Um vislumbre por aquele maldito espelho acabava comigo. O problema não era só o fato de me ver, mas de lembrar daquele dia, quando pude vê-lo como se ainda estivesse aqui.

Ele era meu amor de toda vida. Casamo-nos tão jovens, e eu já tinha agora meus bons anos entortando minhas costas. Ele nunca teve a chance de experenciar isso. Ah, a dor que me faz chegar em casa, pensar em encontrá-lo; mas logo lembrar que isso não acontecerá outra vez. Meus filhos dizem que ele ainda está por aqui, nos nossos corações. Isso não é o suficiente para mim! Quero tocá-lo novamente, beijá-lo como deveria ter feito antes que partisse. Agora não posso mais.

Eu vivia agora nessa casa só, sem nenhuma companhia, a não ser daquele espelho. Costumava olhá-lo de relance, e um dia decidi ver minhas novas rugas mais de perto. Foi aí que meu mundo virou de cabeça para baixo. Eu o vi, limpando a escrivaninha na qual costumava passar horas escrevendo os belíssimos poemas que eu adorava, somente para ver minha felicidade ao lê-los. Ele olhou de volta para o espelho e deu o sorriso de ponta a ponta que eu tanto sentia falta.

Deixei cair a coisa qualquer que segurava. Olhei para trás por impulso, esperando que ele realmente estivesse lá. Minhas expectativas foram novamente jogadas no chão, quando o mais diferente que vi foi a nova teia de aranha na lâmpada acima da mesa. Com muita confusão na minha mente, olhei de novo para frente e ele estava mais próximo, com a mão como se tocasse o espelho pelo outro lado. Ele não tinha envelhecido como eu, permanecia o mesmo galã que me cativou desde o primeiro dia que nos conhecemos.

Fui mais para perto, não conseguindo tirar meus olhos dos dele. Era um sonho, não podia ser real. Ele tinha morrido naquele acidente, eu lembro vividamente da dor que passei! Não podia vivenciar isso de novo, eu não aguentaria! Mas a saudade comandou mais firme, e eu fui de encontro ao meu homem. Encostei minha mão na dele, e ele lacrimejou. Podia ver o sofrimento nos seus olhos (ou seria o meu refletido nos dele?). A energia do ambiente tinha ficado pesada, como se o que fizéssemos fosse errado. Mas eu o amava demais para ignorar o desejo de estar ali com ele de novo.

Porém ele olhou para baixo, sorriu com mágoa, e virou as costas, saindo de casa. As lágrimas não podiam mais ser contidas, e eu chorei, baixinho no início, mas depois deixando com que todos soubessem. Não me importava com mais nada, só queria tê-lo novamente.

No dia seguinte, fiquei o dia todo olhando o espelho, esperando que ele voltasse a tentar se comunicar comigo. As esperanças foram em vão.

O que ocorreu ainda me deixa com dúvidas na mente. Por que naquele dia em específico? Por que fazer isso só uma vez e me causar toda essa agonia? Não pude comer por dias, como ocorreu da última vez que tive que dizer adeus.

A única coisa que sei é a tortura que é toda vez que vejo aquele espelho infiel.