Vossa majestade escrita por Hamona Wayne


Capítulo 11
Astórias




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/775795/chapter/11

— Você está bem, Ast? – Perguntou Daph, no Expresso de Hogwarts

— Sim. Só pensando como vai ser esse natal.

  Uma bosta como todos os outros. Papai ficou tocando no piano, Daphne e eu ouvíamos as notícias no rádio e mamãe bebia. Nott chegou e minha irmã ficou um pouco mais alegre. Me agasalhei bem e decidi ajudar os necessitados, como no ano retrasado. Ia quase que correndo, a noite é perigosa e sombria. Chegando lá, fechado. Arrombado, quero dizer. Só não entrei porque dizia que a propriedade pertencia ao Ministério.

— Com licença – Pronunciei a um mendigo – O que aconteceu com as pessoas que ajudam com comida.

— Você não soube? – Tossiu – Foram levados... Ao Ministério. Se tiveram sorte, devem ter morrido.

— Merlin – Meu coração ficou apertado – Bem, feliz natal e – lhe dei alguns galeões – espero que seja o suficiente.

— Obrigado.

  O natal não teve muitas coisas, quase ninguém festejava. As ruas eram desertas e sem vida, sem crianças brincalhonas ou avós doceiras. Me deitei na neve e fiz um anjo. Se minha voz era de um, por que não me tornar? Não houve alegria naquela noite a qual devia ser bonita. Pena que não foi motivo suficiente para mamãe desistir de fazer um banquete para seus amigos comensais da morte.

— Quero a casa um brinco, Maurice! – Ordenou, de manhã – Meus amigos devem se divertir ou você sofrerá as consequências.

— Sim, madame.

  O lado bom é que eu e Daphne não fomos obrigadas a participar. Ficamos no quarto desde o almoço, jogando xadrez bruxo. As horas se passavam e ouvíamos muitas risadas e brincadeiras.

— Xeque. – Declarei

— Ah, não quero mais brincar, Ast!

— Não tenho culpa se você é ruim – Me olhou com uma cara de tédio – Desculpe. O que você quer fazer, então?

— Comer. Já faz horas que pedimos para Maurice trazer algo e nada.

— Deve estar servindo os convidados.

— Que se dane! Quero comer alguma coisa.

— Ok, calma. Vou lá embaixo.

— Desculpe, eu... Sabe que fico de mau-humor quando estou faminta.

— E como sei. Não se preocupe, volto num instante.

  Desci pela escada dos fundos e entrei na cozinha sem ser percebida. Peguei algumas coisas e coloquei em uma bandeja.

— Madame? – Indagou Maurice

— Que susto!

— Sinto muito, madame. Maurice não quis lhe assustar. O que Maurice pode fazer para que seja perdoado? Se é que Maurice merece.

— Leve isso à Daphne – Entreguei a bandeja – Diga que estou bem e não-

— Astória. – Chamou mamãe, sentada com suas amigas, em uma sala ao lado, jogando batalha naval com peças de elfos domésticos – Tem um incêndio?

  Me aproximei um tanto confusa.

— O que disse?

  Ela indicou para que eu me sentasse próximo aos seus pés e a obedeci.

— Os seus aposentos estão em chamas? Por que eu estou esperando uma explicação para você ter saído dos seus aposentos e vindo aqui. Eu imagino que haja um incêndio.

— Eu.... Senti vontade de vir ao baile. – Por que eu disse? Não sei, talvez vontade de morrer – E já que vou fazer dezoito anos.

— É verdade! – Segurou na minha mão – Mas que ótimo! – Largou minha mão – É para F-3. Astória, chegou a hora de cortar algumas restrições, hum? Afinal, você não fez nada pra mim. Não me causou problemas. – Sorri orgulhosa, mamãe estava para me amar – Ainda sim – meu sorriso sumiu – tem algum problema em você que eu acho incrivelmente... Irritante.

“Eu não sei o que é. Os ombros caídos. O cabelo, essa voz. Eu sei o que é!  É esse seu cabelo – Puxou ele com força – Odeio seu cabelo. – Tocou no meu queixo – Não interessa se vai fazer cem anos hoje. Nunca mais entre sem ser convidada em uma festa como esta”.

— B para F-3. – Disse uma das amiguinhas dela

  O elfo-doméstico se mexeu.

— C para D-4. – O criado se moveu – Amiga, você foi derrotada nos últimos cinco minutos e nem percebeu.

  O barquinho que estava na cabeça elfo-doméstico de mamãe soltou uma explosão de pó preto no da adversária. Todos bateram palmas. Mamãe segurou no meu queixo novamente.

— É importante saber quando foi derrotada. É sim.

  Tomei quatro goles na ida para o quarto, tinha que ficar perfeita mais rápido. Aquele dia foi um saco. Já o ano novo. Nossa, como festejaram. Daphne dormia no sofá e papai fumava. Andava pela mansão, pensando se faria ou não.

— Mamãe? – Bati na porta – Oi, sou eu, Astória. Desculpe incomodar, sei que disse que queria se deitar por enxaqueca. Só... Queria te dá meu presente de natal, não tive muito tempo no dia e... – Ouvi uma risadinha – Mamãe?

  Entrei no quarto cautelosamente e vi a coisa mais absurda que poderia ser. Minha mãe de seios expostos, no colo de Antônio Dolohov.

— Que porra é essa?!

  Ela parou de rir e se cobriu com o lençol, furiosa.

— SAIA DAQUI! SAIA DAQUI AGORA!

— Há quanto tempo vem traindo papai?

— EU MANDEI – Ela me pegou pelo braço – VOCÊ SAIR! – Me jogou no corredor – SERÁ QUE NUNCA VAI ME DEIXAR EM PAZ? VAI EMBORA! SAI DA MINHA VIDA! VÊ SE MORRE DE UMA VEZ E ME ESQUECE!

  Faltando vinte minutos para o novo ano, me tranquei no salão de dança. Faltando dezessete minutos, peguei todos os frascos de poções que mamãe tinha. Faltando quinze minutos, tomei a poção de emagrecer. Em treze minutos, tomei a que tira estrias e endurece a carne; Em doze minutos, comi um bolinho bem apimentado que deixava a voz mais forte; em nove minutos, tomei algo que deixou minha pele tão macia que parecia a de um neném.

  Em sete minutos, tomei pílulas para coxa, bunda, peito. Em seis minutos, tomei um gole de perfeição porque não queria morrer errada; em cinco minutos, tomei um gole de uísque de fogo pois deixava mamãe feliz e não queria partir triste; em quatro minutos, minha visão apagou; em três minutos, não sentia ou ouvia mais nada; em dois minutos caí no chão com um sorriso feliz, pensando que a maldição Greengrass teria terminado. Em um minuto, pensei na minha irmã e como seria feliz com um fardo a menos. Ela não merecia ter alguém como eu, sempre a atrapalhando. Cinco... Quatro... Três... Dois... meu coração parou. 

  Em 1996, eu morri. Lembro de ter parado naquele caixão de novo. Não fiquei assustada ou com nojo do esqueleto. Quanto tempo até ficar assim? Dois anos? Não tentei gritar, chorar ou bater. Só fiquei ali. Fechei os olhos.

— Ast! Ast, querida, venha comer!

  Devia ter seis anos, morava em uma casa simples com meus pais e minha irmã. Mamãe fez um café da manhã bem gostoso, seria meu primeiro dia na escola.

— Não sabe o quanto me orgulho.

  Ela me abraçou com força e deixei lágrimas saírem de mim. Meu bonzinho pai me deu um beijo na testa e partiu para o trabalho. Eu andava pelo lindo bosque, em direção a escolinha. Deixei minha capa no cabide e me sentei na primeira mesa, ninguém havia chegado.

  A porta foi aberta e minha eu de verdade aos nove anos estirava a mão.

— Eu não quero ir embora! Gosto daqui!

— Quem não gostaria?

  Segurei a mão dela e aquele lindo lugar desapareceu. Não havia muita iluminação, somente uma sala escura, com vozes da minha memória de um lado para o outro.

— Esquisita!

— Sou Draco Malfoy.

— A sua família.

— Não é dos Vinte e oito sagrados?

— Traidora!

— Amigos pra sempre!

— Respeite sua mãe!

— A mente é um cofre!

— Sua estúpida!

— Só queria que visse como é incrível.

— Não sou uma garota qualquer.

— Lady cobra.

— Perdeu alguma coisa?

— Só um beijinho.

— A gente se fala mais tarde.

— Qual seu nome, meu bem?

— ‘tá um mulherão!

— Ele pode ser um comensal!

— Não pode fugir pra sempre, Greengrass!

— Fale mais alto!

— O bem sempre vence!

— E pensar que já gostei de você!

— Só estou antecipando sua morte!

— Menina pra diversão!

— Sua estúpida! 

— Tinha que ser uma mulher!

— Fracasso da minha vida!

— Aberração!

— Vai embora!

— Desonra! Desgraça! 

— Você não é nada!

— Não é ninguém!

— Vê se morre e me esquece!

— Você está toda errada!

— ERRADA! ERRADA! ERRADA! ERRADAAAAAAAAAAAA!

— PARA! - Gritei - PARA, POR FAVOR!

 Não pararam. Muito pelo contrário, berraram todos de uma vez. Fiquei de joelhos, tampando os ouvidos. Aquilo doía demais.

— Astória! – Abri os olhos – Astória!

  Uma doce voz me chamava um pouco longe.

— Astória!

  Me levantei um pouco tonta, porém, não hesitei em buscar quem me chamava. Sua voz meiga e calma, me lembrava muito alguém. Eu mesma.

— Astória?

  Na sala de chá, eu aos seis anos – usando a coroa de Clarisse –, balançava as pernas.

— Sente, por favor.

  Não era só eu, outras Astórias também seguiram a voz dela e se sentaram à mesa. Astórias de todos os cantos: dos sonhos, de quando mais nova, das imaginações dos livros. As mais famosas eram Lady cobra, Astória aos nove anos, Astória aos onze, Astória maluca, Astória dama, Astória rebelde, Astória de Amélia, Astória tímida, Astória garçonete, Astória do Baile de inverno, Astória patinadora, Astória da Copa mundial e até Astória de três anos – sendo segurada por Astória consoladora de Gina. Entre muitas outras Astórias, acho que trinta e pouco.

— Não vai sentar? – Perguntou Astória de cinco anos

— Claro... Astória – Me sentei – Todas bebem café?

— Não, Astória recém-nascida bebe leite. – Respondeu Astória de Amélia

— Ah... Astória?

— Sim? – Perguntaram todas

— Como estou... Estamos aqui?

— Com as pernas! – Falou Astória de dez anos

— E-Eu sei, quero dizer como... – Alguém deixou algo cair e se escondeu atrás da escada – Tem alguém ali.

— Claro, é você, bobinha! – Contou Astória de treze anos e todas riram

— Eu?! O que eu... Nós estamos fazendo ali? Por que não se senta com a gente?

— Porque não... A conhecemos. – Explicou Astória garçonete um pouco tímida

— E por que não... Eu posso ir lá?

— Claro. – Responderam

  Me levantei e fui para trás da escada. Minha eu se escondia em um manto preto, procurando um jeito de sair dali.

— Olá? Tudo bem? Eu... Eu sou Astória e você também é... Astória. O que de tomar chá com a gente, em? Digo, tomar um chá com você. Astória?

  Me aproximei e eu-ela ainda tentava fugir.

— Astória. – Chamou minha eu maluca – Venha.

  Subimos as escadas e vimos outras Astórias de diferentes épocas, brincando nos corredores.

— Por que ela fugiu de mim? – Perguntei – Fiz alguma coisa?

— Você não a conhece.

— Sim, era só ela sentar com a gente e... O que é isso?

  Paramos de frente a um grande espaço negro sem nada lá.

— Veja sua foto. Viu? É o fim da linha. Esse corredor representa nossa linha temporal, compreende? E você é a mais nova. Por pouco tempo. Sempre surgirá uma nova você e mais quadros chegaram.

— Ela sou eu no futuro. Não sei como serei lá.

— Exatamente. Mas sabe que não fará a escolha certa, fará o que lhe dê na telha. Como uma Astória de verdade faria. Há muito o que te espera

— Espera, já vou? Não posso ir! Ainda tenho tanto o que te perguntar!

— Suas respostas estão dentro do seu coração – Disse Astória de doze anos, vindo com as outras Astórias – Tudo vai dá certo.

— O bem sempre vence. – Prosseguiu Astória garçonete

— A sua paixão vai te guiar. – Falou Lady cobra

— Tória! – Peguei minha eu de dois anos no colo, uma gracinha de neném – Cuda de Daph.

— Eu vou – Entreguei ela à Astória dançarina – Vão ver! Vou orgulhar todas vocês! Digo, eu.

  Minha visão foi ficando um pouco escura.

— Adeus!

— Mande notícias!

— Nós te amamos!

— Você é incrível!

— Uma linda dessas, só podia ser eu!

— Fantástica!

— Astória, não me deixa, por favor. E-Eu s-sei q-que f-fui egoísta c-com você, q-que m-mal t-te d-dei v-valor. M-Mas e-eu t-te a-amo, manona. Volta pra mim! É a única família que tenho...

— Daph?

— Astória? Astória!

  Abri meus olhos lentamente, me sentia muito fraca. Vi minha irmã chorando muito, segurando minha mão.

— F-Fiquei c-com t-tant-to m-medo!

— Onde estou?

— St. Mungus. Theo aparatou com você pra cá, f-fiquei c-com t-tanto m-medo...

  Eu tinha ela. Minha família. Outras pessoas também vieram me visitar como madame Rosmeta, os Bulstrode, os Creevey – sendo muito mal olhados – e Tonks.

— O meu primo era assim – Contava – Cheio de problemas na família. A mãe dele dizia coisas horríveis pra ele e batia também. O pai, nem ligava. Por isso o mais novo ficou assim – Assim comensal da morte – Não dá pra se viver desse jeito, não é saudável. Astória, você já é de maior?

— Não. Ou teria me mandado com a minha irmã faz muito tempo. Ainda vai demorar até lá.

— Lamento. Gostaria de fazer algo. Olha, eu preciso ir, ok? Remo não gosta que eu saia muito de casa, acha que algum mal pode acontecer ao bebê. Como se eu não soubesse esconder bem a barriga.

— Ele está coberto de razão, melhor ir.

  Após uns três ou quatro dias, fui liberada. Quase todas as noites, minha irmã dormia comigo e cantava para mim. Devia ser umas cinco da tarde, o Sol se aprontava para sumir. Não tinha bebido mais nenhum gole, então por que ainda ouvia vozes? E se vozes te incomodam, devia ficar longe, certo?

  Não. Peguei uma pá e fui para o quintal. A voz vinha do túmulo mais bonito, a de rainha Clarisse. Tirei as flores de lá e espantei os passarinhos. Na primeira cavada, senti um certo alívio. Então eu continuei.

— Astória? – Indagou minha irmã, uns quinze minutos depois – Astória, o que você está fazendo? Volte pra cama agora mesmo!

  Não sentia vontade de falar, não saía nada de mim além de suor. A neve só fazia atrapalhar, como estava frio. Sabendo que eu não  pararia, Daphne não insistiu tanto e só me observou. Ouvi o sino tocar por um longo tempo, nenhuma de nós duas se mexeu.

— AS DUAS SÃO SURDAS? – Gritava mamãe, da porta – VENHAM AQUI AGORA MESMO! ASTÓRIA! DAPHNE! – Veio quase que correndo – EU... O que você pensa que está fazendo? Deixe a rainha-

  Irritada, bati na minha mãe para que calasse a boca logo. Daphne a ajudou a se levantar e ambas se espantaram com meu comportamento. Senti o caixão, o mesmo caixão que minha mente me prendeu. Olhei para as duas com um sorriso cínico.

— Astória – Chamou mamãe – Pare agora mesmo! Vamos lá para dentro, vou fingir que isso não aconteceu. Não ouse!

  Levantei a pá e bati no caixão com força, criando um amasso. Continuei a fazer, cheguei até arrancar a madeira com minhas próprias mãos. E quem estava lá? Eu. Eu de treze anos, último ano de felicidade.

— Viu? Não tem ninguém aí! – Bronqueou mamãe – É bom que a rainha Clarisse te castigue!

  Minha eu piscou o olho e tateou minha mão. Me puxou e eu caí. Havia um buraco abaixo, o caixão só era uma barragem.

— Astória! – Chamou Daphne – Astória!

  Escuro demais, terra demais. Havia um caminho para seguir em frente. Segundo os olhos de Daphne, eu mesma me joguei em cima do caixão e ele se quebrou – vagabundo. Sem obter respostar, pois permanecia sem voz, Daphne entrou no mesmo canto que eu.

— Você está bem? – Me perguntou

— Deviam perguntar isso a mim – Mamãe se juntou a nós – Onde está minha cabeça quando vim aqui?

— Que lugar é esse, mamãe?

— Não faço ideia, Daphne.

  Nós três engatinhamos a frente por bons minutos. Pisando cautelosamente para ver nosso destino. Toquei em uma parte mais leve. Parei, forçando as duas a fazerem também.

— Por que parou? – Interrogou mamãe irritada

— Acho que Ast encontrou alguma coisa.

  Dei mais alguns passos e caí. Fechei os olhos, pensando na dor. Ela não veio. Flutuava milímetros de distância do chão? Acho que não. A sala era de cabeça para baixo. A gravidade me puxou e caí em cima de um colchão bem velho. Rolei para o lado ao notar que Daphne e mamãe cairiam em cima de mim.

  O que tinha ali? Nada, nada que seja da sua conta. Só precisa saber é que afetou nós três e todos futuros frutos de Greengrass. Nós três, sentadas na sala de estar, quietas, olhando para papai. Fumava um cachimbo e tossia bastante.

— O que as cadelinhas aprontaram?

— Sabemos, Albert – Revelou mamãe, tentando não chorar – S-Sab-bemos... Do caixão.

  Ficou tão, mais tão puto que levantou da cadeira de rodas para apertar o pescoço de mamãe.

— Sua lacraia! Vagabunda! Quenga!

  Tentamos tira-lo de lá, papai sempre foi muito pesado/gordo. Graças a Maurice que mamãe sobreviveu.

— Me largue, seu maldito! A culpa é toda sua! Toda sua!

— PARA! – Gritou Daphne – PAREM COM ISSO!

— NÃO GRITE COMIGO, SUA NOJENTA!

— NÃO FALE ASSIM DELA, ALBERT!

— FALO COMO EU QUISER! ESSA MANSÃO É MINHA! O DINHEIRO É MEU! TUDO PERTENCE A MIM! INCLUINDO VOCÊ, SUA BARANGA!

— CALE-SE! CALE-SE! CALE-SE! VOCÊ ME DEIXA LOUCA!

— EU VOU É TE MANDAR PRO INFERNO DE ONDE NUNCA DEVIA TER SAiDO! E É BOM QUE QUEIME COM A SUA MAMÃEZINHA VADIA!

— NÃO FALE DA MINHA MÃE!

— POR QUÊ? AQUELA CORNA! PUTA!

— E A SUA MÃE QUE NÃO PASSAVA DE UMA FRACA? TIROU A PRÓPRIA VIDA SÓ PRA CHAMAR ATENÇÃO!

— ELA NÃO É VOCÊ, CONSTANCE!

— NÃO ME CHAME PELO MEU NOME! VOCÊ NÃO É DIGNO! JAMAIS SERÁ!

— E VOCÊ É DIGNA DE ALGUMA COISA? PRECISA APRENDER A HORA DE CALAR A BOCA E FECHAR AS PERNAS!

  Uma coisa me incomodava e não era só os gritos, conseguia ser ainda pior. A música que eu Daphne e papai cantávamos direto, quando mais novas (Autora: Chim chaminé), não saía da minha cabeça. A cada grito que soltavam, o volume da música aumentava. Tinha que acabar com aquilo.

  Peguei a mesma pá e fui para a sala de estar. Não esperei muito, o acertei em cheio.

— Astória?

  Daphne e mamãe vieram correndo nos ver.

— O que ela está fazendo? – Papai me viu – PARE AGORA MESMO, SUA DESGRAÇA! CONSTANCE, FAÇA ALGO!

— Vá lá, machão!

— Inútil! – Chegou perto de mim – Eu mandei

  O acertei e ele caiu no chão.

— CALA BOCA! CALA BOCA! CALA BOCAAA! Você decide: ou ele ou você?

  Papai olhou desesperado para mamãe, que se divertia com a sua situação. Acertava o piano, soltando cada frase de raiva.

— Isso é por ter jogado seu maldito cachimbo em mim! É por ter me xingado todas essas vezes! Por se achar superior! Por rasgar meu livro! – Parei um pouco para respirar – Por me iludir, fingindo ser um melhor pai QUANDO NA VERDADE NÃO É PORRA NENHUMA, ALÉM DE UM CUZÃO DO CARALHO!

 - Astória, pare! – Mandou meu reflexo da enorme vidraça – Não é assim que uma dama se comporta! Nunca terá ninguém assim!

— CALA BOCAAAAAAAA!

  Joguei a pá e a vidraça se quebrou. 

— Estão vendo? Estão prestando bem atenção em mim? Vejam a DESGRAÇA EM PESSOA! A MALDIÇÃO DOS GREENGRASS! A FRACASSADA! A VADIA! - Solucei - Eu me tornei um m-monstro. Eu não consigo sorrir sem uma poção pra me ajudar. Não posso dormir, porque tenho medo dos pesadelos! Não sei o que é real e o que não é. Minha mente está enlouquecendo. Venho me torturando calada, porque roubaram minha voz. E pra quê? Pra ser perfeita? Pra ter classe? ME DIZ! Eu não consigo mais dançar. Não sei mais quem sou. Eu t-tenho t-tanto me-edo. Fui tratada como uma aberração. E só, o simples fato de existir, incomoda vocês.

"Por que não podem agir como pais normais? Porque não me abraçam e dizem que tudo vai bem? POR QUÊ? POR QUE SÃO TÃO MAUS? POR QUE NÃO CONSEGUEM SER PESSOAS BOAS? VOCÊS HUMILHAM OS INFERIORES PORQUE TÊM INVEJA! Inveja da felicidade deles, do amor pelo o que tem pelos outros. E o que temos? Somos totalmente ocos por dentro. Até eu tenho inveja deles. Quantas vezes já me peguei imaginando como seria o natal na casa da sra. Weasley. Uma senhora tão amigável e gentil. E só porque não tem muito dinheiro, acham que têm a liberdade de a expor ao ridículo. Sabem o que é ridículo? Esse cachimbo, essas joias. ESSA MANSÃO É RIDÍCULA! TOTALMENTE RIDÍCULA!"

"UM LUGAR QUE NUNCA VOU PODER CHAMAR DE CASA PORQUE É O CENTRO DE TORTURA!", fechei os olhos, lembrado dos "PESSOAS MORTAS ENTRAM AQUI! PESSOAS MORTAS ENTRAM AQUI! ELES NOS TOCAM! NOS PEGAM! O SANGUE ESPELHADO PELO CHÃO, PELAS PAREDES, PELO TETO! EU NÃO AGUENTO! NÃO AGUENTO!", abri os olhos, "Sabem como é a mente de uma garota de dezesseis anos que convive com comensais da mortes carregando corpos de gente inocente? É nojento, seboso. Só de pensar o quanto queria ser uma sangue-ruim só para sentir como é ter uma família. Ter uma família que ama como sou. Mesmo com todos os defeitos, erros. Me amariam. Eu daria tudo, tudo, tudo. Meu sangue, sobrenome, dinheiro, só para ter um abraço aconchegante e um eu te amo".

Caí de joelhos e gritei. Minha irmã se ajoelhou e me abraçou. Encarava meu reflexo da cabeceira do meu quarto, com um olhar psicótico e de cabelos soltos.

— Ah, filha – Mamãe colocou suas mãos nos meus ombros – Viu como agiu hoje? Colocou a roupa fora. Isso mesmo, os Greengrass não têm medo. Com mais um gole, você chega lá.

— Então me amará?

— Sem dúvidas.

— Mentirosa.

— O que disse?

— Eu disse que não passa de uma mentirosa! Eu não me lembro de uma história que a senhora tenha me contado. De uma canção que estivéssimos cantado juntas.

— Não vamos revolver coisas antigas, Astória.

— Eu tinha muito orgulho da senhora, sabia? Muito. As vezes que fazíamos festas, a senhora para mim era a mãe mais bonita, a mais elegante. Eu fiz de tudo para parecer com a senhora. Mas isso, eu não consegui chegar nem perto. Pra você, sou toda errada. É os meus dentes, o meu cabelo, meu corpo, minha boca. Eu sou toda torta, pra você. Eu me entortei tanto que acabei me viciando em uma poção. Comecei a beber. A minha vida deu tudo errado, mamãe. Mas a senhora quer mais. A senhora quer que eu me sinta culpada por algo que eu não fiz.

— Eu não planejei nada! O seu pai fez isso comigo! Eu só era uma garota!

— Me fala do que a senhora tinha medo. De descobrirem que tudo isso é uma mentira? Que não somos felizes? Que eu vim de estupro e que publiquem isso no Profeta diário? De eu ter vindo de uma desgraçada? Desgraçada! Essa poção monstruosa que me deu é só pra me enlouquecer? Ou pra se vingar do fardo de eu ter nascido? Me diz. Fala. Fala. Fala alguma coisa ou não me respondo por mim. Fala! Fala, desgraçada! Fala!

— Tudo o que eu fiz por amor. Para defender a minha família. Essa família infeliz que o destino me deu. O marido que tenho que carregar por trás, para as pessoas acharem que ele está de pé. Uma filha viciada. Sua irmã é uma eterna sonhadora. Eu sou o pilar dessa família! Eu sou a estrutura! Para o bem de todos os Greengrass, tenho que me manter íntegra! O que quer que eu fale? Que você nasceu porque seu pai me estuprou? Ótimo. Aí está! Eu nunca desejei você! E não importa o quanto eu tente, sempre será o fracasso da minha vida! Se eu te dei a poção, é para que permanecesse inteira!

— Inteira, mamãe? Inteira, eu? Inteira, Daphne? A senhora, inteira? Todo mundo te odeia, mamãe! Até seus amiguinhos comensais te desprezam! Ainda bem que não pareço nada com esse monstro que a senhora é. Eu ainda tenho a vida inteira pela frente. Mas a senhora, mãezinha querida, eu não vejo futuro nenhum.

  Me deu um tapa.

— EU TE ODEIO! – Ela declarou, me batendo – EU ODEIO VOCÊ! OLHA O QUE FEZ COMIGO! EU ERA LINDA! EU TINHA DENTES BRANCOS! MEU CABELO NÃO CAÍA! MINHA PELE ERA MACIA!

— CULPA DAS SUAS POÇÕES MALDITAS!

— CALA BOCA! CALA BOCA! CALA BOCA! VOCÊ É FRACA! UMA VERGONHA! NEM COM A AJUDA DE UMA POÇÃO, CONSEGUE! MORRE DE UMA VEZ! VAI EMBORA DAQUI! MORRA! MORRA! MORRA!

  Um tapa é pior jeito de se humilhar. Um soco ainda é menos doloroso. As unhas postiças e afiadas de mamãe me rasgava. Não me movia, só queria sentir seu ódio.

— E O QUE QUER QUE EU FAÇA, MAMÃE? O QUE PRECISO FAZER PRA QUE ME AME? ME DIZ, POR FAVOR! EU NÃO AGUENTO MAIS! É o meu cabelo? A minha voz? O-O que tem de errado comigo?

— Você é a cara do meu pai. O jeito, o comportamento, tudo. Não importa o quanto tente, sempre verei ele em você – Me deu outro tapa – Sua imbecil! Cachorra! Vagabunda!

— Larga minha irmã! – Daphne empurrou ela – Deixa ela em paz!

— Daphne, eu sou sua mãe! Eu sempre te criei bem e te amei!

— Eu mandei ir embora! Não toque nela nunca mais!

  Mamãe nos deixou e fiquei chorando no colo de Daphne.

— Está tudo bem, manona. Ela não vai mais te machucar.

— Sua fraca! – Xingava meu reflexo – Se mata logo!

— Sai daqui! – Mandei – Daph, tira ela daqui! Tira! Tira!

— Tirar quem, Ast?

— Ela! – Apontei para o espelho – Ela não cala a boca, Daph! Sempre está me xingando e estou cansada disso! Sai daqui! Vai embora! SAI!

— Ast, Ast, olha pra mim – Pediu ela – Olha só pra mim, não tira os olhos de mim. Essa coisa que você e te xinga não é real, está bem? É tudo da sua imaginação.

— Não é! Ela ‘tá olhando pra mim! ‘tá falando e rindo de mim!

— Ast, não tem ninguém além da gente. Não é real.

— E-Eu n-não s-sei mais o q-que é real... Eu e-estou presa nesses sonhos t-toda hora! A-Apareço em lugares e saio s-sem saber! Faz parar, por favor! E-Eu só quero viver em paz! P-Por que não posso ser f-feliz, Daph? Por quê?

— Ah, manona.

  Me abraçou. Tinha um pouco de sangue no meu corpo, Daphne tirou minhas roupas e me colocou na banheira. Tentou me banhar e eu me afastei.

— Ast, não vou te machucar. Pode confiar em mim.

— T-Tenho medo.

— Medo da sua irmã mais nova? Sério?

  Rimos. Vi como ela cuidou de mim, como amadureceu. Dormimos abraçadas, cantando bem baixinho (Autora: Girasol, de Sierra).

— Ainda não acredito que mamãe te deu isso. – Revoltou-se Daphne com desprezo, no quarto dela em Hogwarts – Aquela vagabunda!

— Ei, Daph – Segurei nos ombros dela – Calma, está bem? Ainda estou viva.

— Por pouco, se Theo não estivesse lá-

— É, viva ao Theo – Ironizou Susan, lendo um livro – Desculpa, Astória.

— Tudo bem.

— Ah, pelas barbas de Merlin, Susan! – Brigou Daphne – Ele salvou a vida da minha irmã!

— Ok, já sei. Todo mundo sabe o quanto seu namoradinho é incrível. Por que não grava logo um disco?

— Tão engraçadinha.

  Desci para o salão comunal e sentei, suspirando.

— Brigando de novo? – Perguntou Francis e assenti – É, estamos em uma época que até essas duas, o Lorde das trevas enlouqueceu.

— Não estão brigando por causa dele.

— Astória, por que você acha que sua irmã está namorando um cara que não gosta?

  Por proteção. No último ano Guerra, todos enlouqueceram. Eu posso ter sido uma dessas pessoas – ficando mais louca ainda, que beleza. Fiquei de construir alguns brinquedos. Ok, eu vou contar. Quando vi o Lorde das trevas, pensei que ninguém estava seguro. Nem mesmo os Malfoy queriam mais essa guerra, e eles não são os únicos que pensavam assim. Só que tinham para onde fugir. Que lugar eu tinha? Nenhum.

  Não queria ir para as outras mansões dos meus pais, seriamos encontradas. Na Guerra, eu não lutei no lado da Ordem da Fênix e nem do lado dos comensais. Lutei do meu lado.

  De manhã, estudava; à tarde, trabalhava; e a noite, fabricava bombas. Madame Rosmeta foi muito legal em ceder um de seus quartos para as experiências, mesmo não fazendo ideia do que era. Eu tinha um plano, depois daquele ano, eu e Daphne iriamos para os Estados Unidos. Até paguei uma grana preta por documentos falsos.

  Queria levar Draco, mas ele estava preso na mansão desde o natal. Luna tinha sido sequestrada e Gina fugiu para a casa da tia. Neville foi o único que restou e lutou bravamente para que a Armada de Dumbledore prosseguisse. E claro, dei todo apoio. Em silêncio.

— Astória. – Chamou madame Rosmeta, no trabalho

— Sim?

— A coruja poderia levar essas caixas, por favor?

  Ah, tinha isso. Eu meio que fui apelidada de coruja porque levava mantimentos ao falecido dono do Cabeça de Javali, Abeforth Dumbledore, que entregava aos alunos refugiados. Então, de certo modo, eu estava do lado de vocês. Às vezes, arriscava ir para a Sala precisa só para ver o estado deles.

— Fazendo o possível. – Contou Neville – Não temos o que reclamar. E você?

— O mesmo.

— Astória, eles... Eles... Te escolheram?

— Graças a Merlin, os sangue-puro me esqueceram.

— É, por quanto tempo?

— Tempo suficiente de meter o pé daqui. Os Estados Unidos estão bem.

— Não podemos fugir, se recuarmos, viriam atrás da gente e com mais reforço.

— Acredite, queria lutar, mas não posso. Não quando tenho uma irmã pra cuidar. Se pudesse, falaria tudo. Mas me nego pôr a vida de alguém em risco.

— Tudo bem. Sei que está fazendo o que acha certo. Quando vai?

— No último dia de aula. Vou ser maior, então. Toma – Dei uma bomba embrulhada – Pode ajudar.

  E ajudou, para destruir a ponte da escola, na batalha de Hogwarts. Aquele foi o dia mais sinistro da minha vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vossa majestade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.