Atlântida escrita por Petty Yume Chan


Capítulo 7
Capítulo VI




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— Acredito que Castiel não quis vir com você.

Ela estava sentada sobre o cais – observando o céu da manhã ainda escuro e sentindo a brisa que era incapaz de afastar o calor – quando escutou as leves passadas se aproximarem. Era engraçado como a constante companhia permitia que agora ela conseguisse distinguir seus companheiros até pelo som de seus passos.

— Ele resmungou alguma coisa sobre confiar na minha decisão e que depois eu lhe explicasse a situação. Depois ele se virou e voltou a dormir.

— Isso é a cara dele.

Mesmo em meio à escuridão ela ainda conseguiu enxergar a feição do rapaz quando se voltou para ele. Era possível ver o cansaço em seus olhos, os cabelos ainda meio bagunçados – como se tivessem sido ajeitados às pressas – e o rosto levemente inchado por conta do sono. Mirela quase se sentiu mal por submetê-lo a tais condições, mas a visão ainda era um pouco fofa e ela precisava dar razão ao apelido que Rosa o dera. Foi necessário um grande esforço para suprimir o riso.

— Aqui, pegue isso.

Desatou o broche de rubi que ficava próximo ao seu pescoço e o arremessou para o platinado, esse por sua vez o pegou sem problemas, embora não pode evitar colocar uma expressão de duvida em seu rosto. Aquele broche era uma das marcas registradas da mulher, preso ao seu corpo não importando para onde fosse. O porquê de ela confia-lo a outra pessoa dava-lhe um mau pressentimento.

— Capitã?

— Estou partindo em uma missão solo, você e Castiel estão no comando até eu voltar. Reabasteça-se e parta, nos encontramos em Jack Ketch.

— Posso perguntar para onde você esta indo?

Ambos os olhares se travaram em um momento de silencio. Mirela nunca precisou mentir para Lysandre, mas agora se via presa em algum tipo de dilema onde ela não conseguiria mentir facilmente, mas ainda não se sentia segura o bastante para lhe dizer a verdade. Por mais que estivessem trabalhando juntos por todo esse tempo, no momento ela se encontrava com medo da reação do rapaz, talvez porque no fundo ela mesma se sentisse culpada, afinal de contas, estava prestes a partir em viagem com o homem a qual jurou matar milhões de vezes.

— Você confia em mim Lysandre?

O homem apenas sorriu, provavelmente conseguia ver todos os questionamentos que passavam pelos olhos da mulher. Ela não lhe diria o que estava por vir, mas também não tinha coragem de mentir para ele. De certa forma se sentiu lisonjeado, embora ainda preocupado, mas colocou seus sentimentos em uma balança e alcançou a resposta, que pareceu obvia.

— Com a minha vida.

Era tudo o que precisavam. Ambos confiavam o bastante um no outro para deixarem suas conversas em aberto. Sabiam que quando o momento certo chegasse se abririam naturalmente.

— Cuide-se capitã.

— Você também.

Não eram necessárias mais palavras, ambos tinham seus objetivos definidos e assim deram-se as costas e seguiram para caminhos opostos. Os saltos de Mirela soavam lentos sobre a madeira, quase se arrastando, ela não estava com pressa. Seu interior ainda se questionava porque exatamente ela ainda estava seguindo com aquilo. Não sabia, apenas seguia.

Foram precisos apenas alguns passos para ser capaz de avistar a forma robusta de Ulisses flutuando sobre a água, não podia acreditar que iria subir naquilo depois de todas as vezes que havia negado. Aquele era o dia mais contraditório de sua vida, e ela não se sentia realmente orgulhosa disso.

— Pensei que traria os seus dois cães de guarda com você.

O dia mal havia começado e ela já queria se jogar no mar, de repente sentiu saudades de todas as provocações de Castiel, elas não eram nada comparadas ao que enfrentaria nos próximos dias. Não tentou responder, sabia que se o fizesse acabaria estendendo um dialogo inútil que só a estressaria e, por incrível que pareça, ela não estava com vontade de se estressar naquela manhã. Pôs-se a subir pela rede de cordas da lateral do navio, recebendo uma mão de ajuda quando alcançou o topo, a qual gentilmente ignorou.

— Sem cavalheirismo. Entendi.

Um baque surdo ecoou pelo convés quando os saltos das botas bateram contra o assoalho, o som se espalhou por todo o lugar chamando a atenção de Mirela para o fato de ali estar instalado uma calmaria inusual.

— Onde estão os seus homens?

— Você realmente acha que mais alguém seria louco igual a você para me acompanhar?

Ele tinha um ponto, mas isso trouxe a ela outra realização. Seriam apenas os dois, navegando por dias na solidão da imensidão do mar. O que já estava difícil de engolir de repente acabou por se tornar insuportável. Tal sentimento deve ter ficado explicito em seu rosto, considerando o enorme sorriso que se formou no rosto do moreno.

— Ainda esta em tempo de desistir.

— Não vou te dar essa vitoria.

— Bem, então acho que devemos partir. Cuide do timão enquanto eu organizo o resto. Ah, e pegue isso.

Um pequeno objeto redondo lhe foi arremessado. Cabia na palma da mão e a superfície de prata era incrustada com símbolos e o que pareciam ser gravuras antigas e completamente desconhecidas por Mirela. Os dedos exploraram mais um pouco até encontrarem uma abertura para erguer a tampa, revelando a imagem de uma rosa dos ventos em seu interior onde o pequeno ponteiro dançava.

— Eu trouxe a minha bússola.

— Você vai querer usar essa.

A cada momento que se passava Mirela se arrependia cada vez mais de ter aceitado aquelas condições. Pensou em seu barco e em sua tripulação, como eles em breve estariam navegando para bem longe dali, pensou em Castiel e em como ele surtaria se descobrisse o tipo de situação em que ela se metera. Precisava voltar sem grandes problemas se não quisesse ouvir reclamações pelo resto do ano, decidiu então que o melhor seria acatar a excentricidade do rapaz por enquanto.

— Não entre em uma briga, Mirela. — Sussurrou para si mesma enquanto seguia caminho para o timão do navio.

Foi possível ouvir o som da movimentação de Armin pelo convés de madeira e logo o barco começou a se mover em direção ao sol que despontava no horizonte. Ela posicionou a embarcação de modo que se movessem para fora da baia, mas ele ainda se movia de forma lenta uma vez que não estava sob os melhores ventos, o que era um perigo quando os viajantes a bordo não estavam no relacionamento mais estável.

— Então, para onde estamos indo?

Ela soltou a pergunta quando ouviu os passos do homem se aproximando. Talvez houvesse uma vantagem em estar em um barco completamente vazio, afinal ela poderia facilmente ouvir quando ele se aproximasse e então fugiria para o outro lado.

— Ilha das Duas Irmãs.

— E o que vamos fazer lá?

— Encontrar Atlântida.

O estomago de Mirela se contorceu e finalmente ela se deu conta de como estava sendo estúpida. Honestamente, ela não sabia o que esperava daquilo, desde o começo teve pistas o bastante para saber que estava embarcando em uma viagem com um homem completamente louco. Ou talvez ela fosse a única louca por ter dado ouvidos.

— Certo, para mim já deu. Vamos dar meia volta, eu desisto.

— O que? Como assim?

— Armin, Ilha das Duas Irmãs? Milhões de pessoas já passaram por lá milhões de vezes e ninguém nunca relatou nada sobre Atlântida.

— É porque eles estavam no lugar errado na hora errada.

— E quando seria a hora certa?

—Na ultima noite de verão. A maré vai baixar e então vai ser possível encontrar um caminho.

Ela queria demonstrar tanta certeza e convicção quanto a que sentia quando Armin falava sobre aquele lugar, mas ainda era surreal demais para acreditar. Olhou para trás mais uma vez, a costa ficando cada vez mais distante, se ela quisesse realmente voltar, aquela era sua ultima chance.

— Vamos Mirela, eu não decidi isso do dia para a noite, estou a meses pesquisando. Eu sei o que estou fazendo.

Não podia negar que ainda tinha aquela sensação de incomodo corroendo-lhe o interior, mas, por algum motivo, ela queria acreditar. Assim soltou um suspiro de resignação e encarou a consequência de suas escolhas.

— Eu vou ficar só para poder jogar na sua cara que você estava errado.

— Parece bom para mim. Enfim, o melhor seria que nós revezemos os turnos para cuidar do barco. Eu fico com o primeiro turno, você pode pegar a cama na cabine.

Por um momento Mirela pensou em contestar, mas o peso de todas as suas noites mal dormidas tinham uma força esmagadora sobre si naquele momento. Com boa parte de seus questionamentos respondidos – ou pelo menos com a sensação de que haviam sido – ela sentia que poderia ter uma noite de paz, ou algo parecido com isso.

— Esta bem. Me chame se houver qualquer problema.

{✠}ݯݮݯݮݯݮݯݮ◣ ◥ݯݮݯݮݯݮݯݮ{✠}

Não sabia quanto tempo se havia passado. Antes que percebesse sua mente havia apagado e agora já estava completamente escuro do lado de fora. Levantou ainda um tanto desnorteada levando alguns segundos para o cérebro processar o cômodo ao seu redor e ela se lembrar de onde estava. De repente, ficar na cama por mais algumas horas pareceu uma ideia muito convidativa.

Todavia, seu corpo pareceu não concordar tanto assim com a ideia, uma vez que seu estomago começou a reclamar de fome, coisa que só se tornou mais evidente quando o cheiro de peixe assado alcançou suas narinas. No fim das contas ela teria que se levantar, mesmo com todos os protestos.

Quando chegou até o convés, tanto o cheiro quanto a sua fome se tornaram maiores. Sob a luz do luar ela viu a silhueta de Armin quase totalmente debruçada sobre o timão do barco, com um pequeno caixote aos seus pés. Ela se aproximou lentamente, mas em meio ao silencio do mar, ele rapidamente notou sua presença.

— Bom dia, ou talvez seja boa noite. Enfim, veja eu preparei o café, ou talvez seja a janta. Isso é confuso, nos precisamos entrar em um acordo com os nossos horários.

— Que diferença isso faz?

— É o básico da cortesia, Mirela. Agora pegue, você deve estar com fome.

O caixote foi empurrado em direção da garota, permitindo-a ver o seu conteúdo que estava repleto de peixes assados presos a espetos. Eles tinham uma aparência dourada e o cheiro atiçou todas as suas papilas gustativas fazendo a boca encher de água, mas não era tão simples assim, nunca era com ela.

— Onde você conseguiu esses peixes?

— Eu pesquei e assei.

— Simples assim?

— Você é tão desconfiada Mirela, como consegue dormir a noite?

— Com uma pistola embaixo do travesseiro.

O tom usado foi tão serio que a principio arrancou um olhar de descrença do moreno. Entretanto, a reação seguinte foi tudo menos esperada, uma vez que o mesmo desatou a rir. Era uma risada espontânea, sem qualquer resquício de sarcasmo ou ironia que seus sorrisos geralmente carregavam, era diferente de tudo o que Mirela já havia ouvido. Não iria admitir, mas o som lhe foi agradável e ela secretamente desejou poder ouvir de novo.

— Você é engraçada, Mirela.

— Eu estou falando serio!

— Eu sei, e essa é a parte mais engraçada.

Um calor que Mirela não sabia explicar subiu para suas bochechas. De repente ela se sentia extremamente desconfortável sob sua própria pele e nada do que ela fizesse resolveria isso. Contentou-se em morder o peixe sem reclamar e, para sua surpresa, estava realmente saboroso, ou talvez fosse apenas sua fome falando. Independente do que fosse, ela se rendeu as necessidades básicas de sua sobrevivência e não hesitou em comer.

— Bom, não é? Você realmente deveria começar a confiar mais nas pessoas.

— Eu confio nas pessoas, eu não confio em você.

— Me sinto ofendido.

— Você pode me culpar? Quem confiaria no homem que tem como passatempo roubar seus baús?

— Em minha defesa, eu tive bons motivos.

— Boa sorte tentando me convencer.

— Eu sabia que se os roubasse você viria furiosa atrás de mim.

Mirela se viu obrigada a soltar um bufo de indignação. Acabara de receber a cofissão do rapaz de que suas ações eram movidas sob o pretexto de irrita-la, não que ela já não imaginasse tal coisa, mas nunca imaginou que o próprio admitiria em voz alta com tanta facilidade. Era revoltante, para não dizer estúpido, mas depois de tudo, Mirela ficava cada vez mais convencida de que ele era apenas um homem louco.

— Então você é apenas um sadomasoquista louco. Entendi.

— Eu me pergunto como você chegou a essa conclusão.

— Dada a sua confissão, eu não consigo encontrar outro motivo valido.

— Não passou pela sua cabeça que, talvez, eu apenas ache que você fica linda com aquela expressão determinada.

Os lábios estavam prontos para proferir qualquer resposta a altura de tal provocação, entretanto se viram incapazes de realizar tal feito quando ela encontrou a seriedade contida nos olhos azuis. Ambos congelaram no tempo, Mirela sentia o coração batendo forte contra as costelas, como um pássaro que tenta escapar de uma gaiola. Nenhum dos dois fez qualquer novo movimento, mas ali Mirela percebeu que, embora muitas pessoas conseguissem ver através de sua fachada, Armin era o único que conseguia quebra-la.

O feitiço que manteve o olhar dos dois fixado um ao outro foi quebrado quando o rapaz soltou um bocejo e abandonou a expressão seria que tinha no rosto, voltando ao mesmo ar debochado de sempre, como se as coisas nunca tivessem tomado tal rumo desconcertante, deixando apenas uma Mirela atordoada, questionando-se se o recente acontecimento havia sido apenas um delírio por conta do calor.

— Enfim, é o seu turno agora, eu realmente preciso de uma pausa. Qualquer coisa você sabe onde me encontrar.

E assim ele saiu, sem qualquer outra palavra, sem qualquer outra explicação. Mirela demorou alguns minutos até conseguir sair do topor em que se encontrava, diversos sentimentos a atingiram de uma vez, sentimentos esses que ela não estava acostumada e nem mesmo conseguia classificar. Estava irritada? Não, não era isso, não sabia dizer o que era, mas era algo que a tirava do serio.

Sentiu todo o seu corpo ficar quente novamente. Aparentemente as noites de verão tinham aquele efeito sobre ela. Ou era nisso que ela gostaria de acreditar.


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