Premonição: Congelados escrita por VictChell


Capítulo 10
Aflição


Notas iniciais do capítulo

☠ - Mais um capítulo! :D Desculpe a demora. Tive problemas com o meu pc; acabei perdendo tudo o que tinha escrito, o que eu já tinha adiantado e meu mapeamento para o resto da narrativa. Lutei para reescrever, mas aqui está. Espero que gostem.



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There's paper peeling off the walls

I see the paint from yesteryear

We try to cover up the past

But tiny secrets still appear

 

O saguão da portaria brilhava em vermelho e azul. Tudo o que Jasmine Martinez queria fazer era desaparecer no escuro, mas estava sendo interrogada por dois policiais atrás de uma pilastra pela terceira vez. Tinha contado tudo o que acontecera, desde a chegada de Liberty Fitch até o momento de sua queda. A Sra. Marchmont estava no meio do átrio, respondendo perguntas de policiais que já falaram com Jasmine – possivelmente colhendo informações para cotejar o seu discurso e conferir a veracidade dos relatos.

Ela ficou paralisada. Com vários curativos nas mãos, ela sentiu a pomada que os paramédicos passaram na ponta de seus dedos machucados ficar mais pegajosa sob a gaze. Jasmine pressiona os lábios e gira os ombros, começando a ficar inquieta com a situação. Já disse mais vezes do que poderia contar que Libby a impedia de sair do apartamento e, a partir disso, o confronto corporal começou. Sentiu uma aspereza comum no jeito como os policiais falavam com ela, sempre dividindo olhares sub-reptícios um com o outro conforme ela explicava o ocorrido, o que não era uma novidade desde que chegou ao país. Quando a última dupla de oficiais se afastou, ela desejou mais do que tudo que a Sra. Marchmont fosse muito convincente sobre o que vira no corredor.

Vermelho. Azul. Primeiro vermelho, depois azul. As duas cores rutilavam em sincronia com uma sirene. Jasmine estava sentada na beira de uma poltrona desgastada, debruçada sobre os cotovelos, na mira dos olhos de uma plateia de moradores e estranhos. Policiais e paramédicos transitavam entre as pessoas observadoras, fazendo perguntas entre si, checando cada canto do lugar e se certificando que o trabalho estava sendo eficaz. E essa era a única coisa que a mantinha entretida no momento.

— Você está bem, moça? – Um homem em roupas civis se aproximou em meio às luzes. Ela levantou a cabeça, já se preparando para recomeçar a contar a história, mas não foi isso o que ele pediu. – Jasmine, certo? – Ela assente com a cabeça. – Sou o agente Jack Fry e vim ver como você está depois de tudo isso.

A fala dele deixou Jasmine confusa e ela odiou se sentir desse jeito. Nenhum dos outros policiais que conversaram com ela ou que apenas fizeram um breve interrogatório, sugando todas as informações que podiam, se preocupou em se inteirar de sua segurança e bem-estar. E ela estava bem? Sua mente corre de um lado para o outro tentando encontrar uma resposta, mas não havia uma resposta correta para dar, pelo menos não uma que pudesse encontrar em sua cabeça. E o que o seu coração dizia?

— Não sei, senhor.

Ele não parecia exatamente feliz em vê-la, mas seu rosto não estava em branco com indiferença ou desinteresse – ele desempenhava um papel sólido. Jack desabotoou o blazer e se pôs de cócoras diante de Jasmine, assim ele poderia ter uma visão franca do seu rosto e ela do dele.

— Não foi culpa sua. Foi um ato de autodefesa, você será liberada em breve.

A melhor forma que Jack conseguiu demonstrar amparo foi através do silêncio. Deixou que houvesse um intervalo entre o fim de uma frase e o início de outra para que Jasmine o compreendesse com facilidade e que o choque da situação se diluísse conforme ela se expressava – que não fosse vivenciando aquele momento em relatos repetidos.

— A gente viu a sua mala no corredor lá em cima, perto da escada. A sua vizinha, Tina Marchmont, disse que você estava inquieta durante o dia. Ela ouviu um som de choro no seu apartamento. Para onde ia a essa hora?

Jasmine o olhou nos olhos e, pela primeira vez, ela pareceu um fantasma. Jack jurou por um segundo que quase poderia enxergar através dela. Contou sobre o acidente que matou seu namorado, o adventício engasgo com o prego e em como seu coração doía quando se lembrava disso. Terminou explicando como tudo começou a dar errado depois do acidente na pista Howclover, onde trabalhara anteriormente. Preferiu deixar a visão de Jake e a teoria da morte estar à espreita de lado, mas Jack levantou um semblante de curiosidade.

— Eu só queria ir ver o meu irmão. Depois de tudo isso, tudo o que eu mais queria era ele. A Libby não entendeu isso e tentou me forçar a ficar. A gente começou dando empurrões e tapas, nada muito sério, mas perdemos o controle. – Ela fez uma pausa quando o ar ficou preso em sua garganta, ainda em constrangimento. – Eu sei o que vocês veem quando olham pra mim, mas eu não sou uma louca desvairada que sai agredindo as pessoas. Isso nunca aconteceu entre mim e ela, eu nunca nem vi ela desse jeito.

Jasmine continuou se estendendo sobre Libby antes de sua morte, palavras das quais ela não se orgulhava, sabendo que não fazia muito sentido caprichar em frases que não acrescentariam em nada ao que já havia dito aos outros oficiais. E talvez seja por isso que Jack a interrompeu.

— Você foi um Espírito de Defesa. – Jasmine meneou a cabeça de um jeito como se entendesse, mas Jack notou que isso significava que ela não entendera. Ele se elucidou logo em seguida: – É uma força presente em todo corpo que, desde que nascera, vem enfrentando a hostilidade e sabotagem do... Bom, do universo, do mundo, do continente, de Deus... Fica ao seu critério definir.

Devia existir algum duplo sentido no que Jack dissera, pois parecia não estar se referindo ao acidente de Libby. Enquanto ela mantinha seus olhos nos dele, sentiu como se Jack pudesse ler em sua expressão uma vida inteira. Jack e Jasmine eram muito diferentes, mas ela ficou agradecida por ele ser tão compreensivo de um jeito que nenhuma outra pessoa ali foi.

— Minha namorada é mexicana. – Explicou, em outras palavras. – Eu estou ciente de como as pessoas aqui te olham e o que pensam antes mesmo de você abrir a boca.

Num movimento rápido, ela jogou o cabelo para trás – um pouco mais confortável –, desejando que tivesse sido Jack o primeiro policial a interrogá-la quando as viaturas chegaram. Ele tinha uma expressão suave e olhos ternos, o que lhe passava alguma tranquilidade em meio ao caos presente ao redor.

— Sabe, isso não faz você entender tudo.

— Você está certa. Com certeza, não. Mas entendo o bastante para ser menos idiota do que maioria deles. – Ele apontou para os outros homens enfardados e percebeu uma risada tímida no canto dos lábios dela. – Você é de onde?

— Me mudei há alguns anos do Peru.

— É onde seu irmão está?

— Não, não. Nós viemos juntos, mas ele se mudou para Ohio depois. As chances estavam melhores para ele lá.

— Hum, entendi. – Jack leva o polegar até o queixo. – Ele foi e você ficou. Não quis ir com ele?

— Eu já estava estudando e trabalhando por aqui, então... – Jasmine deu de ombros, como se não precisasse completar a frase para que ele entendesse. – Ultimamente tenho pensado muito em como as coisas seriam diferentes se a gente não tivesse se separado.

Jack enfia a mão no bolso e uma bala aparece em seus dedos. Ele esticou o doce para Jasmine, deixando que ela pegasse e conferisse a embalagem. O sabor era de maçã verde, algo que apeteceria Jasmine em outras circunstâncias. Já tinha provado outros sabores daquela mesma marca, mas nunca era uma experiência prazerosa: apenas uma massa de açúcar com corante.

— Você realmente come essa coisa ou só carrega para oferecer?

Ele riu, num tom estrangulado, sem querer.

— Quando sou chamado, nunca sei o que realmente me espera. E nas cenas de homicídio, suicídio e acidentes, tem sempre uma criança apavorada. – Ele aponta para a bala nas mãos dela. – Acredite, essa é uma forma de distração clássica.

— Eu não sou uma criança apavorada. – Respondeu ela num tom casual, como se dissesse que aceitaria o presente, mas que ficasse claro que ela não era uma garotinha indefesa.

— É só uma bala, Jasmine. Não precisa significar muito mais do que isso.

Os murmúrios ainda ressoavam pelo prédio, lembrando que a noite ainda não havia acabado. Jack deu uma olhada à sua volta, atencioso aos detalhes. Há algo em Jasmine que o chamou atenção – seja sua experiência com o Espírito de Defesa, seja sua relação com o acidente ocorrido na Howclover. Ele olhou para ela longamente, gravando sua imagem na mente.

— Jasmine, eu entendo que você queira ver o seu irmão, mas vou pedir que não saia da cidade tão cedo.

— O que? Como assim? Eu... Eu achei que tivesse ficado claro que eu estava me defendendo.

— Não é sobre isso. É sobre o acidente na pista Howclover. É um caso ainda em andamento e como você trabalhou lá, podemos precisar de você. – Ele pôs a mão no ombro dela, atraindo a sua atenção para o que ele estava verdadeiramente dizendo, além das palavras. E como se para mostrar algum tipo de concessão, Jack se mostrou flexível. – Uma semana, pelo menos. E assim que te chamarmos, se chamarmos, nunca mais me verá de novo. Eu prometo. Tudo o que a gente precisa é de uma semana.

Ela assente com a cabeça, malcontente de que achou que faltava pouco para que o pesadelo acabasse e agora precisaria esperar, pelo menos, sete dias. Jack lhe entregou o seu cartão e pediu para que Jasmine entrasse em contato caso precisasse de assistência ou tivesse algum contratempo.

O agente ficou de pé, calmo e estoico, senhor de si. Aquela benevolência, solidariedade, encanto, fosse o que fosse, tinha então atingido um auge, fazendo Jack dar uma despedida simples, porém franca, com um aceno de cabeça e um leve toque em seu ombro – o que levou Jasmine a acreditar na natureza genuína do que ele dissera.

Jack Fry dedicou dez minutos inteiros para confortar Jasmine. No interior do átrio, a luz da iluminação noturna externa prolongavam sombras pelo chão, que se moviam conforme o balanço vermelho e azul das sirenes. Jasmine assistiu ele se afastar e, novamente, a espera de algo novo a afligia, tendo apenas uma bala de maçã verde como consolo.

À medida que Jack caminhava através do átrio, sentindo o triunfo sob os pés o fazendo se mover quase que intuitivamente, ouvia murmúrios de alguns moradores espalhados pelos cantos e uma Sra. Marchmont gabando-se para um policial por ter presenciado a cena toda – ela gesticulava com os braços para cima e para baixo, abrindo e fechando tanto o maxilar que era impossível não imaginá-lo se descolando a qualquer minuto. Ela parecia ser daquela raça irritante de pessoas idosas com linguagem enfastiada e um ar de certeza austera por achar que sabe mais do que qualquer outra pessoa.

Continuou andando, numa estratégia de desviar os olhos sempre que via uma pessoa distante estender-lhe o braço, pois sabia que seria algum curioso a fim de saber dos detalhes. Saiu do prédio, passando pela marquise, e deixou que seus passos o levassem até seu parceiro.

Barry Wong estava ao lado de uma viatura policial, vazia e com os sinais intermitentes acesos, ouvindo o que a síndica do prédio tinha a dizer com um bloco de notas na mão. Não havia mais ninguém por perto e essa era a magia que uma viatura iluminada podia fazer numa cena movimentada como aquela – apesar de Barry e Jack já não mais usarem viaturas, ela impunha uma restrição similar a um campo de força, a qual ninguém importunaria.

Entre o formalismo das roupas e dos jargões, de forma inusitada, quando viu Jack por perto, Barry dispensou a síndica com uma frase errante e transicional de um falso interesse para um encerramento abrupto. Ao vê-la indo embora, Jack se aproximou mais do parceiro, tomando o lugar da mulher.

— Algo diferente?

A resposta foi acompanhada por um menear preguiçoso de cabeça.

— Mesma coisa. Liberty era irritante, Liberty era descuidada, Liberty não prestava. Era falsa e uma piranha da noite. – Ele fez uma pausa e encarou Jack, sabendo que encontraria o parceiro com os olhos esbugalhados. – E, acredite, não foi a pior coisa que disseram sobre ela. Essa garota tinha uma reputação fodida por aqui.

— Não era do tipo popular?

— Ah, era sim. Mas não do jeito bom.

Confiantes, os dois parceiros contornaram a viatura e seguiram pela calçada até o Audi preto de Barry. A noite estrelada se abria acima da cidade, refletindo nas poças d’água salpicos brancos e brilhantes que se ondeavam sempre que alguém as esmagava.

— Barry, acho que essa Jasmine pode saber de alguma coisa.

— Sobre o que?

— O acidente na Howclover. Ela trabalhou lá, ela estava lá na noite do acidente. – Jack fez uma pausa, um pouco ansioso. – Jasmine pode conhecer o Jake.

Algo mudou no jeito que Barry olhava para o parceiro.

— O que quer dizer com isso?

— Não sei ao certo, mas acho que ela pode ter alguma informação que não sabemos. Antes de ir atrás do irmão, ela vai ficar mais uma semana. Se a gente chamá-la para...

O não-satisfeito Barry o interrompe, ácido. Com uma mão levantada e os lábios retorcidos, ele encara Jack nos olhos para que o parceiro não entenda que sua sentença é resoluta. Jack conhecia bem o parceiro e pôde adivinhar o que ele diria para cortá-lo, era um de seus momentos ferrenhos ou, como Jack chamava, “momentos acirrados” – quando o trem que Barry é, colide com o trem que Jack é.

— Vou pará-lo aí mesmo, Fry. A investigação da pista Howclover já foi encerrada. Sabemos bem que o lugar não tinha manutenção e todo o sistema interno foi comprometido com a falha hidráulica. Foi um acidente. O garoto não tem nada a ver com isso.

— Pode ser, mas tem alguma coisa que não encaixa. Como ele soube o que iria acontecer antes de acontecer? Essa menina estava lá antes do acidente, ela e o namorado. O namorado morreu há uns dias, sabia disso? E agora ela está envolvida em outro acidente. Não acha isso suspeito, cara? Foi você quem viu algo errado com ele de primeira. Não se lembra?

Uma careta de insatisfação se desenhou no rosto de Barry Wong. Balançou os ombros, inquieto, sem o mínimo de intimidação, incomodado com a insistência de Jack. Os passos deles eram equilibrados, regulares até demais, sobre a calçada. Como se cada pisada sólida que Barry desse fosse um escape factível do que se derramaria em indignação.

— Ainda não estou convencido.

Jack e Barry param ao lado do Audi e Jack cruza os braços.

— Se conversarmos com ela...

— Não, Jack! Não temos motivo para convocá-la. Não podemos fazer isso, a investigação está concluída. Não me faça reportar isso. – Foi uma ameaça inesperada, para ambos, e quando viu Jack surpreso por isso, completou com descuido. – Quando aquele garoto foi falar com a gente, você se lembra do que me disse? Você me disse... Não, na verdade você me convenceu, dizendo que visões são possíveis e as sensações são muito poderosas em algumas pessoas. Por acaso mudou de ideia, Fry?

O parceiro não respondeu. Ficou encarando os olhos de Barry e pondo em cheque as suas convicções, tentando decidir se era ou não um idiota.

— Ok, eu disse isso mesmo. Algumas pessoas dão mais sorte do que outras. Isso é verdade. – E encerra o assunto.

Barry abre a porta do motorista e entra rápido.

— Vá para casa, Fry. Esqueça isso e deixe a pobre menina em paz.

O cabelo de Jack esvoaçou com o vento. Ele se inclinou e apoiou os cotovelos na extremidade da janela aberta, se aproximando bem de Barry.

— Só para registro, ainda acho isso tudo muito estranho. A gente vê isso no nosso trabalho o tempo todo, certas coincidências não são bem coincidências. – Barry faz outra careta e reproduz um muxoxo, fazendo Jack se revirar pela censura. – Tudo bem, deixa pra lá.

— Vai acabar enlouquecendo se continuar pensando nisso.

— É o meu trabalho abdicar da minha saúde mental por essa... – A voz de Jack sumiu. Foi interrompido por algo que chamou a sua atenção. No banco do passageiro, ao lado de Barry, ele viu a sua mochila reclinada no assento e, sobre ela, uma pasta vermelha. Era familiar demais para que passasse despercebido. – Aquilo ali é o que? A pasta...

Barry empurrou o objeto rapidamente para baixo da mochila, como se estar escondido faria com ele não estivesse mais ali. Jack notou a tensão ganhar forma em seu rosto quando Barry virou-se novamente para respondê-lo.

— Só uns arquivos que eu queria analisar.

Jack assentiu, mas nada convencido. Eles trocaram mais algumas palavras antes de se despedirem, deixando um desassossego no ar.

A cabeça de Jack, durante esta noite, inundou-se de dúvidas, desconfianças e pressentimentos. Jasmine estava ligada à pista de patinação Howclover e saiu de lá antes que o acidente ocorresse. Agora seu namorado estava morto e sua colega de quarto também. Não sabia exatamente o que aconteceu com o namorado, mas estava certo que Jasmine tinha matado uma barata naquela noite – ou assim pensavam a maioria dos moradores do prédio.

Contudo, o que o preocupava era a pasta no carro de Barry. Tinha visto uma dúzia (ou mais) igual àquela no apartamento de sua namorada, numa pilha mal organizada e unicolor. Vermelho era a cor favorita de Sondra, e praticamente todo o seu material de trabalho tinha tons coral, rubi e ruborizado. Barry, por outro lado, tinha uma postura formal demais, uma seriedade em cada gesto, movimento e fala, além de uma cerimônia clássica e antiquada sobre atitudes cotidianas, como abraçar, sorrir e apertar as mãos. Não havia espaço em Barry para admitir a intrusão de cores luxuriantes e expressivas.

Imperiosa era a vontade de dar ordem aos fatos, tangenciando a estremadura imaginativa. Tentou racionalizar a parte desconfiada de seus pensamentos que se formaram subitamente, num esforço de dar sentido e alternativas para o que acabara de ver. Era possível que ele estivesse exagerando se pensasse que Barry e Sondra possuíam algum tipo de relação? – eles mal se conheciam, tinham se visto apenas uma vez, pensou Jack.

Conteve o fervor que maquinava os pensamentos atrás dos olhos e afastou a sensação incômoda de se sentir um intrometido.

 

 

Todos já tinham ido embora, exceto Jake. O Dr. Gorrell mencionou mais cedo, antes de Melissa sair, que Chris poderia ter apenas um companheiro durante a noite. E lá estava Jake, desmaiado na poltrona ao lado do leito com a cabeça pendendo para um lado do pescoço – apoiada na jaqueta jeans embolada que servia como travesseiro –, e as pernas curvadas sobre o braço do assento. Conseguiu tirar um cochilo de meia hora antes de despertar novamente.

— Te acordei? – Perguntou Chris, lambendo uma colher de plástico. Ele estava comendo uma gelatina de abacaxi sob o feixe de luz amarelo de uma luminária com braçadeira móvel acoplada à parede. As lâmpadas de vidro leitoso do corredor tiveram sua potência minorada e agora emitiam uma luz minguada pelo vão inferior da porta, que, junto com o silêncio e sombras, configuravam um cenário propício para um filme de fantasmas.

— Não, foi só o mau jeito. – Jake girou o corpo e sentou-se ereto, esfregando a nuca enquanto se espreguiçava. Uma dor pontava dali, e esfregou com os nós dos dedos para aliviar. Os olhos, úmidos e inchados, lutavam para manter o mundo estável diante de si enquanto falava. – Você podia estar comendo isso a essa hora?

— Tirei da bandeja antes que a enfermeira levasse. – E sorrateiramente escondeu sob os lençóis a tempo de não darem falta. Mental e psicologicamente, Chris parecia estar mais plácido, diferente do que aparentava fisicamente; sua perna, que, enfaixada e machucada, revelava inchaços em elevações pulsantes de pele. E, antes erguida sobre uma base estofada na forma de um triângulo escaleno, foi constantemente banhada em medicações e soro durante o dia, mas agora encimava numa engenhoca de roldanas um pouco desconfortável.

O Dr. Gorrell disse que voltaria na manhã seguinte para engessar a perna de Chris, do tornozelo até acima do joelho – uma imagem que perturbava um pouco a sua mente, porém, depois de horas encarando o teto e da distração que a companhia de Brandie e Sierra puderam lhe proporcionar no fim da tarde, Chris sentia-se um pouco mais confortável com a ideia. Em algum momento, ele perdeu os sentidos lentamente, deixando que seus olhos fechassem como se estivesse entrando num sono profundo. Quando acordou, percebeu que as amigas não estavam mais no quarto, e Jake e Melissa tinham tomado seus lugares.

“Ela deixou isso?”, perguntou Chris a eles quando viu a bolsa de crochê de Brandie sobre a poltrona. Melissa apoiou a bolsa sobre uma mesa e gargalhou quando começou a mostrar os itens para Chris. “Antes de ir, a Brandie e Sierra fizeram umas comprinhas nas máquinas automáticas e na cantina lá em baixo. Elas disseram que você fez cara feia para a comida deles, então deixaram umas coisinhas pra você”, disse Melissa num súbito e ardoroso entusiasmo. Chris tomou a sopa fria do jantar sem satisfação, e apenas o pão alentejano que a acompanhou dava um mínimo de suculência. A gelatina, então, serviria para adoçar a boca mais tarde.

Dois sacos enormes de Cheetos aparecem nas mãos de Melissa, o que fez Chris abrir um sorriso. Ela tira três barras de chocolate da bolsa, uma Hershey e duas Twix, e as deixa sobre a mesa. Melissa enfia a mão novamente pela abertura e mostra um pacote de batatas fritas tradicional, um pacote de anéis de cebola e um pacote de mini cookies de chocolate com confetes. Os olhos de Chris saltaram ao passo que Melissa tirava cada um daqueles objetos da bolsa de Brandie e, como num truque de mágica, ele manteve-se encantado. Por fim, uma lata de Coca-Cola, um pacotinho de Skittles, um dunut de castanha dentro de uma embalagem de plástico e uma laranja ainda com caule e folha.

Ficou olhando para aquele estoque que Brandie e Sierra fizeram, imaginando as duas peregrinando por toda a Snow Emergency catando todo o tipo de porcaria que ele mais gostava numa tentativa de colher suprimentos para o fim do mundo imaginário. Sua expressão reduziu-se ao desencanto quando Jake disse que ele não poderia comer nada daquilo até o dia seguinte. Chris poderia chorar feito um bebê com tamanha afronta, como se Jake tivesse tirado um doce de suas mãos. E, por essa razão, mais do que por qualquer outra, ele não se arrependeu de ter escondido a gelatina.

Melissa foi embora uma hora depois, acreditando que seria uma noite difícil sem Jake ao seu lado, mas com interesse de fazer planos para ir de encontro com a onda de mortes que vinha acontecendo. Pirrônica, porém determinada, Melissa queria poder repetir o que ela e Jake fizeram por Jasmine e Chris. Teriam as mesmas chances de novo?

Quando Jake se levantou e espichou os braços para cima, numa tentativa de esticar o corpo para evitar nós na musculatura, Chris se pegou admirando a altura do colega. Provavelmente nunca tinha visto alguém tão alto quanto Jake por si mesmo, o que o fez se sentir um pouco mais vulnerável preso naquele quarto de hospital. Jake se sentou na beirada da cama e serviu-se da água de um jarro sobre a mesa ao lado.

— Como você está? – Apontou com a cabeça para a perna enfaixada.

— Não dói como mais cedo, mas agora está mais tolerável. Só não quero ver como está por baixo dessa gaze toda.

— O médico e as enfermeiras disseram que você vai ficar bem. – Jake abriu um sorriso fraco, porém genuíno, em seu rosto, sabendo que os ferimentos de Chris poderiam trazer consequências irreversíveis. Mesmo com fisioterapia, comentou Dr. Gorrell, Chris ainda poderia apresentar sequelas. Tentou não pensar no pior enquanto dava um gole na água. – Vai poder voltar para casa amanhã depois de engessar, e isso é muito bom!

Um suspiro escapou dos lábios de Chris, ainda visivelmente preocupado.

— Tem certeza de que não quer que eu chame seus pais?

Ele desviou o olhar, encabulado por dizer a verdade em voz alta.

— A presença deles não ia mudar nada. Eu também não quero eles aqui pra me verem assim. – Seu corpo soltou um suspiro de alívio por Jake não o olhar com julgamento. – Acha que sou uma pessoa ruim por não querer eles por perto?

— Não acho isso – Jake foi enfático. – Algumas relações são difíceis de manter.

Os pais de Chris sempre lhe pareceram uma miragem à distância num deserto solitário. Às vezes aparecendo com forma e voz, às vezes apenas os contornos de uma lembrança, mas sempre sumindo novamente, sem nunca dar a certeza do que é ou não real. Com os rostos estampados em placas fincadas em jardins e ilustrando bancos da cidade, o Sr. e a Sra. Swanby reservaram, desde que o filho conseguia se lembrar, seus lugares na comunidade, e, com isso, Chris sempre soube que o trabalho era uma prioridade – a maior de todas.

Desempenhando essa função, Chris os admirava sem escrúpulos, procurando até reproduzir o mesmo caminho de tijolos amarelos que eles diziam ter trilhado, mesmo que em algum grau mais singelo. Eles ocupavam o posto de Trabalhadores da Vida e esse parecia ser o único dever deles. Sempre de terninhos, duas figuras cinza e sem brilho, mamãe com os olhos presos no Blackberry e papai com a cara enterrada no jornal, Chris não os via como seus pais e sim como instrutores.

Durante grande parte de sua adolescência, quando estava lutando com os livros e anotações que iam se aglomerando e empilhando sobre a escrivaninha, Christopher se afogava numa casa solitária. Estava prestes a se formar, escolher uma universidade e encarar uma nova vida, mas ninguém além dele parecia se importar com isso. Foi a época em que mais se identificou com Sierra – outra adolescente surtando pela transição de vida antiga para a vida nova –, então arrumava o material em sua mochila e os dois iam se encontrar depois da aula para estudarem juntos. Seus pais não se importariam se ele ficasse o dia todo fora e eles realmente não ligavam, tampouco percebiam. A verdade é, quando é que eles conversavam alguma coisa? Quando é que eles se interessavam pela vida de outra pessoa que não estivesse interessado em comprar uma casa?

Depois de dois meses estudando juntos, Brandie se juntou a Chris e Sierra e os três formaram um clube de estudos pelo resto do ano. Sierra promovia resumos e os últimos destaques sintéticos que fazia das últimas leituras; Brandie abria cartões de perguntas e respostas nas mãos como um baralho, assim como mapas mentais e palácios da memória engendrados em desenhos, pinturas, corte e colagem, repletos de criatividade e tinta colorida – as companheiras de estudo mais inspiradoras que Chris poderia encontrar e, mais uma vez, sentiu-se deslocado. Enquanto Sierra e Brandie criavam as suas realidades, Chris tentava se encaixar em uma. Parecia que o mundo se desenhava daquele jeito: os que criam e os que se adaptam.

Estava prestes a fazer as provas finais e iniciar as entrevistas universitárias, não havia tempo para perder numa crise existencial. Apagou todas as dúvidas e dívidas que se apresentaram, mas elas deixaram buracos. Incômodos e profundos buracos. Quando a carta de admissão da Faculdade de Charleston chegou, comemorou matando duas dúzias de Budweiser e uma garrafa de Bollinger com Jake, Levi e Josh. As garotas os encontraram desacordados na edícula de Chris um dia depois, quando Melissa e Diana começaram a se preocupar com o sumiço dos namorados.

A cena que se seguiu após isso foi de completa diversão; enquanto Melissa catava as latas espalhadas pelos cantos, Diana tentava acordá-los aos berros, intercalando gritos com uma canção pop, e Brandie arrastava o corpo inerte de Chris pelos pés através do cômodo, com o intuito de tirá-lo de perto da mesa de vidro. Sierra saía e entrava da edícula calculando a distância, então apareceu com uma mangueira na mão e gritou “tive uma ideia!”. Num esforço fervoroso, as garotas alinharam os quatro corpos desfalecidos perto da entrada e, com toda a satisfação que o momento poderia proporcionar, Sierra apontou a mangueira para eles, deixando que o jato de água gelada fizesse o seu trabalho.

— Eu ainda não consigo compreender bem como isso está acontecendo com a gente. Parece tão surreal, como uma daquelas histórias aterrorizantes de acampamento.

— Sabe o que parece uma história aterrorizante? – Jake esperou que Chris o olhasse nos olhos. – Noite passada eu sonhei com o Levi. Não é muito incomum isso acontecer, você sabe, tudo o que aconteceu com nós dois ainda é bem recente. Mas dessa vez foi diferente. Foi mais intenso, mais alto, mais forte... Não pareceu um sonho, era como se ele estivesse mesmo conversando comigo.

Chris pensou sobre isso.

— Você não acredita que possa ser o espírito dele?

— Não sei, cara. Tenho medo de ficar louco com tudo isso.

— Bom, os espíritos só vêm àqueles que eles escolhem. – Chris disse com sinceridade, porque realmente acreditava nisso. – Levi tinha uma conexão muito grande com você, sempre teve. Com certeza ele queria te dizer algo.

Um sorriso se formou nos lábios de Jake.

— Uhum, ele me avisou pra ir atrás de você. – Jake fez uma pausa quando Chris abriu mais os olhos. – Quero dizer, não com essas palavras exatamente, mas ele disse que você estava correndo perigo. E acho que ele te chamou de coelho branco.

Os dois amigos riram um por um instante.

— Parece ser uma coisa que ele diria. – Disse Chris, pensativo. – Obrigado, de novo, por ter me salvado. Não sei como vou retribuir isso, mano.

— Você sabe que não precisa fazer isso.

Chris balança a cabeça.

— Vocês são o mais próximo que eu tenho de uma família.

As palavras de Chris preencheram o espaço de um sentimento não expressado, de um pensamento não pensado e de frases não pronunciadas antes, tomando o controle; o famoso modo disciplinado de falar de Chris estava presente naquela sentença e Jake soube, pelo poder da sinceridade explícita pela voz do amigo, que aquilo significa tanto para Chris quanto pra ele.

Jake foi acolhido na edícula de Chris após voltar de Rhode Island. Passou algumas semanas lá até conseguir – com a ajuda do Sr. e Sra. Swanby – se firmar com Melissa num bairro afastado de casas pequenas e baratas. Jake não teve coragem de contar sobre o acidente na viagem por telefone enquanto estava no hospital da região, e, depois de recusar muitas chamadas, ele apenas inventou uma desculpa qualquer na décima quarta ligação dos pais para justificar o prolongamento da viagem por mais algumas semanas até que pudesse se recuperar o suficiente – e então conseguir pegar o voo de volta sem muita dor.

Quando chegou ao aeroporto e viu seus pais com duas placas enormes – cada uma com um nome: Jacob e Levi –, seus joelhos ameaçaram ceder. Brandie e Sierra tinham a intenção de fazer alguma piada com uma caixa de som que tocava uma música romântica (a fim de ironizar uma cena dramática de antigos filmes de romance que sempre tinham uma cena parecida em aeroportos). Diana estava nos ombros de Josh e segurava no alto um pôster com as fotos de Jake e Levi passadas num photoshop para deixá-los com a aparência bem mais velha e cabelos grisalhos, num recado debochado de que eles demoraram demais para voltar. Então viu no canto Melissa e Chris de braços dados enquanto balançavam as mãos para ele. Jake reprimiu as lágrimas com força enquanto tentou acenar com uma das mãos, mas pôde ver sua alcateia minguar, conforme ia se aproximando, ao verem as ataduras em volta do pulso que lhe escapavam pela manga do casaco.

Foram necessários oito dias para que o Sr. Townsend conseguisse entender toda a história que Jake contara sobre a viagem à Rhode Island, para que conseguisse, então, derramar as lágrimas de tristeza. Depois do acidente, Jake decidiu cremar as partes que restaram do corpo de Levi e deu nas mãos da mãe a urna com as cinzas. Levou, para a Sra. Townsend, duas semanas e dois dias até a total absorção do fato de que o filho mais velho havia morrido e não mais voltaria.

Assim que entraram no processo de luto, os pais de Jake reagiram à morte de Levi, não com palavras, mas com vazio. O lado mais banal dele queria pedir desculpas, se ajoelhar e rastejar no chão para que os pais o olhassem de novo como antes, mas o outro lado dizia para apenas esperar. Não seria justo se culpar por um acidente, uma catástrofe, um desastre... Afinal, quem poderia previr?

Confidenciou sua aflição a Christopher num momento que julgou ser de fraqueza – pois nem mesmo à Melissa ele havia comentado sobre o péssimo clima registrado entre ele e os pais. A confissão veio com lágrimas e dor, o que afetou tanto Chris a ponto de puxar Jake para um abraço apertado. Foi, talvez, um dos abraços mais apertados que já dera em toda a sua vida. Na mesma hora, Chris ofereceu sua edícula como uma estadia provisória, a qual Jake poderia ficar o tempo que quisesse e precisasse para se recuperar de tanta tensão mental.

Vocês são o mais próximo que eu tenho de uma família.

— Nós somos uma família.

 

 

Desfazer uma trança é como revisitar a tela inicial de um trabalho quando não existia nada além de um abstrato conceito. Não uma tela em branco, mas o começo de uma antiga-nova-ideia. Brandie Scheer pensou nisso enquanto se olhava no espelho do seu quarto. Ela puxava as linhas das tranças raiz, deixando com que o cabelo castanho claro caísse por ambos os lados do corpo, agora passando bem mais da linha dos ombros. Ela o lavou e hidratou com produtos específicos ao passo que cantarolava uma velha canção. Depois de terminado, se secou e encarou a garota no espelho.

Não estava surpresa por conseguir ver um pouco de insegurança; a testa franzida obscurecia qualquer traço de espontaneidade que Brandie sabia ser uma de suas mais conquistadoras características, e manchava quase que totalmente a imagem da euforia que a dominou há uma hora. Ainda assim, era dona de uma beleza estonteante, orgulhosa principalmente por ser dona de um olhar transparente. Os olhos de um azul expressivo cintilavam de encontro com a luz da penteadeira. O cabelo, agora escorrido, estava pesado e repleto de uma fabulosa densidade acetinada. Não usava maquiagem nesse momento e decidiu que também não usaria absolutamente nada no dia seguinte. Seria a primeira vez em muito tempo que mudaria o visual, e isso a animava.

Após chegar à casa, ainda com preocupações claras refletidas atrás do olhar – por ter deixado Christopher no hospital, por ter deixado Journey sozinho em seu carro sem muitas explicações sobre o acidente, por causa de uma perseguição interminável que vem deixando uma trilha de corpos e dor –, Brandie se pegou correndo de volta para o abrigo o qual seria sempre bem-vinda.

A Sra. Scheer apareceu com os braços abertos e apertou a filha sem muita cerimônia. Alimento-a com as sobras do almoço e um copo de chocolate quente, confortou-a quando Brandie mencionou o acidente de Chris mais cedo e mimou-a com tantos beijos e afagos que poderia erguer uma muralha com tanto afeto palpável. Estava abatida quando chegou ao quarto, sentou-se na cama e apoiou as costas na parede. Brandie catou o celular e verificou as mensagens. Os dois últimos contatos registrados eram de um número desconhecido e o outro era Melissa. Prendeu a respiração intuitivamente quando viu doze notificações de mensagens de áudio e texto na conversa com Melissa, e a imagem de Chris inconsciente, cheio de tubos presos ao seu corpo e a língua caída para fora da boca veio à mente. Só voltou a se tranquilizar quando leu que Jake tinha ficado no hospital com Chris durante a noite, e então Melissa a atualizou um pouco mais sobre as suas impressões de Marybeth, Toby e Duncan, contudo não conseguiu entender bem o que ela quis dizer com “sinais agourentos” e “fique atenta”. Ao terminar, organizou as informações na cabeça para que não as perdesse de vista. Então, checou a mensagem pendente do número desconhecido. Era Journey. Eles tinham trocado seus números naquela manhã, mas ela não esperava uma mensagem – pelo menos não tão cedo.

A mensagem foi enviada três horas depois que ele a deixou na porta do Snow Emergency. Journey mal conseguiu dizer algo no fim, tudo o que conseguiu fazer foi acompanhar Brandie com os olhos saindo em disparada pelas portas automáticas à procura de Chris, tão afoita que esquecia-se de respirar. Depois de passar o dia ao lado do amigo, finalmente conseguiu tempo para dar atenção a outra coisa. Leu a mensagem dele, o que a fez abrir um sorriso involuntário no rosto. Era um texto longo juntando vários argumentos para que ela o encontrasse num centro budista no dia seguinte, enquanto pedia, depois implorava, para que ela não o deixasse no vácuo. Era uma provocação! Não do tipo nefasto, como ela interpretou o convite do jantar na outra noite, mas do tipo sedutor. Essa era uma atitude não tão comum nos homens com quem saiu durante os últimos anos, aliás, durante a vida toda. Journey aparecia com aquela abordagem entusiástica, fascinantemente irresistível, mas não tipicamente direta ao ponto – como já bem percebeu. Tudo o que ela sabia é que ele tinha começado a investir nisso, e, seja lá o que tivesse entre os dois, era um processo que Brandie também sabia que tinha sido iniciado dentro dela.

Um brilho cheio de poder a fez sorrir com os olhos. Brandie nunca fora uma garota de se limitar a uma redondeza lúcida, e isso nunca ficou tão evidente quanto no atual momento, o qual aceitava o risco de ter o coração partido em mil pedaços pela sua intuição – uma suposição erigida diante da imagem fatídica da sua morte supostamente iminente ou um cenário em que não haja nada além de um rapaz femeeiro a fazendo aleivosamente de trouxa. Mas apenas no caso de estar errada, caso a suposição fosse tão profética quanto ela temia que fosse. Quando terminou de ler a mensagem, uma deliciosa onda de energia a atravessou, então, pouco a pouco, foi sendo domada, em seu perpétuo entusiasmo, por uma alegria não controlada.

Uma ideia veio à mente de Brandie. Na verdade, mais que uma ideia, uma vontade. Foi ao banheiro quase que imediatamente, e, sem ao menos pensar duas vezes, com gestos automáticos, começou a destrançar o cabelo. Enquanto trabalhava nisso, sua mente visitava dois mundos: um em que Chris – um de seus melhores amigos – estava deitado num leito, ferido e vulnerável, como um rato numa ratoeira, uma conquista fácil para a morte, se assim desejasse. Outro no qual havia luz, esperança, aventura e, quem sabe, alguém com quem ficar. Parecia tão errado sentir algo diferente de medo, contudo, num não tão complexo paradoxo, sentia medo de que isso lhe custasse a vida.

Assim que terminou de soltar o cabelo, pensou em Marcie. A sua ausência ainda doía, mas não mais do que passar pela porta aberta do quarto dela toda vez que caminhava em direção ao seu. Às vezes, encontrava a mãe deitada na cama da irmã, segurando os antigos cadernos de desenhos, que, com o tempo, deixaram de ser coloridos e contornados, e se tornaram debuxos sem vida.

Quando mais nova, bem mais nova, Marcie era feita das histórias que lera quando ela e Brandie eram crianças. Os cachos loiros sobre uma cabecinha dotada de criatividade, compartilhando imaginação com a irmã, pintando papéis de todas as cores, andando de bicicleta pelo bairro e pulando a amarelinha rabiscada na calçada. Ela sentava-se aos pés da poltrona do Sr. Scheer, rabiscando desenhos coloridos do Parque Emerson, da maneira como se lembrava das vezes em que passava por ele ao voltar da escola: pessoas passeando com seus cachorros, uma mulher idosa sentada no banco atirando alpiste às pombas e um bosque paralelo a um chafariz. Marcie era encantadora, com uma magia muito própria, embora também de uma maneira como são encantadoras as menininhas dessa idade. Brandie sempre acreditou que um espírito artístico e aventureiro habitava em seu corpo, mas foi Marcie quem a ajudou a libertá-lo. Talvez esse seja o motivo de ambas terem se identificado desde cedo, antes de Marcie vir morar com a sua família, antes de se tornarem irmãs, antes mesmo do acidente que tirou a vida dos pais dela.

Durante a passagem dos anos, Brandie evitou pensar em como aquela menina não conseguiu conservar seu admirável encanto jovial, uma espécie de beleza que, diferente de Marcie, manteve viva dentro de si após aprender tanto com a irmã. Quando teve idade suficiente para conseguir entender, o que quando muito jovem era incapaz, todo o evento ao redor do acidente dos pais, Marcie sentiu um tipo de desolação dominando e sobressaindo em sua vida. Tudo mudou, então. Dentro de Marcie havia uma energia diferente que levava sempre a uma resolução impensada por aqueles que a conheceram desde a infância.

Era linda, da sua forma, mas Marcie não estava satisfeita com o que via no espelho. Resolveu, então, alinhar o seu interior com o exterior, fazendo tentativas de alterar sua aparência: não de melhorar (não era essa a questão), mas de modificar e se ajustar a algum molde. Era um pouco mais vaidosa que a irmã, um dos poucos aspectos que a diferenciava de Brandie, pintando o rosto com cores escuras e substituindo os casacos de malha por couro. Gradativamente, sem perceber, a vida que vinha antes da vida que conhecia bem encheu-se com uma estranha resplandecência na fantasia de Marcie, uma fascinação pouco benéfica tomando conta de si.

Quando tinham dezesseis anos, Marcie aterrissou na entrada do quarto de Brandie com um destemor carimbado no rosto, puxou Brandie pelo pulso e contou que queria fazer algo “louco”, algo em que andava pensando há semanas.

As ruas de Saint Paul brilhavam em Março, assossegando as festividades do fim do Winter Carnival (um evento anual da cidade) e deixando com que as atividades rotineiras voltassem ao seu habitual. É considerado um dos melhores momentos do ano, o pós-festival, caminhando para o final do inverno e predizendo a primavera, o momento em que a agitação na cidade se atenua e tudo volta à onda rotineira perfeitamente normal. Não tão normal para Brandie... Uma hora depois de Marcie aparecer no seu quarto com uma confissão nos lábios, as duas estavam de pé sobre o gramado da antiga casa de Marcie, julgada mal-afamada pelas memórias (ou falta delas), completamente sem objetivo.

— O que você tá fazendo? – Perguntou Brandie ao ver Marcie se aproximar demais do portão que dava para o quintal da casa.

— Vou só dar uma olhada.

— Marcie, não sabemos quem mora aí agora.

— Outra família, oras. – Respondeu com uma piscadela. – São duas mães e duas filhas. Elas têm uma tartaruga de estimação e um aquário enorme cheio de peixes. – Ela tira o pino da gradezinha e caminha pela lateral, entre uma cerca viva e uma extensa parede rachada.

Brandie a segue.

— Como sabe dessas coisas?

— Eu vi outro dia.

— Há quanto tempo tem vindo aqui? – Sem resposta. – Ei, Marcie, você tá vigiando esse lugar? Meu Deus, você parece uma maluca! Não podemos entrar desse jeito, elas podem ver a gente. – Marcie e Brandie chegam até os fundos, onde um freixo se entorta no canto com um balanço pendendo de um galho robusto.

— Elas não estão em casa agora. As meninas estão na escola e as mães estão no trabalho.

— Mesmo assim... Meu Deus, você está mesmo vigiando essa família! – Brandie segura o braço de Marcie, a impedindo tocar no vidro da porta de correr que dava para a cozinha. Elas conseguiam ver a louça na pia e duas tigelas de cereais em cima da ilha. – Não vamos fazer isso. Vamos embora, Marcie! Por favor.

Levou algum tempo antes de Marcie ceder aos conselhos/apelos da irmã, um pouco tarde para Brandie, visto que quando Marcie resolveu recuar, as duas estavam prestes a subir as escadas da sala de estar. A casa, por dentro e por fora, não passava do mais convencional cenário de filmes adolescentes, nada impressionava as garotas, com exceção dos porta-retratos. Marcie encarou cada um sem urgência, imersa em camadas e mais camadas de sentimentos, triando entre eles algo com o que pudesse se amparar. Ela fora hipnotizada por uma fascinação nada saudável, perdida na beleza daquele pequeno núcleo familiar. Era palpável o calor e carinho que encontrou ali, algo que ela poderia sentir com os seus pais (os verdadeiros pais), apesar de nunca ter usado isso contra o Sr. e a Sra. Scheer. Marcie voltou à realidade após Brandie gritar o seu nome duas vezes. Ela brandiu as mãos num ato de aceitação, então recuou. As duas saíram por onde entraram e nunca mais conversaram sobre esse dia.

São essas as recordações de Marcie que se apossam de Brandie todos os dias. Havia tantas coisas que gostaria de ter perguntado a Marcie, mas nunca tivera coragem. Sabia que, fosse o que estivesse dentro da cabecinha da irmã, seria uma conversa que as levariam até sua infância. Ao invés de confrontá-la, com medo de perder mais um pouco dela, Brandie investigou as evidências que a irmã deixava nessa vida, o que não era muita coisa: estudou seus desenhos, examinou sua playlist, folheou os cadernos da escola em busca de anotações reveladoras... Nada parecia se comunicar com ela. Talvez, no final das contas, Marcie estivesse apenas sendo ela mesma. Talvez Brandie nunca sentisse sua família e as coisas como ela sentia. Assim como também ninguém nunca teria recursos para perscrutar a sua história, e era esse o enigma que via em Marcie.

Brandie se encarou na tela escura do celular, estagnada entre sentimentos. Quando leu a mensagem de Journey, sentiu um familiar friozinho na barriga, algo que era acordado em todo início de relacionamento, algo que ela gostava. Mas parecia tão errado sentir algum ânimo nesse momento, enquanto tudo parece desabar à sua volta. Então os pensamentos com Marcie voltaram como uma enxurrada. Era como se a irmã se interpusesse entre ela e algo feliz, mas Brandie se recusou a imaginar Marcie como uma âncora e então torceu para que as lembranças antigas estivessem ali apenas para que a ajudasse a ignorar a sensação de insegurança que a arrancava da realidade quando pensava no convite de Journey.

Uma brisa leve de vento frio invadiu o quarto de Brandie naquele momento. Ela sentiu a pele arrepiar e, com isso, a clareza de um sentimento amargo se fez consciente – sentia a falta de Journey, com quem compartilhara a pauta mais relevante de sua vida no momento. Pensou que poderia inventar uma desculpa, desconversar ou simplesmente ignorar aquela mensagem, mas ela não fez nada disso. Ela não queria fazer nada isso. Talvez o que a repelisse de Journey fosse justamente a razão pela qual ela deveria se aproximar, e essa era, Brandie sabia com toda a certeza, a parte mais complexa da equação que representava a sua relação com ele.

O único problema real era a obscuridade da coisa toda. Por mais desconfiada e cética que estivesse sobre Journey, uma ponta de disposição emergia suspendendo o seu “eu” intrigado. Estava fascinada por aquele sujeito de ar próprio e indecifrável, ainda por cima seu semblante agitado quando ela estava por perto, ateando fogo em sua vaidade. Brandie não conseguia ignorar o desejo de que ele gostasse dela, mesmo ainda tendo claras reservas em relação a Journey.

Pensou bem, então respondeu rapidamente.

 

 

Alane Burnell ficou agachada atrás da mesa da cozinha durante todo o tempo em que seu irmão, Joshua Burnell, esteve lá. Ele fingiu não a ver por alguns minutos, então começou a marchar de um lado para o outro, simulando os passos de um soldado prestes a preparar um bolo. Ouviu a irmãzinha dar um risinho quando ele pegou o pote de mel e pôs na bancada.

— Hum, isso vai ficar muito bom! Ainda bem que dessa vez não vou ter que dividir com aqueles monstrinhos. – Disse ele num tom mais alto que o habitual, conferindo-a pelo canto do olho. Ela estava sobre os joelhos, com as duas mãozinhas cobrindo a boca, mas ele conseguia perceber o sorriso de satisfação de uma criança que achava que não iria ser pega.

Começou a repassar em voz alta os ingredientes e modo de preparo do bolo de chocolate que a mãe fazia de vez em quando, abrindo uma gaveta e tirando uma colher de sobremesa. Josh abriu o mel e posicionou a colher ao lado, deu as costas e abriu a geladeira, apenas dando tempo para ver o seu plano dar certo.

Alane e Zach eram gêmeos idênticos na aparência, mas divergiam muito em suas personalidades.

Os gêmeos dividiam o quarto em frente ao de Josh, que achou que enlouqueceria quando os dois nasceram. Durante dois anos foi impossível ter uma noite de tranquilidade naquela casa, ainda mais com os choros-berrantes-estridentes de Alane – dez vezes mais altos que os de Zach. O Sr. e a Sra. Burnell mal conseguiam descansar no início, com olhares de ansiedade sobre os filhos mais novos e atenção duplicada, mas assim que voltaram à rotina de trabalho, Susan e Josh tiveram um papel maior do que imaginaram. O começo foi mais conturbado para ambos, não se lembravam de ter sido tão cansativo assim ajudar a cuidar de Tommy Atomic. Contudo, ao passo que iam crescendo, sorrindo e imitando os irmãos mais velhos, um sentimento cálido e magnânimo substituiu o amargo da responsabilidade conferida.

Diferente do humor calmo de Zach, Alane tinha uma contínua e recalcitrante energia. Desde cedo mostrava uma personalidade obstinada, sabendo exatamente o que quer e o que não quer, do que gosta e do que não gosta, antes mesmo de começar a andar e falar. Josh e Susan achavam cômico o modo como Alane conseguia o que queria, pois rapidamente o tom de voz da pequenina mudava para a mesma placidez da de seu irmão gêmeo quando estava satisfeita. Alane não parava de falar nunca e talvez esse seja o motivo de ela gostar tanto de suas bonecas e bichinhos de pelúcia – conversava com cada um, contando histórias mágicas e segredos inventados. No fim do dia, após a creche, os arrumava em fileiras nada ordenadas, encenando uma aula cheia de teorias imaginativas fazendo perguntas e logo depois as respondendo como se fosse outra pessoa.

Não se espantou ao vê-la tentar alcançar o mel na bancada ao virar-se. Fechou a geladeira com cautela e se aproximou sorrateiramente por trás da irmãzinha feito um leopardo, ergueu Alane por baixo dos braços e a girou no ar. A menina soltou uma risada descontrolada quando Josh soprou em sua barriguinha.

— Quem é essa Formiguinha atrás do meu mel? – E rodopiou com ela pela cozinha.

— Sou eu, Josh! Sou eu. – Ela respondia, afobada.

Ele a sentou na bancada e ajeitou seus cabelos emaranhados.

— O que tá fazendo acordada, Formiguinha?

— Você tá acordado também.

Ele riu.

— Eu sou o irmão mais velho, as mesmas regras não se aplicam a mim. Você e o Zach dormem cedo por um motivo, os adultos não precisam mais seguir isso.

— Seguir o que? – Perguntou curiosa.

— Crianças precisam crescer. É a natureza seguindo seu curso.

— Eu quero ser mais velha também. Aí não vamos dormir nunca mais! – Ela levanta os bracinhos para o alto, animada.

— Err... Mais ou menos, não crie expectativas.

— O que é isso?

— Isso quer dizer que não devemos desafiar as leis da natureza. Então, vamos pra cama agora! – Quando ele estava prestes a pegá-la no colo de novo, Alane aponta para o pote de mel. – O que foi? Quer isso?

Ela ri como resposta.

Josh enfia o dedo indicador no pote e então o leva até o nariz dela.

— Aqui, Formiguinha. – Ele passa um pouco na ponta do nariz dela, o que faz Alane rir mais.

O irmão mais velho olhou fixamente e com atenção a irmã mais nova melecar as mãos com o mel do nariz e levá-los à boca. Os dois se divertiram enquanto ele a ajudava a se limpar, e então Alane o segurou firmemente pela nuca enquanto ele caminhava com ela no colo para o quarto dos gêmeos. Zach estava deitado em sua cama, num sono profundo e tranquilo, sem suspeitar que sua gêmea estivesse se escondendo pela casa a ponto de dar um golpe alimentício no irmão mais velho.

Uma rajada azul de imagens luminosas pululava de um abajur no canto. As figuras de coelhos, cachorrinhos, gatinhos e andorinhas se estendiam pelas paredes e teto de modo suave, numa tarefa de acalmar Alane durante a noite, visto que a Sra. Burnell leu uma reportagem curta e interessante sobre como animais fofinhos e luz azul podem sossegar as crianças. Josh tinha dúvidas se aquilo realmente estava funcionando com Alane. Ele a cobriu até o pescoço, apertando a coberta ao redor de seu corpinho como uma lagarta no casulo, deu um beijo na bochecha da irmã e se afastou devagar. Deu uma última espiada no quarto antes de encostar a porta.

Voltou a se sentir fraco quando sentou na beira de sua cama. Olhou para o frasco laranja de Elijah em cima da sua mesa, indagando sobre o que poderia ter dado errado. Tinha tomado uma pílula vinte minutos antes, antes de se cansar de ficar de olhos fechados sob as cobertas, antes de se levantar e ir beber um pouco de água, antes de ouvir os passinhos de Alane atrás de si, mas nada acontecera. Cadê a mágica? Talvez estivesse com expectativa demais sobre a segunda noite, causando uma ansiedade inesperada.

Subitamente, subiu-lhe pela garganta um familiar e ardente bolo, como se duas mãos estivessem apertando e esmagando as suas traqueias por dentro, por baixo da pele. Josh não conseguiu conter as lágrimas que se acumularam nos olhos, sussurrando baixo para si “de novo não, por favor, de novo não”. As palavras dos pais de Diana vieram à mente, assim como os olhares de seus familiares no funeral, como dedos apontando e gritos de desordem. Eles sobreviveram ao acidente na pista Howclover, mas Diana morreu logo em seguida. Ela morreu, ele não. Ela morreu, por causa dele. Ela morreu, por minha causa. O quarto ficou sombrio quando ele abriu o frasco e jogou mais um comprimido na palma da mão, não pensou muito no efeito disso antes de empurrá-lo para dentro da goela.

A sensação amarga da pílula fazendo seu caminho lhe deixou inquieto e quando menos percebeu, já estava na cama. O corpo deitado de costas e as pernas para fora, com os pés tocando o chão. Um ronco abafado se alojou nos ouvidos de Josh, causando um estranhamento, mas conseguia sentir a pulsação do corpo conforme seu coração acelerava. Rápido e mais rápido.

As sombras na janela começam a se movimentar, como se o véu da noite estivesse sendo chacoalhado. Finas faixas de luzes projetadas das casas vizinhas reduziam-se ao passo que silhuetas escuras, de formas misteriosas e indistintas, iam se amontando, ganhando mais compreensibilidade, finalmente se moldando como dedos esqueléticos prolongados no teto. As lágrimas escorreram pelas têmporas de Josh, encarando aquele demônio de palma erguida sobre ele. Aquilo não podia ser real, será que já teria pegado no sono? Será que eram apenas contornos de galhos? Josh não conseguia distinguir nada daquilo. Sentiu as pernas dormentes, não conseguindo movê-las. Quis gritar, mas mal conseguia produzir um som.

Com os lábios, ele ciciou: me desculpa.

Não queria perder o controle de suas emoções, não de novo. Aquela imagem no teto deveria ser coisa da sua cabeça, o desgoverno de seu coração deveria ser efeito dos comprimidos. Elijah foi bem claro, apenas um antes de dormir. Quantos tinha tomado? Um antes de ver Alane. Um depois de voltar ao quarto. Outro depois que o movimento de seu peito se avivou. Mais um depois de ver as sombras no teto... Ou foi antes? Foram quantos, afinal? Ele tenta pôr os pensamentos em ordem, talvez depressa demais, sofrendo um cansaço mental abrupto, então logo desiste ao perceber que o suor lhe umedecia progressivamente.

Alguma coisa parecia estar errada com seu corpo, ele sentia isso, não era como na noite anterior. Seus ouvidos ainda pareciam abafados quando ouviu uma voz conhecida, masculina e rouca. Ele mandava Josh se recompor, entender que as coisas são passageiras e tudo o que importa é o agora. Era um som tão vívido, como se Elijah estivesse ali com ele. Mas Josh não o via, mesmo girando a cabeça e encharcando o colchão com o suor do couro cabeludo, ele não o via. Agora Elijah brigava com ele, o amaldiçoando por não tê-lo ouvido. “Uma pílula, Josh! Eu falei pra você. Por que não me escuta? Por que não escuta ninguém?”. Um mal estar percorreu suas vísceras, deixando-o apavorado. “Você não escuta ninguém, Josh? Isso é verdade?”, disse outra voz. Também masculina e também de uma pessoa próxima, uma voz que não ouvia há um tempo. Jake gritava, a ira era presente no tom descontrolado, “por que diabos não me atende, Josh? Não quer me escutar? Do que tem tanto medo? Não adianta fugir disso, você ajudou a matá-la, a morte te usou como um mero peão para chegar até ela. Você permitiu isso, Josh, como vai pagar pelos seus erros?”.

Então, Elijah começou a discutir com Jake, e Josh não sabia dizer qual deles estava mais irritado. “Se parasse de olhar para o próprio umbigo, conseguiria fazer algo a respeito. Tudo o que você sabe fazer é se vitimizar, tornar tudo uma coisa sobre você, como se só o pobre Josh tivesse problemas nessa vida”, Susan interrompeu Elijah e Jake. “Vocês não entendem, ele está sofrendo. Deixem o coitadinho lidar do seu jeito, ele sabe o que é melhor pra ele mesmo. Pra ele e para a namorada. Ex-namorada, agora”, e nada nunca soou tão horrível como aquelas vozes naquele momento. Os olhos de Josh estavam vermelhos e não paravam de lacrimejar, querendo que aquilo cessasse, que todos fossem embora, que as vozes se calassem. Sem perceber, ele segurou a cabeça entre as mãos, sacudindo de um lado para o outro, aflito e perturbado pelos murmúrios. A mão esticada, a garra esquelética, movendo-se em silhuetas, se aproximando cada vez mais de seu corpo vulnerável, transmutando de sombras triviais para uma massa escura e assustadora, descolando da superfície do teto em direção à cama.

Josh procura dentro de si o que ainda lhe restava de forças, compelindo um gemido longo e doloroso. “Ah, lá vai ele de novo querendo subverter os padrões de vilão e vítima. Não consegue ficar calado nem por um minuto?”, as palavras de Susan eram ríspidas e grosseiras. Josh sabia que a irmã nunca falaria assim com ele, mas a dor ao ouvi-las era inevitável. Havia uma verdade sendo desvelada por trás delas, por isso doía. “Não estaria assim se tivesse me ouvido, Josh. Se tivesse ouvido qualquer um de nós”, Jake continuou, “não há nada que possa fazer agora”. O burburinho parecia uma convocação do mal, evocando criaturas medonhas das profundezas mais escuras as quais os pensamentos de Josh não poderiam chegar por conta própria. A confusão mental começou a misturar as vozes. Sentiu a pressão de dedos magros e duros ao redor de seu corpo, apertando-o. O suor que saía dos seus poros estava frio, causando arrepios em cada curvatura do torso. Aquela garra demoníaca só precisava pressionar o punho fechado mais um pouco para acabar de vez com aquilo, então levaria seu espírito de encontro com a morte. Na verdade, era isso o que aquele momento parecia, uma estação de passagem para a uma morte iminente – que começa numa sensação de desconforto crescente, passando pelos piores pesadelos e culminando numa morte lenta e dolorosa. A sensação da presença do sobrenatural é mais intensa e inflamada na mente fraca e doente, então ele estaria pronto para o próximo passo.

Naquele momento, Josh ouviu outra voz. A voz mais familiar de todas, criando uma comoção em sua alma completamente oposta da que as outras vozes provocaram.

— Amor, você está bem?

De repente, tudo ficou em silêncio, podendo se concentrar apenas naquele som.

Ele sentiu aquela mão magra em seu peito, agora o acariciando lentamente. Uma sensação de alívio o regeu quando seus olhos se viraram na direção em que a voz vinha. Diana estava deitada ao seu lado, o olhando com ternura e graciosidade – de uma forma que só ela tinha. A garota estava exatamente do jeito como ele se lembrava. A franja loira estava nela, assim como os olhos castanhos e seu corpo enfeitado pelo maldito “vestido da primavera”. Seu cabelo tinha cheiro de morango, naturalmente de um dos seus xampus favoritos, e é tão ridículo pensar nela assim, mas é naturalmente da Diana estar daquele jeito. Não havia preocupação ou raiva, não havia nada nela que lembrasse o que acontecera no hotel Cahrman. A desorientação chegou para ele então, não forçando uma lucidez nem se deu ao trabalho de dar ordem aos fatos, apenas se entregou ao que quer que estivesse acontecendo.

— É você mesma? – Ele teve dificuldade de mexer os ombros, mas conseguiu erguer uma das mãos. Passou os dedos lentamente pela bochecha rosada dela. A pele era tão macia e aveludada, ela estava maquiada e redolente. Diana sempre fora vaidosa, é claro que estaria parecendo uma boneca de porcelana naquele e em qualquer outro momento. – Eu queria que você estivesse aqui, de verdade.

— Do que você está falando? Eu estou aqui, bobinho.

— Não, não está. Você morreu.

— Josh, você está louco? Não fale isso nem brincando! – Exclamou zombeteira, como se não passasse de uma brincadeira fora de hora. A garota sorriu cheia de fogo, mexeu os lábios e deitou o rosto sobre o peito de Josh. Ele congelou seus olhos na sua direção, era difícil desviar o olhar de uma figura tão íntima que lhe desperta um sólito desejo.

Diana estava ali, ele conseguia sentir. O peso dela sobre o seu corpo, o cheiro doce do perfume, o som da voz delicada, o mais completo conjunto da persona. Josh pousou a mão esquerda sobre a cabeça dela, afundando os dedos pelas mechas flavas e se permitindo aventurar por cada camada. Tocou na nuca dela, agarrando fios vigorosos de cabelo com o punho, ainda descrente do que estava acontecendo, e admirando alguns anéis dourados que sobressaiam entre os dedos fechados. Parecia tão real.

— Você não me ama mais, Josh? – Ela perguntou, ainda deitada.

— Hã? – Titubeou, com o coração batendo tão alto que ele mesmo conseguia ouvir. – Como assim? Eu amo, claro que amo. Sempre amei, desde o segundo que te vi.

Diana levantou os olhos para os dele, tinha o rosto pálido e contraído.

— Então, por que me deixou?

Engoliu em seco.

— Me desculpe, meu amor. Eu não deveria ter ido, eu não deveria ter saído. Não deveria ter feito a metade das coisas que fiz... Mas eu fiz. Eu... Eu não sei como reparar isso, não sei como voltar e apagar. Não consigo esquecer... Não quero esquecer você.

— Não precisa esquecer. Lembre-se de mim, Josh.

O rosto dela se iluminou com um sorriso de satisfação, nem um pouco respondente ao que ele sentia naquele momento. Diana moveu o corpo para frente, encostando os lábios nos dele, e o fulgor dentro dela resplandeceu nele. Uma força moveu Josh no mesmo sentido, retribuindo o beijo. A língua dela estava quente, bem quente, e parecia crepitar quando encontrava a dele. As bocas se moviam em harmonia, como sempre faziam, sempre em silêncio para não acordar a família de Josh, dois corpos sempre solenes e intensos.

Então, ela se deteve. Afastou o seu rosto do dele alguns centímetros para encará-lo. Confuso, mas ainda sedento, ele obedeceu ao espaço entre os dois. Josh a encarou ansioso, esperando algum sinal, e pôde jurar que aquela era a reprodução perfeita e fiel da última imagem mental que ele tinha da Diana – até teve a impressão de alguns fios de cabelo molhados nas pontas por causa da piscina. Quando ela deu permissão com os olhos, ele a puxou de volta.

Recomeçou a beijá-la sem sutilezas. Os beijos trocados não são mais afáveis ou gentis, são fortes e profundos. Ele envolve a cintura dela em seus braços, incapaz de se controlar, e a puxa para si até que seus corpos estejam alinhados. Diana envolve os seus dedos ao redor do pescoço dele, o agarrando pela nuca, enquanto Josh passa uma das mãos pelas coxas dela. Havia algo em Josh que ele sabia bem o que era: necessidade. Não era sobre sexo ou desejo, era sobre paixão. Ele se perdeu naquele sentimento e quando percebeu, já estava sem camisa e com arranhões na pele.

— Sou eu, Josh? É a mim que você ama?

Ele meneia a cabeça sem tirar os olhos dela. O cheiro doce e inebriante da pele de Diana penetrava-lhe por cada cavidade do corpo, proporcionando novas e fartas fantasias.

— Eu amo. Eu te amo tanto.

Com um único movimento, Josh puxou o vestido amarelo dela por cima, deixando-a completamente nua. Há algo no que vê que tira o seu fôlego. Era o que ele precisava para conseguir fugir da própria mente. Diana estava ali, melhor do que qualquer sono cheio de pesadelos, sono sem sonho ou pílulas amargas. Tudo o que ele precisava e Diana podia dar: um amor desenfreado.

Diana impulsionou o quadril sobre a cintura de Josh, estimulando-o para cima e para baixo. O corpo dele estremecia numa sensação implacável de prazer que explodia dentro do peito, e, então, sentiu-se aquecido dentro dela. Ele a via, de cima a baixo, mantendo-a em seu radar o tempo todo, e tudo em sua expressão corporal indicava que ela desejava aquilo tanto quanto ele. Josh podia senti-la esquentando, inflamando sob o tecido de pele que lhe cobria a carne. O movimento se tornou mais rápido, mais rítmico, mais intenso, mais árduo, mais exagerado, porém mais gostoso, mais fascinante e mais sensual – como um sexo de reconciliação, assim ele pensava. Era um deleite, e Josh não conseguia imaginar um momento em que a vida pudesse ter sido mais generosa.

O suor escorria pela testa, percorria as costas e peito, pingava da ponta de seu nariz. Queria beijá-la mais e mais, lento e rápido, tocá-la, senti-la, fazer amor com ela até virar do avesso. Então, ouvi-la dizer a maviosa permissão de que ele poderia se encaixar de novo em seu mundo, um mundo em que os dois pudessem estar conectados novamente.

No canto do quarto, imergida numa penumbra, uma figura chamou a atenção de Josh. Rastejando na sujeira e na escuridão, recostada à parede como uma criatura desolada e atormentada, dois grandes olhos os observavam. Estava lá desde o início? Desde quando? Um gemido sofrido lhe escapou da garganta enquanto observava a cena no quarto. Josh a encarou de volta.

— Megan? – Os olhos dele se arregalaram quando caiu em si. Megan estava escondida nas sombras, com as pupilas brilhando feito dois diamantes em sua direção.

— Ei, não! – Diana o segurou pelo queixo e o fez olhar de volta nos olhos dela. O rosto da garota loira estava rosado e estático, de repente com a pele enrugada nas extremidades. Seus olhos pareciam isentos de medo e dissimulação pronunciando tais palavras. – Não ligue pra ela, estamos nos divertindo aqui. Fica comigo, Josh.

Embora soubesse que não era uma pergunta, ele respondeu no intuito de diminuir a culpa.

— Fico.

Não se afoitou novamente em olhar para Megan – em vez disso, ele afogou o rosto no pescoço de Diana, deixando beijos quentes e impacientes na pele dela. A pele dela era tão clara e tão lisa que o mínimo de seu esforço deixou pequenas marcas na superfície. Sentia o aroma doce irradiando do fervor, sentia a volúpia de suas curvas sob as palmas das mãos, aproveitando cada centímetro. Atravessou uma trilha de beijos pelo meio dos seios de Diana antes de voltar a encarar sua íris, castanha e brilhante, como nunca duvidou que bem se lembraria.

Josh tocou os lábios dela com os seus enquanto massageava o queixo de Diana com os dedos. Ficaram assim até que ela segurou o indicador dele levemente com as duas mãos, levou-o à boca e o deslizou para dentro até a terceira falange com os lábios o apertando em volta. O suor pontilhava a pele. As paredes pareceram se apertar ao redor deles, o ambiente encolhia conforme o calor aumentava. Chamas se alçaram dentro dos olhos de Diana e todo o seu corpo incendiou de dentro para fora. Josh viu suas feições saindo do lugar, se alterando como um boneco de cera derretido.

— Você nunca vai me deixar, não é? – Diana perguntou, fitando-o com olhos flamejantes. Havia um tom exaltado em sua voz, algo que não estava ali antes. – Você me ama. Não ama, Josh? Você me ama? – Um prazer desumano fez-se presente em seu tom, num contentamento repentino de torturá-lo, como se ela fosse um brutamontes e ele uma criança indefesa.

O corpo dela começou a queimá-lo. Ele relutou a princípio, então ela o abraçou com força. Um pouco de fumaça saía de algum ponto entre os dois, conspurcando o ar. Josh tossiu, com dificuldade de respirar. Estava embalado pelo calor do fogo quando Diana começou a gritar em plenos pulmões, bem perto de seu ouvido. O som estridente e a deformação da sua pele fez com que sentisse desespero, o qual rebentava em estouros chamejantes dentro de si. Seus rostos estavam tão próximos que, apesar de lacrimejar bastante, Josh conseguiu enxergar dentro dos buracos caliginosos, que uma vez foram os delicados olhos de sua namorada, completamente carbonizados.

Sentindo-se abraçado por um incêndio, Josh se tornou um prisioneiro das labaredas que provinham do ardor de Diana. Mas não havia mais Diana ali, não em seu colo nem em qualquer lugar do quarto. As únicas coisas que seus olhos conseguiam ver eram altas paredes de fogo, cercando-o, dando uma perfeita visão do que poderia ser o inferno. E no meio das brasas, ele a ouviu uma última vez. A voz da ex-namorada gritando por ajuda, dando socos em alguma superfície plana e oca. Os gritos ficaram distantes e se calaram. As chamas se apagaram lentamente e tudo o que restou ao redor era pó e carvão, com algumas centelhas imaginárias rodopiando no mundo real.

Quando tudo se assentou, a única coisa que Josh conseguiu fazer foi fechar os olhos, apavorado, indo do sublime às trevas, tentando pôr os pés de volta na Terra. O coração de Josh se contraiu, fazendo o peito inflar e desinflar em função do descompasso da respiração. Dando-se conta do que aconteceu, percebeu o sangue abandonando o cérebro e a boca secar. Sentiu-se desorientado e então uma vertigem lhe atingiu como uma tonteira tão forte que parecia que sua cabeça iria despencar do pescoço. Um tremor descomedido abalou suas mãos e pescoço, onde havia uma veia grossa arfando em evidência abaixo do lóbulo esquerdo. Ele se deixou cair no colchão à medida que a fraqueza se espalhava pelo corpo. As lágrimas brotaram no canto dos olhos em choque. Encolheu as pernas para perto da barriga, abraçando a si mesmo com as mãos em torno das canelas, e enterrou a cabeça nos joelhos – ancorado numa posição fetal esperando o que viria a seguir. Um mal estar espargiu-se por cada parte do seu âmago, parecendo afetar todo o organismo. Então, a visão embaçou antes de escurecer completamente.

 

 

Quando uma das duas gritou, os pensamentos de Melissa foram interrompidos com um susto. De pé, em frente ao micro-ondas, ela esperava sua refeição instantânea descongelar à medida que despertava de um transe profundo, o qual suas ideias a haviam colocado. Diana havia morrido, Harper havia morrido e quase assistiu Jasmine e Chris terem o mesmo destino, contudo ela e Jake conseguiram intervir, conseguiram salvá-los. Conseguimos salvá-los. Os pensamentos dela param nesse ponto, onde o verbo “salvar” perde total significado. Ninguém está salvo, só o jogamos para o final da lista.

Esperava que Mac estivesse errado quanto a isso, mas Marybeth era a prova viva de que não.

Melissa chegara a casa há alguns poucos minutos, tempo que ela utilizou para tomar um banho rápido, trancar todas as portas, checar o celular e ligar a TV, na esperança de que mais vozes preenchendo o ambiente pudessem tornar a casa vazia menos ameaçadora. Reparou pelo reflexo da janela que seu cabelo já não estava tão úmido e na parte inferior da bochecha esquerda, quase ao lado da orelha, alguns arranhões eram visíveis. Ela saiu da cozinha, voltou para a sala a fim de saber o motivo do grito e lá estava passando um programa de humor ácido com duas amigas falando besteira o tempo todo. Um pouco irônico, Melissa pensou, uma vez que ela e Jake começaram a assistir depois de Chris e Brandie tanto comentarem a respeito. As duas amigas estavam na TV, uma de frente para a outra, a loira estava deitada no chão, e quem gritava era a de cabelos escuros.

Suspirou de leve.

Diana. Harper. Jasmine. Christopher. Os nomes já percorridos na lista da morte emaranhados com eventos trágicos. Se isso era um puzzle, Melissa sentiu que tinha tão poucas peças em mãos que nenhuma delas poderia dar sentido às suas dúvidas. Essa foi a ordem de mortes que ocorreram na visão de Jake, talvez essa seja a única informação relevante no momento.

Abaixou o volume e voltou para a cozinha. Interrompeu o micro-ondas antes de ele apitar, apanhou sua refeição e a devorou em instantes. Ao terminar, lavou o que tinha que ser lavado, se desfez da bandeja de plástico suja e levou o lixo para fora. Pensou em se recolher para o quarto, mas um incômodo latejou na boca de seu estômago ao lembrar de que Jake não estaria lá esperando por ela. Já não sabia há quanto tempo desacostumara a dormir sozinha e desejou ter um cachorro de estimação naquele momento. Ela catou uma manta em uma das gavetas do quarto, mas não deitou na cama. Em vez disso, Melissa foi para a sala e se deixou derramar no sofá. Ficou deitada ali por um longo tempo, observando a TV soltar rajadas de luz e som, se distraindo com o programa até finalmente conseguir pegar no sono.

 

So, please, don't say it gets better

It gets better on with time

I'm not better, we're not better

Even after all this time


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Notas finais do capítulo

☠ - Obrigada por mais essa leitura < 3



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