Estilhaços de Vidro escrita por Colin Cassidy Mills
“Não perca quem você é no borrão das estrelas
Ver é enganar, sonhar é acreditar
Tudo bem não estar bem
Às vezes, é difícil seguir seu coração”
— Who You Are (Jessie J)
Vejo Leo descer as escadas do jardim e sair pelo portão noite adentro. E eu fico estático, congelado em frente ao balanço. Parece que começo a ouvir os sons novamente assim que o motor do carro dele é ligado. Ele engata e pisa fundo no acelerador. O pneu canta no asfalto.
E a única coisa que eu sou capaz de fazer é apenas olhar para baixo e deixar as lágrimas caírem.
Sinto um braço envolver minhas costas e pressionar para que eu sentasse no balanço.
Giovanna.
- Desculpa, mas eu ouvi tudo...
Solucei ainda mais alto.
A garota de cabelos castanhos alcançou um copo de água que estava em uma mesa próxima e me deu. A água desceu amarga e gelada. Algumas lágrimas também foram para o copo.
Respirei fundo. Três vezes. Não, seis. Nove. Doze vezes. Perdi a conta. A única coisa que se ouvia, além das vozes alegres e animadas que vinham dos fundos, eram meus soluços.
Me acalmei.
Giovanna não soltou meus braços, segurava-os firmes, sempre tentando encontrar meus olhos. Nosso reflexo da alma.
Engoli o choro. Passei a mão no rosto.
- Podemos voltar lá pro fundo agora. – Fiz menção de levantar, mas ela me segurou firme. Ela era forte, mais do que eu pensava.
- Não senhor. – Disse séria – Nós vamos conversar.
Suspirei.
- Não quero estragar sua noite de Natal.
Ela sorriu.
- Eu estou ajudando meu melhor amigo. Não tem nada estragado aqui.
Agora foi minha vez de sorrir. Ela sentou-se ao meu lado no balanço e começou a incliná-lo para frente e para trás levemente. A brisa calma da noite bateu em meu rosto e senti ele ficar frio.
O ar parecia mais abundante e maia fácil de contrair para os pulmões. Parecia mais agradável por um momento. Agarrei esse momento e tratei de encher os pulmões. Expirei pela boca e uma pequena fumaça branca pouco densa saiu. Estava frio e não tinha percebido.
Monte Carmelo é uma cidade que faz frio mesmo por estar no sul do país.
- O que está pensando? – Ela perguntou quebrando o silêncio e meus pensamentos.
- Em como está frio.
- Não pode fugir da realidade, Arthur. Não mais. Está na hora de encarar os fatos.
Suspirei. Bem fundo e duas vezes.
- Art... – Ela pousou a mão sobre meu ombro. – Sabe que eu concordo com ele, não sabe?
Apenas balancei a cabeça olhando para o alto.
- Você não pode viver a sua vida se preocupando com a sua imagem para os outros. Não do seu jeito excessivo.
- Eu não consigo.
- Se continuar assim, vai perder mais pessoas além do Leonardo. Quer perda maior que o amor da sua vida?
- Ele vai voltar.
- E se não voltar? Nunca o vi tão bravo assim.
- Ele vai.
- Não pode ter certeza.
Suspirei. Odeio quando ela tem razão. Olhei para ela e recebi um meio sorriso como consolo.
- Ele está irritado...
- Por minha causa.
- Não vou negar. Sim, por sua causa.
Ouvir essas palavras partiram meu coração.
- O que eu devo fazer?
- Pensar do porque ele estar chateado e tentar consertar as coisas. Mas devo avisar que eu não sei se vai funcionar.
- É noite de Natal, ele ta triste e infeliz.... Não são sentimentos para agora.
- Eu sei, Art. Mas também você não facilitou para ele.
- Mas Gi, eu só não queria ser visto.
- E isso machucou ele. Como esta te machucando. Você precisa parar com isso.
Peguei impulso e comecei a balançar com ela ao meu lado. Memórias começaram a nevoar minha mente.
- Naquele dia no cinema...
- O que aconteceu?
- Estávamos assistindo um filme e dividindo a pipoca. Ele pegava na minha mão e eu deixava – Lágrimas começaram a surgir – Quando levantei para ir no banheiro vi dois alunos meus.... Sentados no fundo da sala, apontando para o Leo.... Quando eu voltei... – Solucei e não consegui terminar a história. Giovanna me abraçou de lado.
- Também teve a festa de quinze anos do pub que fica no centro. Aconteceu a mesma coisa... E ele foi percebendo que tinha algo estranho. Até que ele
- Se tocou – completou ela. Assenti.
- E também teve...
- Chega de histórias, Arthur. – Ela disse, séria – Ficar remoendo esses momentos só vão te fazer chorar mais e mais. Te fazer sofrer também. O passado ficou para trás e mesmo ele mudando o seu presente, você precisa tomar as rédeas do tempo.
- Como?
- Você sabe como. A força necessária está dentro de você, você sabe o que fazer mas tem medo das consequências.
Apenas abaixei mais a cabeça e fechei os olhos.
- Você não pode fazer isso.
- O que? – Levantei e olhei em seus olhos.
- Abaixar a cabeça. A vida pode ser dura e trágica, mas também pode ser doce e esplêndida. Só depende de nós fazer a receita de vida correta. O tempo passa mais rápido que imagina, Arthur. O Leo não vai ficar te esperando para sempre. Uma hora ele vai cansar e desistir. Não vale a pena segurar uma corda que fica machucando sua mão só por querer que ela esteja com você. Às vezes, deixar ir é melhor do que manter.
- Você acha que ainda podemos ter uma história?
- Mas é claro! Mas apenas se você for sábio como um adulto deve ser e fazer a escolha certa. Escolha esta que você quer fazer, mas sua consciência profissional não deixa.
- Mas eu almejo um cargo de diretor na escola. O que os pais irão pensar de um diretor homossexual como gestor?
- Não importa o que os pais pensam. O que importa é se você é feliz, independentemente de ser diretor ou não. Um salário maior vai te fazer feliz?
- Vai.... Entre partes, mas vai.
- Pode até te fazer feliz, mas vai abrir um buraco enorme no seu coração deixado pelo Leonardo. Buraco este que não vai ser preenchido nunca mais.
- Mas e se outras pessoas aparecerem?
- Podem até aparecer, mas você não sabe do futuro, Art. E se essas futuras pessoas só se relacionarem com você por causa do seu cargo? Ou por outra coisa? O destino é uma coisa que não se pode deixar brincar. Ele é perverso e complicado quando quer. – Giovanna olha profundamente dentro dos meus olhos, sinto como se ela visse até a minha alma. Provavelmente ela está. Ela coloca a mão no meu ombro. – Uma hora você terá que enfrentar esse demônio, não espere que ele faça um estrago irreversível para exorcizá-lo. Será tarde demais.
- E se já for tarde demais?
- Não tem como você saber até ir falar com ele. Mate o seu dragão e depois vá ao baile – O que? Pera, não entendi. – Viva intensamente. Só temos uma vida e temos o dever de vive-la intensamente.
Levanto do balanço e desço os três degraus do hall de entrada e olho para o céu. Limpo. Estrelas brilhando. Ela vem ao meu lado.
- As estrelas brilham porque é o dever delas e porque as deixam felizes. Brilhar é a sua função e diversão. Você pode ser o que quiser mesmo sendo gay. Basta apenas querer.
Ao ouvir todo esse discurso de Giovanna.... Sei lá.... Sinto alguma coisa dentro de mim; uma coragem cresce aqui dentro, as lágrimas não querem mais descer, parece que a fonte secou. Uma determinação toma conta de cada célula do meu corpo.
Ela está certa. Tenho que agir antes que seja tarde demais.
Limpo as últimas lágrimas acumuladas no queixo e na bochecha. Viro para ela e vejo um brilho em seu olhar.
Ela está certa, sempre esteve.
- Você...
- Eu sei. Agora vai. Mate o seu dragão e encontre seu príncipe encantado.
Subo os degraus novamente e vou em direção a prateleira da sala pegar a chave da moto. Paro.
- Como?
- O que disse? – Ela entrou na sala e ficou ao meu lado.
- Como vou encontra-lo? Eu não sei para onde ele foi.
Um desespero tomou conta de mim. Ele apenas sumiu noite adentro. A cidade é grande, não sei como vou acha-lo.
- Para onde você iria no lugar dele?
Um estalo atingiu minha mente. Eu sabia onde ele estava. A alegria tomou conta de mim novamente.
Dei um beijo na bochecha de Giovanna e sai correndo. Montei na moto e acelerei.
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