuso com as perguntas, mas Kiba sabia que ele tinha furado a dieta. Ele tinha visto as evidências! Tudo que ele queria é que Shino fosse honesto.

— No dia seguinte do começo da dieta tinha louça suja com ensopado. No dia seguinte também. Todos os dias de manhã eu encontrei provas de um assalto a geladeira, até que hoje eu encontrei isso. — Kiba balançou a embalagem vazia. — E você nem gosta de chocolate!

— Kiba, quem comeu essas coisas foi você.

— Hã? — Kiba ficou sem palavras.

— Você não lembra de comer nada?

Kiba estava tão chocado que apenas conseguiu balançar a cabeça negativamente. Shino então explicou o que tinha aconteido.

Primeira noite da dieta

Shino estava na mesa de jantar preenchendo os formulários que a academia pediu. Não era uma tarefa difícil, apenas trabalhosa. Como as crianças ainda não eram ninjas, a culpa pelos ferimentos era da vila. Por isso a burocracia.

Já passava da meia noite quando Shino escutou uma porta abrindo no andar de cima. Mesmo que tentasse fazer silêncio, Kiba nunca conseguiu ser silencioso quando estava com sono. O som de passos na escada indicava que ele estava descendo, provavelmente para beber água.

— Kiba? — Shino sabia que o marido estava na sala, mas as luzes não foram acessas. Ele levantou para ver o que tinha acontecido, e cruzou com Kiba no cômodo. — Kiba? Está tudo bem?

Não houve resposta. Kiba estava com os olhos fechados e rumou para a cozinha. Achando a situação no mínimo peculiar, Shino apenas acompanhou o outro para ver o que estava acontecendo.

Ainda dormindo, Kiba abriu a geladeira e tirou o ensopado. Depois de esquentar a comida do micro-ondas ele comeu o lanche noturno em pé, no meio da cozinha. Quando acabou, Kiba largou a louça na pia e subiu para o quarto. Tudo sem nenhuma palavra.

Shino lembrava que uma vez o capitão Yamato disse que não conseguiu dormir pois Naruto e Kiba o atacaram enquanto dormia, mas sempre achou que era um exagero. Ele e Kiba eram companheiros de time e nunca tinha visto Kiba sonambular. O choque de ter que fazer dieta deve ter sido muito grande. Talvez um pouco mais de tempo fosse necessário para se acostumar com a nova rotina alimentar.

— E nos outros dias eu acordei quando você levantou da cama. Quando você voltava para o quarto sempre tinha cheiro de comida. — Shino terminou a explicação.

Kiba não conseguia acreditar, sua boca estava aberta. Ele estava crente que era Shino que estava furando a dieta! Agora fazia sentido ele não acordar de mal humor de manhã, ele não estava seguindo as restrições.

— Shino, eu-

— Eu não vou fazer mais a dieta com você.

 — O que?!

— Eu vou comer carne na sua frente enquanto você come apenas salada.

— Não, Shino! — Kiba abraçou o companheiro. As palavras saiam em uma mistura de risada e suplica. — Eu não vou conseguir se você não me ajudar! Você quer que seu marido morra?

— Não. — Shino entrou na brincadeira.

— Bom. — Kiba parou de balançar Shino e lhe deu um beijo. — Agora, como eu faço para parar de comer dormindo?