Merdaman escrita por Rick Batista


Capítulo 2
Merdaman encara o Tráfico


Notas iniciais do capítulo

Se o capítulo 1 foi pra mostrar como Merdaman ganhou os poderes, o 2 é pra mostrar melhor que poderes são esses. Espero que curta ^^



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O cenário era o pé do morro do “Tripa-seca”. Uma favela tão perigosa quanto miserável, onde a polícia não dava as caras e até os assaltantes tinham medo de serem assaltados. 

Dois homens cuidavam da “boca de fumo”. Ambos com bonés, cordões, bermudas e tênis caros. Os dois com armas pesadas, encarando aquele maluco que numa noite de 35º usava chapéu, sobretudo e óculos escuros. 

— Fala aí, rapá, que que tu manda? — perguntou o baixinho de tênis rosa, já engatilhando a pistola. 

— Drogas. Eu quero drogas ilegais, do tipo que viciam e destroem vidas — E levou a mão lentamente a um dos bolsos do sobretudo, tirando dele uma nota de dez reais. — Quero toda essa quantia em drogas ilegais, por gentileza, senhores traficantes. 

O mais alto e tatuado cutucou seu parceiro, engatilhando o fuzil. Os dois trocando olhares e risos, antes do baixinho responder: 

— Tu tem mó cara de cana, ô playboy. Pode passando tudo, antes que nóis te passa é fogo! 

— Isso aí, mané, perdeu, perdeu! 

O misterioso homem apenas sorriu, em um movimento rápido tirando o disfarce e revelando ser ninguém menos que Merdaman! 

— Não, vocês que perderam, seus otários! — declarou ele, seu uniforme visível e sua capa estranhamente esvoaçante. — A justiça chegou onde Judas perdeu as botas, e agora que comprovei que vocês são traficantes... 

Mas seu monólogo foi interrompido por rajadas de tiros. 

— Caraca, Zé Pereba, olha só que doidera! — exclamou o mais baixo, apontando com a pistola para a grossa parede de estrume que Merdaman criou entre ele e os atiradores. 

— Acharam mesmo que um super-herói como eu morreria para simples balas? 

Os dois se olharam de novo, e o de fuzil apontou com a arma na direção da barreira. 

— Pô, mané, teu bagulho foi meio paraguaio. 

Só então Merdaman notou que todos os tiros atravessaram sua barreira de dejetos, alguns até mesmo deixando buracos em seu uniforme, de onde jorrava sangue. 

— Talvez usar cocô pra defender tiros não tenha sido minha melhor ideia, afinal — concluiu o rapaz, antes de cair de joelhos no chão sem asfalto do morro. 

Tudo ficou escuro, e logo Rafa não soube mais dizer onde estava.  

— Merdaman... — uma voz o chamava. Uma voz familiar. — Acorda, Merdaman. 

Nosso herói voltou a si em uma sala de aula, sentado em uma cadeira escolar e diante de um projetor.  

— Caramba... onde raios eu tô? 

— Acredito que o cenário seja auto-explicativo — respondeu uma voz saída da projeção no quadro branco. A foto do “Professor Raimundo”, da “Escolinha”. 

— Bom, considerando os pipocos que levei e meu histórico escolar, só pode ser o inferno — respondeu ele, voz de desânimo. 

— Não, seu estúpido! Isso aqui é uma sala de aula, o lugar ideal para aprender suas lições — E a imagem  encará-lo com seriedade foi a do “Professor Girafales”, do “Chaves”. 

— E você é... o cara que me deu os poderes? 

—... é bem evidente. E não acredito que não reconheça minha voz, Merdaman. 

— Ah, tá. É que livro não tem voz, só letra, daí não da pra reconhecer nada não — falou Merdaman, olhando pra você, acenando, e depois voltando ao seu papel de personagem obediente, que não fica quebrando a quarta-parede quando bem entende. 

— A falta de atenção é um dos seus piores defeitos. A coloco num top cinco dos seus mais de duzentos defeitos já catalogados. 

— Tá, entendi. Já sei quem é você, já sei que sou um inútil e que morri na minha primeira missão. Agora diz algo que não sei, por favor. 

— O que você não sabe, senhor tagarela, é que seu poder seria sim capaz de deter aqueles tiros — afirmou, a imagem de uma bela professorinha de novela mexicana na tela. — Aliás, seu poder é capaz de coisas que você sequer imagina. O que andou fazendo desde que os ganhou, senhor Rego? 

— Bom, tipo, muitas coisas. Trabalhando, vendo tv, jogando LoL, e sempre que tive tempo, combatendo o crime. Assim, não que tenha feito grandes coisas, mas eu ficava lá no Centro da cidade de butuca, só esperando algum pivete entrar em ação. Daí eu disparava nele uma bela rajada de merda, pegava o objeto roubado e devolvia ao dono. Tá certo que as vezes o dono nem queria mais, por causa do cheiro... mas ai já não era problema meu, também. 

Um giz de cera saído do nada acertou a testa do nosso herói, seguido de um sermão na tela: 

— Esse foi seu erro, garoto! Fez tudo, menos treinar para desenvolver melhor seus poderes. E sem sequer entendê-los direito, quis entrar em ação. Isso é muita imaturidade/preguiça. 

— É que sou do tipo que age por instinto — desculpou-se, olhando em volta e rindo sem graça. — Mas então, tipo assim, você vai ser meu mestre? Tipo um Mestre Kame, Mestre Ancião, Dumbledore ou aqueles youtubers que ensinam a instalar programas? 

— E eu lá estou ganhando para isso? Tenho mais o que fazer, projeto de super-herói — E na mesa a sua frente caiu um livro, grosso e pesado. — Tome. Nesse manual você encontrará tudo o que precisa para se tornar um expert no uso de seus peculiares poderes. 

— “Manual de Introdução a Merdalogia – A sutil arte da manipulação de dejetos fecais em suas múltiplas formas, estados e possibilidades. 2º edição, Martin, R.R., 900 páginas”. 

— Tá de gozação? Quem é que ainda lê livro hoje em dia? Faz umas vídeo-aulas e divide por temas, que prometo assistir um novo por semana, nessa minha pós-vida. 

Mas então Merdaman sentiu uma dor intensa no corpo, caindo de joelhos no chão da sala. 

— Que... que droga é essa? — perguntou ele, estendendo a mão suja do próprio sangue, onde os tiros acertaram. — Eu já não morri? Então pra que essa dor, esse livro e o sermão? 

— Oras, Merdaman, eu nunca disse que você morreu. Nem todos os seres humanos morrem após levar dez tiros no corpo. — E ignorando a cara de assustado de um herói que começava a contar os buracos de tiro no próprio corpo, prosseguiu. — Você voltará para lá, e bem a tempo de derrotar seus inimigos. É só usar o livro dessa vez que tudo dará certo! 

E a porta da sala se abriu, revelando uma luz cegante. 

— Tá louco? Eu nem li nada ainda, como vou acertar dessa vez? 

E a luz deu lugar a um buraco negro que o sugou, junto de tudo mais naquele lugar. 

— Aproveite para ler no caminho. Recomendo começar pela página 321, capítulo 87 “Sobre o endurecimento das fezes”. Boa sorte. 

E ele foi sendo sugado, segurando o livro e tentando ler o capítulo mencionado.  

De volta ao morro, os dois bandidos estavam diante de nosso herói, cujo corpo estava dentro de velhos pneus empilhados que lhe serviriam de túmulo. 

— Tá bom de gasolina já, mané — disse o bandido com tatuagens em japonês errado, para o parceiro. — Só acender o isqueiro pra o churrasco. 

Mas para a surpresa deles, o suposto cadáver abriu os olhos, agitando os pneus. 

— Seus babacas, iam botar fogo em mim, é? — questionou Merdaman, alçando voo acima dos pneus, no alto do morro do Tripa-seca. — Ai já é sacanagem! 

— Caraca, mané! Zumbi voador, mete bala! 

Eles dispararam, mas não antes que o jovem de livro em mãos e voando em zigue-zague fizesse seu show: 

— “Casulo Fecal”! — e ao grito de Merdaman, uma barreira oval o cobriu por completo, enquanto pousava. A merda pastosa logo deu lugar a uma barreira robusta e resistente.  

Os bandidos olharam assustados aquela barreira resistir aos tiros não só da pistola, mas também do fuzil. Os tiros ficando presos nas fezes reforçadas. E dentro daquele ovo, Rafa suspirou aliviado, folheando o livro. 

— Isso não, isso não... isso não saquei — E após os tiros cessarem, ele ouviu apenas o som de um rádio-comunicador sendo usado: 

— Alemão invadindo a comunidade, mermão. Chama o bonde todo! 

—... complicado demais, inútil demais, nojento demais... 

E tudo permaneceu assim pelos minutos seguintes, com nosso herói totalmente fechado em seu casulo de fezes duras como pedra, do tipo que só passarinho que conhece bem o próprio orifício pode comer. Logo vinte bandidos fortemente armados cercaram aquele ovo fecal, entre risos, xingamentos e provocações. 

Do meio deles surgiu um homem de dreads, braços musculosos e fuzil banhado a ouro. 

— Acabou pra você, irmão, vamos chapecar sua toca                de bala.  

E obedecendo a ordem do chefe do morro, todos os vinte marginais se puseram a atirar. Era como se Merdaman fosse uma única bola de bilhar no canto da mesa, sendo tecado por todas as outras. 

E enquanto os bandidos atacavam sem cessar uma oca cada vez mais fragilizada, não perceberam algo sendo jogado de dentro dela, rolando para o meio deles. 

— Truque de número seis do Manual de Introdução a Merdalogia: “Bomba Gasosa!” 

Os bandidos mais próximos puderam assistir aquela pequena esfera marrom murchar como uma bexiga, expelindo um gás muito fedorento, e tudo ao som de um peido. 

— Que isso, irmão, comeu bicho pobre?  — questionou o líder dos marginais.  

O lugar foi tomado por aquele gás fétido, som de tosses e tiros misturados. E se aproveitando da fumaça e confusão, nosso herói saiu voando pela brecha que criou no teto da oca. Em meio a confusão os bandidos ouviram o som dos gases que impulsionavam o vôo, e como acharam ter vindo da oca, concentraram os tiros nela. 

— Bora senta o dedo! — gritou o baixinho, descarregando a munição da pistola. 

— Não, seus idiotas! Não é pra atirar assim! — o chefe avisou, mas em vão. 

A proteção se fez em pedaços, com dez traficantes metralhando até dizer chega. No fim, os dez foram baleados, o que ensinou aos outros que não se atira em círculo e ao mesmo tempo. 

— Parou, parou! — gritou  Zé Pereba, com o corpo do parceiro baixinho em mãos. — Que vacilo, Trêsoitinho. Já avisei pra não fica no caminho da bala, parça! 

Aos poucos os bandidos que não foram feridos começaram a se reorganizar, entre tosses e xingamentos. E foi nesse cenário que o chefe da boca se ergueu, seu fuzil dourado num braço e a pistola do Trêsoitinho na outra mão. 

— Pode ficar com a carcaça desse lazarento, Zé Pereba. Fura ela toda em homenagem ao nosso parceiro Trêsoitinho. 

— Ô chefe, tem corpo nenhum aqui não — avisou Zé Pereba, ao revirar os cacos da oca de estrume endurecido. — Tá de zoa que o mané conseguiu meter o pé do nosso morro? 

O líder da favela pareceu antecipar o ataque, se virando para a direção do inimigo com as armas prontas... mas não rápido o bastante.  

— “Rajada de Merda”! — e ao som do grito de ataque, Carlão Carniceiro e Zé Pereba foram atingidos em cheio, e recobertos por uma merda pastosa e fedorenta. 

— Aaahhhh, que nojo, mané! — gritou o tatuado de boné, caído no chão e com as armas travando. — Tu vai pagar por isso, mermão, vai pagar pelo Trêsoitinho. Vô te furar todinho!  

— Acha que essa porcaria vai te fazer dominar meu morro, garoto-merda? — perguntou Carlão, de cara fechada e se equilibrando com dificuldade ao levantar. — Vocês tão com medo? Vamos mostrar pra esse desgraçado que no nosso morro é nóis que faz a merda!   

Apesar da ordem, os bandidos de pé apenas se olharam, sem saber direito o que fazer. Pareciam ter mais medo de serem atingidos “por aquilo” que por tiros de fuzil. E só então Carlão Carniceiro percebeu o trunfo de Merdaman:  

— Desculpe, senhor traficante, é que montar isso aqui deu trabalho pra caramba. Mas acho que vai valer a pena — e deu batidinhas no enorme canhão ao seu lado, marrom e cuja ponta exibia diversos buracos. — Esse é o truque de número trinta do manual de introdução a Merdalogia. Como o nome original é meio bosta, decidi batizá-la apenas como: 

“MERDALHADORA.50”. 

Os bandidos começaram a recuar, sentindo no ar o perigo. E para o temor geral deles, a arma começou a girar e disparar sem parar! Foram projéteis feitos de cocô duro, como se ela fosse uma metralhadora de guerra, ou como se fossem toletes tentando voltar ao lugar de onde vieram. Merdaman se manteve atrás da arma, guiando dessa forma a direção dos tiros fecais. 

O chefe do tráfico assistiu a tudo aquilo pasmo, vendo seus homens caírem um a um, vítimas de toletes duros e certeiros, que não matavam, mas botavam para dormir. Ao seu lado e ainda caído, Zé Pereba resmungava: 

— Tô entendo é nada. Aparece esse mané com fantasia de carnaval e tacando cocô em geral. A gente sapeca ele de bala e o bicho volta mais apelão.  

O monólogo dele foi interrompido pelos tiros da Merdalhadora, deixando apenas Carlão Carniceiro a contemplar aquele estranho herói. 

— Quem é tu, filho de uma cadela prenha? 

Os tiros cessam, Merdaman encarando o bandido, cansado mas com pose de herói. 

— Eu sou o herói que essa cidade fedorenta merece. Sou a bosta em que você deu descarga mas voltou pra te assombrar. Sou o rabo de macaco que ninguém corta! 

E ao dizer aquilo, apontou o punho fechado para o criminoso: 

— Eu sou Merdaman! 

E daquele punho saiu um poderoso jato de merda pastosa, atingindo em cheio o meliante. E usando ambos os punhos, Merdaman conseguiu cobrir o corpo do bandido sob uma grande camada de fezes, até vê-lo perder a consciência. 

No fim da batalha, todos os traficantes estavam fora de ação. Alguns baleados por fogo amigo, outros por tiros de cocô, mas todos igualmente caídos e desarmados.   

Merdaman sorriu, satisfeito. Rafa mal podia acreditar que tinha realmente derrubado o tráfico do “Morro do Tripa-seca”. E controlando o riso e excitação, tossiu para chamar a atenção dos inimigos ainda conscientes: 

— Aprendam essa lição, bandidagem: o caminho do crime sempre acaba em merda. 

E nosso herói então alçou voo, impulsionado pelos explosivos gases que emergiam de sua capa esvoaçante, enquanto os carros de polícia chegavam ao pé do morro e um helicóptero de tv o filmava a distância. Rumo aonde o crime prospera e a bandidagem se multiplica. Rumo ao combate ao crime, e a luta incessante por justiça! 

— Caô, vou é pra casa dormir, que amanhã pego cedo no trabalho — disse ele, contrariando o narrador e quebrando a bendita quarta-parede! 

— Desculpa ai, cara. Prometo não fazer de novo  

... foi o que acabou de fazer, Merdaman. 

— Então, dane-se — falou, dando tchau e sorrindo pra você. 

*** 

Carlão Carniceiro estava derrotado. Sob quilos e quilos de estrume, com apenas a cabeça de fora para não morrer sufocado, ele contemplou seus homens caídos. A sirene da polícia cada vez mais próxima. O fedor era muito forte, assim como a raiva e humilhação. Ele queria uma chance, apenas uma chance de fazer o tal Merdaman pagar. E foi aí que uma luz cegante surgiu de seu fuzil dourado, seguida de um portal. Um portal, e uma oportunidade.

 


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Merdaman X Ultraficante! É hora do primeiro super-vilão dar as caras.



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