Um brinde de... banana fish escrita por Ana Flávia


Capítulo 2
Sandman


Notas iniciais do capítulo

Assim como a one shot anterior, esta se passa durante o tempo em que Ash e Eiji moraram juntos no apartamento chique e antes do ~spoiler alert~ Blanca atirar no braço do Eiji e de toda aquela história.
Me empolguei um pouco então ficou um pouco maior, espero que não se importem...
Obrigada pela atenção e boa leitura:



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Ash detestava tudo sobre os pesadelos que dominavam seus sonhos na maioria das noites. Ele detestava como as cobertas grudavam em sua pele suada e febril, como a garganta seca doía com as respirações ríspidas e ofegantes, como seu peito parecia nunca conseguir ar o suficiente e de como seus braços e pernas perdiam a força e se tornavam trêmulos e desajeitados.

Ash também detestava os sonhos em si. Detestava ter que reviver todas aquelas lembranças horríveis de sua infância, ou ter vislumbres das pessoas as quais havia matado. Os piores pesadelos, é claro, sempre envolviam Shorter. Ele sonhava com o amigo frequentemente, com seu rosto contorcido de dor, implorando para que Ash acabasse com seu sofrimento. Logo depois, os sonhos normalmente mudavam para cenas de seu corpo ensanguentado no chão e Ash podia sentir os olhares das pessoas à sua volta sobre os dois, julgando e condenando Ash por suas ações. Ele também sonhava com Eiji olhando-o com um misto de medo e nojo, antes de lhe dar as costas e ir embora, deixando Ash completamente sozinho e devastado.

Mas nada disso se comparava com a visão que Ash tinha em algumas dessas noites, quando acordava gritando para ter Eiji ajoelhado ao lado de sua cama, os olhos cheios de preocupação e tristeza enquanto hesitava em esticar a mão para tocar seu braço.

O americano preferiria que o outro não presenciasse esses momentos de fraqueza, por isso tentava ao máximo disfarçar ou não deixar que o outro percebesse quando estivesse tendo um pesadelo. Mas naquela noite, quando Ash acordou de um pesadelo particularmente perturbador, ele se virou em direção à cama de Eiji para se certificar de que o amigo estava seguro e bem, porém o japonês não estava lá. Na verdade Eiji não estava em lugar algum do quarto que dividiam.

Pânico tomou conta do loiro, que chutou as cobertas para fora da cama e se colocou de pé rapidamente. Tentando ignorar a tontura e a sensação de fraqueza nos membros, Ash cambaleou até a porta do quarto de forma apressada, tropeçando algumas vezes até alcançar o batente e usá-lo de apoio antes de se lançar para o corredor. Tentou chamar pelo nome de Eiji, porém sua voz o traía e ele não conseguiu emitir som algum. Um leve zumbido em seu ouvido o impedia de ouvir quaisquer sinais da presença do outro ou de um possível invasor, o que deixava Ash ainda mais nervoso. Ele detestava ficar com os sentidos enevoados e imprecisos.

Ash finalmente encontrou Eiji na cozinha do apartamento, calmamente fazendo uma xícara de chá. Os cabelos de Eiji estavam bagunçados e seu rosto ainda inchado e marcado pelo sono. Ele vestia uma blusa roxa larga e uma calça de moletom cinza amarrotada.

Assim que percebeu a presença do americano, Eiji largou a caneca sobre a pia e correu em direção a Ash, que exalou com força enquanto apoiava seu peso sobre a bancada para não cair. A repentina onda de alívio, depois do intenso pânico, fê-lo tremer violentamente, a mente era um turbilhão de pensamentos que confundia seus sentidos e o deixava tonto. Eiji levou suas mãos aos braços do mais novo, acariciando-os e apertando-os gentilmente enquanto murmurava:

— Ash, está tudo bem. Eu estou aqui, eu estou bem. - Eiji se afastou novamente para buscar a caneca e entregá-la a Ash. - Eu percebi que você estava tendo um sonho agitado e pensei em fazer um chá de camomila para você se acalmar quando acordasse. Desculpa por sair de perto, não pensei que acordaria enquanto eu estava fora. Aqui, beba um pouco.

Eiji guiou Ash até o sofá na sala, fazendo-o se sentar, e sentando-se ao lado dele, correndo os dedos pelas costas do amigo em movimentos circulares. Ao sentir o afago zeloso de Eiji, Ash foi lentamente se acalmando. A mera presença do outro trazendo-lhe uma tranquilidade a muito perdida na vida de gangue e violência em que estava inserido.

Quando sua respiração se estabilizou e Ash sentiu que conseguiria beber sem se engasgar, ele levou a caneca aos lábios e tomou uma golada generosa. A bebida quente, somada ao carinho e preocupação de Eiji fez Ash se sentir aquecido e os leves tremores que percorriam seu corpo desde que acordara foram cedendo até desaparecerem completamente.

— Está delicioso. Obrigada, Eiji.

Eiji não respondeu, apenas envolveu-o em um abraço de lado, apoiando sua cabeça no ombro do mais alto, que suspirou e se inclinou na direção do toque. Depois de alguns minutos de silêncio, Eiji se afastou e levou uma de suas mãos ao cabelo de Ash, afastando uma mecha de seu rosto e passando os dedos pelos fios loiros, fazendo-lhe cafuné no couro cabeludo.

— Você quer conversar sobre o que aconteceu?

— Não. - respondeu Ash de maneira definitiva, quase rude. A mão no cabelo do americano parou de se mover e Ash viu Eiji morder o lábio inferior, a incerteza em seu olhar era difícil de encarar. O americano ficou tenso, seus músculos enrijecendo de uma forma dolorosa. - Você não precisa passar por isso, sabe. Ouvir sobre meus pesadelos.

— E você não precisa passar por isso sozinho. Ash, olha pra mim. - o mais novo obedeceu e assim que seus olhares se cruzaram, as defesas de Ash começaram a se desfazer e o garoto suspirou, a tensão dos ombros relaxando ligeiramente. - Porque você não confia em mim?

— Eiji, não é isso. Eu confio em você mais do que confio em qualquer outra pessoa. Eu só…

— Quer me proteger, não é. Eu sei, e entendo. - Eiji suspirou. - Eu sou mais velho que você, não tente bancar o maduro pra cima de mim. E eu não sou o único que pode ser protegido aqui.

Ash piscou várias vezes, abrindo e fechando a boca sem conseguir dizer nada até que o japonês se colocou de pé e ofereceu sua mão para ajudar Ash a levantar. O americano, ainda  atônito, deixou sua caneca de lado e aceitou a ajuda, se deixando conduzir de volta ao quarto, onde se sentaram na beirada de uma das camas.

— Sabe, Ash… Eu tenho minha própria cota de pesadelos. - a afirmação não surpreendeu o americano, que já havia testemunhado tais eventos, mas isso não evitou que uma onda de vergonha e culpa se apossasse de seu peito, deixando-o com um aperto desconfortável.

— Eu sinto muito por você ter que passar por isso.

— Não, Ash. Não foi isso que eu quis dizer. Eu não me arrependo de nada. Se eu pudesse voltar no tempo e mudar minhas ações, é claro que tem várias coisas que eu gostaria que tivessem sido diferentes, mas ter conhecido você não seria uma coisa que eu gostaria de mudar. Eu só…

Ash esperou que o outro terminasse a frase, porém Eiji apenas sorriu.

—Bem, não importa muito. O meu ponto é que, não importa o que aconteça, eu estou aqui por você. Você pode me contar o que quer que esteja se passando na sua cabeça. Coisas que te deixam alegre, ou que te incomodam ou até os pesadelos que você tem. Eu quero que você compartilhe comigo pra que eu possa dividir esse fardo com você.

—Seus ombros são muito fracos pra carregar os fardos que eu levo. - Ash tentou aliviar o clima com um tom de piada porém Eiji retrucou de forma séria, olhando Ash nos olhos.

—Se eu puder tirar nem que seja cinco por cento do peso que você carrega, eu já estarei feliz… Ash, eu me importo com você.

Com isso, o americano soltou todo ar que ele nem tinha reparado que vinha prendendo e se jogou nos braços de Eiji, fazendo os dois caírem deitados na cama. Os braços de Ash protetoramente ao redor dos ombros de Eiji, que sorria enquanto passava seus próprios braços pelas laterais do americano, retribuindo o abraço.

— Eiji, eu acho que não mereço ter alguém como você na minha vida - ele murmurou, havia deleite e adoração em sua voz, o que não passou despercebido pelo outro, que soltou uma risada fraca.

— Não me dê tanto crédito assim, eu não faço nada de mais, Ash.

— Não, é verdade. Tudo que as outras pessoas fazem é colocar ainda mais peso nos meus ombros, mesmo sem perceber. Mas você não. Você é incrível, Eiji. Você, pode fazer coisas que eu não posso nem me imaginar fazendo. Você é a pessoa mais importante pra mim, e isso às vezes me deixa apavorado. Você não sabe o poder que tem sobre a minha vida, Eiji.

O japonês se ergueu na cama, apoiando o peso do corpo sobre as mãos para olhar diretamente para Ash, que estava deitado, barriga virada para cima enquanto encarava o teto com um olhar quase perdido.

— Se você me pedisse para desaparecer, para deixá-lo ir embora e nunca mais te procurar... eu faria sem hesitar, se fosse o que te deixasse feliz. Mesmo que eu estivesse morrendo por dentro. Caramba, Eiji, eu seria capaz de desistir da minha própria vida se isso fosse mantê-lo seguro.

— Ash, não! Eu nunca pediria que você fizesse uma coisa dessas. Eu quero que você viva, que seja feliz.

Um longo silêncio se instalou no ambiente, durante o qual os dois garotos se encararam sem se mexerem. Apenas os olhos de ambos faziam algum movimento enquanto vagavam pelo semblante do outro; analisando, contemplando, memorizado cada detalhe. Dessa vez, foi Ash quem quebrou o silêncio.

O americano se sentou e virou de costas para Eiji, com vergonha do que iria dizer e sem ter coragem de olhar o mais velho nos olhos enquanto as palavras deixavam seus lábios em uma avalanche.

— Eu sonho com os demônios do meu passado, com os abusos e a violência que eu sempre sofri. Eu já falei pra você sobre eles, Eiji. Só que depois te tantos anos, eu sei que me tornei um dos demônios, eu até matei meu melhor amigo, e meus sonhos não me deixam esquecer disso. Mas eu pensei que, depois de todo esse tempo, eu tinha me acostumado com isso. E por um tempo, eu realmente tinha. Afinal, eu não possuía mais nada de valioso que pudessem me tirar. Mas agora é diferente, porque agora…

— Agora você tem a mim, não é? - Eiji se aproximou, mas não encostou em Ash. - Ash… Eu posso te tocar? - Ash assentiu levemente, sem olhar para trás e Eiji o envolveu em um abraço, repousando o queixo no ombro do americano. Sua respiração roçando de leve em sua bochecha. - Você tem medo que vá acabar me machucando?

— Não! Eu morreria antes que me obrigassem a fazer isso. O que eu tenho medo é que… - ele engoliu em seco, temendo as próprias palavras. Conseguiu erguer a mão para repousá-la sobre as de Eiji, que estavam em seu peito. - medo que você veja meu lado verdadeiro e fique com medo ou se sinta enojado.

—Ash… eu nunca - Eiji tentou argumentar, porém Ash continuou falando:

— Tenho medo deles usarem você para chegarem a mim como fizeram da última vez, mas que dessa vez eu não consiga te manter seguro. E eu tenho medo de acordar um dia e perceber que tudo isso foi um sonho porque eu não consigo acreditar que você seja real. Eu não consigo acreditar no quão sortudo eu sou por ter você na minha vida, Eiji...

O mais velho se desvencilhou do abraço e se afastou. Ash fechou os olhos com força, tentando afastar o medo de que seus pesadelos estivessem se concretizando, que essa última frase tivesse finalmente estragado tudo entre os dois. Porém, alguns segundos depois, Ash sentiu a cama afundar logo diante dele. Ao abrir os olhos, o americano se deparou com os olhos marrom chocolate do japonês.

—Eu não sei nada sobre sorte, mas quero deixar bem claro, mais uma vez, que eu estou do seu lado, em qualquer situação. Pouco me importa o quanto você me diga que você é um monstro, ou que não merece o amor e carinho dos outros, esse não é o Ash que eu conheci e passei a admirar, e por quem me apaixonei.

—Se apaixonou? - O americano deu um sorriso de canto, que se alargou ao ver o rosto do japonês tomado por um rubor indisfarçável, porém o garoto manteve o olhar fixo em Ash quando respondeu, a voz levemente trêmula e adorável:

— Algum problema com isso?

— Absolutamente nenhum, mas se continuar com essa cara, eu serei obrigado a te beijar. - Ash provocou. Seu objetivo era apenas esse: provocar Eiji. Para instigar-lhe alguma reação ou desconcertá-lo um pouco mais. Porém Ash descobriu que a reação foi um tanto inesperada, embora igualmente satisfatória.

Ainda com o rosto queimando, Eiji se aproximou até as testas dos dois se encontrarem. Seu olhar movia-se entre os olhos e os lábios de Ash. E o japonês respondeu, com uma voz que soava muito mais ousada e atrevida do que Eiji provavelmente se sentia:

—Não lembro de você ter se preocupado com isso da última vez que me beijou… - Foi a vez de Ash enrubescer e gaguejar um pouco.

— Aquilo foi diferente… Eu precisava te passar aquele recado, e eu já pedi desculpas por te beijar à força, não?

Eiji riu, e o som fez o coração de Ash se aquecer. Sem que ele percebesse, suas mãos foram parar nos quadris do outro, que tremeu de leve, o sorriso nunca deixando seu semblante.

— Na verdade você não pediu, mas está tudo bem. - Ele se aproximou novamente. - E isso… Também está bem por mim, se você estiver bem com isso.

Em vez de responder, Ash decidiu acabar com o espaço entre os dois, selando os lábios em um beijo calmo, apenas o roçar de bocas, sem pressa e sem um recado urgente e secreto a ser passado a nenhuma outra pessoa. Eram apenas os dois, confortáveis com a presença e o toque um do outro.

Cedo demais, Eiji recuou, sorrindo radiantemente para Ash, que ficou parado apenas observando a perfeição que se encontrava diante de si, ainda sem conseguir compreender como algo tão puro viera parar na bagunça que era sua vida.

Pelo resto da semana, os pesadelos de Ash não o atormentaram.

 


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Notas finais do capítulo

A próxima talvez foque em outro personagem da gangue do Ash, mas não se preocupem, não vai ser muuuito aleatório. E ainda vou falar sobre nosso casal lindo e maravilhoso, Asheiji kkkkkkkkkk
obrigada por ler e até o próximo capítulo
Bjss, titia ama vocês