Sonho de Hesíodo escrita por Artie Ekko


Capítulo 1
1- Despertar




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Uma torrencial chuva caía sob sua pele acinzentada, seus olhos completamente negros e com um discreto reflexo luminoso não conseguiam enxergar nada por trás daquele grosso e continuo manto de água. O pequeno não sabia como, e nem por quê, mas continuava de pé bem no centro de uma inconveniente cratera presente no Sul de uma metrópole agora vazia. Não se tinha sinal de nada realmente chamativo, e a leve vegetação verde que escapava do solo se misturando à terra e concreto indicava que tanto a cratera quanto a cidade estavam ali, abandonadas no tempo.

A mente do pequeno não estava tão normal quanto o comum, mas também estava longe de ser confusa, na verdade, tudo se encaixava perfeitamente dentro de sua cabeça. Por esse motivo o mesmo não perdeu tempo fazendo perguntas para si mesmo, queria sair dali o mais rápido possível ao invés de esperar algo acontecer, e em uma piscada turva...

Algo aconteceu...

Uma comprida criatura emergiu do solo molhado. O pequeno não pode fazer nada, estava completamente paralisado de medo. Por trás da chuva era possível se ver apenas um comprido pescoço metálico que em seu fim carregava uma cabeça com o mais misterioso dos formatos, era algo que ficava entre um crânio de crocodilo, uma maçaneta de porta e um pedal de bicicleta. “Monstro” era como os antigos o chamavam, e naquele momento o pequeno soube o motivo.

A gigantesca criatura se curvou em uma longa parábola, deixando seu grotesco rosto o mais perto possível do pequeno, e então disse com uma voz gutural:

— Por quê está aqui criança? É impossível ignorar esse odor horrendo que sua raça libera no ar – O pequeno nada respondeu, então a criatura continuou.

— Como esperado de alguém cuja a aparência se assemelha muito a uma pedra. E como uma pedra você não merece castigo nenhum, muito menos algum elogio!

O pequeno apenas olhava para aquela cena e deu um passo para trás, sabia que não podia confiar em ninguém que tivesse a alcunha de “Monstro”.

— O quê? Ainda está com medo!? Você é realmente muito ingrato! Qual o seu nome? E diga de uma vez o que veio fazer aqui na minha cidade! – A criatura gritou.

O pequeno se manteve firme, mas não falou nada, apenas gesticulou:

Primeiro apontou para a cratera, em seguida para o céu e por último para o símbolo de um pássaro flamejante no manto branco que trajava.

— Hmmm... – A criatura murmurou e logo continuou – Você é um viajante que caiu dos céus...e já que não sabe seu próprio nome, não há ninguém melhor do que eu para fazer isso.

O pequeno não discordou, respirou fundo e deu de ombros quando sentiu as gotas de chuva finalmente enfraquecerem. Enquanto isso o monstro analisava ferrenhamente cada detalhe que fosse relevante na aparência do pequeno.

Pensou em chama-lo apenas de “Pequeno” mas achou que seria algo ridículo demais; Pensou também em não dar-lhe nome algum, até por que ele mesmo não possuía um nome é já desistira disso á décadas atrás por que nenhum dos disponíveis o cabia de forma confortável.

— Como o pássaro flamejante do conto, você caiu dos céus e irá renascer! Phynx lhe cabe perfeitamente, não acha?

O pequeno já havia escutado esse conto antes, algo vago em suas lembranças ao menos indicava que certamente ele conhecia algo parecido. As linhas em raízes retas de seu manto branco encapuzado piscaram levemente em uma cor esverdeada como o gramado que o cercava. O monstro repentinamente olhou para o alto como se notasse a presença de algo que se aproximava depressa, a mesma sensação que o fez sair de seu buraco na terra.

— Os trolls estão chegando, já é noite, e me admiro que nenhum tenha sido atraído para cá por sua causa antes. – O monstro deu um forte suspiro, e saiu de suas narinas uma grossa nuvem de vapor com um forte aroma metálico. – Isso vai esconder seu aroma de carne deles, aproveite para correr o mais longe que conseguir, corra em direção ao Monte de Aço, as Anciãs irão responder as perguntas que certamente vagam em sua mente. E por nada nesse mundo deixe os trolls verem você! – Foi a última frase do Monstro um pouco antes de mergulhar profundamente no subsolo em retorno a sua toca.

Phynx, agora sozinho, seguiu o concelho de seu amigo Monstro, correu ao máximo que suas curtas pernas conseguiam. Corria pelas ruas desertas da cidade, pulava por cima de desastrosos buracos no solo com marcas queimadas, observava as portas abertas e os vidros quebrados, mas não conseguia analisar perfeitamente pois já conseguia escutar os passos da horda de criaturas afundarem suas patas pontiagudas nas paredes de concreto e metal. Os trolls eram criaturas temidas por toda aquela região, ninguém sabia exatamente por quê, até por que os únicos que realmente conseguiram ficar cara a cara com uma dessas bestas não conseguia falar nada por ter sua alma completamente afogada na loucura.

Phynx sabia que não era curioso, e tinha mais certeza ainda de que não iria perder tempo para observar as criaturas. De alguma forma ele sabia que por mais animalescas que fossem ainda não haviam o visto correndo, então acelerou o quanto pôde, o que não foi o suficiente quando percebeu que um gigantesco pedaço de concreto cortava o ar e, com a força de um trovão, bateu em um veículo abandonado fazendo com que a pouca quantidade de combustível inflamável entrasse em contato com o reator elétrico que faiscava e explodiu em uma média bola de fogo. O impacto arremessou o pequeno longe, já que estava a menos de três metros da explosão. A luz era muito forte, forte o suficiente para cegar alguém que esteve por bastante tempo na escuridão.

A criatura gritava de dor por ter aquela colossal luz momentânea direto em sua retina e imediatamente entrou em fúria atrás de sua presa, o pequeno, que também ficava cego naquela situação e não pode fazer nada quando sentiu seu corpo bater contra uma vidraça, provavelmente uma vitrine. Cacos de vidro cobriam o corpo de Phynx, que não conseguia enxergar nada além de vultos e reflexos; Apertava os olhos, se esforçando ao máximo para conseguir identificar qualquer coisa ao seu redor que o ajudasse a se defender conta a monstruosidade que se aproximava cada vez mais depressa, derrubando postes e chutando veículos próximos. 

O coração de Phynx palpitava, e sua respiração ofegante não o ajudava a pensar, desesperadamente procurava algo ao seu redor que pudesse usar para se defender mas os cacos de vidros se fragmentaram em pedaços pequenos demais. Um forte odor de putrefação no ar se tornava mais presente, sentiu a criatura se curvar em um som metálico e farejar seu corpo brevemente, sentiu também as gotas de saliva da criatura pingar em seus pés e rezou por sua vida em silencio. As linhas em seu manto se avermelharam e fumaça saía de pequenos furos no tecido, o ar em seus pulmões se esvaia aos poucos e sua visão então se escureceu até e fim desmaiar.


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