Prodígio Vol.1 DEGUSTAÇÃO escrita por Serena Bin
EU NUNCA QUESTIONEI O LEMA DA CLASSE ASPHER:INTELIGÊNCIA NÃO É UM DOM, MAS SIM UMA HABILIDADE QUE DEVE SER TRABALHADA INCANSAVELMENTE PARA O BEM DA HUMANIDADE.
No entanto, somenteagora, com Jade me contando a história do Prodígio de roupas verdes, é que realmente entendo o significado dessas palavras.
Olho para Jade com uma expressão de surpresa. É um pouco remoto que eu nunca tenha ouvido falar disso, mas então me lembro de que as pesquisas são sigilosas e manifestadas apenas aos Prodígios que a desenvolvem. Como Jade descobriu isso é um grande mistério.
— Como você ficou sabendo disso? — pergunto.
— Por aí — ela responde enigmática, então começa a rir de uma maneira engraçada e volta a sentar em sua estação de pesquisa.
Faço o mesmo e tento me concentrar nas amostras de oxigênio que cintilam dentro do frasco enegrecido, mas então me lembro de uma questão que talvez Jade possa dar jeito. Se ela é capaz de saber detalhes de pesquisas alheias, há uma grande chance de que ela saiba a resposta para a seguinte pergunta:
— Jade — cochichocutucando-a pelas costas. Ela levanta seus olhos verdes e os mantém em mim. —Você sabe o que acontece lá fora depois que escurece?
A expressão de Jade se confunde em um misto de dúvida e surpresa.
—Ouvidizer que há alguma coisa lá fora.
— O que você exatamente ouviu, Danna? — Jade pergunta, então conto que fora o garoto de roupas verdes que mencionara isso a mim horas antes.
— Bem — Jade inicia de maneira calma. —Há boatos de que depois que o sol se põe, tudo lá fora fica em total escuridão...
— Não são boatos — interrompo. —É verdade. Eu vi.
Jade me olha com atenção e volta a falar:
— Bem, eu nunca comprovei pessoalmente. O fato é que, segundo esses boatos que agora vocêdiz serem verdadeiros, depois que tudo fica escuro, há a ocorrência de um fenômeno.
— Fenômeno?
— Sim.
— Você sabe alguma coisa a respeito, Jade? — pergunto realmente curiosa.
— Não muito — ela responde. —Mas tem a ver com o oxigênio.
— Considerando que praticamente tudo em Brázar tem a ver com oxigênio... então, acho que você não sabe muita coisa — comento com um leve riso, que não contagia minha colega. Na verdade, Jade está agora me encarando como se a piada fosse infame demais para o momento. —Desculpe.
— De fato, não sei mesmo — Jade responde quieta, em seguida fica esfuziante novamente. —Tá aí uma coisa bacana para se pesquisar: o que há depois do anoitecer. Já posso me ver recebendo um bônus por essa descoberta.
— Eu já posso vê-la com cabelos, Jade —digo entrando na brincadeira. Jade e eu rimos por alguns minutos e então, quando a euforia finalmente passa, minha colega de estação se torna pensativa e por alguns instantes fica apenas olhando para o nada. Depois de algum tempo, ela quebra o silêncio.
— Às vezes, eu tenho a impressão de que eles escondem as coisas de nós — Jadediz reflexiva.
— Como assim? — contraponho. Jade responde com o mesmo tom calmo de outrora:
— Sei lá, sinto que eu, na verdade, não sei nada sobre nada. Como se o que eu sei, fosse apenas o básico, quando o que de fato é importante, não me fosse sequer apresentado. Como se eu fosse algum tipo de massa de manobra.
— Isso não faz muito sentido —pondero. —Nós somos, literalmente, os seres mais inteligentes do mundo. Fomos criados para saber de tudo sobre tudo. Acredito que não há nada que a ciência diga que já não saibamos...
— Às vezes, sinto que sabemos apenas o que a ciência quer que saibamos — Jade me interrompe de repente.
Um dos maiores lemas da Classe Aspher é: Uma geração iluminada pelo conhecimento.
Isso é ensinado a todo Prodígio ainda nos primeiros anos da infância. O que Jade estádizendo soa meio fora de órbita, porque foge ao sentido natural dos Prodígios. Que sentido há em acreditar que sabemos apenas o essencial, quando podemos calcular de cabeça a massa atômica de qualquer elemento da tabela periódica, ao passo que outra criança da mesma idade que nós, ainda esteja aprendendo o bê-á-bá? Como poderíamos ser massa de manobra, quando os próprios nativos recorreram à nós para dar continuidade à existência humana?
— O que querdizer com isso? — retorno à Jade, ela, porém, apenas sorri.
— Deixa para lá. Minha mente voa alto demais. É mais forte do que eu.
— Certo — respondo.
— Quanto ao que acontece depois de escurecer, vou ver o que posso descobrir — Jadediz e então retorna para sua estação de análises.
Em minha cabeça, agora ocupa um pouco da fala de Jade.
As palavras circundam minha mente e atraem uma série de fatos que de alguma forma fazem um pouco de sentido, porque me sinto exatamente como Jade se sente. Não é sempre, mas em alguns momentos, principalmente quando estou sozinha. Mas para mim é fácil voltar a realidade, basta apenas que eu me lembre que são os nativos que não sabem de nada. Não detêm o conhecimento nem mesmo sobre a real situação de onde moram. Não sabem, por exemplo, que a vida deles depende de nós.
Mais tarde, quando deixo o Centro de Análises, me encontro em meu quarto solitário. Deitada na cama, gasto meu tempo restante antes da hora de dormir, lendo e testando teorias relacionadas a minha pesquisa. Mas eventualmente, minha atenção muda de foco quando meu olhar encontra a janela do quarto.
Através do vidro, espio o lado de fora totalmente tomado pelo breu e tento achar alguma hipótese plausível para o que acontece depois do crepúsculo, mas nada chega realmente a fazer sentido. Lembro-me da expressão desconfiada do garoto de roupas verdes quando eu lhe dissera que estudara cada centímetro do domo e que seria impossível haver uma ameaça à noite.
De repente, estou parada em frente à janela considerando a expressão do garoto com a frase dita por Jade, momentos antes de nosso turno se encerrar. Sobre sabermos apenas o necessário. Lembro-me do rapaz me olhando com um misto de desconfiança e desdém, como se ele realmente soubesse de algo que não sei. Como se eu fosse uma tola por acreditar que não há nada de errado depois do anoitecer.
Olhando para o horizonte e enxergando nada além da escuridão, um pensamento começa a surgir em minha mente. Um conjunto de palavras soltas, embrenhadas e confusas.
"Todo saber é um conhecimento. Mas nem todo conhecimento é de fato um saber."
Quando a frase finalmente se forma, imediatamente a reconheço. Esse é um dos lemas da Classe Aspher.
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Obrigada por ler.