As Serpentes do Som escrita por Goth-Lady


Capítulo 6
As Serpentes Celestial e Infernal




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Holy Chie era uma aldeia estudantil. Era para lá que ninjas, magos, alquimistas e civis iam para estudar, se especializar e até mesmo aprenderem coisas em outros campos. Era nessa cidade para onde os ninjas da academia de Kinzoku iam para se especializarem em seus jutsus. Também era o lugar em que civis iam e aprendiam coisas para tocarem seus negócios, aprender música, contas, administração, direito e medicina. Também era o lugar para o qual suas vizinhas Mahou e Rekin enviavam seus aprendizes para se tornarem magos, ferreiros e alquimistas.

A aldeia era formada por um prédio principal, que nada mais era que um enorme castelo de pedra branca com torres circulares e telhados pretos. À esquerda do castelo ficava uma vizinhança de palacetes rosa, que nada mais eram que alojamentos femininos. À direita do castelo ficava uma vizinhança de palacetes azuis, que nada mais eram que alojamentos masculinos. Uma mansão preta de telhado branco onde ficavam os professores e os funcionários ficava atrás do castelo. Havia uma fonte em frente ao castelo e um lago atrás da mansão.

As poucas construções diferentes ficavam em uma pequena praça. A praça ficava em frente ao castelo, na frente até da fonte. A praça era formada por casas coloniais amarelas de dois andares e telhado azul e um poço de água. Eram nelas que vendiam comida, roupas para estudar em Holy Chie, material, lavanderia, livros e o que mais um estudante precisaria para sobreviver.

Holy Chie não era muito grande para ser considerada uma aldeia, mas era enorme para uma escola, por isso a chamavam de aldeia escolar ou aldeia universitária. Em Holy Chie só eram permitidas roupas que parecessem uniformes escolares para diferenciar os alunos das outras pessoas. Não importava a roupa, desde que parecesse um uniforme. Para alguns, Holy Chie era inspirador, para outros, era o verdadeiro inferno na Terra, uma das que pensava assim era Sarella.

Sarella era uma jovem de pele alva, cabelo negro enrolado nas pontas e uma franja enrolada do lado esquerdo. Seus olhos eram de um vermelho vivo como sangue. Com sua aparência bela e um tanto demoníaca, ela era conhecida como A Serpente Infernal ou A Serpente do Inferno, depende para quem perguntasse.

Sarella dormia tranquilamente em seu quarto no alojamento E. Seu pequeno apartamento era composto por um quarto com um beliche, uma cama, uma cômoda, um sofá pequeno, uma bancada de café da manhã e uma cozinha minúscula tudo isso no mesmo cômodo. O único cômodo separado era o banheiro.

Seu sono não durou muito, pois foi afogada por uma torrente de água.

— Mas que porra...?!

— Bom dia!

— Caralho, Obella! Tem que me acordar assim todas as manhãs?!

— Se eu não te acordo assim, você dorme o dia inteiro.

Obella era a irmã gêmea de Sarella. Seu cabelo loiro, exatamente igual ao da irmã, brilhava como o sol e seus olhos eram de um azul profundo. Ela possuía uma inocência quase sobrenatural e era conhecida como a Serpente Celestial ou A Serpente do Céu. Ela vestia uma blusa branca com um laço também branco no colarinho, uma saia pregada azul, sapatos brancos de salto com bico pontudo e uma pulseira listrada preta e cinza azulada, além de um anel de safira em forma de serpente.

— Vá se vestir e tomar seu café da manhã. – Pediu gentilmente. – Alysa e Crow já estão prontos e Lurong e Owl já saíram.

Sarella foi praguejando até o banheiro, tomou um banho rápido e colocou exatamente as mesmas roupas que a irmã, porém sua blusa era preta, a saia era vermelha, os sapatos eram pretos, a pulseira era preta e rosa e o anel de serpente era de rubi. Alysa, a familiar pomba de Obella se encontrava com a dona, que pegava a bolsa branca com detalhes metálicos em dourado, enquanto Crow, o familiar corvo de Sarella, bicava o café da dona.

— Largue as minhas torradas urubu do caralho!

— Eu sou um corvo!

— Que diferença faz?! É tudo ave preta que voa, caga e come cadáveres!

Após espantar Crow e comer o que ele tinha deixado do seu café, Sarella pegou sua bolsa idêntica à da irmã, porém a sua era preta com detalhes metálicos prateados, e saiu com sua irmã.

— É mesmo uma bela manhã, não acha, Sarella? – Perguntou Obella animada.

— É a mesma merda de ontem. Os dias de Holy Shit são a mesma coisa todos os dias, menos quando está chovendo, por que eles se tornam mais chatos ainda.

— E depois não sabe por que te chamam de boca do inferno.

— Estou cagando para os meus apelidos. Vamos logo para a aula.

— Você quer ir para a aula?!

— E você me deixa matar aula por acaso?

Obella soltou uma pequena risada. Ela era tão inocente e tão pura que parecia ser de outro mundo. Ela era tão pura que assustava. As duas foram para suas respectivas salas. Inicialmente Sarella tinha aulas de magia escura e necromancia e Obella tinha aulas de magia clara e biomancia, porém as duas mudaram a especialização para magia de corrupção e purificação. Sarella se lembrava de quando Daena estudara tais magias e a alquimia do escuro e de quando Rhaena estudara tudo referente ao claro. Quando ambas deixaram Holy Chie, Sarella herdou os livros de Daena e Obella os de Rhaena, porém ela e Obella não tiveram o mesmo sucesso que as outras duas. Eram gêmeas como elas, porém agora Sarella entendia melhor o conceito de claro e escuro, embora não tivesse conseguido ingressar na magia do escuro tão bem quanto Daena.

Finalmente chegou o tão esperado intervalo. Sarella adorava ficar fora da sala de aula, talvez porque todas as coisas interessantes aconteciam nos corredores e também porque sempre que andava pelos corredores lembranças vinham à tona. Se lembrava de quando suas irmãs estavam em Holy Chie.

Sarella se lembrava de quando Rhaena e Daena brincavam com o controle entre a vida e a morte sem que os professores as vissem, dos sonhos altos de Alannys e Mellario, de Rhaella se formando em alguma coisa nova a cada semestre.

— Embora tenha desperdiçado a vida em uma cidade no cu do mundo que só existe e não faz porra nenhuma. – Era o que sempre pensava quando pensava em Rhaella.  Era a mais promissora, podia ser o que quisesse, fazer o que quisesse, ter o mundo aos seus pés e a criatura desperdiça sua vida em Shinpuru!

Também se lembrava das tentativas de Argella tentando incorporar neon aos jutsus e dos resultados desastrosos que tivera até conseguir algum êxito, de quando Desmera incendiara a própria sala em um acidente, de Arianne reclamando da cozinha minúscula, da vez em que Trystane transformou um corredor inteiro em uma selva e até mesmo da vez em que Lyanna congelou a fonte por conta de um desafio em um jogo de desafio você.

Era uma versão de verdade ou desafio, mas ao invés de verdades, só havia desafios e ao invés de nomearem desafio ou desafio, nomearam desafio você. A verdade não tinha tanta graça para elas, eram poucos os segredos que escondiam e mesmo assim não eram impressionantes, pelo menos para Sarella a maioria das informações não era interessante. Quando outros integravam o jogo, aí perguntavam qual jogo queriam, as pessoas mais inteligentes nunca jogavam verdade ou desafio quando Sarella estava jogando. Sou a mais venenosa, mas são as sorrateiras que deviam temer mais.

Isso tinha sido em um tempo muito distante, quando todas estavam em Holy Chie. Suas irmãs tomaram rumos diferentes e somente ela e Obella tinham permanecido. Até as mais novas se foram, mas Obella insistiu para que ficássemos nessa merda de aldeia! Falando no diabo... Obella se encontrava à frente com os gêmeos Roland e Ronald. Ambos tinham cabelo cor de cobre e olhos verdes e era difícil diferenciá-los na aparência e personalidade, mas Sarella sempre tinha o seu método.

— Clone meu. Clones direito e esquerdo.

— Oi pra você também, gêmea do mal. – Disse um deles, que reconheceu como Roland.

— Sarella, deveria ser mais gentil. – Disse Obella suavemente.

— Eu tenho cara de quem é gentil?

— Gentil?! Doce Obella, se sua irmã for gentil, o inferno congela.

— Minha irmã não tem bolas e nem rola pra você ficar chupando.

— De qualquer forma, eu estava pensando em irmos para Mahou e Rekin. – Interrompeu Obella, pois do contrário a troca de farpas continuaria. – Tem algumas coisas que preciso comprar.

Sarella sorriu, não da mesma forma da irmã, seus sorrisos eram maldosos ou zombeteiros. Inocência e pureza não combinavam com ela e sim com Obella. Qualquer coisa que a fizesse sair da cidade e mudar de ares estava de bom tamanho.

— Nós não vamos poder ir. – Disse Ronald. – Já temos outro compromisso.

— Fica para a próxima então. – Disse Obella com um sorriso.

— A próxima vez será no dia em que arrumarem vaginas e mijarem sangue.

Os gêmeos coraram e Obella lançou um olhar de censura para a irmã, mas não havia jeito. Sua gêmea sempre fora assim. As irmãs se despediram dos gêmeos e encaminharam para fora do prédio da escola.

— Cadê a vaca da Lurong?

— Ela me disse que não vem.

— Como não vem?

— Ela vai ter que ficar por causa das tarefas do conselho estudantil.

— Que nada, deve estar comendo o presidente daquela porra de novo. Desde que essa piranha entrou para o grupo dos mauricinhos não viaja mais com a gente.

Obella respirou profundamente antes de arrastar Sarella para fora de Holy Chie. Mahou e Rekin eram próximas, então não precisariam de roupas de viagem. O primeiro destino foi Mahou.

Mahou é a aldeia da magia. Com ruas de paralelepípedo cinza, postes coloniais cujas chamas ascendiam sozinhas durante a noite, letreiros pendurados nas portas, torres de mármore branco que abrigavam as bibliotecas e observatórios, casas de cal de dois andares com um sótão adicional, telhados triangulares, janelas com pinázio e portas de madeira maciça e uma fonte em forma de dragão no centro da aldeia que cuspia água colorida e aromatizada, Mahou era considerada a capital da magia.

Era lá onde se encontravam magos e bruxos, piromantes e hidromantes, necromantes e biomantes, ninjas e manipuladores de neon. Ingredientes estranhos eram vendidos nas lojas, assim como vassouras e caldeirões. Era possível ver os familiares andando livremente pelas ruas com ou sem seus donos.

Os familiares não serviam apenas como companhia, eles também serviam como auxílio em batalha, nos empregos, na hora de fazer poções ou mexer com alquimia e também serviam de indicadores de alimentos e bebidas envenenados. Eles podiam ser invocados e desinvocados a toda hora e nunca morriam, a menos que seu dono morresse.

— As compras que se danem! Eu vou encontrar uns conhecidos e cagar na cabeça de alguém. – Resmungou Crow.

— Pensei que cagar em cabeças fosse trabalho das pombas. – Sarella arqueou a sobrancelha.

—Hei! Isso é intriga da oposição! – Reclamou Alysa.

— Acho que vocês podem dar uma volta enquanto nós compramos algumas coisas. Vocês podem nos encontrar em frente ao Perna Enferrujada.

— Só depois que eu tomar minha caneca de cerveja amanteigada. Faz séculos que não bebo uma!

— Faz tanto tempo assim, Sarella?

— Quantas vezes a gente vem a Mahou mesmo? Ah é, esqueci. Só quando os professores pedem para comprarmos algo que não temos em estoque.

Crow e Alysa voaram até se perderem das donas. As gêmeas foram de loja em loja comprando o material que precisavam, isso até encontrarem uma loja que chamou atenção. Era uma pequena casa feita em pedra cinza de porta vermelha, as janelas pareciam estar forradas com cortinas amarelas, o telhado era tão alto que formava um triangulo isósceles e o letreiro mostrava uma espécie de frasco de poção com uma brilhante estrela amarela dentro.

— Mas é a loja da Nikka! – Exclamou a loira.

— Essa vaca vive mudando a loja de um universo paralelo a outro, além de dimensões diferentes e nunca é encontrada para beber com os amigos. E depois ela reclama que não a chamamos para eventos sociais.

As duas entraram na loja. Era uma loja simples com um balcão de madeira escura, atrás dele, e pela loja, encontravam-se prateleiras de vidro com um espelho ao fundo que emanavam uma estranha luz verde ficavam em um mostruário de madeira, alguns livros por cima do balcão, um caldeirão em algum canto, um poleiro e uma vassoura. Nas prateleiras havia vários frascos de perfume oriental.

Nikka era uma bruxa de pele alva, cabelos castanhos ondulados e volumosos repartidos para a esquerda, olhos azul-acinzentado em degrade da pupila para a borda e maquiagem olho de gato.  Ela vestia um vestido vermelho com detalhes roxos, um cinto roxo em V, luvas vermelhas que deixavam seus dedos à mostra com braceletes roxos, botas inteiramente roxas de bico pontudo, um chapéu vermelho com uma faixa roxa com uma fivela prateada e uma estrela dourada na ponta e um colar de abóbora. Uma serpente verde de olhos amarelos e uma coruja branca lhe faziam companhia.

— Nikka!

— Obella! Sarella! Há quanto tempo! Vieram finalmente comprar algo?

— Hoje não. – Respondeu a morena.

— Têm certeza? Posso transformá-las em garotas mágicas se quiserem.

— Nós sabemos, mas estamos contentes com nossas vidas. – Disse Obella.

— Que pena, dariam ótimas garotas mágicas. Que cabeça a minha! Midnight! Nero! Tragam saquê!

A serpente e a coruja subiram as escadas e voltaram com um engradado de saquê. Nikka ofereceu às duas, mas somente Sarella aceitou. Passaram a tarde conversando e bebendo, pelo menos Sarella e Nikka beberam, já Obella, a serpente Nero e a coruja Midnight recusaram a bebida.

— Foi uma tarde maravilhosamente agradável, mas agora temos que ir, Sarella.

— Mas já?! Ainda nem bebi a quarta garrafa!

— Mas nós temos que ir. Ainda precisamos ir a Rekin.

— Está bem. Foi ótimo beber com você, Nikka.

— Eu é que agradeço.

— Apareça mais vezes.

— Vou tentar.

As gêmeas saíram da loja e quando se viraram de volta, a loja tinha desaparecido. Isso era típico da bruxa. As duas encontraram seus familiares em frente ao Perna Enferrujada, mas não entraram, foram direto para Rekin.

Rekin, Mahou e Holy Chie eram aldeias pequenas e as três estavam localizadas de tal forma que parecessem um triângulo equilátero. Suas estradas tinham o mesmo comprimento e tempo de viagem.

Rekin era uma aldeia voltada para a alquimia. Suas casas de dois andares e arquitetura medieval eram feitas em pedra, as ruas também eram feitas de pedras irregulares e negras, os postes coloniais continham cristais que brilhavam durante a noite, plantas cresciam nas paredes das casas e nos jardins. Torres de mármore negro formavam as bibliotecas e os observatórios. Forjas também eram encontradas aos montes na aldeia.

Era em Rekin que frascos de vidro, pedras e metais eram vendidos, assim como livros de alquimia, poções e remédios. Ingredientes incomuns também eram encontrados. Obella e Sarella eram especialistas em venenos, antídotos e poções e, apesar de encontrarem alguns ingredientes em Mahou, era em Rekin que encontravam e compravam tudo que realmente precisavam.

— O que precisamos comprar? – Perguntou a Serpente Infernal.

— Vejamos, cianeto, mercúrio, enxofre, beladona, algumas ervas que só tem aqui, potássio, enfim.

— Essas aulas de alquimia ainda vão nos matar.

— Nunca assustaram Desmera.

— Mas já incendiaram as salas de aula várias vezes. Se lembra daquele acidente com fogo vivo? Nunca Holy Shit amou tanto ninjas de liberação de areia.

— Você tem sempre que usar esse nome?

— A culpa não é minha se Chie parece com Shit.

Obella revirou os olhos e não discutiu mais. Sarella não iria mudar nem sob ameaça ou chantagem. As gêmeas compraram tudo que precisavam na aldeia e depois voltaram a Holy Chie com seus familiares. Já em casa, Sarella se jogou em sua cama.

— Finalmente cama! Me acorde quando o Festival da Lua começar.

— Se for assim, quando começar, estarei em Chugo com as outras e você estará aqui com os professores.

— Então me acorde no dia da partida para Chugo.

Muitas vezes Obella tinha se perguntado como seria ter uma irmã mais educada, mas seria menos divertido se tivesse. E Sarella? Sarella não dava a mínima para o tipo de irmã que tivesse, principalmente se fosse sua gêmea.


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