De tarde Bruna aparece em casa sem avisar como sempre fazia. Ela e me entrega um sacola com um pote de sorvete e chocolates. Estou terminando de assar um bolo de cenoura. Ela se joga no sofá e tira o tênis:

— Que cheiro bom – Bruna sente o cheiro do bolo.

— Do seu chulé? – tampo o nariz brincando com ela.

— Trouxa – ela joga uma almofada em mim.

Guardo o sorvete no freezer. O bolo fica pronto, tiro do forno com cuidado para não me queimar.

— E aquele buquê de flores ein? – digo enquanto espalho a cobertura de chocolate no bolo.

— Foi fofo – Bruna diz sem muito entusiasmo. Tenho a impressão que fica incomodada com o assunto.

— Fofo? Você adorou, eu vi sua cara.

— Não acha estranho falar sobre isso?

Olho para ela. Se ela continuar a namorar com o Miguel não vou conseguir evita-lo por muito tempo.

— Amiga, eu já disse pra você desencanar disso.

— Você ta sofrendo? – ela me olha preocupada.

Caio na gargalhada. Quando paro de rir eu explico para ela:

— É claro que não. Estou aliviada que você já sabe. Não tenho que lidar todo dia com o mesmo dilema; conto ou não conto?

— Que bom – um sorriso surge em seu rosto – Também fico aliviada.

— E então, qual filme hoje? – pergunto.

— Escolhe você.

— Acho que eu escolhi da ultima vez.

— Você sempre odeia os filmes que eu escolho, não quero começar já brigando.

Odeio mesmo, ela só escolhe filme ruim. Sempre tento avisa-la que não parece ser bom, ela insisti e a gente acaba discutindo. Ela vence as dicussões porque é teimosa como uma mula e depois no meio do filme acaba dormindo e eu não consigo trocar de filme ou fazer outra coisa porque quero saber como terminar, por pior que o desfecho seja. Não sei como as pessoas conseguem começar a assistir um filme e não terminar.

— Ta bom, eu escolho.

Vamos para o sofá, munidas por bolo, chocolate e sorvete. Escolho um filme de ação para Bruna não dormir na metade do filme. Ela presta atenção no filme inteirinho e até manda eu ficar quieta quando eu falo. Margareth aparece em algum momento do filme e deita entre nós duas, quando o filme termina, ela está lá, dormindo esticada em cima do cobertor.

— Adorei o filme – Bruna diz.

— Eu sempre acerto – fico olhando os créditos do filme, estou com preguiça de procurar o controle para desligar a televisão.

— Sabe o que eu queria te perguntar? – Ela parece animada.

— O que?

— O que ta rolando entre você e o Felipe?

— Que? – Olho para ela com os olhos arregalados.

— Todo mundo ta comentando.

— Que? – não tem nada para comentar – comentando sobre o que?

— Não se faça de sonsa.

Não estou me fazendo de sonsa. Não entendo porque estão falando sobre nós.

— Não tem nada rolando entre a gente. Somos amigos.

— Amigos? – Bruna parece não acreditar.

— Vai ficar duvidando de mim agora?

— É que ele olha pra você de um jeito diferente.

Ele olha pra mim de um jeito diferente? Ela só pode estar ficando doida.

— De que jeito? – estou curiosa. Nunca percebi nada diferente.

— Como se estivesse apaixonado.

Eu caio na gargalhada. Felipe apaixonado, e pior ainda, apaixonado por mim?

— Você está maluca – tento parar de rir mas é difícil.

— O que tem de tão engraçado? – ela fica me olhando como se não me entendesse.

— Pra mim é engraçado pensar que Felipe se apaixonaria por mim. Agora mesmo deve estar agarrado com alguma menina do colégio por ai.

Ai ai, as pessoas inventam cada coisa.

— Aline, você é linda e inteligente. Qualquer pessoa se apaixonaria por você – fico lisonjeada com seu elogio – mas e você?

— O que tem eu?

— Gosta dele?

— Gosto – respondo sinceramente pois depois que o conheci direito passei a gostar muito dele – como amigo. Ele é gente boa.

— Você odiava ele.

— Nunca odiei o Felipe, eu só não o conhecia e nunca tive nenhuma vontade de conhece-lo.

— E o que mudou?

— Depois que a gente passou algum tempo juntos eu percebi que ele é diferente do que eu pensava. Mas porque você está tão interessada nesse assunto?

— Nada, só pensei que estava rolando alguma coisa.

— Entendi.

Bruna recebe uma mensagem, lê e se levanta do sofá.

— Tenho que ir.

Ela não diz quem era mas sei que deve ser Miguel. Não fico chateada por ela ir embora, foi muito bom fazer algo que praticamente já virou uma tradição nossa. Ela se despede de mim e vai.

Ligo o som e começo a arrumar a sala. Tem farelo de bolo no sofá e no tapete, minha mãe surta se souber que eu sujei o tapete novinho dela. Limpo tudo rapidinho e lavo a louça. Margareth fica esparramada no sofá. Essa gata só come e dorme, será que ela não fica entediada de nunca ter nada para fazer?

Quando minha mãe chega, converso um pouco com ela e dispenso a janta. Comi tanta tranqueira que não cabe mais nada no meu estomago. Depois de um banho, visto um pijama quentinho e leio um livro antes de dormir.

Recebo uma mensagem. Tenho quase certeza que a mensagem é da Bruna, mas quando pego o celular vejo que é do Felipe. Ele me mandou uma foto. Na foto tem três pacotes de bala fine. Recebo uma mensagem de texto em seguida:

“Morra de inveja”

“Golpe baixo” Repondo.

Ela manda vários emoticons de risada.

“Meu pai é viciado” Ele explica

“Eu também”

“Eu sei”

“Como sabe? Risos” Eu praticamente engoli as balas fini outro dia no ônibus, mas eu estava com fome.

“Nunca vi alguém devorar um pacote tão rápido”

“Margareth conseguiria”

“Quem é Margareth?”

“Minha gata”

“É mesmo. Não posso nem pensar nela que eu espirro”

“Que pena, porque ela gostou de você”

Demora alguns minutos para ele responder. Fico com o celular na mão esperando. Meus olhos começam a pesar e eu fecho os olhos, estou quase dormindo quando recebo outra mensagem:

“Ela vai ter que superar isso”

Respondo logo em seguida:

“Margareth é determina, ela conseguirá. Bom... vou dormir”

“Dorme bem”

“Você também. Boa noite”

Encerro a conversa e por ultimo ele me manda um coração. Fico olhando para aquele coração pulsando na tela do meu celular, a dela a apaga e eu toco para acender de novo até que canso. Porque ele me mandou um coração? Que bobeira Aline, é só um coração de aplicativo de celular, desencana disso garota. Eu sempre levo as coisas ao pé da letra, como se tudo quisesse dizer alguma coisa e muitas vezes não diz. Esqueço daquele coração pulsante. Fecho meus olhos, rapidamente pego no sono e sonho. Adivinha quem aparece no meu sonho? Sim, o Felipe. Ainda bem que é só um sonho porque eu pergunto para ele o porquê do coração pulsante. No dia seguinte não me lembro da sua resposta.