Passe Livre escrita por Extraordinary Girl


Capítulo 1
Fogo com Fogo


Notas iniciais do capítulo

Essa é uma songfic, então caso se sinta confortável em um determinado momento da história será informado onde a música começa. Espero que gostem ^^



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Era tarde o suficiente para alguém estar acordado e cedo o suficiente para se acordar no domingo. Também era cedo demais para mais uma briga, não antes de encarar uma boa xícara de café, pelo menos era isso que Lara pensava.

— Eu não entendi o que quer dizer realmente. - Os grandes olhos negros de Lara fitavam um pequeno buraco na parede feito por um prego, evitou olhar para seu noivo pelo menos por aquele momento.

Sentiu um aperto em sua mão direita e o calor de mantê-la unida a de Cezar, o quadril incomodava por estar sentada há muito tempo no braço do sofá e quando finalmente seus olhos encontraram os azuis dele sentiu por um momento uma pontinha de inveja por ele estar jogado tão confortavelmente no chão. “Deveria ter me sentado normalmente, como pessoas normais” pensou.

Cezar e Lara estavam no meio de mais um interminável discursão. Seria a quinta naquele mês e ela dava graças a Deus que o apartamento que moravam tinham as paredes grossas o suficiente para abafar as gritarias constantes.

O cabelo castanho claro de Cezar se espalhava por toda a cabeça, as sobrancelhas tão franzidas que formavam um arco e o resto do rosto tinha uma careta suplicante de uma criança de cinco anos. Jurou para si que era a ultima vez que tentava discutir aquele assunto com Lara.

— Os padrinhos acham que é saudável que tiremos uma folga um do outro antes do casamento. - O celular de Lara fez um barulho engraçado quando o apertou com força em sua mão esquerda demonstrando irritação. – São só alguns dias.

Lara levantou abruptamente assustando Cezar, a morena havia acabado de chegar da rua e ainda usava as botas e casaco para espantar o frio de Porto Alegre; o cachecol estava no chão ao lado do noivo e antes que pudesse pensar em dar uma resposta decente para ele lembrou do motivo de ter saído de casa no meio da noite.

Ela recebeu uma ligação as 3:15 da manhã que por sorte conseguiu atender. Cezar como dormia igual a um morto não ouvira nada, porém, as 3:15 lá estava seu pobre telefone tocando aquela música irritante padrão de quem geralmente tem preguiça de alterar o toque para um mais conveniente. Se arrastou da cama chiando baixinho e amaldiçoando todas as gerações de quem tinha coragem de ligar aquela hora, enfiou a mão dentro da bolsa procurando pelo celular e rapidamente virou o olhar para conferir se Cezar ainda dormia. Quando o alcançou estranhou porque no visor piscava um número estranho e desconhecido. Apertou apressadamente o telefone verde no display e quando atendeu reconheceu a voz de alguém que deveria ter ficado no passado.

— Lara? - a voz soou confusa e cambaleante. - Lara? – Chamou de novo com um pouco mais de confiança.

Lara sentiu todos os pelos de seu corpo arrepiarem ao ouvir a voz de Ulisses depois de tanto tempo. Olhou de esguelha preocupada se Cezar teria ouvido e antes de responder correu na ponta dos pés até a sala. Quando chegou sentou no tapete felpudo da sala e enfim respondeu.

— Ulisses? – agarrou o tapete com a mão direita tentando disfarçar o nervosismo. – Aconteceu alguma coisa com você?

Houve uma longa pausa do outro lado e Lara conferiu se a ligação ainda estava ativa. Ulisses soltou um suspiro alto o suficiente para que a morena ouvisse e pigarreou. Lara fitava o seu quarto preocupada em acordar Cezar.

— Me desculpe. - Claramente bêbado Ulisses buscou lembrar o que tinha que falar. Parecia uma boa ideia quando discou o número, mas, agora sentindo uma náusea terrível só queria desligar e vomitar. – Ah Lara. - Sua voz saiu como um sussurro. – Eu finalmente percebi que você não roubou aquele texto. Como poderia plagiar a Sophia já que ela era tão burra e você tão inteligente? - Ulisses soltou uma risada baixa e continuou. – Eu perdi a minha grande chance com você Lara.- Fez uma pausa e logo continuou. _ Agora eu estou aqui bêbado e sozinho no meu apartamento porque eu afastei todos que amo. - Lara soltou um soluço fechando os olhos enquanto as lágrimas desciam. – Eu só queria te ver de novo. - Ulisses desligou a ligação sem esperar resposta e soluçando baixinho Lara pegou seu casaco e cachecol, calçou as botas e saiu do apartamento para tomar um ar.

—Tudo bem. - Livrou a cabeça das lembranças daquela ligação e fechou os olhos massageando as têmporas tentando espantar o cansaço, pegou a xicara de café que estava pela metade encima da mesa. Olhou de esguelha para Cezar que permanecia parado no mesmo lugar, os dois eram um contraste naquele apartamento, a sala totalmente clara com moveis, pisos e pintura das paredes num tom que variavam do branco até bege e eles de preto. Lara não podia parar de pensar em como o tronco dele sem camisa se misturava com o tapete bege.

— Eu sei os seus planos Cezar-. Deu uma pausa bebendo um gole de café ficando de costas._ Na verdade eu preciso disso também. - Fez questão de se virar para ver a cara incrédula do noivo. – Concordo apenas se não mantermos contato um com o outro nesse período.

Cezar ainda imóvel acenou positivamente enquanto se levantava.

— O que você vai fazer? -  A sobrancelha direita se arqueou e Lara sentiu um calafrio ao ver em Cezar feições semelhantes de outra pessoa. Os dois se encararam por um breve período enquanto os braços dele envolvia o magro corpo de Lara a puxando para mais perto, eram da mesma altura e daquele jeito ela podia ver todas as sardas bem claras e imperceptíveis no rosto do noivo. – Apenas volte para se casar comigo daqui há duas semanas. - Cezar afundou o rosto no ombro da sua noiva respirando o cheiro doce de laranja que vinha dos cabelos, ela permanecia quieta apenas fitando o celular em sua mão que vibrava uma nova mensagem.

—Porquê eu não voltaria Cezar? - sussurrou alto o bastante para que ouvisse e apenas sentiu os braços em volta de sua cintura vacilarem um pouco.

                                                               Narrado por Lara

Eu havia chegado exatamente 5 horas e 38 minutos antes do meu voo partir no aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre. O saguão estava lotado de pessoas querendo fazer o descanso de meio de ano enquanto eu só buscava uma forma de voltar a Londres depois de cinco anos. Não tinha como conter a ansiedade dentro de mim então descontava na passagem que apertava e desamassava sempre que podia. Senti o ar condicionado arrepiar minha pele e rapidamente enrolei o meu velho cachecol no pescoço, depois de três anos ainda não me acostumei com o frio do sul mesmo nos dias quentes.

Assim que eu e Cezar chegamos a um acordo fomos fazer as malas. Bom primeiro ele se gabou durante meia hora para seus padrinhos por ter o que chama de a “melhor noiva compreensível” . Apenas corri até o quarto e abri o meu guarda roupa jogando o mais rápido que foi possível os pertences na minha mala azul, não escolhi com calma as coisas que ia levar e tinha certeza de que uma ou duas blusas  de Cezar iriam para Londres comigo.

Não conseguia tirar da minha cabeça o fato de Ulisses ter me ligado depois de cinco longos anos, não éramos mais amigos pelo menos não depois do que ele fez. O fato era que Ulisses era irmão de Cezar e eu não tinha a mínima noção do que dizer a ele e o que seria dito para mim, seria mais fácil e doloroso se Ulisses me expulsasse.

Olhei a tela onde mostrava os voos e tentei relaxar abrindo um livro qualquer que achei no apartamento e joguei na bolsa. Por mais que quisesse calcular todos os momentos desde ver Ulisses até ir embora não era certo, mas, pelo menos por aquele instante parecia certo encontra-lo novamente.

Após um dia com uma longa escala em Lisboa eu consegui finalmente chegar no aeroporto de Heathrow em Londres e mesmo o conhecendo brevemente a nostalgia tomou conta de mim assim que a aeromoça me acordou me informando que já jazíamos na Europa. A última vez que estive em Londres foi a melhor época da minha vida, até porque eu não tinha ido para mais nenhum outro país depois graças a minha condição financeira. Antes de sair do aeroporto entrei em um banheiro feminino e me certifiquei de que teria dinheiro suficiente para ficar essa semana e voltar em segurança; pude notar que possuía o dobro do que tinha da primeira vez. Saí do banheiro e caminhei a longos passos para fora do aeroporto, fui andando até o hotel que havia reservado que ficava há dez minutos de onde estava. Escolhi um hotel mais próximo do aeroporto pois se tudo desse errado eu correria para casa o mais rápido possível.

Assim que entrei no pequeno quarto de paredes floridas num tom de azul soltei uma pequena risada pois Cezar odiaria aquele lugar com todas as forças; primeiro porque era pequeno e segundo pois parecia uma pousada familiar brasileira e ele estava acostumado ao luxo de um hotel cinco estrelas e ser tratado como um rei, eu ao contrário me senti bem ao finalmente ficar sozinha em um lugar mais simples depois de algum tempo me sentindo deslocada em locais luxuosos.

Fiquei pelo menos uma hora sentada em uma banheira branca do meu quarto, sei disso pois meus dedos enrugaram e a água quente estava fria. Levantei e vesti o vestido rodado que minha mãe me deu no meu último aniversário, o mesmo era listrado num tom de azul e possuía algumas rosas amarelas, Cezar odiava aquele vestido pois segundo ele ficava parecendo uma menina, mas, como eu estava tecnicamente “solteira” no momento aproveitei. Coloquei uma rasteirinha marrom de tiras e prendi o meu cabelo em um rabo deixando a franja atrás da orelha, peguei minha bolsa e coloquei dinheiro e um casaco enquanto fechava a porta e ia para o ponto de ônibus.

A área perto do hotel parecia um bairro residencial de alta classe e muito semelhante a área nobre de Porto Alegre. Escolhi o caminho mais longo e peguei três ônibus em direção ao bairro de Ulisses, praticamente atravessei a cidade de ônibus e durante o percurso a ansiedade foi tomada por um encanto pela cidade maravilhosa que Londres era.

A PARTIR DAQUI É RECOMENDADO LER OUVINDO Fire on Fire – Sam Smith

Desci em Brixton, um bairro de periferia que era diferente da Londres glamurosa e animada. Peguei o celular e olhei o endereço que constava: Brixton Road 236 A23. Fui andando até lá e quando cheguei em frente ao prédio de tijolinhos marrons percebi que não tinha ideia de como ia entrar já que Ulisses não sabia que iria. Olhei em volta e pude notar algumas lojas e vários prédios muito parecidos com esse, era cerca de 14:00 de um domingo e eu tinha um pequeno pressentimento de que talvez Ulisses não estivesse em casa. Encarei a porta branca a minha frente, ao lado um pequeno interfone que possuía números que variavam de acordo com os apartamentos, praguejei baixinho pois havia esquecido de perguntar o número do apartamento.

— Você precisa de ajuda? - ouvi uma voz idosa ao meu lado e me virei, era um senhor calvo de mais ou menos uns 70 anos, tinha os olhos tão azuis quanto os de Cezar e segurava uma sacola de feira.

— Perdão. - Respondi em inglês como ele. - Tenho um amigo, o nome dele é Ulisses Richter, eu vim fazer uma visita, só que esqueci de perguntar o número do apartamento. - Dei uma pequena risada envergonhada.

O velho senhor pareceu desconfiar um pouco de mim, me observou franzindo o cenho enquanto dizia:

— Porque não liga para ele? - o senhor piscava lentamente como que aguardando qualquer vacilo meu e eu pude sentir as minhas mãos suando.

— Ele não sabe que estou aqui, é uma surpresa. - Ele assentiu e retirou um pequeno molho de chaves do bolso.

— Sabe eu sou o síndico desse prédio e o seu amigo é a pessoa mais quieta que conheci, muito simpático, mas, sempre sozinho.

Escolheu a chave e a colocou na fechadura. –  Naquela idade namorava várias garotas e nunca vi ele com nenhuma, mas, quando uma vez fui resolver um vazamento em sua casa...- abriu a porta principal do prédio e entramos no primeiro andar, o velho homem fechou a porta e se virou para mim me encarando. – Eu vi uma foto sua.- arregalei um pouco os olhos e ele sorriu.- Vocês estavam mais novos e ele estava mais feliz do que eu o vi nesses últimos quatro anos.- Dei um sorriso nervoso e o senhor abriu a porta de seu apartamento que ficava de frente para a saída do prédio, entrou no mesmo e antes de fechar a porta disse: - Ele mora no 26b no segundo andar. Boa sorte.

A porta do velho senhor se fechou e eu encarei a escada que ficava ao meu lado, subi lentamente respirando fundo para me acalmar tentando colocar os prós de ver Ulisses e não os contras em minha cabeça. Por que guardar uma foto minha? Eu me lembrava perfeitamente do dia em que tiramos a foto e no fundo talvez sabia o motivo.

Quando o lance de escadas terminou eu estava em um grande corredor, olhei para o apartamento no fim dele e na porta marrom o 26b se destacava em um tom verde. Dei alguns passos lentos em direção a porta e quando atingi a metade do corredor a porta do apartamento dele se abriu.

Um homem de calça jeans azul escuro e suéter saiu. Era Ulisses. Olhava para baixo em direção a maçaneta e não me viu no corredor, trancou a porta rapidamente de costas para mim e logo após isso se virou e começou a andar, porém, parou assustado quando me viu.

Os olhos escuros se arregalaram por baixo dos óculos redondos de grau e seu corpo estava imóvel no corredor assim como o meu, minhas mãos estavam juntas em frente ao meu corpo e mais suadas que o normal. Eu conseguia sentir o meu coração palpitando e em minha cabeça as lembranças passaram como um turbilhão. Ninguém disse nada, apenas ficamos parados observado um ao outro e o que tinha mudado. Ulisses estava mais forte e os cabelos negros estavam jogados para o lado como sempre. Quando ia abrir a boca para falar ele arqueou a sobrancelha assim como Cezar fazia o que me atingiu como uma facada. Olhei para minha mão esquerda onde o anel de noivado estava e percebi que ver Ulisses tinha sido uma má ideia. Lembrei das palavras de Cezar e meus olhos começaram a marejar.

— Me desculpe, isso foi uma má ideia. - antes de começar a chorar me virei e corri em direção a saída.


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