Cursed escrita por Kirimi


Capítulo 3
Eleven Years Old


Notas iniciais do capítulo

Para a minha querida Luane que eu sei que vai chorar muito quando terminar de ler esse capítulo! Te amo, Mana!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773991/chapter/3

Não sei se você aí conhece costumes bruxos, mas os onze anos é uma data importante para nós. Uma criança bruxa de onze anos está num limbo entre crescer e permanecer infantil. Nem bem começamos a adolescência e, aqueles que vão para Hogwarts, passarão a morar na escola. A maioria dos bruxos e bruxas de onze anos são educados em casa, apenas os mestiços e os nascidos trouxas é que vão para escolas primárias regulares, por isso essa mudança acaba sendo tão impactante na vida da criança. 

Minha festa de onze anos foi cheia de pompa e ostentação. Miinha família, bem como os amigos mais próximos dos meus pais estavam todos lá. Eu ganhei presentes caríssimos e fui apresentado formalmente à Melinda Selwyn, uma garotinha de quase nove anos pequena, chorosa e com cara de doente. Seu pai, eu sabia, queria atar nossas famílias através de casamento e era por nós que eles pretendiam que isso acontecesse. Mas nada sobre isso foi dito na ocasião: apenas nos apresentaram e nos disseram que esperavam que fôssemos amigos próximos.

Pouco depois do meu aniversário, fui agraciado com a tão esperada Carta de Hogwarts. Um jantar foi dado pelos meus pais em comemoração ao acontecimento. Lucius já tinha sua varinha naquela época e secretamente me desafiava para duelos sempre que via uma brecha. É claro que eu recusava de maneira educada, como a Sra. Carson me instruíra. Não seria justo aceitar um duelo com alguém que sequer sabia segurar corretamente a própria varinha.

Chegada a época de compramos os materiais para o início das aulas, meus pais discutiram no jantar o que fariam. Temendo repetir o que houve no dia que ganhei minha varinha, ouvi calado.

— Marcus, amanhã seu material escolar será comprado. – Meu pai disse, com o habitual desinteresse na voz. – Como sua mãe e eu não conseguimos chegar a um acordo, mandaremos um dos criados realizar a tarefa. Alguma objeção?

Olhei para minha mãe, que parecia estar viajando em outro plano astral, e depois diretamente nos olhos de meu pai:

— Eu gostaria de ir com a Sra. Carson até o Beco Diagonal para comprar meu material, pai. – Meus pais se entreolham, sem dizer uma palavra. – Já que vão mandar um criado, posso eu mesmo ir com a Senhora Carson. Ela é adequada para a tarefa e o quadro de funcionários da casa não ficará desfalcado.

Meu pai ergueu uma única sobrancelha enquanto me encarava:

— Quadro de funcionários da casa, hein? – Ele me estudava com os olhos cinza-chumbo.

Por fim, virou-se para minha mãe e cochicharam alguma coisa e só pela sua expressão eu sabia que eles cederiam:

— Que seja. – Ele ralhou – Leve a maldita Babá consigo.

— Obrigado, meu pai. Minha Mãe. – Eu disse, formal – Vou me retirar agora.

Assim que deixei a sala de jantar, ouvi minha mãe perguntar a meu pai:

— Quando foi que “papai e mamãe” se transformou em “meu pai e minha mãe”?

Ao entrar na biblioteca, a Sra. Carson já me esperava:

— Que cara é essa de gato que comeu o canário? – Ela disse, desconfiada.

— Eu conversei com meus pais e pedi permissão para que você fosse comigo comprar meu material amanhã, Senhora Carson.

— Ah, foi? – Ela me disse, com ar interessada, enquanto eu tomava meu habitual lugar para mais uma noite de estudos. – E o que eles disseram?

— Disseram que sim. – Eu estava deslumbrado – Quer dizer, meu pai disse que sim, mas minha mãe não disse uma palavra, como sempre. Então acho que tudo bem!

— Acho que o jovem mestre tem idade o suficiente para saber que o senhor seu pai não faz nada de graça, certo? – Fiz que sim com a cabeça – Pois bem, espero que não custe muito caro.

Ela suspirou, e por um segundo parecendo cansada aos meus olhos como eu jamais reparei em anos.

— O que está olhando, garoto? – Ela disse, recobrando a postura – Abra seu livro e vamos praticar o vocabulário latino, sim?

Eu mal dormi aquela noite. Quando a Sra. Carson foi me acordar, eu já estava vestido e pronto:

— Caiu da cama, Mestre Marcus?

— Bom dia, Sra. Carson. É que eu não dormi muito bem… 

— Percebi – Ela disse próxima de mim, esfregando minhas olheiras – Parece que levou uma pancada em cada olho.

Afastei a mão dela e saímos juntos para o desjejum. Ela não fazia as refeições conosco, comia na cozinha, por isso seguimos caminhos diferentes. Tomei café sem meus pais, sozinho naquela mesa enorme, mas não me importei. 

Logo a Sra. Carson e eu estávamos prontos para ir ao Beco Diagonal. Eu estava a espera dela em frente a lareira quando ela passou por mim, dizendo:

— O que pensa que está fazendo, garoto? Não vou gastar o Pó de Flu dos seus pais. – Eu sorri, pois sabia o que ela queria dizer – Nós vamos apartar.

Corri rapidamente para junto dela e controlei o impulso de a abraçar dentro de casa.

— Não vi meus pais hoje… – Perguntei, enquanto saímos porta a fora.

— Isso é porque eles vão passar o dia com os Selwyn. Hoje a filha deles completa nove anos. – Ela explicou, sem rodeios – Mas eles estarão aqui para verificar nossas compras antes da hora do chá.

— Aquela garotinha chorona que veio aqui em casa com os pais pelo no meu aniversário? Tudo bem, eu não me importo – Eu respondi, honesto.

— Mas parece que seus pais se importam. – Eu revirei os olhos em resposta.

Ela sorriu e deu a ordem:

— Segure-se em meu braço, garoto.

Obedeci e então rodopiamos e, com um estalo, estávamos na calçada de uma das ruas que minha mãe chamava de “A Londres Trouxa”. Meu estômago se contorceu, mas não vomitei. Estava orgulhoso de mim mesmo.

— Olhe para cima, Mestre Marcus.

Quando olhei, um letreiro sujo dizia “O Caldeirão Furado”. Assim que entramos, perguntei:

— Podemos ver as lojas?

— Mas é claro que sim, garoto. – Ela sorriu, divertida – Nossa única exigência é chegarmos na sua casa antes de seus pais.

Não pude conter uma exclamação de felicidade. Ela fez o código na parede dos fundos do bar, me mostrando onde tocar com a varinha para que a passagem se abrisse. E então, eu entendi o que meus pais disseram quando reclamaram da quantidade de pessoas em época de se comprar material escolar. Havia mais seres humanos por metro quadrado que eu jamais vira na vida.

— Me dê a mão e não solte – Minha tutora disse com firmeza – Nossa primeira parada será o Gringotes.

Quando dei a mão a ela, imediatamente a bruxa agitou a varinha e me prendeu a ela com uma espécie de pulseira multicolorida com uma corrente que tinha um elo de cada cor e todos eles fluorescentes. Logo avistamos a grande construção de mármore branco e entramos. Embora tenha ouvido muito falar do banco dos bruxos nunca tinha ido até lá eu mesmo. Dezenas de duendes trabalhavam lado a lado fazendo movimentos coreografados de anotar, carimbar, destacar e entregar. Nos aproximamos de um deles que disse sem um pingo de educação:

— Chave. – E estendeu a mão de dedos longos e unhas sujas.

 Mary Carson tirou uma pequena chave dourada de sua bolsa e me disse, enquanto a entregava ao duende:

— Esta é a chave do seu cofre. A partir de hoje, ela será sua responsabilidade. – O duende analisava a chave ao mesmo tempo que, sem nenhuma discrição, prestava atenção no que conversávamos – Se perder essa chave, será uma grande dificuldade para o jovem Mestre e o senhor seu pai, entendeu?

— Sim, Senhora Carson. – Eu respondi prontamente.

O duende que nos atendeu chamou um outro de mesma espécie e entregou a chave a ele, dizendo alguma coisa em um idioma gutural que não entendi. Logo estávamos seguindo o segundo duende até um carrinho preso a um trilho. Subimos com o duende e o veículo começou a se movimentar perigosamente rápido. Curvas, subidas e descidas todas feitas de forma extremamente bruscas e quando finalmente paramos, meu estômago já fragilizado com a aparatação não aguentou e cedeu: sem nenhuma cerimônia, eu vomitei nas profundezas cavernosas do Gringotes.

Quando finalmente consegui me recompor, a porta do meu cofre já estava aberta. Assim que a Sra. Carson viu meu olhar de decepção, disse prontamente:

— Não fique assim, Mestre Marcus. Você visitará tantas vezes esse lugar que saberá decor o que o duende está fazendo aqui.

Eu acenei positivamente a cabeça, enquanto ela me entregava um cantil com água para que eu pudesse lavar a boca. Ao olhar para dentro do cofre, vi pilhas e pilhas de moedas douradas e outros itens nos quais eu não tinha interesse naquela época, mas que me pareceram muito valiosos. A Sra. Carson entrou comigo e me ajudou a pegar uma quantia razoável para tudo que constava na lista de material e mais uma coisa ou outra que eu pudesse querer durante nosso trajeto de compras. voltamos para o carrinho e, dessa vez não passei mal, talvez pelo fato de não ter mais nada que colocar para fora. Ao sairmos do banco, eu finalmente estava me recuperando e logo voltei a falar:

— Senhora Carson, por que eu tenho um cofre daquele tamanho e cheio de ouro e coisas valiosas se eu não trabalho? – Minha Babá riu do questionamento, mas respondeu:

— Desde antes de você nascer, seus pais criaram um cofre para o herdeiro deles e adicionam a ele uma certa quantia de ouro mensalmente. – E antes que eu pudesse perguntar, ela completou – É claro que isso já está arranjado com o banco e são os duendes que fazem esses depósitos para que eles não tenham o trabalho de vir até aqui.

— Então quer dizer que eu vou ter esses depósitos a minha vida inteira?

Ela ponderou por uns instantes, descia mais dois degraus abaixo de mim para ficarmos da mesma altura e me respondeu:

— Acredito que não, garoto. A maioria dos pais faz isso até que seus filhos atinjam a maioridade aos dezessete anos ou até que concluam os estudos.

— Agora entendi. Então vou me esforçar bastante para que nunca pare de ter ouro no meu cofre! – Nós dois rimos e seguimos para as lojas.

Combinamos que compraríamos todo o material e veríamos as demais lojas depois, portanto, nossa primeira parada foi a loja de caldeirões. Lá havia os tais itens de todos os tamanhos: desde um que eu poderia esconder na minha mão fechada até o que era capaz de comportar a Senhora Carson em pé. Também eram feitos de materiais diversos como platina, ferro e até ouro maciço. Na minha lista constava “um caldeirão de estanho, tamanho padrão 2” e foi isso mesmo que compramos. Logo depois passamos no Boticário, onde compramos o kit de ingredientes e frascos padrão para os alunos de Hogwarts, assim como a balança de latão. Foi a primeira loja que realmente me encantou pela variedade de coisas estranhas que havia por toda parte: desde patas de aves ressecadas, ervas comuns, raízes com formatos humanos e pedras cuspidas por bodes.

Depois seguimos para comprar penas, tintas e pergaminhos, onde as compras foram rápidas. Apesar do meu protesto de querer uma pena verde-ácido que escrevia sozinha, a Sra. Carson explicou que essas penas não são confiáveis e que elas escrevem a impressão que o seu dono tem do que está anotando e não o que realmente está acontecendo. Mudei de ideia rapidamente e decidi ficar com as penas tradicionais.

Embora eu estivesse muito ansioso por comprar meus livros, a Senhora Carson disse que o meu uniforme era mais urgente já que ela sabia que iriamos ficar mais tempo que o necessário entre as estantes. Seguimos para a loja de Madame Malkin, onde fui colocado num pedestal e medido. Logo estava experimentando as vestes e capas enquanto uma funcionária fazia os ajustes necessários. Saí de lá com três belos conjuntos de vestes pretas que incluíam luvas de couro de dragão e chapéus pontudos tradicionais que eu mal podia esperar para vestir novamente.

Sem questionar sobre a livraria, paramos numa loja especializada onde compramos meu telescópio e as cartelas estelares que eu usaria nas aulas noturnas de astronomia. O estabelecimento todo era belíssimo e a imitação do espaço me deixou sem fôlego enquanto constelações, planetas e cometas passavam por mim. Eu estava tão entretido com as dezenas de luas de Júpiter que só percebi a Sra. Carson ao meu lado, quando ela tocou em meu ombro:

— Vamos, Mestre Marcus. – Quando abri a boca para pedir mais uns instantes naquele lugar maravilhoso, ela completou – Está na hora da Floreios e Borrões.

Meus olhos brilharam mais do que qualquer das estrelas que haviam ali. Agradeci ao atendente e saí empolgado para onde estive esperando pelo dia todo.

Ao chegarmos, a livraria estava cheia. Muito cheia. Antes de entrarmos, a Senhora Carson me disse:

— Pode entrar e ver o que quiser, garoto. Eu vou direto ao balcão pegar os livros da sua lista. As nossas pulseiras não vão permitir que nos separem. Você saberá exatamente onde eu estou e eu, onde você está.

— Sim, Senhora Carson – Eu respondi, polidamente – Obrigado.

Ela pousou a mão sobre a minha cabeça e sorriu, me encorajando como sempre fazia. Foi ali, pela primeira vez, que eu vi vantagem em ser pequeno, afinal, eu cabia em todos os menores espaços, onde as pessoas se apertavam. Eu olhei todas as prateleiras e, quando ficava assustado, checava minha pulseira de elos coloridos e sabia que caminho tomar até encontrar minha Babá. Não tenho certeza quanto tempo fiquei na Floreios e Borrões mas sei que não fui apressado, só saí de lá depois que escolhi três novos livros e quando me dei por satisfeito, para encontrar a Sra. Carson lendo um novo romance de mistério e meu caldeirão abarrotado de livros didáticos novos.

Depois de todas as compras necessárias, a Sra. Carson me levou para ver todas as outras lojas e foi incrível. Porém, para a surpresa de minha Babá, eu não demonstrei o mínimo interesse por vassouras de corrida ou materiais de Quadribol. Meus pais gostavam bastante do esporte e até iam a jogos, quando a seleção inglesa jogava, portanto eu fui a alguns deles, mas eu nunca consegui gostar, de fato. Na verdade, até os dias de hoje eu não tenho interesse em pessoas voando de vassoura, passando bola, se empurrando e correndo atrás de uma noz alada.

— Tudo bem que não goste de Quadribol, Mestre Marcus. Mas você precisa se divertir, portanto vou te dar um presente. Eu vou até a Gambol & Japes e você vai comprar o seu pet, pode ser?

— Pode sim, Senhora Carson. Mas eu não sei o que comprar. Eu não quero um gato, porque meu pai é alérgico e vai matar o bichinho se eu chegar em casa com um. Penso que ratos são asquerosos e prefiro os sapos nas fontes e lagos, onde podem ser úteis, comendo insetos…

— Ora então compre uma coruja. Ela ficará no corujal de Hogwarts com as outras corujas da escola e você não precisará nem dar de comer a ela, mas sempre terá alguém para chamar que virá até você e será fiel, não importa o que aconteça. – Eu olhei para minha Babá como se ela tivesse feito a descoberta do século.

— Boa ideia! – Eu exclamei feliz – Obrigado, Senhora Carson!

— Não há de que, garoto – Ela sorriu de volta – Nos encontramos em dez minutos em frente a Florean Fortescue, combinado?

— Combinado!

Ela desceu a rua e eu subi. A cada passo, um elo da pulseira aumentava e eu tinha a segurança de que tudo estava bem e que eu não estava sozinho. Cheguei finalmente ao Empório das Corujas. Respirei fundo e passei pela pequena porta, fingindo uma confiança que eu definitivamente não tinha. O empório era escuro e cheirava a excremento de ave. Dezenas de pares de olhos de tamanhos diversos olhavam para mim e me acompanhavam enquanto eu ia em direção ao balcão.

— Bom dia, meu jovem – O atendente disse em voz baixa, porém simpática – Em que posso ajudá-lo?

— Bom dia, senhor. – Eu respondi, também em voz baixa, mesmo sem entender o porquê – Eu estou aqui para comprar uma coruja. Estou indo para Hogwarts e gostaria de levar uma comigo.

— Ah, então optou pela coruja… Bom, bom… Por aqui, por favor.

Logo percebi o porquê de estarmos falando tão baixo, afinal apenas o som dos nossos passos juntos já agitava as corujas. Eu o segui e fui guiado pelo lado esquerdo até a próximo a saída da loja:

— Daqui para lá – Ele apontou de onde estávamos até o meio da loja – São corujas tradicionais. – Ele caminhou até o lado direito e apontou para mais metade da loja – Aqui ficam as corujas de grande porte, para grandes cargas e transportes. – Por fim, foi até onde eu estava e virou-se para as corujas que estavam mais próximas a saída – E aqui são as corujas de pequeno porte. Pequenas e muito ágeis na entrega de cartas e pacotes pequenos. Nas demais estantes estão gaiolas, comida e brinquedos que as corujas adoram – E finalmente concluiu – Leve o tempo que precisar. Estarei aqui, para qualquer dúvida.

Olhei para as corujas pequenas e fi que eram realmente pequenas. Menores até que as que meus pais utilizam em casa. Fui andando em direção as corujas grandes e vi que o dono da loja não estava mentindo, as corujas eram enormes e de aparência hostil. Quando fui até as corujas tradicionais, me senti mais à vontade. Quando viu meu sorriso o dono do empório tirou um petisco do avental e me entregou, falando baixinho:

— Ofereça o petisco e veja se uma delas vem até você.

Eu acenei em concordância para ele, que fez menção para que eu levantasse o braço, segurando o pedaço de carne ressecada e foi exatamente o que eu fiz. Logo uma coruja de cara redonda e olhos amendoados veio até mim e pousou em meu ombro para pegar o que havia lhe oferecido. Sua pelagem era amarela na parte de cima do corpo enquanto penas brancas cobriam seu rosto, desciam pelo peito até chegaram ao rabo e seu bico curvado e delicado dava a ela um ar de realeza.

— Ela pareceu gostar de você, meu jovem – O rapaz disse no tom de voz baixo e satisfeito de antes – Esse tipo de coruja tem muitos nomes populares como coruja-das-torres, rasga-mortalha ou suindara. E essa, especificamente, é uma fêmea.

Cauteloso, eu levei uma das mãos até ela e toquei de leve em suas penas. Ela ficou quieta, me olhando com a mesma curiosidade que eu a olhava. Aquela confiança que eu fingi ter ao entrar na loja, de repente se tornou minha e eu pousei a mão nas costas da bela coruja e acariciei suas penas. Ela piou baixo e me deu uma cabeçada de leve. O dono da loja soltou um “Aí está!” quase mudo e eu olhei para ele e sussurrei:

— Vou ficar com ela.

Ele fez sinal para que eu o seguisse. No balcão, colocou minha nova coruja numa gaiola bonita e elegante como ela mesma e cobriu com uma capa para que a multidão do lado de fora não a assustasse ou a claridade excessiva não machucasse os olhos da ave. Eu paguei por ela, sua gaiola, a quantidade de ração sugerida por ele até a minha chegada a Hogwarts e um poleiro aberto para quartos. Saí da loja satisfeito e fui andando rua acima em direção a sorveteria Florean Fortescue, onde a Sra. Carson já me esperava. Junto dela estava um grande embrulho quadrado, envolto em papel pardo e amarrado por uma corda fina. Minha curiosidade se aguçou no mesmo instante, e minha Babá percebeu e fez que não com o dedo indicador é disse:

— Primeiro nosso sorvete, Mestre Marcus. – Ela me deu uma piscadela – Em casa eu te dou o pacote e você me mostra a sua coruja.

— Sim, Senhora Carson.

Dentro da sorveteria compramos grandes sorvetes com seis bolas cada, calda azeda e confeitos que explodiam na boca. Sentamos nas mesinhas do lado de fora e saboreamos os doces, enquanto observávamos a movimentação do Beco. Quando acabamos nossos sorvetes, eu sabia que era hora de irmos, precisávamos almoçar em casa ou iríamos nos encrencar de verdade, caso meu pai obrigasse os Elfos Domésticos a falarem. Enquanto passávamos pelo portal de tijolos e pelo Caldeirão Furado, não pude de deixar de me sentir um rebelde, já que estávamos indo para casa justamente para o almoço e apesar disso, eu já tinha saboreado uma deliciosa sobremesa.

Aparatamos. Imediatamente, seguimos todos os protocolos necessários para que tudo estivesse nos conformes: a Sra. Carson mandou todo o meu novo material para o meu quarto com um aceno de varinha, o embrulho marrom e minha coruja foram mandados para a biblioteca e, com toque da própria varinha na ponta do meu nariz, minhas roupas e cabelos ficaram impecáveis, como se eu estivesse pronto para sair, ao contrário de ter acabado de chegar em casa. Por fim, desfez as pulseiras coloridas que nos uniu. Nós dois entramos pela porta da frente, mas seguimos caminhos diferentes: eu subi as escadas, para me lavar e trocar e a Sra. Carson foi para a cozinha, anunciar nossa chegada e pedir que a refeição fosse servida em dez minutos. Quando eu ficava sozinho, minha Babá tinha permissão de fazer as refeições comigo, portanto almoçaríamos juntos.

Eu não havia percebido o quanto estava faminto até me sentar à mesa. Graças a isso, fizemos um almoço quase sem falar, já que nós dois estávamos ocupados mastigando. Depois da refeição seguimos para a biblioteca, onde a gaiola coberta estava acomodada na mesinha de centro, próxima nas nossas poltronas habituais e o meu presente, encostado na poltrona da Sra. Carson. 

— Você começa – Ela disse ao se acomodar. – Quero conhecer sua nova amiga.

Ela não precisou pedir duas vezes. Com todo cuidado que me era possível, tirei a capa da gaiola, revelando a bela suindara que olhou curiosa para o novo ambiente onde se encontrava.

— O que achou, Senhora Carson? – Perguntei levemente ansioso.

— É uma bela coruja, Mestre Marcus. Muito bonita. Como vai chamá-la?

— O atendente da loja me disse que ela é fêmea, então preciso pensar em um nome feminino que seja gracioso e delicado como ela é.

— Bem observado, Mestre Marcus. – Ela desviou os olhos para a coruja – Mas não esqueça que, apesar de graciosa e delicada, ela é uma caçadora mortal.

Eu ponderei por alguns segundos antes de responder:

— Eu preciso escolher o nome dela agora? – Eu estava realmente preocupado – Porque eu gostaria de pensar um pouco mais.

— Não precisa ser imediatamente, mas procure não se demorar com essa tarefa, sim? – Ela apontou a biblioteca atrás de si – O Jovem Mestre já leu muitos livros. Pode ser que algum nome lhe traga inspiração.

O silêncio pairou entre nós por alguns instantes, enquanto eu olhava da coruja para os livros, esperando que minha cabeça me trouxesse uma resposta. Quando olhei novamente para minha Babá, o embrulho estava pousado em seu joelho:

— Gostaria que o senhor abrisse o que eu te comprei agora, Mestre Marcus.

Eu desci da minha poltrona, fui até ela e a abracei. Não era um costume comum, mas ela recebeu o gesto de bom grado.

— Obrigado, Senhora Carson.

— Não há de que, garoto. – Ela me respondeu sorrindo – Agora vá para o seu lugar e abra o presente.

Eu rasguei o papel e encontrei um tabuleiro de xadrez. Eu conhecia porque o meu pai tinha um desses exposto na sala de desenho, onde quase nunca íamos. O meu era menor, feito em madeira e não em mármore, mas a estrutura era a mesma. As peças estavam alocadas em duas pequenas caixas também de madeira retangulares onde estavam as peças brancas e as pretas, ambos os conjuntos feitos de pedra leve, pronto para quebrarem um ao outro.

— É um conjunto de xadrez bruxo. Atrás do tabuleiro há um livro com a explicação das regras, mas em sua essência é um jogo de estratégia. E precisa de duas pessoas. Leve-o a Hogwarts e encontre alguém para jogar com você.

— Isso é incrível, Senhora Carson! Obrigado!

— De nada, Jovem Mestre. Só tenha cuidado de reparar com magia todas as peças antes de guardá-las, sim?

— Sim, Senhora Carson. – Eu assenti, já abrindo o livreto de instruções do jogo. 

Passei a tarde lendo as regras do meu novo jogo. A Senhora Carson me emprestou um jogo de xadrez tradicional, onde as peças não se mexem, para que eu pudesse observar e aprender os movimentos sem correr o risco de que uma atacasse a outra. Meus pais chegaram na hora combinada e me chamaram até a sala de estar onde se sentaram para que pudéssemos passar nossa hora diária juntos.

— Então, Marcus… – Minha mãe começou, enquanto as bebidas quentes nos eram servidas magicamente – Como foi a compra do seu material? Tudo certo? 

— Sim, mãe. Foi tudo bem, compramos todo o necessário e eu optei por levar uma coruja comigo para Hogwarts.

— Bom. – Meu pai respondeu – São os melhores animais de estimação possíveis e os que dão menos trabalho.

— É sim. Ela vai poder ficar no corujal junto com as outras corujas e… – Notei que meus pais não estavam prestando atenção no que eu dizia, mas que trocavam olhares carregados. – Meu pai, minha mãe, está tudo bem?

Dessa vez foi minha mãe quem quebrou o silêncio:

— É melhor que ele saiba agora, Ambrosius… – Meu pai concordou com um maneio de cabeça e tomou a palavra:

— Marcus, agora que você vai para Hogwarts, os serviços da Babá não serão mais necessários.

Eu engasguei ao ouvir a informação:

— O que? Como assim? 

— O que seu pai quis dizer é que a Senhora Carson não tem mais deveres a cumprir nesta casa. – Minha mãe respondeu com aquela falsa doçura amarga na voz.

— Quer dizer que a Senhora Carson não vai mais trabalhar comigo? 

— Você é estúpido, garoto? – Meu pai disparou, já perdendo a paciência – A partir do Primeiro de Setembro. você passará a morar na escola e ficará bem menos tempo em casa. Não precisamos mais dela.

— O senhor está fazendo isso porque eu pedi que ela me acompanhasse às compras para Hogwarts?

— Mas é claro que não. – Meu pai respondeu, revirando os olhos – Nós tínhamos um compromisso com os Selwyn e vocês se ofereceram de bom grado para realizar uma tarefa ingrata, sem desfalcar o quadro de funcionários, segundo suas próprias palavras. Todo mundo saiu ganhando.

Olhei para minha mãe em busca de apoio, mas percebi que ela não se importava:

— Depois do choque inicial, você vai se acostumar – Ela disse, vacilando na doçura e pendendo para o desdém.

Já que estava sozinho nessa briga, decidi falar como meu pai falava:

— Mas ela trabalha para mim e não para o senhor.

Seus olhos faiscaram de fúria, enquanto minha mãe estava boquiaberta com a minha resposta:

— Mas se você não estiver aqui, criança insolente, não tem porque sustentarmos uma pessoa a mais! – Ele se levantou. E eu também.

— Isso não é justo! – Senti meu rosto ficar vermelho.

— Você tem onze anos, moleque. Não sabe nada de justiça. Nem de coisa nenhuma!

— Sei sim. – Eu respondi, desafiador – Sei que não quero que a única pessoa que se importa comigo nesta casa vá embora.

— Nós nos importamos com você, Marcus – Minha mãe me olhava de cenho franzido. – Tudo o que fazemos é para o seu bem.

— Se for desse jeito, eu não quero mais o bem de vocês!

Naquela hora eu mesmo sabia que tinha passado dos limites. Meu pai puxou a varinha a agitou. eu senti meus lábios se grudando a ponto de se fundirem e não consegui mais falar. Eu estava em choque, afinal, foi a primeira vez, mas não a última, que meu pai levantava a varinha para mim. Minha mãe, olhava para mim e balançava a cabeça negativamente, como se eu tivesse merecido ser azarado pelo meu próprio pai. Tentei sair correndo da sala de estar, mas outro feitiço me acertou: dessa vez minhas pernas estavam grudadas uma na outra e meus braços colaram ao lado do meu próprio corpo, o que me levou a cair estrondosamente, batendo o queixo no chão. Sentindo o gosto de sangue e sem conseguir me manifestar, me senti ser virado de barriga para cima e vi meu pai que estava em pé olhando diretamente para mim e dizendo:

— Você só me dá cada vez mais motivos para dispensar aquela mulher. Ela supostamente deveria ter educado meu filho e não o transformado num rebelde. – Respirou fundo e continuou – Lucius nunca precisou de Babá. Foi cuidado somente nos primeiros anos de vida e depois cresceu muito bem sem ajuda. Você deveria ser mais como ele.

Passou por mim e foi em direção ao corredor de onde disse em voz alta:

— Amalia, venha! – E minha mãe obediente, passou por mim me encarando firme. Mesmo que eu tenha suplicado com o olhar, ela me deixou ali.

Não conseguia me mover e nem falar, A única alternativa que vi para mim foi chorar. Quando já estava exausto e com a cabeça doendo, ouvi um pequeno estalo e vi ali o elfo doméstico que cuidava da limpeza da casa, era a hora de acender a lareira para a noite. Ele olhou para mim com uma expressão muda de terror, afinal, meu pai cuidou para que a pobre criatura não tivesse língua para falar. Com a mesma rapidez que entrou, saiu. Segundos depois voltou com a Sra. Carson, que praguejou quando me viu e logo agitou a própria varinha me libertando dos feitiços de meu pai:

— Mestre Marcus, o que houve? – Eu consegui ouvir a urgência em sua voz.

Tentei responder, mas minha mandíbula ainda estava rígida e dolorida.

— Tudo bem, garoto. Eu vou cuidar de você. – E, sem nenhuma dificuldade, me pegou no colo. Arregalei os olhos para ela, como se fosse errado o que ela estivesse fazendo por mim.

Vendo minha reação, ela disse:

— Seus pais aparataram. Não disseram nada.

Eu fiz que sim com a cabeça e me aconcheguei em seu colo. Ela me levou até a biblioteca e sentou-se na poltrona grande, ainda comigo em seu colo, enquanto me embalava ao som de uma cantiga irlandesa antiga. Aos poucos, meus movimentos foram voltando e eu consegui falar sem sentir muita dor. Me endireitei em seu colo e disse por fim:

— Obrigado, Senhora Carson.

— Não precisa agradecer, garoto.

— Meus pais, eles vão te mandar embora e… – Eu comecei, mas quando a olhei nos olhos, vi que sorria para me tranquilizar.

— Eu sei, Jovem Mestre. – Ela se levantou e me colocou sentado onde estávamos e sentou-se em minha frente – Seus pais vieram falar comigo. Estou ciente do meu aviso prévio. Vou ficar com você até o dia 31 de agosto.

— Não vai acompanhar meu embarque no Expresso? – Eu perguntei, esperançoso.

— Não, Mestre Marcus. – Ela me respondeu, honesta – Eles não me permitiram. Disseram que esse momento é da família e que eu não faço parte, como sempre dizem. Mas não se preocupe: eu estarei com você até um dia antes da sua partida e quando estiver em Hogwarts, pode escrever para mim quando quiser. Você tem uma coruja agora, não?

Eu dei a ela um sorriso rígido:

— Eu posso mesmo? Você vai me responder?

— Claro que sim, garoto! – Ela afirmou vigorosamente – Além do mais, temos que continuar estudando enquanto eu estiver aqui e o Jovem Mestre precisa nomear a coruja.

— Sim, é verdade. 

— Agora vá descansar.

— Antes de ir Senhora Carson, eu gostaria de agradecer ao Elfo Doméstico que me encontrou, sabe? O que foi te buscar.

— Ah, sim. O nome dela é Pinky e ela é um amor, porém amedrontada por causa do que o seu pai fez a ela. Tenha cuidado e não faça movimentos bruscos.

A Sra. Carson me levou até a cozinha, que ficava no subsolo da casa. Muito limpa e sempre cheirando a comida nova, os três elfos que lá estavam pararam o que estavam fazendo e prestaram reverências exageradas para nós e dois deles voltaram a sua funções enquanto o último, que usava um velho chapéu de cozinheiro, provavelmente o líder, se adiantou:

— A que devemos a honra do Mestre da casa, Senhora Carson?

— Olá Parsley. O jovem Mestre gostaria de falar com a Pinky.

— Por favor, se ela não estiver muito ocupada. Não quero atrapalhar nem nada…

Os olhos do elfo cozinheiro se encheram de lágrima e escorreram pela face enrugada:

— O seu pedido é uma ordem. – Estalou os dedos e desapareceu.

— Eu disse alguma coisa errada, Senhora Carson? – Perguntei, confuso pelas lágrimas da criatura.

— Não, garoto. – Ela disse sorrindo – Ele ficou emocionado por ser tratado com educação por alguém da família.

Mas antes que eu pudesse responder, Parsley voltou acompanhado de Pinky, que usava roupas de coloração rosa e encardida.

— Aqui está ela, Mestre. – Ele disse, com a voz embargada – Se me der licença, tenho que voltar aos meus afazeres. – E com mais uma reverência, voltou ao seu posto, em frente ao fogão.

Pinky olhava para mim com olhos grandes e amarelos, esperando. Por um momento me esqueci que ela não podia falar, mas fui lembrado por um leve toque nas costas vindo de minha Babá.

— Então, Pinky… – Eu comecei a dizer incerto, enquanto a criatura me encarava, curiosa – Eu gostaria de agradecer pelo que fez por mim. Sabe… Por ter me ajudado e ido buscar a Senhora Carson. Bem… Obrigado!

Ela me fez uma referência onde sua própria testa tocou o chão. Depois se ergueu e esperou.

— Pode ir agora e obrigado mais uma vez. – A elfa sinalizou positivamente com a cabeça e saiu enxugando lágrimas.

Quando saímos da cozinha, a Sra. Carson me acompanhou até meu quarto, onde esperou que eu me lavasse e me arrumasse para o sono. Então sentou na beirada de minha cama como sempre fazia quando ia me contar uma história. Mas ao invés do costumeiro "era uma vez", ela começou:

— Mestre Marcus, gostaria que o senhor soubesse que todas as criaturas são semelhantes a nós. Cada um em seu próprio modo de vida e costumes. Ninguém é mais que ninguém assim como ninguém é menos que ninguém, você me entende?

— Sim, Senhora Carson.

— Quando entendemos esse conceito, tudo fica mais fácil e mais bonito. – Ela disse, sorrindo.

— Muito obrigado por hoje, Senhora Carson.

— Eu é que agradeço, garoto. Agora descanse. Amanhã nossos estudos continuam.

Assim que ela saiu de meu quarto, um prato de biscoitos frescos e um copo de leite morno se materializaram na mesa de cabeceira ao meu lado, e eu sabia que tinha vindo da cozinha. Comi com gosto a gentileza dos Elfos Domésticos e dormi profundamente naquela noite.

A Sra. Carson fez o possível para que nossos últimos meses juntos fossem o mais natural possível: prosseguimos com as lições, revisamos conteúdo, treinamos xadrez e finalmente eu nomeei minha coruja. Ela passou a ser chamada de Lizzie, diminutivo para Elizabeth, já que ao longo da história, mulheres excepcionais carregaram esse nome e além do mais era o nome do meio de minha Babá. Também passei o mínimo de tempo possível com os meus pais, o chá era em família, mas mal trocávamos palavra uma vez que o medo que eu sentia deles foi se transformando em ressentimento e era demais para o coração de uma criança. Também em nossos chás passamos a receber visita regular de Melinda Selwyn e seus pais que tentavam forçar um vínculo entre nós que não estava chegando a lugar algum.

Enfim o faltava apenas um dia para meu embarque para Hogwarts, bem como seria o último dia da Sra. Carson trabalhando em casa. Eu procurei não pensar muito nisso, pois sempre que o fazia, me sentia com ânsia. Tomei café da manhã sozinho e recebi um bilhete através de minha própria coruja que dizia para eu encontrar minha Babá em meu quarto. Terminei minha refeição e subi apressado, encontrando a Sra. Carson parada à porta do meu aposento, afinal, ela nunca entrava sem permissão:

— Bom dia Mestre Marcus, como está?

— Bem – Eu menti. – Obrigado por ter mandado a Lizzie, Senhora Carson. 

— Ela é uma boa coruja. Dócil e inteligente.

— O que faremos hoje?

— Eu tenho uma última coisa importante a te ensinar antes de me despedir, Mestre Marcus. – Ela disse firme – Podemos entrar?

— Mas é claro que sim, Senhora Carson.

Quando entramos em meu quarto, vi que no chão havia um grande baú verde esmeralda com o brasão dos Malfoy na tampa e meu nome escrito em letras finas de prata, bem legível. Onde seria a tranca do baú, estava o brasão dourado de Hogwarts, que se dividia ao meio quando a tampa era aberta.

— Esse é o seu malão – Ela apontou para a arca – Embora eu pense que seus pais tenham sido tendenciosos na escolha das cores, já que contam que você caia na Sonserina como eles. Mas, se não acontecer, nada que um toque de varinha não mude as cores.

— É bem bonito – Eu disse honestamente. Uma coisa que nunca pôde se negar é do bom gosto dos meus pais – E pode ficar bom independente da Casa em que eu cair, não pode?

— Com certeza, Mestre Marcus. Veja só.

Ela puxou a varinha e deixou o malão amarelo e meu nome escrito em preto, a seguir o deixou vermelho com meu nome escrito em dourado e por fim o deixou azul escuro com o meu nome escrito em cobre.

— Mas vamos deixar assim para não criarmos confusão sem necessidade com os senhores seus pais, sim? – Disse ela, enquanto voltava o baú para o verde e prata original.

— Ficou lindo com qualquer das combinações! – Eu disse satisfeito – Sinceramente não me importo para qual Casa eu irei, desde que eu possa estudar em paz.

— Você é muito sábio para a sua idade, Mestre Marcus – Disse a Sra. Carson, orgulhosa – Agora vamos ao que interessa. Vou te ensinar a organizar seu malão e a não esquecer de nada.

Eu me coloquei ao lado da grande caixa e prestava atenção em cada palavra que ela dizia:

— Pode parecer um detalhe sem importância, mas esquecer qualquer dos componentes do seu material pode causar problemas, já que seus pais podem decidir não enviar para você. Nem todos os pais são compreensivos, não? – Concordei vigorosamente com a cabeça – Vou ensinar a você da forma que eu aprendi com uma veterana da minha Casa de Hogwarts. Pegue sua lista de material.

— A lista? A que veio junto com a carta? – Perguntei, confuso.

— Sim, isso mesmo. Vá buscá-la.

Fui até minha escrivaninha e tirei da primeira gaveta a carta que eu guardei com tanto cuidado e entreguei à minha Babá. Ela puxou a cadeira da escrivaninha e fez sinal para que eu sentasse em minha cama. Com todo cuidado do mundo ela desdobrou a carta e separou as duas partes:

— Veja que na sua lista de material tem tudo que você precisa para levar para Hogwarts e é a partir dela que você vai se orientar, entendeu?

— Então eu vou usar a própria lista de material como guia para arrumar minhas coisas?

— Isso mesmo, garoto! – Ela disse sorrindo – Certo, vamos começar.

Conferimos item por item e segundo a minha lista de materiais e em seguida a Sra. Carson foi me ajudando a organizar tudo no malão a até me ensinou um feitiço para dobrar roupas e enrolar meias. Quando terminamos, eu estava orgulhoso do meu trabalho e sorria para o baú cheio com o meu material novo e milimetricamente organizado.

— Está na hora do almoço, Jovem Mestre. – Ela disse por fim.

— Nossa, mas já? Eu nem vi o tempo passar...

— Pois sim, jovem Mestre. – Ela riu da minha reação – Vá comer e venha me encontrar na biblioteca, onde revisaremos os últimos detalhes para a sua partida de amanhã.

— Sim, Senhora Carson.

Naquele dia, almocei sozinho. Minha mãe foi até a sala de jantar para me informar rapidamente que minha tia, mãe de Lucius tivera outra de suas recaídas, que meus pais iam acompanhá-los até o St. Mungus e que eles voltariam a noite, para a rescisão da Babá. Eu nem tive tempo para responder, minhas entranhas se retorceram e eu não tinha mais apetite para continuar minha refeição. Apenas desejei do fundo do coração que meus pais se esquecessem de que hoje seria a minha despedida de minha única amiga. 

Já na biblioteca, a Sra. Carson estava sentada na poltrona de sempre, me esperando. Eu me acomodei e logo fui falando:

— Meus pais foram ao hospital com os meus tios. Minha tia está doente de novo.

— Sua tia tem a saúde muito frágil e ficar presa naquele casarão não ajuda em nada. – A Sra. Carson fez uma pausa e concluiu – Ela não dura muito mais tempo.

Eu assenti, pois sabia que essa era a verdade e que entretanto,  nenhum dos outros adultos teve coragem de dizer em voz alta.

Naquela tarde, lemos juntos "Hogwarts, uma História", usamos o mesmo exemplar que ela me deu alguns anos antes. A Sra. Carson pacientemente tirou todas as dúvidas que eu tinha e contou histórias da época que ela própria estudou em Hogwarts. Depois de tomarmos o chá na biblioteca mesmo, a Sra. Carson me ensinou a jogar Snaps Explosivo com um dos baralhos que eu ganhei de presente no meu aniversário, ela me disse que é um jogo popular em Hogwarts e que é bom para dias de muita chuva.

A noite, meus pais voltaram para casa exaustos. Jantamos em silêncio e depois meu pai deu a ordem e nos dirigimos para a sala de estar. Enquanto meu ele servia para minha mãe uma dose de licor de cranberry em um cálice diminuto e para si uma dose generosa de conhaque, eu respirei fundo e perguntei:

— Como foram as coisas no hospital?

Meus pais se entreolharam e quem respondeu foi minha mãe:

— Foi difícil, Marcus. Os Curandeiros não têm boas notícias...

— Ela já foi para a casa? – Eu perguntei, tentando escolher as palavras com o maior cuidado possível.

— Não, não foi. – Respondeu minha mãe, enquanto provava a bicadinhas seu licor – Disseram que ela terá que ser observada por alguns dias, até ficar estável de novo.

Um silêncio desconfortável caiu sobre nós. Eu encarava a lareira acesa, sentindo o calor acalentador do fogo enquanto brincava com as cerdas do tapete felpudo em que eu estava sentado e meus pais conversavam entre sussurros do outro lado da sala, enquanto se serviam, ocasionalmente, de mais bebida. Finalmente a monitoria foi quebrada com uma batida na porta.

— Entre – Ordenou meu pai.

Pedindo licença, a Sra. Carson entrou no aposento, segurando uma mala de mão e levando uma bolsa pequena a tira colo. Apesar de eu ter me posto em pé de um salto, ela não olhou para mim e se dirigiu diretamente aos meus pais:

— O quarto já está desocupado, Senhor e Senhora Malfoy. – E ainda sem olhar para mim, continuou – Estou pronta para partir.

— Certo – Começou meu pai deixando seu copo de conhaque de lado e puxando um papel dobrado da manga das vestes – Aqui está a nota do Gringotes referente ao seu salário e tudo o mais que precisava ser pago.

A Sra. Carson conferiu o documento e confirmou com a cabeça, enquanto o guardava na pequena bolsa. Ela apertou a mão dos meus pais e agradeceu por tudo e meus pais, versados nas artes da bajulação, retribuíram o agradecimento muitos floreios e palavras bonitas como se a partida dela realmente significasse alguma coisa para ele. Por fim veio até mim que ainda estava imóvel em frente a lareira. Ela parou diante de mim, deixou a mala no chão e pousou as duas mãos nos meus ombros:

— Mestre Marcus… – Ela começou – Obrigada por me dar a oportunidade de te conhecer e de fazer parte dos seus dias. Obrigada por me deixar te ensinar e permitir que eu também aprendesse com você. Você fez da minha vida mais bonita com a sua risada e do meu mundo um lugar melhor, com sua sede de conhecimento. Espero que sua estadia em Hogwarts seja tão maravilhosa quanto você é. – E quebrando o protocolo em frente aos meus pais, me puxou para um abraço, onde disse apenas para que eu ouvisse – Eu te amo, meu garoto. 

Eu a abracei de volta e não consegui conter as lágrimas. Eu soluçava enquanto agarrava sua camisa para que ela não fosse. Senti que ela acariciava meus cabelos enquanto dizia "Está tudo bem, vai ficar tudo bem", até que eu me acalmasse. Quando consegui conter os soluços, ela me soltou e deu um beijo em minha testa. Quando a olhei nos olhos, vi que também estava emocionada. Ela limpou minhas lágrimas e me disse antes de sair:

— Seja um bom garoto, entendeu?

— Sim, Senhora Carson. – Eu respondi num sorriso choroso.

Ela saiu da sala sem olhar para os meus pais e rumou para fora. Corri para a janela para vê-la sair pela porta da frente e aparatar. Em seguida, olhei para meus pais que me encaravam com o olhar cheio de censura e reprovação:

— Eu vou dormir. – Anunciei sem rodeios – Boas noites, meu pai. Minha mãe.

— Sim, vá – Meu pai disse com voz dura. – Amanhã finalmente você vai para Hogwarts.

Cheguei em meu quarto e me deixei cair na cama, ainda profundamente abalado pela partida de minha amiga. Em minha mesa de cabeceira, havia um copo de água com açúcar que eu entornei sem pensar duas vezes. Eu disse um “obrigado” em voz alta, pois sabia que os Elfos iam receber o agradecimento e me deitei para descansar.

A euforia que normalmente precede a primeira ida a Hogwarts sentida pela maioria das crianças não me afetou, pois a tristeza que eu experimentava naquele momento era maior do que qualquer outro sentimento, afinal por toda a minha vida até onze anos, tive Mary Carson quase 24 horas por dia ao meu lado. Me separar dela, sem dúvida, foi o momento mais triste de toda a minha infância.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Reviews são muito bem-vindas!

Beeeejo! ^v^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cursed" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.