Em sua Memória escrita por Decepcionista


Capítulo 1
Fim


Notas iniciais do capítulo

Despeço-me daqueles que não tive chance.



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Capítulo 1 - Manu

Ninguém imaginaria que, uma moça tão linda, com sonhos tão próprios, abriria mão de tudo do dia para noite. Gostaria que pudessem ter te conhecido, Manu, dito as palavras necessárias, talvez uma única fosse suficiente para evitar tudo isso.

Quantas vezes brincava com situações sérias e no final mostrava os dentes, sorrindo com naturalidade. Eu nunca soube seus reais problemas, mas o pouco que ouvia, pensava "Meu Deus, como pode?". Família, relacionamentos, tudo tinha seu peso próprio, talvez até certas amizades. Eu não faço ideia do que realmente se passava com essa moça que comigo estudou por 2 anos, mas, hoje, vendo suas poucas fotos que restaram em seu perfil público, percebo a quão ingênua fui de não perceber um grito abafado por um sorriso sensível. Dizem que foi uma parada cardíaca ocasionada por drogas pesadas, ou drogas seguidas por enforcamento, do que importa os meios se os fins foram esses? Eu não lhe culpo por tomar essa decisão, ninguém conhecia tudo o que você sabia, sentia, via, vivia; você era você em meio a um mar furioso que a vida é e, infelizmente, nossas embarcações foram diferentes. Talvez a sua tenha sido forçada ao extremo, adquirido rachaduras, passageiros indesejáveis e águas inoportunas. 

O que palavras fazem com as pessoas, se é que foram palavras ou apenas ações, coisinhas mínimas? Ou coisinhas enormes? Do que importa agora pensar e lembrar de você, uma vez que só lhe posso proporcionar palavras que jamais lerá?

Vá em paz, Manu. 

Não posso ajudar agora, mas aprendi que a verdade pode vir de todas as formas, seja ela um riso natural ou um choro de desespero. Pessoas são "humanas" antes de serem elas mesmas e não há castigo maior do que pensamentos atormentados circundando regiões delicadas de nossas vidas. Não há problema maior que o outro, problemas são problemas e não devem ser comparados, cada um de sua forma sente a verdadeira essência do que foi passado e interpreta com sua personalidade, seja ela qual for.

Não finja que não viu sofrer, abafar a voz, engolir à seco, segurar as lágrimas, isolar-se. A morte é um mistério, a vida feita enigmas, complementando o livro de cada um. Não permita que alguém escreva o fim: a verdade sempre aparecerá no momento conveniente.

 Capítulo 2 - Querida Mitologia

Gostaria de evidenciar o meu desprezo por qualquer tipo de acidente.

Gostaria de evidenciar a minha covardia perante o inevitável. O inevitável é a morte, apenas.

Gostaria, também, de gritar que não éramos nada um para o outro, mas se realmente não, por que isso me incomoda tanto? Não tenho memórias boas com vocês, ou tive desejos fortes o suficiente para buscar criá-las, mas não consigo mais negar que doí, como se todos os arrependimentos se debatessem dentro de mim, implorando para saírem, quanto antes, melhor.

A todo momento remoo o pedido de desculpas pela forma que escolhi agir, não é do meu direito prestar condolências ou pêsames a vocês e, por favor, onde quer que estejam, fiquem à vontade para me odiar ou culpar por permitir que essas palavras deploráveis escapem de mim, como um ligeiro vulcão ameaçando entrar em erupção, sem necessariamente destruir tudo, debulhando-se em suas próprias densas camadas de fumaça.

Gostaria, acima de tudo, de dizer que tive imensa culpa por ter sido afastada, mas eu jamais agi sozinha. Tem caminhos na vida que, por mais que tenhamos escolhido, nos são induzidos. Odeio-me por estar escrevendo ao invés de ter agido, mas como eu não consigo mais fugir, repito: eu não tenho o direito de me despedir de algo que não fiz questão de cultivar. E por mais que doa, espero que meu arrependimento sirva como perdão. Espero que o meu retiro expresse o meu papel nessa história: um ausente personagem de fundo, como um ligeiro cenário.

Não chorei e não me expressei publicamente embora peça, vergonhosamente, que estas palavras alcancem vocês.

Não mereço me referir a vocês como família. É tarde demais para isso. 

Vou sentir saudade de nossas conversas sobre política pelo instagram, como você pacientemente me deixava ciente de seus conhecimentos e opiniões. Vou sentir falta da aleatoriedade com a qual conversávamos, e sobre como não pude te amar do jeito certo. Sobre como não fiz questão de conhecer a pessoa que você mais amou.

Você poderia ter sido melhor em protegê-la, mas limites existem para serem ultrapassados, não como carros, motos, caminhões ou ônibus, mas como força. Jamais um automóvel.

Obrigada por ter zelado pelos que restaram. Cuide bem do teu irmão e da tua filha.

Em último ...

Gostaria de pôr para fora que abracei a sua mãe. Eu não posso sentir o mesmo que ela, e não gostaria de sentir, mas eu a abracei sem compromisso, implorando para que eu pudesse tirar sua dor, mas isso seria impossível. Entenda, por favor, que foi nesse momento que me pus a despedir de você. Jamais imaginei sentir um coração tão sufocado. Espero, mesmo que por instantes, tenha lhe confortado.

Ela é forte, mas não largue a mão dela, seu cabeça dura.

Quanto a mim, não insista em se preocupar. Vou arcar com as minhas decisões.

 Nessas merdas de dias, sempre chove.

Capítulo 3 - em digestão


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Notas finais do capítulo

26/03/2019
27/11/2022
04/12/2022