A Bastarda de Lily Potter - LIVRO 2 escrita por thaisdowattpad


Capítulo 1
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Capítulo Um
O Coma de Abigail McGregor.

Passado o choque e com a calmaria recuperada após um copo de água com açúcar que Harry fez questão em buscar, Tori enfim já estava livre das muitas lágrimas que molharam seu rosto e a impediu de falar por um bom tempo. Ela agora conseguia mascarar toda a sua dor através de um sorriso leve para o irmão.

— Obrigada, Tig, já estou bem melhor. — sorriu mais ainda ao abaixar o olhar e observar a mão firme do irmão sobre a sua, passando conforto.

— Ainda assim, vou continuar aqui por perto. — Harry avisou e segurou a mão mais firme.

— Obrigada, irmãozinho. — Tori agradeceu e voltou sua atenção para o policial — Mas me conta, Akin, o que é que aconteceu? Por que a Abie está assim? — perguntou.

Ao pronunciar o nome da amiga, um novo bolo se formou na garganta dela, que ao menos àquela vez havia conseguido manter o controle em não chorar, mesmo com grande dificuldade. 

— Não se sabe muito. Tudo o que Marie contou foi que em um momento ela estava bem, no outro estava tendo convulsões seguidas de convulsões. Os médicos fizeram exames e não descobriram qual era o problema, então optaram por colocá-la em coma induzido para evitar sequelas neurológicas e ganhar algum tempo para descobrir o que está acontecendo e tratar disso. — Akin explicou, parecendo lamentar muito aquilo.

— Caramba. Hum... Akin, você me levaria até a casa dos McGregor agora? — soltou a mão do irmão e se colocou de pé.

— Você não vai descansar da viagem, Tori? Não vai comer algo? — ele ergueu uma sobrancelha.

— Eu passei horas sentada, acha mesmo que estou cansada? Por favor, Akin, por favor! — insistiu com direito a biquinho e mãos unidas em súplica — Não me faça ficar mais chateada com você, pois não foi franco comigo assim que me encontrou. Além do Harry, você é a pessoa que eu mais confio aqui, mas não foi digno de confiança hoje... — usou um pouco mais de drama.

— Tudo bem, tudo bem. E me desculpa em ter escondido algo desse nível de você. Eu quis te poupar. — acabou aceitando, mesmo ponderando em recusar.

— Mas não precisa. Esses meses longe de casa me fizeram crescer. Eu aguento qualquer coisa agora, então não precisa me poupar de nada. Promete ser franco comigo de hoje em diante? — ela estreitou os olhos enquanto encarava o adulto.

— Ok, mamãe, eu prometo! — brincou Akin, enquanto revirava os olhos e ria um pouco.

— Por que todo mundo me chama disso? — cruzou os braços.

— Nem imagina o motivo? — o policial se levantou — Vamos então? — perguntou e foi para a porta.

— Eu vou poder ir junto, não é? Você precisa de mim por perto, Lene! — Harry, que estava sentado aos pés da cama, se levantou num pulo.

— Pode ir sim, Tig, mas não se esqueça de se comportar. — Tori concordou e achou graça na disposição dele.

— Vou avisar a tia então. — e saiu correndo do pequeno e bagunçado quarto.

◾ ◾ ◾

O caminho até a casa dos McGregor foi silencioso e rápido, já que não era tão longe da Rua dos Alfeneiros apesar de ser em um bairro bem superior.

Quando o carro parou em frente a enorme mansão, Tori percebeu o irmão ter a mesma reação que ela na primeira vez em que esteve ali. Estava encantado pelo lugar, isso porque ainda nem havia conhecido por dentro.

— Acho que deveríamos ter ligado antes. Vai que todos estão no hospital e viemos a toa. — Akin comentou enquanto saía do carro.

— Se não tiver ninguém, vamos até o hospital. Tão simples! — Tori mexeu os ombros e seguiu com passos apressados até a porta principal. 

A menina mal se aproximou da campainha e a porta se abriu, revelando uma Marie um pouco abatida e apressada, carregando consigo duas bolsas.

— Tori, você voltou! — ela abriu um sorriso ao ver a menina, mesmo se este não alcançou os olhos cansados.

— Senhora Marie, quanto tempo! — a abraçou rapidamente.

— Ficou sabendo, não é? — disse Marie, ficando séria outra vez.

— O básico. O que é que aconteceu? Por que aconteceu? Os médicos já descobriram algo? — encheu a mulher de perguntas, logo se arrependendo — Desculpa. Eu só estou preocupada e queria saber se posso ajudar em alguma coisa... — levou uma mão ao pulso.

— Está tudo bem, querida, pergunte o quanto quiser. Você é especial para a Abie, assim como sinto que ela se tornou especial para você. Tem todo direito de querer saber tudo! — Marie tocou os ombros da menina e depois olhou para os outros dois ali — Vamos entrar? Eu tenho algum tempo antes do meu horário de ficar no hospital. — os convidou.

Todos assentiram e então a mulher deu espaço para que eles entrassem primeiro, entrando logo em seguida e fechando a porta. Ela colocou as bolsas perto da entrada, indo logo depois para a sala de estar não muito longe dali.

Tori a seguiu um pouco desconfortável, sendo isso visível até em sua expressão.

Quando entrou ali pela primeira vez, logo achou a casa grande demais para poucas pessoas. Mas agora sem Abie, além de espaçosa demais parecia também sem vida. Nunca pensou que fosse sentir falta dos chiliques e da "forte opinião" da menina por ali.

— Lene? — Harry a chamou baixinho e segurou a mão dela.

— Está tudo bem, Tigrinho. — sussurrou de volta e segurou firme a mão dele também.

Os dois entraram na sala logo após os dois adultos, onde se sentaram juntos no enorme sofá e ficaram em silêncio. Tori acabou soltando a mão do irmão e foi um pouco mais para perto de Marie.

— Vou começar contando o que aconteceu, desde o começo. Enfim, Abie estava bem mesmo após passar a ser solitária na escola, não conseguia mais ver verdade em nenhuma de suas antigas companheiras e preferiu agir assim. Mas ela estava bem, notas boas como sempre, passamos a ter algum tempo a mais juntas, onde todas as tarde assistíamos filmes e ela parecia feliz com essa rotina. Após sua amizade, ela se esforçou muito para mudar, Tori, você tem que ver. — Marie tocou o joelho da menina gentilmente — Mas semana passada, logo após passar um fim de semana com o pai, ela voltou um pouco desanimada apesar de tentar disfarçar. Mas eu a conheço mais do que ela mesma se conhece e logo percebi. Insistindo muito, consegui que ela me contasse o que tanto a estava aborrecendo e ela contou que o pai iria casar outra vez. Ela chorou por um tempo alegando que já não tinha muito dele, mas agora com uma nova esposa nem ao menos o teria. Mas por incrível que pareça, logo ela parou de chorar e mudou de assunto, com seu bom humor de volta, apesar de ainda sentir algo esquisito nela. Então eu sai para buscar nosso enorme balde de pipoca... — levou as mãos trêmulas até a testa.

— Ei, eu estou aqui com você, conte comigo. — Tori puxou a mão dela e a segurou, passando o máximo de apoio que conseguia.

— Obrigada, querida, você é um doce. Bom, continuando, quando eu estava na metade do caminho de volta para o quarto, a ouvi gritar por meu nome uma única vez, logo se silenciando. Eu corri o mais rápido que pude e a encontrei convulsionando no chão. Fui para perto dela e fiz os mesmos procedimentos de sempre, pois Abie tem convulsões há anos e já sabemos lidar. Mas então eu percebi que logo após parar a convulsão, outra começou. Isso nunca tinha acontecido antes. — o olhar estava perdido enquanto relembrava — Então esperei mais um intervalo e gritei pelos empregados, que me ajudaram a levá-la até o carro, enquanto uma nova convulsão começava. Chegamos ao hospital o mais rápido que conseguimos, enquanto a convulsão não parava. Os médicos a levaram para tentar resolver aquilo e demoraram um bom tempo para dar alguma notícia. Quando o médico responsável voltou, ele disse que os medicamentos convulsivos não fizeram efeito, mas que estavam esperando resultados dos exames. Enquanto isso, ela havia sido dopada para tentar poupar o corpo dela, que estava sofrendo com aquela reação inexplicável... — ela fechou os olhos e suspirou pesado, onde parecia querer chorar porém já ter gastado todo o seu estoque de lágrimas.

— Sei que o resultado não descobriu o que estava acontecendo, mas fizeram novos exames depois? — Tori encarou a adulta com curiosidade e ao mesmo tempo medo do que poderia ouvir.

— Sim, mas também não revelaram o que estava causando aquilo. Então para evitar sequelas enquanto a equipe tenta descobrir o que aconteceu, o Médico optou por Coma Induzido. A minha menina já está assim durante seis dias, morando em uma UTI e lutando pela vida... — agora Marie havia conseguido chorar.

— Não fique assim, senhora Marie, a Abie vai sair dessa. Ela logo poderá ser acordada e ficará bem. Logo vai estar de volta nessa casa, trazendo vida outra vez! — a menina foi otimista, mesmo não confiando em suas próprias palavras.

— Eu queria pensar assim, mas não consigo. — a adulta soluçou — Não deixe de rezar por ela, por favor! — pediu.

— Conte comigo! — assentiu.

— Chega dessa choradeira, pois a Abie conta com a nossa força. — Marie se levantou do sofá secando o rosto e se fazendo de forte — Alguém quer cookies com chocolate quente? Eu fiz a pouco, devem estar quentinhos ainda. — ofereceu.

— Eu adoraria! — Tori se esforçou para aquela tentativa da adulta em mudar de assunto.

— Quer ajuda, senhora Marie? — Harry se ofereceu.

— Eu ia justamente pedir ajuda para um forte cavalheiro. Obrigada, Harry! — tocou o cabelo espetado do menino e sorriu.

Os dois seguiram para fora da sala com destino a cozinha, deixando Tori e Akin esperando ali.

— Akin, você não percebeu nada nessa situação toda? — Tori sussurrou para ele.

— Óbvio. Ela ficou doente de repente, uma situação que ninguém está conseguindo descobrir a raiz do problema. Ou ela é um caso de raridade para a Medicina ou tem algo que olhos trouxas não podem perceber. — disse Akin, apoiando os braços nos joelhos.

— Magia. — sussurrou e sentiu o rosto todo ficar gelado — Akin, aquela coisa voltou. Foi só o dia de voltar pra Little Whinging se aproximar, que algo de ruim aconteceu de novo. E sabe o que é mais estranho? Acontece só onde eu estou, igual aconteceu com o Bangles e agora com a Abie. Eu devo ser maldita, porque não é possível tanta coincidência! — respirou fundo e colocou as mãos trêmulas no rosto.

— Você não é maldita. Tem alguém por trás disso, não acredito ser coincidência. Tori, eu não vou sossegar enquanto não resolver isso, não se preocupe! — tocou o ombro da menina e deu um leve aperto.

— Eu só não quero que aconteça com a Abie o mesmo que aconteceu ao Bangles, ela não merece isso. Eu preciso fazer alguma coisa. Não, não preciso, eu tenho que fazer. Isso é um problema que começou comigo, então é minha obrigação! — Tori se levantou, agitada.

— Tori, não precisa fazer nada, você é só uma criança. Deixe isso para o Ministério, porque não quero que você se machuque! — disse Akin, mais como ordem do que como pedido — Prometa, Tori. Prometa que não vai fazer nada imprudente! — se aproximou da menina, que estava calada.

— Tudo bem, eu prometo! — ergueu a mão direita para confirmar a promessa, causando um suspiro aliviado no adulto.

Ele só não poderia ter se esquecido da mão esquerda, pois essa estava nas costas tendo dois dedos cruzados para quebrar a promessa.

◾ ◾ ◾

Desde quando havia saído da casa dos McGregor, Tori se calou. Estava tão silenciosa quanto na ida, mas com a diferença de que agora o cérebro trabalhava para tentar resolver a situação de sua amiga. Infelizmente havia conhecido apenas poções bobas em seu primeiro ano, nenhuma suficiente para ajudar alguém que está tão mal.

— Akin, você ainda tem os livros de receitas da sua época de escola? — Tori perguntou de maneira que o irmão não pudesse entender.

— Livro de receitas? — Akin franziu o cenho diante daquela estranha pergunta — Ah, entendi... Eu tenho sim, mas por quê? — quis saber.

— Poderia me emprestar? Precisava conhecer umas receitas novas. — explicou, desviando o olhar além da janela.

— Em vez de brincarmos, vai ficar cozinhando? Sabe que a tia também não vai deixar você usar a cozinha dela! — Harry se intrometeu.

— Tenho que fazer isso, Harry, a escola tem aula de receitas e eu não me sai muito boa durante os meses. Agora não tenho mais tempo e nem idade para brincar! — falou para o irmão, que ficou emburrado.

— Espero que não faça nada de errado e coloque sua casa em risco. — o policial aconselhou.

— Confie em mim. — pediu e abriu um sorrisinho.

O carro parou em frente a casa dos Dursley e os dois irmãos desceram, onde Harry saiu correndo e Tori ficou para terminar a conversa com Akin.

— Acho que não preciso dos livros. Você é formado em Hogwarts e deve conhecer alguma poção que pode ajudar a Abie. Me diz que você sabe, por favor! — a menina o encarou com desespero.

— De fato eu conheço muito sobre poções, então te aconselho em não tentar fazer nada pois elas podem ter efeitos contrários em trouxas. Não quer machucar mais ainda a sua amiga, quer? — perguntou, fazendo o rosto da menina se abater — Eu ajudaria sem pensar duas vezes, mas não quero arriscar a vida de uma pessoa. Só alguém que entende muito bem de poções saberia exatamente o que fazer para não ter erros e... — foi interrompido.

— O professor Snape! — Tori se iluminou de novo e deu pulinhos de alegria.

— Tori! — a encarou com repreensão.

— Akin, por favor, ele saberia o que fazer. Você me fez prometer que não faria nada imprudente, chamar um Mestre em Poções para nos ajudar não seria algo imprudente. Por favor, me leve até a casa dele que eu faço o resto. Só não posso ficar de braços cruzados enquanto minha amiga está morrendo! — os olhos se encheram de lágrimas.

— Ele não iria aceitar. A propósito, nem sei onde Snape mora e você também não. Então isso complica as coisas para nós. — mexeu os ombros — Anda, não chore. Eu vou ver o que posso fazer a respeito. Abigail não vai morrer! — garantiu com muita certeza.

Isso fez um sorriso se abrir no rosto de Tori, que secou suas lágrimas rapidamente e surpreendeu o adulto com um abraço.

— Obrigada, Akin! — Tori agradeceu e saiu correndo para a porta de casa, enquanto acenava para ao amigo.

Quando entrou em casa, Tori fechou a porta e suspirou. Depois seguiu para a cozinha, onde sentiu o ótimo cheiro de alguma refeição sendo preparado na cozinha.

— Que cheiro delicioso de macarrão com molho! — elogiou enquanto entrava e encontrava a tia mexendo no conteúdo de uma panela no fogo — Apesar da comida de Hogwarts ser deliciosa, eu juro que senti falta da sua, tia. Tem um cheirinho de lar! — sorriu.

— Como se você comesse sempre. — Petúnia revirou os olhos.

— Mas agora vou comer sempre e à vontade, e o Harry também. Chega de comida limitada, porque não é justo só o Duda e o tio Válter ficarem com tudo. Eles estão ficando bem gorduchos por isso! — foi sincera enquanto se aproximava da pia para lavar a louça que estava ali — As regras mudaram, tia, caso ainda não tenha reparado. — avisou.

Tori mal tocou na louça, quando sentiu seu braço ser puxado com força. O copo que estava em sua mão voou para longe, caindo e quebrando em muitos pedaços.

— Você pode ser rainha naquela escola de aberrações, pode fazer o que bem entender lá, mandar em quem quiser mandar, mas em minha casa não! — a tia rosnou enquanto apertava mais ainda o braço.

— Eu só quero o básico que é meu e do Harry por direito. Não quero mais injustiças por aqui. Seja justa e eu continuo a seguir qualquer regra que a senhora quiser! — Tori respondeu enquanto retribuía o intenso olhar da tia.

— Vai ter o que eu quiser, quando eu bem entender! — rebateu Petúnia.

— Me solta, a senhora está me machucando! — tentou puxar o braço, mas sem sucesso.

— Solto quando eu bem quiser, sua insolente! — apertou mais ainda.

Petúnia mal terminou de falar, quando o macarrão no molho estourou e voou para o teto, assustando as duas parentes.

— Você. — Petúnia apontou para a sobrinha, enquanto se afastava — Foi você, sua aberração! — grunhiu.

— Eu pedi para a senhora me soltar. Agora olhe só todo esse desperdício! — disse Tori, massageando o braço que foi apertado e olhava todo o macarrão espalhado pela cozinha.

— Nossa. Que é que aconteceu aqui? — Harry adentrou a cozinha e olhou para toda a bagunça.

— Nada! — tia e sobrinha responderam ao mesmo tempo.

— Eu vou pegar os itens de limpeza, tia, e eu limpo tudo para a senhora. — a menina avisou e saiu rapidamente da cozinha.

— Lene? — o irmão a seguiu.

— Agora não, Harry! — foi um pouco seca, mesmo se sem intenção.

◾ ◾ ◾

Alguns dias depois |

Tori abriu os olhos de repente e reparou na escuridão em seu quarto. Provavelmente havia pego no sono enquanto revisava algumas matérias de Hogwarts e havia anoitecido, só não sabia dizer o quanto durou seu sono pois não conseguia se lembrar direito.

Ao erguer o corpo, ela sentiu certo incômodo por ter adormecido toda torta. Afastou para os lados os livros e escorregou para fora da cama, agora podendo ouvir algumas vozes vindo do andar inferior, revelando que poderia não estar tão tarde, afinal. Então resolveu seguir até lá para ver quem era.

Por estar conseguindo ouvir do segundo andar da casa, pensou na possibilidade em ser um típico chilique de Duda, que nunca tinha um aviso prévio, sempre vinha em qualquer hora ou lugar. Isso quase a fez recusar e voltar para cama, mas o fato de ouvir alguns risos fez com que ela seguisse mais rápido para a escada, pois os berros do primo não costumavam causar alegria.

Quando desceu o último degrau, as vozes se tornaram mais próximas, onde todos falavam ao mesmo tempo. Tori prestou atenção em cada um dos timbres, reconhecendo de cada um dos seus parentes e não conseguindo distinguir uma quinta voz. Isso a fez ir mais rápido para a porta da cozinha, onde a empurrou devagar e se revelou ali.

Estranhamente ninguém pareceu reparar em sua presença, ou estavam entretidos demais para se darem ao trabalho de desviar o olhar.

Como o imaginado, havia um visitante ali. De costas para a porta, Tori não conseguiu reconhece-lo. Talvez algum superior do trabalho de tio Válter ou algum rico da cidade que ele está tentando forçar amizade. Só sabia dizer que este não era tão velho. Ao menos não conseguia ver nenhum fio branco.

Dando a volta devagar na mesa, Tori manteve seu olhar fixo no visitante, até conseguir ver seu rosto. De fato era um desconhecido, mas ao mesmo tempo parecia terrivelmente familiar para a menina.

Ele tinha a pele clara, o rosto livre de barba e com algumas poucas sardas espalhadas entre nariz e maças do rosto. O seu terno, que parecia caro além de formal demais para um jantar simples, parecia sobrar espaço em volta do corpo magro. O cabelo preto e curto se destacava na pele clara, o que também levava toda a atenção agora para seu detalhe mais chamativo: os olhos.

Olhos azul-claros como se fossem de vidro. Olhos estes que era muito familiares para Tori.

Até que o visitante a encarou e ela se lembrou de onde vinha a semelhança.

Eles eram seus.

— Pai? — Tori sugeriu alto e ao mesmo tempo assustada.

O homem sorriu e assentiu, fazendo a menina se afastar rapidamente para trás, tentando manter o máximo de distância dele.

— Como? Você está morto! Não é possível... Você não é real, não é mesmo! — ela fechou os olhos e tentou convencer a si mesma — Você não é real. Nã... Ai! — tropeçou em alguma coisa e caiu de costas no chão.

Ao abrir os olhos novamente, reparou que estava tudo escuro outra vez. Sentiu que ainda estava no chão e agora com o edredom enrolado nas pernas. Havia caída da cama outra vez naquela mesma semana.

— Olá? — Tori chamou e se levantou, indo rapidamente até o interruptor e o ligando.

Mas havia apenas ela ali.

— De novo... — respirou fundo e tocou as têmporas, como se algo ali incomodasse.

Com a cabeça latejando pela lembrança daquele sonho que a perturbava na quinta noite seguida, Tori pegou seu casaco — que pertenceu a Duda e ficara pequeno conforme ele crescia, para os lados, mas que cabia na menina e ficava um pouco largo —, calçou seus tênis e então caminhou para fora do quarto, ainda apagando a luz e fechando a porta. 

Não poderia vacilar e atrair a atenção de algum dos parentes.

Silenciosa, a menina seguiu para a escadaria e desceu com todo o cuidado do mundo, pois sabia que o irmão estava logo abaixo e possuía um sono mais leve. Tori desceu do último degrau ainda sobre o silêncio extremo da casa, nem sinal de algum outro morador da casa acordado além dela.

Um pouco mais segura, Tori caminhou até a porta, girou a chave devagar e saiu para a rua, fechando a porta atrás de si e caminhando para a calçada.

A Rua dos Alfeneiros estava quase completamente silenciosa, exceto por algum cachorro que latia em algum lugar não muito longe dali. Nem mesmo o sol já começava a aparecer para fazer companhia para a assustada e desprotegida pré-adolescente.

Ainda assim, ela começou a caminhar sem rumo, simplesmente por esporte e em uma tentativa desesperada de se cansar. Se cansando, talvez conseguisse um sono totalmente pesado. Sonos pesados tinham tendência em se livrar de sonhos e era isso que ela tanto queria no momento.

"Pai?"

Tori ouviu sua própria voz dentro da cabeça enquanto a terrível lembrança do sonho torturava seus pensamentos. Também ouviu os risos dos parentes, que provavelmente acontecia por não saberem que estavam diante de um criminoso cruel.

Mesmo em sonho, pois felizmente Rosier estava morto, a proximidade dele em Little Whinging, com o irmão ou até mesmo com os Dursley, a abalou. Abigail sendo vítima da magia de alguém já a estava preocupando o suficiente para vir um sonho medíocre e terminar de a enlouquecer.

— Me deixe em paz, caramba! — apertou as têmporas e fechou os olhos com força.

— Menina, o que faz aqui uma hora dessa? — uma voz conhecida a surpreendeu.

Ao abrir os olhos, Tori se virou e sorriu ao reconhecer a vizinha, senhora Figg. Apesar de não ter sinal algum de chuva, ela estava com uma capa estranha e guarda-chuva. Uma pequena parte do cabelo que estava à mostra revelou que o branco havia aumentado.

— Eu tive um pesadelo e senti que não iria mais conseguir dormir, então saí de casa. Eu precisava respirar um ar puro... — Tori se explicou e abaixou o olhar.

— Não é hora para uma criança estar sozinha na rua. Venha, menina, vamos para minha casa! — Figg falou e iniciou seus passos lentos em direção a sua casa, enquanto a menina a seguiu.

Assim que entraram, Tori tirou seu casaco e pendurou num cabideiro atrás da porta. Depois ela seguiu para o sofá, onde se sentou e ficou calada, de volta aos seus devaneios perturbadores.

Percebendo isso, a anfitriã foi para perto dela e se sentou no sofá ao lado.

— Menina, o que foi que aconteceu? — perguntou, enquanto cruzava as mãos enrugadas no colo.

— Tantas coisas, senhora Figg, tantas coisas... Sabe, eu sempre reclamei da minha vida por aqui, das injustiças sofridas em casa, da falta de afeto por meus tios, da falta de amigos, de todos olharem Harry e eu como se fossem duas coisas nojentas. Mas eu nunca ia imaginar que essa vida era perfeita perto do que me esperava em Hogwarts. Apesar de todos os problemas aqui, eu podia contar com o Harry, eu tinha o meu irmãozinho sempre comigo. E agora eu já não sei o que vai ser do nosso relacionamento, porque mal consigo olhar ou falar com ele sabendo que eu estou mentindo para a pessoa que mais confia em mim! — desabafou Tori, enquanto lágrimas se formavam em seus olhos — E tem a magia no geral... Minha vida era perfeita sem algo que pudesse machucar pessoas que eu não queria machucar. Eu sabia lidar com os meus próprios problemas, sem tudo isso se intrometer em minhas coisas. Agora nem dormir direito eu posso, porque mais uma consequência da magia aparece para me perturbar! — se irritou e soltou um suspiro alto e exausto.

— Tori, não estou gostando da forma como está falando da magia. — Figg avisou e se encolheu um pouco mais no canto do sofá.

— Isso é porque não está em minha pele, aí saberia que não é exagero! — rebateu — Eu não tive paz desde quando descobri e aceitei a magia em minha vida. Tudo era uma difícil antes, mas agora é uma catástrofe completa! — novas lágrimas.

— O último que odiou magia dessa forma, não teve mais paz. Você não tem noção do quanto isso é perigoso. — a anfitriã se levantou e ficou olhando a visitante de forma estranha — Menina, me prometa que por mais que magia te irrite, você não vai tentar reprimi-la!? — se aproximou muito rápido e segurou os ombros dela com firmeza, encarando-a bem nos olhos.

— O quê? — Tori fez uma careta de dúvida — Espera, eu não estou odiando nada, eu só estou chateada porque não ando dormindo direito. Eu jamais odiaria a magia, senhora Figg, só concordo que tudo era mais fácil antes dela. Eu não preciso prometer, pois pretendo ir para meu segundo ano em Hogwarts. Mas... Do que e de quem a senhora estava falando? — quis saber.

— Nada. — Figg respondeu rapidamente e se afastou — É meio cedo, mas quer bolo de chocolate? Tem sobras de ontem. — ofereceu.

— Não, obrigada. Só queria descansar um pouquinho, posso? Talvez longe de casa minha mente fique mais limpa... — a menina pediu e se sentou direito.

— Tudo bem, então me acompanhe. — a senhora pediu, enquanto seguia para um corredor.

— Para onde? — se levantou rapidamente e correu para alcançar a dona da casa.

— Para um lugar mais confortável. Ou acha que vou te deixar toda torta no sofá? — mexeu os ombros e subiu por uma escadaria que dava acesso ao segundo andar.

— Obrigada, senhora Figg! — disse Tori, toda sorridente.

A menina seguiu a anfitriã até a mesma abrir uma porta dos dois únicos quartos da casa e entrar. Ela pode ouvir alguns miados vindos dali e estranhou, mas foi espiar mesmo assim.

Ao parar em frente a porta aberta, um sorriso se abriu nos lábios de Tori. O quarto estava repleto de gatinhos filhotes e adultos. Por isso que sempre ouviu a fascinação da mulher por gatos, mas nunca viu algum por ali. Eles tinham o próprio espaço.

— Que coisinhas mais fofas! — sorriu toda boba e entrou.

— São híbridos de Gato com Amasso. — a mulher explicou enquanto se aproximava de uma cama de solteiro presente ali e começava a arrumar lençol.

— Já ouvi falar de Amasso. Então é por isso que alguns desses tem um rabinho engraçado. — sorriu quando um deles se aproximou e se enroscou em suas pernas.

— Prontinho. Fique aqui o quanto quiser, desde que seus tios não saibam que você está aqui. Sabe que tem de fingir que não me suporta, não sabe? — Figg a encarou.

— Sim, eu sei. E não se preocupe, que sei fingir muito bem! — sorriu e foi para a cama.

A anfitriã saiu e apagou a luz, com o começo do dia sendo a única iluminação do quarto. Alguns gatinhos subiram na cama segundos depois se deitaram aos pés da visitante.

Por incrível que pareça aquilo a confortou, fazendo-a dormir um tempo depois, um sono livre de qualquer sonho repetitivo.

◾ ◾ ◾

Assim que saiu da casa de Figg, Tori agradeceu a vizinha e seguiu para um caminho oposto ao de sua casa. Passou em uma padaria e comprou alguns pães, para ter um bom motivo para ter saído de sua casa tão cedo.

De volta a Rua dos Alfeneiros, a menina ia se aproximando do número quatro quando uma buzina a fez parar e se virar. Logo de cara reconheceu a viatura de Akin e sorriu enquanto esperava o amigo sair para falar com ela.

— Bom dia, Akin! — acenou animada.

Por sorte as horas de sono na casa de Figg havia surtido efeito e seu bom humor estava de volta.

— Bom dia, Tori. — retribuiu o cumprimento, mas sem sorrir.

— O que faz aqui tão cedo? Não que sua visita seja ruim, porque não é, eu só achei estranho você vir tão tarde, já que eu estou de volta e você pode descansar, eu olho o Harry agora e tal... — a menina explicou e mexeu os ombros.

— Desculpe se vim tão cedo, é que a Marie ligou e ontem eu prometi que seria franco com você, Tori. — Akin falou, ainda estando sério.

— Sua consideração me deixa feliz, Akin, mas o que a Marie disse? A Abie está bem? Ela já foi acordada de novo e dessa vez ficou bem? Ela já... — começou a enche-lo de perguntas.

— Tori, desacelera! — pediu.

— Desculpa. — Tori abriu um sorrisinho sem graça.

— A Marie me informou que os médicos acordaram a Abigail, dessa vez ela chegou a responder algumas perguntas, mas foi muito rápido e logo sofreu uma nova convulsão. Ela voltou ao coma! — o policial resumiu o que aconteceu, fazendo o sorriso da menina murchar.

— Se ela está na mesma, por que é que me contaram? Eu quero melhora, e não mesmice! — ela se irritou e voltou a ficar chateada como antes.

— Aí é que está. Não tem mesmice, Tori. — Akin avisou, mas parecia preocupado em entrar naquele detalhe.

— Não? — a expressão de Tori se suavizou.

— Não. — negou — Na verdade, o estado dela se agravou um pouco... — lamentou.

Ao ouvir aquilo, Tori sentiu sua mão vacilar e o saco de pães caiu no chão. Mas ela nem ao menos conseguiu se mover para apanhá-lo. Estava em choque com aquela nova péssima notícia.

O tempo de Abie estava acabando. Ela sentia isso.

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Notas finais do capítulo

❝| A situação da Abie foi inspirada no primeiro episódio de Grey's Anatomy, da primeira temporada. Uma paciente chegou ao Seattle Grace tendo convulsões, que estava sofrendo há alguns dias. Ela não respondia a medicação, os exames estavam normais, porém as convulsões continuavam. O Dr. Shepherd chega a dizer "Ela é uma bomba relógio, se eu não der o diagnóstico ela vai morrer". ?“bvio que o caso da Abie é bem diferente, como já devem ter percebido ao terminar de ler esse capítulo, mas quis dar os devidos créditos das minhas inspirações mesmo assim. Então, créditos a Shonda Rhimes e equipe.

Resolvi fazer uma pesquisa sobre crises convulsivas (além de epilepsia), só pra não parecer que eu inventei caso. Caso alguém se interesse, vou colocar meu resuminho abaixo:

??”Sobre convulsões.

• Pessoas que sofrem com epilepsia já apresentam maior predisposição para sofrer um ataque convulsivo (assim como outros tipos de ataques epilépticos), especialmente quando estão sob estresse físico ou emocional.

• Por conta da sobrecarga de impulsos elétricos, o indivíduo pode ficar com danos cerebrais irreversíveis. Em alguns casos, há diminuição do fluxo de oxigênio para o cérebro, o que pode resultar em necrose de algumas partes do tecido cerebral.

• Algumas vezes, as convulsões podem inibir ou interferir em áreas cerebrais responsáveis por funções vitais, como respiração e batimentos cardíacos. O paciente pode morrer asfixiado, por falta de oxigenação no cérebro e no coração, ou por parada cardíaca.

??”Sobre coma induzido.

• O coma induzido é uma sedação profunda que é feita para ajudar a recuperação de um paciente que está muito grave.

• O coma induzido pode ser necessário quando o paciente tem um quadro de saúde muito grave ou delicado, como Crise epiléptica que não melhora com medicamentos.|❞