Calmaria Rebelde escrita por Angelina Dourado


Capítulo 1
Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Participando aqui desse desafio maravilhoso com uma história curtinha, terá cinco capítulos e será lançado um por dia. O tema escolhido para desconstruir o clichê foi o do certinha&badboy, e como podem ter notado a mudança aqui por enquanto é a de gênero dos personagens.
Espero que gostem do resultado, boa leitura! ^-^



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Se havia uma coisa que Dora não era, é indecisa. Sabia muito bem o que sentia, do que gostava e do que não gostava, de quem ia com a cara e de quem desejava atropelar com sua bicicleta. Esta, aliás, que era seu grande xodó, uma BMX que comprou usada e reformou quase inteira e tratava como um filho, em que desde então virou sua marca registrada. Claro que queria na realidade ter uma moto, de preferência alguma Iron da Harley Davidson que era seu maior sonho de consumo, mas ela não tinha dinheiro sequer para conseguir uma habilitação, quem dirá um veículo de verdade.

Porém, mesmo que Dora chegasse pedalando todos os dias na escola repleta de adolescentes mesquinhos ostentando seus motores, ela não se deixava rebaixar por seus risinhos idiotas, na realidade ai de quem ousasse tirar uma de sua cara! Seu mero olhar fulminante era capaz de fazer o melhor dos atletas correrem em desespero diante de sua pessoa. As detenções e suspensões pouco lhe impediam de meter o punho na cara de algum desgraçado, sendo que o governo já não tinha mais onde lhe mandar, visto que já era a terceira escola que frequentava em dois anos, se ferrasse com tudo de novo o próximo passo provavelmente seria o reformatório.

Talvez a única coisa que não tinha certeza, era o que faria da vida. Afinal, o que havia para ela vivendo com a mãe alcoólatra em um estacionamento de trailers? A figura mais próxima de alguém responsável era sua tia que havia se casado com um velho moribundo e ricaço, depois de passar a vida vivendo num bordel. Não era exatamente uma família digna de comercial de margarina.

“Você até que seria bonitinha se desse um jeito nessa aparência de moleque marginal” Era o que Tia Rose costumava dizer, não sendo exatamente o conselho de ouro que Dora esperava. Provavelmente trabalharia como atendente de caixa de mercado a vida inteira mesmo, era melhor que acabar como o restante da família, isso se não conseguisse vaga em uma universidade, algo que estava cogitando se dedicar mais desde que havia sido obrigada a participar de um grupo de reforço por detenção.

Mas naquele momento, a preocupação de Dora não era o seu futuro fadado ao fracasso, mas a certeza que tinha por constatar a paixão inesperada e muito aleatória que teve por um sujeito chamado Stuart Kashyap. Isso era algo que a fez querer ser menos decidida, pois ao menos gostaria de ter a dúvida sobre se estava realmente gostando do seu tutor de física.

— Ele parece um bolinho. Daqueles que uma vovozinha faz para oferecer aos netinhos: fofo, molenga e inofensivo. – Foi como sua amiga Susan o descreveu quando Dora admitiu enfim o porquê de perguntar tanto sobre o garoto nos últimos dias. Aquela havia sido a descrição mais completa que tivera para poder explicar com exatidão quem era Stuart. – Você não pode estar afim de um bolinho Eudora.

— Eu sei! Por isso que é uma droga, é como sei lá, misturar água e óleo como dizem. – Bufou descontente enquanto era apenas analisada com desdém pela colega. – Nem sei como ele me chamou tanto a atenção, você sabe muito bem o tipo de cara com quem já saí antes! Mas tem alguma coisa naquela cara boba e sorridente de garoto certinho que aaaargh. – Dora ficou de cabeça para baixo no trepa-trepa em que as duas se encontravam, resmungando coisas inteligíveis enquanto Susan ria de sua trágica situação. – Ás vezes tenho vontade de vomitar ao vê-lo usando aqueles coletes de lã engomadinhos, ao mesmo tempo em que quero ficar olhando ele escrever no quadro negro o dia todo.

Susan a olhava refletindo a situação enquanto mascava um chiclete, os olhos parcialmente cobertos pelo cabelo crespo e o boné do time de baseball local.

— Você tá muito ferrada garota. – Foi a conclusão genial na qual Susan chegou, fazendo Dora a olhar num tom irônico.

— E quando não?

— Mas como isso aconteceu exatamente? Você é a criatura mais antipática da face da terra e só se comunica comigo e mais três pessoas tão mal encaradas como você. Enquanto ele é um zero a esquerda que anda junto com o time de xadrez e esse tipo de grupo nerd.

— O tal do grupo de reforço. No começo fui obrigada a participar, mas depois comecei a ir por conta. Sabe que quero tentar dar um jeito nas minhas notas e arriscar alguma faculdade futuramente. – Dora se endireitou novamente, o cabelo loiro até os ombros estando espantado por baixo da bandana vermelha, ficando com os braços cruzados e o cenho rabugento feito o de um velho marinheiro. – Ele era um dos tutores, posso ter rido algumas vezes do jeito certinho e sensível dele, mas quando vi já estava radiante com seu "Bom dia colegas!!" simpático e aquele sotaque indiano adorável. Uma vez ele até trouxe biscoitos para nós, e sabe o pior?

— O que?

— ELE QUE FEZ OS BISCOITOS SUSANA! - Berrou como se aquilo fosse o fim do mundo, a reação da amiga não sendo tão distinta assim.

— Tá brincando comigo!

— Pior que não. – Dora escondeu o rosto em suas mãos, já cansada de tentar encontrar alguma lógica naquela paixão esquisita. Ambas ficaram em silêncio por um instante, matutando a questão e tentando digerir toda aquela situação estranha.

— Bem, acho que só te sobra uma coisa Dora.

— O que? – Indagou num murmúrio rabugento, recebendo um sorriso sacana da amiga do qual sabia que significava encrenca.

— Chama ele pra sair ué.

— Tá maluca garota? Não dá, ele tenta ser simpático mas sinto que tem medo de mim. Se treme todo como um coelhinho assustado.

— Você bota medo em todo mundo Dora, especialmente em nerds fracotes como ele. Mas é só te conhecerem, como eu, para descobrirem que você é mais que um rostinho cheio de ódio. – Susan lhe tocou o ombro, a olhando com afeição. – É um rostinho de ódio muito gente boa.

 – Obrigada, eu acho. – Dora franziu os lábios em desgosto, pegando a mochila escura e quase vazia e saindo de cima do brinquedo. – Vou pra aula, depois penso que loucura eu faço.

— Ainda vai entrar? Já deve estar nos últimos períodos! – Disse Susan logo atrás, mas Dora a ignorou, seguindo de cenho carrancudo e mãos nos bolsos enquanto ia a passos largos até o prédio de tijolos a vista onde deveria estar estudando. Todavia, mesmo com uma expressão de poucos amigos, ela pensava no sorriso mais simpático que já conhecera.

Dora havia prometido a si mesma que se esforçaria mais na escola aquele ano, e até então estava tendo um bom progresso. Mas nesse dia específico teve uma ‘recaída’, ao faltar quase todos os períodos e não dar a mínima para os poucos que esteve presente. O que acontecia era que não conseguia parar de pensar na ideia proposta por Susan, junto a cara de filhotinho fofo de Stuart que era mais óculos do que rosto, e seu cabelo escuro cortado de forma simétrica brilhando com os fios sedosos.

“Eu realmente estou ferrada” pensou enquanto se colocava a lembrar do garoto ao invés de estudar equações.

Ao final da aula, se deparou com a imagem de Stuart nos corredores, andando com a mochila de alças curtas feito uma criança, segurando alguns livros que pareciam pesados para o corpo esguio. Sentiu as borboletas no estômago acordarem por conta disso, querendo muito socar cada uma delas e prendê-las com alfinetes na parede.

— Oi Stuart. – Cumprimentou quando se cruzaram no corredor, pensando em talvez ouvir o que a amiga havia sugerido. O garoto a olhou de forma atônita, encolhendo os ombros como um hamster se escondendo no fundo da gaiola, os olhos olhando pra baixo por trás das lentes grossas dos óculos.

— O-olá Eudora. – Ele respondeu quase que num murmúrio, trêmulo e abraçando ainda mais os livros que segurava. Dora sentiu algo se quebrar dentro dela, desistindo na hora da iniciativa que teria, já imaginando que não ia dar certo de toda forma. Pois fora da sala de reforço ambos tornavam-se mais que estranhos, também eram de grupos completamente opostos, antagônicos e nada compatíveis. Romeu e Julieta que o dissessem, juntos somente a sete palmos no chão, foi o que ela pensou ao se lembrar da aula de literatura.

Virou o rosto, seguindo em direção à saída sem olhar para trás, pedalaria por toda aquela cidade até que pudesse esquecer daquela paixonite tola. Não notando a princípio o garoto não tirando os olhos de sua figura, nem do grupo de veteranos a se aproximarem de maneira ameaçadora até Stuart.


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Notas finais do capítulo

Se gostaram deixem um comentário e nos vemos no próximo capítulo! ^-^



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