Como sobreviver a um semestre escrita por Wendy


Capítulo 4
Um café gelado, por favor!




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Por mais gelado que estivesse o topo daquele monte nevado, os viajantes não desistiram de chegar ao seu destino. O grupo de adolescentes fascinados por teorias da conspiração e histórias sobrenaturais e misteriosas havia gastado uma grana preta para chegar até a parte mais alta daquela montanha que desafiava até os mais corajosos aventureiros, pela temperatura baixíssima em que se encontrava durante o ano todo.

—Já é o segundo cadáver que encontro no caminho. –Disse a garota. Apesar dos óculos de proteção, gorro, luvas, botas e as pesadas camadas de roupas, ainda sentia que estava prestes a congelar. –Tem certeza que de isso vale a pena?

—Não desista agora! –O garoto que liderava o grupo usava um enorme pedaço de madeira fino para se apoiar na neve e não escorregar. –Estamos quase chegando.

—Espero que seja bom mesmo. –Disse outro. Sua mochila era gigante e dificultava muito a subida, de modo que ele precisasse fazer um esforço insano. Estava ofegante. –Daria tudo pelo meu sofá e umas cobertas quentinhas agora... Me pergunto se fizemos a escolha certa em procurar pela Feiticeira do Gelo; estou morrendo aqui!

—Era melhor do que o Mago do Fogo, não acha? Ele mora dentro de um vulcão e não seria nada agradável visita-lo.

—Qual é! Vocês vão gostar. –Animou o líder. – Estávamos muito empolgados com isso, lembram?

—Sim, lembramos... –Disse a garota, cansada da viagem.

—Pronto, chegamos.

A superfície, acima das nuvens, poderia mostrar uma paisagem deslumbrante, caso a neblina não cobrisse todo o local. Embora o mais animado do grupo estivesse com um brilhante sorriso no rosto, todos os outros sofriam para respirar, alguns até vomitaram o que deveria ter sido um almoço completo. Porém, o garoto com as mãos na cintura continuava a sorrir, feliz consigo mesmo e ignorando todos os outros companheiros.

—Vamos! O caminho é por aqui.

Logo à frente, havia uma espécie de caverna muito apertada. Lá dentro, tudo estava congelado. Todos se impressionaram com o visual do lugar e, admirados, não conseguiam desviar seus olhares de uma grande pedra de gelo.

—É aqui. –A garota, com seus olhos fixos e brilhantes, hipnotizada, demorou a despertar. Só o fez quando lembrou de que trouxera um livro em sua mochila. –Finalmente o momento pelo qual esperávamos chegou! Estão todos preparados?

—Mais preparado do que nunca.

—Isso vai ser mais divertido do que a casa assombrada que visitamos ano passado!

De dentro da mochila, ela retirou um livro muito velho com páginas escritas à mão e símbolos esquisitos. O grupo havia encontrando-o na internet, alegando ser um compilado sobre magos e magias reais. O objeto contava a história de bruxas e bruxos que foram vistos por caçadores de aventuras sobrenaturais, iguais a eles, no passado.

—Será que conseguiremos libertá-la?

—Bem, aqui diz que precisamos dizer o encantamento todos juntos. –Era difícil virar as páginas com luvas nas mãos. –E, depois de concluídos... Poderemos conversar com uma maga de verdade!

—Tudo bem... Vamos lá, então.

Determinados, todos pegaram as cópias que haviam feito da página do livro que a menina segurava. Leram com convicção as palavras em latim enquanto encaravam a pedra de gelo e não pararam nem quando o tempo escureceu e o vento ameaçava jogá-los no ar. Por fim, tudo voltou ao normal na medida em que a pedra de gelo derretia, apesar de a temperatura continuar a mesma - ou estar até levemente mais fria, como notou um deles. Com o gelo derretendo, a imagem de uma mulher aparecia. Ela estava aparentemente dormindo e continuou assim por um bom tempo, deixando os amigos impressionados.

—Será que ela está morta? –Perguntou um deles.

—É difícil saber. –Respondeu o líder.

Sem dizer nada, a garota se aproximou da mulher que se mantinha sentada como se fosse uma estátua molhada de alguém meditando. Vagarosamente, ela ergueu sua mão até que a mesma ficasse frente a frente com os olhos fechados da feiticeira. O suspense continuou por alguns segundos, até que, sem mais delongas a menina deu um peteleco na testa da estátua humana. Como em um passe de mágica, a estátua abriu seus olhos com fúria e todos recuaram, gritando.

—Quem ousa atrapalhar meu sono? –A voz da bruxa expressava sua fúria. Ela tinha dificuldade em levantar, depois de tanto tempo na mesma posição. O gelo em suas vestes também dificultava a situação.

—Ahn... Bem... Nós...

Os garotos tentavam manter contato com a feiticeira, mas as palavras temiam sair de suas bocas.

—Que seja... –Apesar de rabugenta, deu um bocejo e espreguiçou-se, saindo da caverna. Todas as suas articulações estalavam. –Agora não irei mais conseguir dormir mesmo. Viram o que os senhores fizeram? Contentes? Era só o que me faltava.

Agora que a bruxa estava perto, um dos meninos a estranhou. De repente, todo o seu medo e admiração pela alta mulher à sua frente havia sumido.

—Espere aí, você não é a Maga do Gelo. –Analisava. -Você está parecendo mais a... Pocahontas!

—Não, eu não sou a Pocahontas. –Falava sem paciência, como se houvesse explicado a mesma coisa milhões de vezes. –Eu e minha prima não temos absolutamente nada a ver uma com a outra, exceto pelo bom gosto por homens bonitos. Mas há quem diga que somos parecidas.

—Caramba! Eu nunca achei que a Maga do Gelo seria a Pocahontas em pessoa. Isso é, tipo, super maneiro! Pode nos dar um autógrafo?

—Ah, pronto! Agora eu tenho cara de pop star por acaso? Santa paciência. E meu nome é MA-RI-A-NE; não Pocahontas.

Quando viu que a maga estava indo embora, a menina correu em sua direção, mas teve receio de se aproximar muito.

—Espere! Poderia nos contar um pouco mais sobre a magia de gelo? E sobre a montanha nevada também! Isso é geograficamente impossível, já que estamos em um país tropical.

Mariane sorriu discretamente. Depois, olhou nos olhos da garota, ainda com os lábios curvados para cima.

—Este morro não era nevado até eu viver nele.

Enquanto todos assimilavam a informação, ela rapidamente moveu seu braço para o lado esquerdo, com a palma da mão aberta e a neve do chão foi magicamente varrida por uma rajada de vento. De lá, foram desenterradas duas tábuas finas de madeira que se aproximaram da mulher e, só então, pode-se ver que eram esquis.

—Let it go, bitches!

Em uma velocidade impressionante, a maga saltou da montanha e caiu sem nenhum dano muitos metros abaixo, na floresta de neve, deixando os garotos de boca aberta no topo da montanha, que se distanciava cada vez mais. Ela, em seus esquis, desviou de todas as árvores com uma rapidez absurda e só parou quando a floresta terminou, chegando à cidade. Emanava uma onda congelante de frio por onde passava.

Apesar das diversas mudanças que o país sofrera desde que dormira pela última vez, há alguns séculos atrás, não estava impressionada. No entanto, uma coisa havia mudado – e não para melhor.

—Oh, céus! Que calor é esse? –Sem alternativas, retirava suas pesadas vestes feitas de pele de animais que usava na montanha nevada. -Até o meu gelo está enfraquecido e eu achei que isso fosse impossível.

—É o famoso aquecimento global.

Ao reconhecer a voz que lhe respondeu, Mari se encheu de desprezo que tentou disfarçar demonstrando indiferença.

—O que o senhor está fazendo aqui?

—Uma frente fria anormal acabou de chegar à cidade, eu reconheceria isso em qualquer lugar. Só podia significar que você estava de volta e fiz questão de conferir pessoalmente.

—Bem, aqui estou. –Ignorando sua companhia, olhava atentamente seu enorme anel branco, conferindo se havia algum arranhão. O objeto era de extrema importância. –Mais entediada do que nunca. Preferia ter ficado na montanha. –Bocejou.

—Vejo que está fraca. Esse calor não é bom para você.

—Oxê e desde quando você sabe o que é melhor para mim? Eu sou sua irmã mais velha, garoto!

—“Garoto”? Me sinto muito mais jovem agora, obrigado!  -Apesar de mais jovem, pareciam ser gêmeos. -Ao contrário de certas pessoas...

Com a provocação, Mariane preparou-se para lançar uma rajada de neve e ar gélido contra seu irmão com toda a fúria e rancor que guardava do rapaz. Todavia, nada ocorreu.

—Eu avisei! –Ele elevou o tom de sua voz. –O calor acabou de drenar os seus poderes. Com toda a emissão de gases que as indústrias fazem hoje, aposto que sua montanhazinha de gelo já deve ter derretido, sem a sua presença lá.

—Só coisa boa... –Disse ironicamente. –E agora, o que vou fazer aqui?

—Bem, não sei você, mas eu e sua irmã estamos fazendo um desafio.

—Desafio? Espero que não estejam apostando em briga de galo de novo. Dá última vez fizeram uma magia para que os animais falassem e eu tive que aguentar homens bêbados gritando de alegria toda vez que um galo xingava o outro com os nomes mais deselegantes possíveis. Vocês me envergonharam muito...

—Não, nada disso! –Gargalhou. –Estamos nos desafiando a viver como humanos normais, sabe? Trabalhar, dormir quatro horas por dia, comer comida processada, ter crises existenciais durante a madrugada... Esse tipo de coisa.

—Hum... Então é assim que humanos normais vivem? –Analisou. -Eu nunca fiz essas coisas.

—Já sei! Você poderia começar uma faculdade. Seria um bom desafio para testar sua “humanidade”.

—Que bosta. –Olhava suas unhas pintadas naturalmente pelo gelo. -Bem, é melhor do que nada. –Bocejou enquanto esticava os braços preguiçosamente.  –Aceito seu desafio. Vou provar que consigo ser tão humana quanto qualquer um!

—Vai ser difícil... –Falou baixo para si mesmo e percebeu que a irmã o olhava feio. –Mas não se preocupe, vou escolher um curso que tenha pessoas tão estranhas quanto você, assim vai ser fácil se misturar.

Mariane deu um leve riso irônico, virando os olhos impacientemente e unindo forças para ignorar o caçula.

—Relaxa, sei exatamente qual é o curso perfeito para você. –Com um estalar de dedos, a magia havia sido feita. –Prontinho, irmãzinha, seu nome já está na lista de alunos aprovados. Espero que se divirta na faculdade! Até mais!

Quando os olhos de Mariane piscaram, seu irmão já havia sumido. Precisava urgentemente de um copo de café.


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Notas finais do capítulo

O que acharam da Mari? Será que ela vai se dar bem com a Letícia e com a Nonô?
Bom feriado pra vocês aí :)



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