Mundo Perfeito escrita por Lua Calixto


Capítulo 1
Mundo Perfeito


Notas iniciais do capítulo

Esse é um dos contos que eu mais amo por ser uma das primeiras vezes que eu publicava um desabafo em forma de textos. Ganhei com ele em um concurso literário na minha antiga escola, o que foi o momento que mais me incentivou a continuar escrevendo.

Obrigada por ler!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/774054/chapter/1

Mundo Perfeito

Era uma quinta feira normal para a maioria das pessoas. Menos para Luna, que estava no metrô do Rio, indo para casa após um dia de aula cansativo.

Ela não era uma estudante tão dedicada quanto seus colegas, e se incomodava quando diziam para ela que ela precisava estudar para ter um bom emprego, ou morreria de fome. Mas Luna não se preocupava em sobreviver, naquele momento, tudo o que ela queria era inspiração para escrever um poema.

Muitas palavras voavam em sua mente, e a garota tentava as arrastar para o papel, enquanto imaginava por onde começar a escrever. “Tudo bem, é normal ter problemas para se começar algo” – pensava ela – “eu apenas preciso deixar as palavras fluírem”. Luna começava então a posicionar o lápis no papel, mantendo seus traços firmes mesmo diante dos solavancos do metrô, e a cada curva que fazia, se sentia mais e mais inútil, vendo como sua obra final um pequeno coração desenhado no canto da folha.

Aquilo não era o que a menina queria, e ela olhava ao redor procurando por alguma inspiração. “Não há nada de novo para ver”, pensava, “não sou mais uma criança para me surpreender. Eu queria apenas ter a minha inocência de volta para que tudo fosse novo. Inocência...” – Luna acabava de ter sua primeira inspiração, escrevendo no topo da folha o título de seu poema: Inocência.

Ela continuou a escrever seu poema por alguns minutos, colocando cada palavra no papel como se fosse uma peça de um quebra cabeça que ela mesma esculpiu, mas alguma coisa faltava, as últimas peças. “Tudo bem, Lu, o final é sempre a pior parte”, dizia para si mesma.

Mas a calma que conseguiu ao pensar nisso durou pouco, logo a garota estava em pânico, se perguntando se realmente era capaz de escrever. Olhava ao redor novamente, em busca de inspiração, enquanto o medo criava vozes em sua mente. “Olhe só aquela menina” – ela ouvia a velinha ao seu lado sussurrar – “se iludindo ao achar que pode fazer algo de bom”. “Ela nunca vai conseguir terminar o poema”, dizia o rapaz a sua frente. “Por que ela não aceita que é apenas uma pessoa normal? “.

Esse último pensamento veio como uma provocação direta para Luna. “Normal... Eu não sou normal. Não quero ser normal. Mas todas essas pessoas, vivendo apenas por viver, agindo apenas por agir, não podem servir de inspiração... Eu estou sozinha”.

Luna estava certa em algum nível. Ela era diferente de todos que conhecia. Na escola, Luna era a única de sua turma que não conseguia tirar notas boas. Era a única que achava que só estava estudando lá por sorte, e não por mérito. Em sua família, Luna era a única que não seguia uma certa religião. Com seus amigos, Luna era a única que não gostava de ir para as festas, e era a única que ainda brincava com bonecas.

“Pessoas normais são chatas, eu não quero ser normal”, pensava. “Eu não posso perder minha criatividade. Essas pessoas não enxergam que estão vivendo uma vida sem significado, que apenas seguem o caminho de trabalhar para continuar vivendo. Eu não posso viver assim”.

O medo de ter uma vida normal assombrava a garota, e por esse motivo ela usava a criatividade dela para criar novos mundos, novas vidas. Mas essa criatividade acabava junto com sua inocência. Luna sabia que quanto mais soubesse sobre o mundo, menos teria para se maravilhar. Tudo se tornaria cada vez mais sombrio, visto pelos olhos de uma pessoa normal.

Ela estava sozinha. Naquela quinta-feira, Luna chegou em casa sem terminar seu poema. Ela estava triste, deitada em sua cama com seus bonecos de pelúcia. Ela se sentia confortável com eles, embora todos os achassem estranhos. A própria garota os costurava, cada um com sua peculiaridade, como o urso de pelos roxos, o coelho com cauda de gato, e a raposa, com seu sorriso quase humano.

“Vocês são iguais a mim, diferentes de todos. Por isso me entendem”. Luna vivia em seu mundo imaginário perfeito, passando horas e horas deitada na cama com seus bonecos. “Vá estudar! Você precisa disso se não quiser morrer de fome! “, gritava sua mãe, mas Luna não entendia aquilo. Por que continuar vivendo daquela forma quando a mente dela era muito mais interessante do que qualquer outra coisa?

Aquele desejo de viver para sempre em seu mundo perfeito torturava a garota de uma forma tão dolorosa que ela precisava se virar para o teto para não molhar seu travesseiro com lágrimas. “Essa é a última vez”, prometia a garota, enquanto pegava uma faca embaixo de sua cama. “Eu não posso perder para a vida. É muito mais poético morrer pelo meu mundo perfeito do que viver em um mundo sem luz”.

Luna colocava a faca sobre seu pulso, onde haviam treze cicatrizes. A jovem fechava os olhos, enquanto pensava em tudo o que iria abandonar. Sua família, com a qual nunca teve uma boa ligação. Seus amigos, que não entendiam a visão de Luna, e que a abandonaram tantas vezes. Seus poemas, fracassos sem finais.

Ela pressionava a faca quando seus olhos abriram, olhando para um boneco que se sentava distante dos outros. Um gato de pelúcia, perfeitamente normal. Em um único momento, centenas de palavras invadiram a mente da menina, que pegava a ponta da faca com seu sangue e escrevia os últimos versos de seu poema.

“Espero que dê tempo”, pensava, enquanto sentia seu sangue escorrer mais rápido do que o normal, e escrevia as últimas letras de seu poema finalmente terminado, sentindo também o mundo se desfazer ao seu redor. Seus últimos versos, escritos para seus parentes, amigos, ou qualquer pessoa que os lesse, como um convite, se manchavam com sangue, enquanto a garota caía em cima de seus bonecos, e lentamente fechava os olhos pensando: “É hora de começar uma nova história”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mundo Perfeito" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.