Dylan conhecia sobre aquele caso, pois era bem comum alguém citar esse acontecimento em qualquer tipo de conversa sobre coisas sobrenaturais ou estranhas que já aconteceram no mundo. Além disso, era um fato que trazia sensacionalismo e estava constantemente nos noticiários. Ele não tinha opinião formada sobre isso, apenas achava que era uma situação atípica e que poderia ser obra de alguma seita maluca, afinal, era muito improvável que tantas pessoas, mesmo em condições psicológicas ruins, tenham combinado de se jogarem juntas de uma ponte. Com certeza havia algo de macabro no meio daquela história.

A atendente já havia retornado com o pedido e ele já estava tomando o refrigerante com os olhos vidrados na tv enquanto fotos de todas as vítimas e imagens do sofrimento dos familiares passavam. Ele discordava da forma como um assunto tão sério era abordado apenas para gerar ibope, mesmo após tantos anos. Então, se surpreendeu ao ver Adrien ao seu lado, com os olhos focados na mesma notícia, como se fosse a primeira vez que via.

― Você já comprou? ― perguntou Dylan, fazendo o outro sair de seu estado de transe.

― Sim. Estão aqui. ― Ele levantou uma sacola consideravelmente cheia.

― Seu sanduíche já está pronto também, senta aqui e...

― Não! Vamos comer lá fora! ― disse levemente ríspido, deixando algumas notas de dinheiro no balcão e pegando o sanduíche. Ao caminhar para a porta, ele olhou para trás e percebeu o outro ainda meio perdido ― Você não vem?

― Ok. ― Ele parecia confuso mas resolveu apenas assentir e o seguir.

Ao chegar do lado de fora, ambos se encostaram na parede e começaram a comer. Dylan estava pensativo nas atitudes do outro ao mesmo que admirava a luz alaranjada que acobertava o céu, indicando o pôr do Sol, aquele momento era lindo. Ele observou aquilo por muito tempo em silêncio, analisando o outro vez o outra pelo canto dos olhos, mas ele parecia completamente focado e sério em apenas terminar seu lanche. Então, o moreno resolveu quebrar o gelo.

― Esse seria um bom momento para você me explicar algumas coisas...

― Eu esqueci de comprar algo. Não se mexa e me espere aqui, ok? ― Dylan se surpreendeu e apenas assentiu com a cabeça, o observando voltar para a loja.

Ele continuou ali, admirando aquele pôr do Sol alaranjado, a brisa batia leve e seus cabelos voavam por seu campo de visão. Após alguns segundos, resolveu voltar a realidade, mas antes que pudesse morder novamente seu sanduíche, foi surpreendido por uma pessoa que pareceu simplesmente cair do céu a sua frente. 

Ele nem ao menos conseguiu ver qualquer característica de suas feições, apenas presumiu que fosse mulher pelos cabelos longos. Então, ficou espantado ao que ela se aproximou e o pressionou na parede com uma força descomunal, o braço apoiado e pressionando o seu corpo e uma faca apontada diretamente em seu pescoço. Dylan engasgou levemente com aquele movimento e, ao ter a pessoa tão próxima de si, ele notou os cabelos loiros, ondulados e longos, os olhos eram dourados e ele sentia muita familiaridade. Apesar de algo estar estranho, ele por um ímpeto disse:

― Mãe? ― disse assustado em meio aquele ataque, mas no fundo ele sabia que aquela não era a sua mãe.

― Mãe? ― Ela o encarava com os olhos completamente surpresos e brilhantes, a faca posicionada no pescoço de Dylan estava cada vez próxima ― Você está louco?

― Talvez, vocês parecem a mesma pessoa, mas você é muito mais nova do que ela.

Apesar da posição nada favorável e que colocava em risco sua vida, Dylan estava calmo e apenas observava a mulher a sua frente com muita atenção. Os olhos cor de mel, quase dourados, que ele só havia visto em Katy Rockefeller, ou Karyn, estavam ali muito presentes. Os cabelos loiros e ondulados também eram características, porém, eram ainda maiores do que os de sua mãe. Elas se pareciam muito e a perda recente, aparentemente, tinha confundindo seus pensamentos.

― Quem é "ela"? ― A loira a sua frente, apesar de pressionar ainda mais a faca em seu pescoço, começava a transparecer um olhar um pouco confuso.

― Minha mãe. ― disse, começando a ficar preocupado com o objeto tão perto de seu ponto vital.

― Eu não pareço em nada com a sua mãe, Arthur. ― Ao que ela citou o nome, a preocupação no peito de Dylan cresceu absurdamente.

― Eu não acho que você saiba de quem estou falando.

Ele engoliu meio seco e continuou observando a pessoa a sua frente. Ela tinha o rosto bem definido e lábios rosados que combinavam muito bem com os olhos dourados, além disso, parecia ser extremamente forte e tinha quase a mesma altura que Dylan.

Ele se surpreendeu ao que ela fechou momentaneamente as pálpebras e mordeu os lábios em um aparente contragosto, as expressões se contorceram como se ela sentisse alguma dor em seu interior. Então, ela retirou o braço que o mantinha pressionado na parede e afastou a face de seu pescoço, mas ao que Dylan ameaçou se afastar, ela voltou a apontar a o objeto para a região, dessa vem, com a ponta virada diretamente de frente para o rapaz.

― Não se mexa. ― disse pausadamente, respirando fundo em seguida― Infelizmente eu acho que sei de quem você está falando. ― Ela o encarava com um olhar determinado ― Ele realmente estragou toda a sua memória, não foi?

― Eu...

Antes que ele pudesse completar, um barulho na porta ao lado fez com que ambos voltassem a atenção para o local e vissem Adrien saindo do estabelecimento, estranhamente ele parecia distraído. Dylan fez menção em chamar a sua atenção, mas a mulher a sua frente foi mais rápida e prontamente jogou a faca que usava para ameaçar o rapaz na direção da porta. O ato foi tão rápido e preciso que pareceu ter ocorrido em um flash aos olhos do moreno, então, quando ele já estava pensando que o outro estava gravemente ferido, viu a faca parada entre os dedos de Adrien: ele havia percebido o ataque e segurado o objeto sem o menor problema.

― Arya... você demorou. ― Dylan estranhou o fato do loiro estar extremamente calmo para quem tinha acabado de sofrer um ataque daquele tipo.

― Eu vou matar você! ― disse a mulher entre os dentes dirigindo sua raiva a Adrien, então, ela avançou rapidamente em direção ao rapaz e levou a mão diretamente a sua garganta, agarrando a região e apertando com força. Dylan deixou um grito de espanto escapar de sua boca e se surpreendeu ainda mais ao notar que o outro não se defendia.

― Eu entendo sua raiva. ― disse Adrien ainda com calma na voz, mas claramente ficando com dificuldades de respirar.

― Pare com isso! ― gritou Dylan pouco antes de correr na direção dos dois para tentar salvar o rapaz.

― Não se meta. ― disse a mulher, direcionando a mão livre a Dylan. Ao que ela apontou o dedo indicador, ele interrompeu os passos, pois sentia como se toda a sua energia estivesse sendo drenada de seu corpo.

― Não precisa fazer isso, você sabe que ele está completamente inofensivo. É covardia. ― pontuou Adrien com certa dificuldade, mas ainda com os braços jogados na lateral de seu corpo, não se defendendo.

― Ele está inofensivo com um filhote de cachorro porque você fez isso com ele! E ainda colocou a Karyn nessa história insana! Minha irmã! ― Ao ouvir isso, os olhos de Dylan se arregalaram ― Eu sempre achei que você era o mais sensato de todos nós, mas depois disso, eu não sei mais o que pensar!

― Eu não fiz tudo isso de caso pensado, as coisas foram acontecendo e eu não podia envolver todos vocês mesmo que isso quebrasse o nosso código. Eu fiz o que achei melhor para que todos ficassem seguros.

― Você não tinha o menor direito de tomar todas essas decisões sozinho. Se vai ser seguro ou não, a gente tinha que decidir por nós mesmos. ― Ela parecia carregar certa mágoa na voz.

― Você está disposta a me escutar? ― perguntou ele de forma séria, os olhos azuis focados na pessoa a a sua frente ― Porque se não, você pode me matar aqui e agora e eu vou te dar razão.

― Meu desejo é fazer isso. ― Ela ameaçou forçar ainda mais a mão ao redor do pescoço pálido de Adrien, mas depois, apenas largou ― Mas eu não vou.

Dylan ainda estava parado no mesmo lugar observando toda aquela cena e sentindo a força voltando ao seu corpo aos poucos. Ele estava tentando assimilar aquela cena que havia visto, mas não conseguia entender nada. Os dois a sua frente se encaravam como se tivessem muitas coisas a acertar, mas algo martelava em sua cabeça e ele precisava perguntar:

― Irmã? Minha mãe...Karyn era sua irmã? ― Ele perguntou apenas por convenção, porque apenas ao observar aquela mulher, ele conseguia ter certeza de que ela e sua mãe tinham algum parentesco.

― Sim. Minha única irmã. ― Ela enfatizou a palavra "única" ao responder Dylan e voltou a encarar Adrien com fúria no olhar ― Você teve quase quinze anos para me contar que ela estava viva e você não contou. Eu descobri que minha irmã estava viva ao receber a notícia que ela tinha morrido novamente hoje. Você tem noção do que eu estou sentindo?!?

― Eu sei.

― Não, você não sabe! Ele estava vivo e você não me contou. ― disse ela apontando para Dylan ― Ela estava viva e você não me contou. Ela era minha irmã, ele era meu melhor amigo. O que você pensou que estava fazendo?!?

― Melhor amigo? ― perguntou Dylan em um tom baixo, fazendo com que os outros dois não o escutassem.

― Eu só descobri que a Karyn estava viva há três anos e ela me pediu para não te contar. Eu conversei com ela diversas vezes sobre isso, mas ela era intransigente sobre a situação. Contar sobre ela poderia te atrapalhar em ser uma guerreira, e ela era muito cuidadosa sobre isso, Arya. ― disse Adrien.

― Atrapalhou você? ― perguntou ela, parecendo irônica.

― É diferente. Eu sou da família mais importante da Lealdade, minha habilidade permite apagar a memória de qualquer um que tenha me visto, era mais fácil e conveniente para mim. Ela era sua irmã, você era a principal suspeita da fuga dela desde o início e sempre esteve sob observação dos mais poderosos, mesmo sem saber. Eles só estavam esperando um deslize seu para...

― Para acabar comigo, eu sei disso. Eu soube disso desde meu primeiro dia como guerreira. Mas você não podia ter me escondido isso! ― Ela fechou os olhos com força e com um grito alto, chutou uma lixeira que estava ali presente com tanta força que foi parar do outro lado da rua, assustando alguns pedestres que passavam.

― Você sabe que foi a coisa certa a fazer. ― Ele falava com muita sobriedade nas palavras ― Mas mesmo assim, me desculpe.

― Nesse momento eu não consigo te desculpar, eu só quero enfiar alguns socos na sua cara. ― disse ela claramente tentando controlar uma fúria na sua voz ― Você sabe que se eu resolver fazer isso, você não sai vivo.

― Sim, eu sei. ― Adrien concordou com muita facilidade, o que fez Dylan encarar a mulher e se perguntar o quão forte ela era.

― Ela perguntava sobre mim? ― Ela parecia estar tentando se acalmar.

― Sempre, e eu sempre contava como você era a melhor guerreira de todas as gerações de seu clã.

― Como foram esses anos? Ela foi feliz? ― Ela direcionava a atenção a Adrien.

― Totalmente feliz. ― Dylan se meteu na conversa e respondeu no lugar do loiro ― Pelo menos ela parecia, ela era como um...

― Um anjo. ― Ela o completou, uma lágrima solitária correu pelo rosto delicado.

― Sim, exatamente como um anjo. ― Ele continuou ― Vocês se parecem muito... não em jeito, aparentemente,― Ele encarou a lixeira do outro lado da rua que a garota tinha acabado de chutar ― mas em aparência. Você parece uma versão mais jovem dela apenas, por isso que a confundi e a chamei de "mãe" quando você estava tentando me matar.

― Você tentou o que? ― Adrien perguntou a mulher, parecendo indignado.

― Eu não tentei matar ele, foi só um... procedimento normal de segurança. Eu precisava saber com quem exatamente estava lidando, se era só alguém disfarçado, se ele ainda tinha os poderes. ― Ela se explicou e continuou de forma mais séria ― Aparentemente ele tem todos os poderes, mas eu posso restringí-los facilmente. Você realmente apagou toda a memória dele?

― É, ele fez isso. ― disse Dylan forçando uma indignação.

― Então, você não faz ideia de quem eu sou, certo?

― Pela conversa eu já sei que seu nome é Arya, certo? ― Ela concordou com a cabeça ― Você é uma guerreira como eu e ele?

― Sim. Eu sou a guerreira da Justiça, segunda no comando dos guerreiros celestiais.

― Segunda? Quem é o primeiro?

― Oh, céus... ele não se lembra do Alexander também, não é? ― Ela se virou para Adrien e ele apenas fez um sinal de negação com a cabeça ― Isso vai ser tão engraçado de ver.

― Engraçado?

Dylan estava confuso, mas de repente começou a ter uma sensação muito boa em todo o seu corpo, seus sentimentos ficaram leves e uma felicidade inexplicável começou a surgir. Normalmente ele ficaria bravo por estar no meio de um assunto que não se lembrava devido à falta de memória, mas naquele momento era como se tudo de ruim no mundo tivesse se apagado e ele estivesse em um limbo de prazer e felicidade. Ao começar a sorrir sem perceber, Adrien perguntou:

― Você está se sentindo bem?

― Completamente bem, incrível! Você não está vendo como o mundo é maravilhoso nesse momento? ― Adrien o encarava com uma expressão incrédula e então, pareceu perceber algo.

― Norah está aqui também, não é? ― perguntou ele a Arya.

― Sim, ela está aqui.