Estava sentada na biblioteca quando a campainha tocou, coloquei o livro e minha xícara na mesa ao lado da poltrona e me encaminhei à porta.

A campainha tocou insistentemente. Absurdo como ninguém respeita mais nada, pensei comigo, e a campainha continuava a tocar enquanto descia as escadas.

— Já vou, estou chegando! – gritei enquanto pulava os três últimos degraus, corri até a porta e a destranquei.

— Olá, senhorita Granger? – perguntou o carteiro me olhando de cima a baixo.

— Sim, sou eu mesma, o que gostaria? – estranhei, não havia encomendado nada e absolutamente ninguém me mandava nada pelo correio, isso era esquisito demais.

— Olha, nos deixaram uma carta no correio há uma semana e disse que deveria ser entregue hoje. – ele me olhou atentamente esperando uma resposta.

— Ah, ok, onde devo assinar? – perguntei já pegando a caneta que sempre tinha em minha orelha direita, um pequeno costume adquirido pelos anos. Ele me passou dois papéis, assinei, ele se despediu e partiu. Peguei a carta e fechei a porta com o pé, não tinha assinatura, nem de onde tinha vindo só tinha meu endereço no envelope.

Abri a mesma hesitante e totalmente curiosa, sentei no terceiro degrau e comecei a ler.

Morena,

E quando você tem que ser exatamente tudo àquilo que querem que você seja?

Quando você deixa de ser você pra ser mais uma cópia. Um robô muito bem planejado e comandado.

Os comandos estão gravados, cravejados, entalhados em cada parte do teu corpo, em cada canto de sua mente.

Não faça isso, não faça aquilo, não aja assim. Ei, faz isso. Não tem problema ser ruim. É o que esperam e o que sonham para você. É sua maldita vida. Só a siga.

Nunca me arrependi tanto de ser quem eu era de ser como eu era... Digo! Nunca me arrependi até esse momento. Até você chegar, até aquela festa. Apenas uma droga de festa.

Porque fez isso comigo? Eu estava tão bem programado. Você destruiu a programação e agora estou dando pane por que percebi que me falta você. Me falta ser eu. E percebi que sem você, sou apenas mais um robô especialmente programado.

Minha vida tem seguido de ponta cabeça, agora faço tudo que me era normal com nojo, com repulsa de mim.

Vou escrevendo tudo para tentar me entender, vou escrevendo e ainda não decidi se mandarei.

Você é tão encantadora, vive por trás dos livros só que é tão realista. Você me deu um banho de realidade e acordei por sua causa, morena. Esses cachos me encantaram, os vários sorrisos tímidos nesses lábios finos me ganharam. Você não é uma deusa. Você é mais, merece mais, algo que talvez não tenha nome ainda.

Essa escrita está bem demorada, escrevo um pouco a cada dia, e a cada dia me sinto cada vez mais diferente, distante daquele robô que te conheceu.

Morena, acredito que nem saiba da minha existência e se souber é só pela péssima pessoa que fui.

Oi castanha, acho que esse é o fim da carta, não tenho mais muito tempo, agora sei que lhe mandarei, tenho essa certeza dentro de mim, você precisa ler isso, precisa saber que me mudou e que serei eternamente grato por causa disso. Eles descobriram, eles sabem que estou com “defeito”, que toda aquela manipulação mental que fizeram comigo já não funciona mais.

Obrigado por ser você, obrigado por ter atingido um lugar que eu nem sabia que existia aqui dentro. Morrerei com a certeza que fui mudado, morrerei sabendo que você é a coisa mais preciosa que não pude ter e que estará segura por eles não saberem quem você é. És a flor e a joia mais rara. Aproveite o mundo. E se puder me guarde com você, guarde essa carta como um pedaço de mim que ainda vive. O único pedaço que realmente valeu a pena, a única coisa boa, único acerto. Sei que é pedir demais sendo um desconhecido, mas EU TE AMO. GRANGER. Me guarde com você apesar de tudo.

P.S. Sei que isso não parece uma carta, apenas o final que se parece com uma, só que comecei a escrever confuso, só no fim que tive a certeza que você precisava ler. Obrigado, castanha.

D.M.

Ao final da carta eu já quase não podia lê-la corretamente, meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas que teimavam em cair. Somente no final tinha as iniciais, só que não foi preciso ler tanto pra saber quem estava me escrevendo, maldito Malfoy, sempre fui apaixonada por ele, só que era impossível de acontecer algo entre nós, mundos diferentes e aquela forma de “robô” terrível que ele era, sempre achei que não poderia mudá-lo.

Como estava enganada e agora tinha perdido tudo. Eu o tinha perdido.

Passaram-se dias, meses, eu já não era mais a mesma, todo final de semana ia ao cemitério, sentava – me na onde ele estava enterrado e lia até começar a chorar pela perda, teve dias que cheguei a cair no sono e o coveiro foi me acordar pois precisava fechar o cemitério.

Nunca tivemos um começo, eu o mudei, ele me avisou tudo por uma carta, ele achava que eu não sabia de sua existência, ele me roubou as palavras, carrego esse nó na garganta, eu o carrego comigo, não o deixei morrer. Enquanto eu não morrer ele permanecerá vivo, os dias são cinza, os olhos dele eram cinza.

Agora já se passaram anos, estou na cama enferma, falta pouco para minha morte, a carta dele esta em minha mão fraca pela idade, agora ele morrerá comigo, agora nossa história de amor, nossa história totalmente única morre comigo, como nosso segredo, assim como ele morreu comigo sendo dele, eu morrerei com ele sendo meu.