Need You Now escrita por oicarool


Capítulo 4
Capítulo 4




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Elisabeta Green tinha cinco anos quando colocou os pés pela primeira vez no colégio interno que seria seu lar nos anos seguintes. Já era uma pequena dama inglesa e sabia se comportar à mesa, falar, ler e escrever em inglês e português com perfeição, e, provavelmente, era a criança que menos sabia como ser uma criança em toda a Inglaterra. 

Após quase duas semanas naquele ambiente, Elisabeta ainda não conseguia fazer amizades. Sabia mais do que todas as suas colegas, e por isso a maioria delas lhe torceu o nariz sem pensar duas vezes. Também não tinha tanto interesse nas brincadeiras de correr e odiava sujar seus vestidos ou sapatos.

Sua vida mudara, e Elisabeta lembrava-se com toda a perfeição que uma memória tão distante pode ter, em um dia chuvoso. Elisabeta estava andando pelos corredores em direção à seu quarto quando uma menina ruiva e magricela chocou-se com ela, em meio a uma corrida. Elisabeta a conhecia de sua sala, mas nunca havia conversado com ela.

A menina, que já era mais alta que Elisabeta, levantou-se rapidamente e ajudou Elisabeta à levantar-se. As bochechas dela estavam coradas e Elisabeta lembrava-se de ficar curiosa com o motivo daquilo. Certamente era alguma brincadeira de suas novas colegas. Então a menina falou, em voz estridente.

— A diretora está vindo. Confirme tudo o que eu disser.

Elisabeta não soube como reagir, mas assentiu. E então a menina virou-se em direção contrária à que viera correndo, andando tranquilamente ao lado de Elisabeta. Não tardou mais do que dois minutos para que a diretora, uma senhora por volta dos quarenta anos, que Elisabeta mais tarde descobriu que não sabia como sorrir, encontrasse as duas.

— Albuquerque! - a senhora gritou.

— Sim, senhora Megan? - a menina disse, em tom angelical.

— Alguém colocou cola nos sapatos da senhorita Antonie, e eu suspeito que tenha sido a senhorita. -  a mulher bufou.

— Eu jamais faria algo assim. - a menina possuía um sotaque que lembrava o da mãe de Elisabeta. - Além disso, eu estava mostrando à escola para minha nova amiga.

O olhar da mais velha caiu em Elisabeta, e ela bufou novamente.

— Green? - a diretora ergueu a sobrancelha.

Se Elisabeta soubesse, naquele momento, o impacto de sua escolha, ficaria apavorada. Mas, sem ter ideia do que poderia acontecer, olhou tranquilamente para a diretora.

— É verdade. E antes disso estávamos jogando damas. - disse, mentindo pela primeira vez em sua vida.

E a diretora pareceu analisar suas palavras e sua reação, e então, a contragosto, assentiu. Lançou um olhar feroz para a menina ruiva e virou as costas. Quando finalmente a diretora saiu do campo de visão das duas, a garota olhou para Elisabeta, e na mesma voz estridente de antes, se apresentou.

—Oi, meu nome é Lud. - ela disse, em português.

E, à partir daquele momento, Elisabeta Green e Ludmila Mattoso de Albuquerque viraram melhores amigas. A tímida Elisabeta começou a se engajar nas mais diversas brincadeiras, deixou de lado o medo de sujar seus sapatos caríssimos e passou a enlouquecer diretora e professoras, que, além de lidarem com as travessuras das meninas, também precisavam fingir entender suas conversas em português.

Ludmila esteve ao lado de Elisabeta quando seus pais morreram, dividiu as angústias e tristezas da amiga. Também colocou Elisabeta em mais confusões do que podiam imaginar, desde pular o muro que dividia a ala dos meninos e das meninas, até fugir uma noite inteira da escola. Foi Ludmila quem encobriu o primeiro namorico de Elisa, com um garoto bonito e popular da ala dos meninos. E isso só aconteceu depois de Elisabeta encobrir os três namoricos de Lud, dois deles ao mesmo tempo.

Quando terminaram os estudos, Ludmila mudou-se para o Brasil, e retornou um ano depois para ser a madrinha de casamento de Elisabeta. Odiou Xavier desde o primeiro minuto e tentou dissuadir Elisabeta se todas as maneiras. Quando, por fim, deu-se por vencida, aceitou a condição de madrinha. E, sem papas na língua, pouco tempo depois da morte de Xavier, declarou que era o melhor que poderia ter acontecido.

— Você pode não saber, Elisa, mas nunca seria feliz com um homem tão chato na cama. - disse, arrancando gargalhadas incrédulas de sua melhor amiga.

Ludmila era um espírito cheio de vida. Após a morte de Xavier retornou ao Brasil por um breve período, e um dia, sem aviso prévio, bateu à porta de Elisabeta exigindo um emprego. O levou na mesma hora, e agora era o braço direito de Elisabeta Green. Vivia um relacionamento cheio de altos e baixos com Januário, um artista brasileiro que morava em Paris.

Naquele dia, Elisabeta encontrou Ludmila na entrada da empresa. Subiram juntas pelas escadas até o escritório de Ludmila. Por fim, a melhor amiga de Elisabeta fechou a porta e ergueu a sobrancelha, deixando Elisabeta confusa. 

— Quem é este maravilhoso espécime masculino que estava dirigindo o seu carro, e o mais importante, por que eu ainda não sabia nada sobre ele? - ela disse, com um sorriso.

— Ah, é Darcy. Filho de Archie. - Elisabeta deu de ombros.

— E você me diz isso assim, como se estivéssemos falando de Venâncio? - Lud riu. - Elisa, ele é maravilhoso.

Elisabeta fingiu desdém, e então Ludmila parou na janela, olhando para o lado de fora.

— Ele deve ter quase dois metros de altura, não é? E olhe para aqueles ombros. - disse, fazendo Elisabeta juntar-se à ela.

—É o meu novo motorista. - Elisabeta explicou, olhando para Darcy que estava distraidamente encostado em seu carro.

— Eu adoraria dar umas voltinhas nele. - Ludmila sorriu.

—Lud! - Elisabeta gargalhou.

— Não me diga que não notou. - Ludmila revirou os olhos. - Eu sei que você tem essa ideia ridícula de manter-se celibatária após a morte de Xavier, mas você não está morta e nem cega.

 

— Não é uma ideia ridícula. Eu sou uma viúva. - Elisabeta defendeu-se.

—É uma ideia completamente sem lógica. Não há uma só mulher em Londres que possa arriscar mais do que você ter um caso sem que a reputação seja arruinada. - Ludmila voltou seus olhos à Darcy.

—Seria complicado, além do mais, eu só convivo com homens mais velhos e casados.

— Isso é porque você está sempre à procura de um príncipe que seja um potencial marido. - Lud disse. - E nunca olha para os plebeus que poderiam esquentar sua cama por um breve período.

— Plebeus? - Elisabeta ergueu a sobrancelha.

— Olhe quantos operários nós temos apenas nesse prédio. - ela sorriu, maliciosa. - Loiros, morenos, magros, fortes. Bastaria escolher um.

 — Eu não teria tal coragem. - Elisabeta riu.

— Não, e por isso a única ação que teve na vida foi com o insosso do seu falecido marido. - Ludmila revirou os olhos.

— Xavier não era insosso. - Elisa resmungou.

— É claro que era. Não esqueça que já me contou sobre a falta de imaginação dele. Você sempre quis algo a mais. Ainda não entendo porque virou uma freira.

— Lud, seria complicado demais.

— Me diga, Darcy é solteiro? - perguntou, direta

— Eu não saberia dizer. Ele nunca mencionou uma namorada ou esposa. Mas também não pareceu ter qualquer impedimento para mudar-se para a mansão.

—O que? - Ludmila disse na mesma voz estridente da infância. - Você está morando sob o mesmo teto que este homem?

—No quarto ao lado, para ser mais exata. - Elisabeta escondeu um sorriso.

— Quer dizer que tudo o que você precisa fazer para ter um caso é dar cinco passos? Elisabeta!! - Ludmila disse em voz alta.

—Lud, Darcy é realmente um homem muito bonito. - os olhos de Elisabeta foram para a figura dele na parte de baixo. - Ele é interessante, enigmático, e os braços dele são uma perdição.

—Você já viu? - Ludmila virou-se completamente para ela.

— Digamos que tivemos uma breve interação quando estávamos prontos para dormir. - Elisabeta respondeu.

— Meu Deus, este deve ser o momento mais interessante da sua vida em cinco anos! - Ludmila correu até o sofá do escritório, sentando-se. - Venha cá e pare de bancar a menina tímida. Não combina com você.

Elisabeta sorriu, ainda olhando para Darcy. Não combinava, realmente. Ao menos não era como ela se comportava com um homem. Certamente não em seus namoricos de infância e, não fosse por Xavier ser tão tradicional, Elisabeta certamente não seria tímida com ele. 

— Eu tenho vontade de lambê-lo. - ela disse, com um sorriso que lembrava sua adolescência. - Mas ele é meu motorista, filho de Archie, e o mais importante, não parece interessado.

 

— Como você poderia saber? - Ludmila sorriu, ansiosa pelas fofocas.

— Lud, eu estou acostumada à conviver com os homens. Nós duas estamos. Nos últimos anos nunca foi difícil perceber quando um homem estava interessado. - Elisabeta deu de ombros. - Darcy apenas não parece estar.

— Talvez ele apenas pense como você, e ache que seria complicado demais. - a amiga cogitou.

— Ou talvez ele tenha uma namorada, ou simplesmente não me vê dessa forma. - Elisabeta disse, conformada. - De qualquer forma, não posso pensar nisso. Conviver com ele nos últimos dias já foi bastante intenso sem eu alimentar esses pensamentos.

— No seu lugar eu criaria um momento. Só assim você vai saber. - Ludmila tinha um sorriso típico de quando bolava seus planos.

— Esqueça! - Elisabeta riu. - Não vai acontecer. Eu sei que você reza pelo dia em que terei algo interessante para contar, mas não será dessa vez.

— Elisa, você finalmente tem a oportunidade perfeita. E eu não recordo de vê-la tão interessada em alguém desde Noah Frederick terceiro. - Ludmila frisou o “terceiro”.

— Não é verdade, teve Xavier... - começou a dizer.

— Pare de falar deste homem! Elisa, Xavier se aproximou de você em um momento difícil e conseguiu convencê-la que queria se casar com um almofadinhas. Se ele não tivesse morrido, você estaria completamente infeliz. - Ludmila revirou os olhos. - E sua cama estaria tão vazia quanto esteve nos últimos anos.

— Lud, a sua sensibilidade é chocante. - Elisabeta resmungou.

— Tanto quanto a sua cegueira. O único motivo para você achar que seria feliz com Xavier é não ter convivido o suficiente para odiá-lo.

— Eu não acho que o odiaria. - Elisabeta sorriu para a amiga.

— Elisa, quatro meses depois do casamento ele mal a procurava. E você estava tão cansada de noites frustrantes que nem ligava. - Ludmila acusou. - Você pode ter perdido a memória quando ele adoeceu, mas eu lembro do seu olhar de desespero ao pensar que passaria a vida daquele jeito.

— Bom, pelo menos teria alguma emoção de vez em quando. - Elisabeta cruzou os braços.

— Mas essa é uma escolha sua. E nós duas sabemos que é porque morre de medo do seu toque da morte. - Ludmila levantou-se novamente, indo até a janela.

— Você brinca com coisas tão sérias que eu me pergunto como somos amigas. - Elisabeta a seguiu.

— É porque no fundo você sabe que é completamente insano o pensamento de que você tem alguma relação com a morte dos Green e de Xavier. - Ludmila a cutucou. - E olhe só para ele, mesmo que você tivesse um toque da morte, valeria a tentativa.

— Que horror, Ludmila! - Elisabeta gargalhou.

— Com sorte você poderia descobrir se ele é tão grande quanto parece antes dele morrer. - Ludmila disse com malícia. - Deve ser, ele tem uma aura confiante.

— Lud, você nem o conhece. - Elisa desfez o pensamento que pipocou com as palavras da amiga.

— Olhe para ele, Elisabeta. Olhe como ele sabe que está chamando atenção. - Ludmila analisou. - Veja aquelas moças que estão vindo e observe.

As duas ficaram em silêncio observando Darcy Williamson. Ele olhou para os lados, como se estivesse distraído, mas era óbvio que havia notado os olhares das moças. As duas soltavam risinhos típicos de quem vê um homem bonito. Darcy endureceu os ombros, fazendo seus bíceps parecerem maiores. Fingiu não notar as duas até que passassem por ele, e então abriu um sorriso conquistador, lançando-lhes um cumprimento. As duas saíram ainda mais animadas do que antes, e Darcy apenas sorriu para si mesmo, convencido. 

— Como eu falei. - Elisabeta disse, frustrada. - Ele apenas não está interessado. 

Era impressionante observá-lo, na realidade. Parecia muito pouco o homem que interagia com ela. Ludmila estava coberta de razão ao apontar sua confiança. Era como se ali, encostado no carro, ele soubesse exatamente o efeito que causava nas mulheres. 

— Se você não vai aproveitar, eu farei isso por você. - Ludmila riu.

— E o que Januário vai pensar sobre isso? - Elisa ergueu a sobrancelha e cruzou os braços.

— Januário está sempre me enrolando. - Ludmila bufou. - Vou pedir um café e então poderemos conversar.

— E trabalhar. - Elisabeta apontou.

— E isso. - Ludmila revirou os olhos.

Contou então sobre as últimas novidades de seu romance com Januário, divertindo Elisabeta com suas reclamações e comentários sagazes. Depois debateram um pouco sobre negócios, com a mesma seriedade do maior dos empresários. E então, quando o estômago de Ludmila roncou, ela declarou que estava na hora do almoço, e que daria uma volta no carro de Darcy.

As duas saíram logo depois, e Darcy estava em uma posição muito parecida, com os braços e os pés cruzados. Parecia entediado e Elisabeta perguntou-se se ele permanecera na mesma posição. Venâncio costumava ler ou escrever enquanto a esperava, mas Darcy não parecia ter escolhido nenhuma atividade.

Quando notou a presença delas, relaxou os braços, e pareceu perder aquele ar confiante que tinha, e Elisabeta perguntou-se se era de propósito. Darcy cumprimentou Ludmila com a cabeça e abriu a porta para que entrassem. Quando entrou no carro novamente, Ludmila abriu um sorriso que significava problemas.

— Para onde devo dirigir? - o tom de voz dele era formal.

— Com um motorista como você, eu iria à qualquer lugar. - Ludmila disse em um inglês perfeito, antes que Elisabeta pudesse responder.

Sua amiga permaneceu com a mesma expressão e Elisabeta imaginou que Darcy corassem. Mas, pelo contrário. Ele tentou esconder o sorriso convencido e respondeu com a maior naturalidade.

— Temo que precise escolher um destino, madame. - sua voz era aveludada, bem humorada.

— Poderia ser a minha casa... - Ludmila começou a responder.

— O restaurante italiano perto da mansão será o suficiente. - Elisabeta segurou o riso.

 

Ludmila deu de ombros, lançando um sorriso para Darcy.

— Perdoe a minha amiga. - Ludmila disse. - Ela não sabe aproveitar a vida.

Elisabeta gargalhou dessa vez, e o olhar de Darcy encontrou o dela pelo espelho. Ele ergueu a sobrancelha rapidamente. 

— E você não sabe ser discreta. - Elisa ainda ria. - Vai constranger o rapaz.

— Você está constrangido, como é mesmo o nome dele, Elisa? - Ludmila fingiu esquecimento teatralmente. - Darcy, não é? Você está constrangido, Darcy?

— Com as palavras de uma linda mulher? Jamais. - e ali estava o sorriso convencido.

Mas o olhar dele estava no dela novamente, e Elisabeta novamente imaginou que ele quisesse dizer mais alguma coisa.

— Ele não está constrangido, Elisa. - Ludmila deu um sorriso cúmplice para Elisabeta. - Me diga uma coisa que Elisabeta não soube me dizer... você é solteiro, Darcy?

Naquele momento Elisabeta arrependeu-se de ter mentido para a diretora, vinte anos antes. Porque aquele era o modo de Ludmila colocar suas ideias em ação. Elisabeta sabia o que ela estava fazendo. Queria que Darcy soubesse que havia sido assunto entre elas. 

— Sou. - ele sorriu de lado.

— Nenhuma noiva? Namorada? - Ludmila insistiu.

— Não. - Darcy confirmou.

— Não há nada mais perigoso do que um homem bonito e solteiro. - Ludmila riu para Elisabeta. - Tome cuidado, Elisa.

Elisabeta riu novamente, e o olhar dele estava no dela novamente. Elisabeta sentiu um arrepio percorrer seu corpo, o carro parecendo abafado demais. Um segundo depois, Darcy deu aquele sorriso inocente que ela já vira outras vezes. Como Darcy não disse nada, Ludmila deixou o assunto morrer. Pelo menos até chegarem ao restaurante, quando disse em português algo que fez Elisabeta refletir.

— Você é louca se acha que esse homem não a quer. - a amiga riu. - Aquele olhar, Elisa. Se ele pudesse a devoraria aqui mesmo. E se eu estivesse no seu lugar, não impediria.

Elisabeta revirou os olhos e olhou para fora. E ali estava ele, encostado no carro, a postura confiante de volta. Quando percebeu o olhar dela, ao contrário de outras vezes ele pareceu não recuar. Sorriu de um jeito diferente e piscou para ela. Mas, ao deixarem Ludmila na empresa, foi como se tudo aquilo fosse parte da imaginação de Elisabeta.


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