English Boy escrita por Kiki, Tyke


Capítulo 29
Capitulo 29




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773819/chapter/29

A chácara da minha vó era um dos meus lugares preferidos no mundo. Havia uma casa de muro vermelho centralizada no terreno, na parte da frente um jardim com poste de luz, na lateral a horta da vó, atrás da casa uma piscina, nos fundos tinha um pomar e o poço. Ainda na parte final do terreno, a cerca de arame farpado dava de frente para uma grande fazenda de café.

Meus avós compraram esse lugar a muito tempo, trocando pela casa que eles tinham na cidade. A chácara ficava cerca de 30 minutos da cidade. Não era longe, então, conseguimos visitar a vovó com frequência, principalmente depois que o vô morreu e ela ficou sozinha. Além de fazer companhia para vovó, também estávamos ali por conta do meu aniversário. A chácara sempre foi o ponto definitivo para fazer festas em família. E a festa em questão era o meu aniversário.

Eu estava sentado na mureta da enorme varanda da casa lendo um livro quando escutei o barulho de aparatação. Rapidamente pulei da minha posição e corri até o portão de ferro. Eu estava aguardando escutar aquele som a qualquer momento, então, não foi surpresa me deparar com meus amigos na estradinha de terra do lado de fora.

Seu Zé, avô de Danilo, não se deu ao trabalho de vestir roupa trouxas. O senhor idoso estava coberto por uma longa capa e cercado por três adolescentes que sorriram ao me ver.

Tirei a chave do bolso e abri o cadeado do portão. Assim que ele soltou, puxei a corrente e arrastei o portão. Dando dois passos para trás tropecei em Lê que estava na minha cola e eu nem tinha percebido.

 ― Ai! ― minha irmãzinha chiou reclamando.

Não deu tempo de me desculpar com ela, pois no instante seguinte Danilo pulou em mim dando um abraço de urso.

― Não sufoca ele, Danilo ― escutei a voz gentil do Seu Zé vindo de algum lugar. Danilo se afastou e o senhorzinho aproximou de mim estendendo a mão. ― Feliz aniversário, menino! Dezessete é uma idade muito especial.

― Obrigado! ― sorri segurando sua mão enrugadinha. ― O senhor gostaria de entrar?

― Infelizmente terei que recusar. Apenas vim deixá-los. ― e Seu Zé voltou-se divertido para o neto. ― Juízo em, rapazinho.

Danilo apenas sorriu de volta e confirmou com um aceno. Seu Zé afastou, retornando para a estradinha e desaparatou. Então pude dar atenção aos outros dois convidados, Iara e James. Ambos me abraçaram rapidamente, bem diferente de Danilo. Depois apresentei os dois a Lê.

ꟷ É você que precisou dos meus livros? ꟷ ela perguntou para James.

Me surpreendi que ela recordasse disso. Eu mesmo já havia esquecido aqueles livrinhos de palavras que eu e Danilo enfeitiçamos no começo do ano.

ꟷ É, obrigado por... me dar ꟷ James tentou responder e eu sorri tentando conter as sensações que estavam borbulhando no estômago com a presença dele. 

 Admito que senti vontade de ficar ali parado e olhando para James, completamente hipnotizado. Mas eu havia me preparado psicologicamente para esse momento e tentaria não agir feito um idiota perto dele. Além disso, Lê soltou uma gargalhada alta, rindo do sotaque de James e isso de alguma forma me fez mover. Avancei até o portão o fechando e trancando, depois guiei meus amigos até a varanda da casa.

ꟷ Oi, Danilo! Tudo bom? ꟷ minha mãe abraçou o garoto e virou para os outros. ― Oi! É um prazer conhecer ocêis. ― ela deu um abraço acalorado em Iara e James ꟷ Vem cá! Trás eles para sentar na mesa, filho. Vou pegar bolo e passar o café.

Assim, minha mãe sumiu dentro da casa. A mesa grande de madeira estava logo na nossa frente, então apenas caminhei até ela e eles vieram atrás de mim. Lê, é claro, correu na frente e puxou uma cadeira, o sinal que ela ficaria conosco o tempo todo.

Sentamos à mesa e antes que iniciássemos uma conversa, minha vó Cida saiu de dentro da casa com o cigarrinho na mão. Ela era uma senhora miúda e magrinha. Sua pele, a muito queimada pelo sol, era toda enrugada. Os cabelos cacheadinhos eram compridos, mas viviam presos em um rabo de cavalo. Ela usava uma blusinha de lã e suas tradicionais bermudas de bazar.

Vó Cida veio curvadinha até nós e tossindo. Parou ao meu lado.

ꟷ Seus amigo, fi?ꟷ ela perguntou numa voz rouca de cigarro.

ꟷ É, vó. ꟷ respondi sorrindo para ela.

ꟷ E a namorada?

Vó Cida já havia me perguntado pelo menos três vezes sobre a namorada naquele dia. Em todas as vezes eu respondi pacientemente a mesma coisa:

ꟷ Ela não pode vir.

ꟷ Uai! Caus di quê?

ꟷ O pai dela não deixou. ꟷ novamente me vi explicando o motivo.

O interessante é que em cada uma das situações repetitivas a resposta que a vovó dava em seguida eram diferentes. Dessa vez foi:

ꟷ Ah tá. Tem que respeitá, né? ꟷ minha vó passou a mão na minha cabeça e apertou minha bochecha. ꟷ A vó vai dá uma fuxicada lá na horta. Oceis fica a vontade, viu mininus?

Assim, Vó Cida foi indo pro fundo da varanda. Passei a mão pelo meu cabelo arrumando os fios que ela bagunçou. 

ꟷ Sua avó é uma fofa ꟷ Iara comentou e arrancou um sorriso meu.

Depois disso, conversei com meus amigos sobre coisas normais da escola. Até que Danilo caiu na bobeira de perguntar a Lê como era sua escola. Uma pergunta casual só para incluir a menina agitada do meu lado. Mas foi assim que Lê destampou a falar sem parar contando sobre suas aulas favoritas, amigos, intervalo, merenda e por aí vai…

Eu segurei uma risada quando notei a cara de arrependimento de Dan junto com sua tentativa de atenção. Outro rosto engraçado era o de Iara que estava perdida com o universo trouxa da minha irmã. Sobre James eu estava evitando olhá-lo diretamente, então não sei qual era sua reação no momento.

ꟷ ...por isso que queria aprender direito, igual o Luca. Mas mamãe disse que não dá para pagar as aulas para mim. Isso é tão chato! Meu professor não sai do verbo to be.

ꟷ Pede pro Lucas te ensinar ꟷ Danilo, do nada, me ofereceu para o cargo.

ꟷ Eu nã…

ꟷ Ele é bom professor ꟷ o elogio veio de James, me interrompendo, e qualquer linha de pensamento que estava surgindo na minha cabeça sumiu.

Olhei para o garoto, seu sorriso fácil estampado no rosto e seus olhos saíram de Lê pousando em mim. Mal tive tempo de processar como seu português começava soar melhor, pois eu estava numa luta interna para não parecer bobo. Não consegui formular uma resposta no final das contas. Ainda bem que Lê sempre tinha algo para dizer e me livrou do silêncio constrangedor.

ꟷ Como? Luca nunca fica em casa ꟷ eu pude perceber seu tom levemente ressentido. ꟷ Já tentei pedir pro Leo, mas ele finge que não sabe mais falar...

Lê não estava errada em acusar Leo de ser pouco prestativo. No entanto, em defesa a ele, eu tinha quase certeza que Leo realmente esqueceu tudo que nos foi ensinado no curso de inglês anos atrás. Em todo caso, Lê estava entrando em outra longa divagação quando um carro velho chegou na chácara. O barulho do escapamento se fazia ouvir a distância e foi o suficiente para interromper minha irmãzinha.

ꟷ Luana! ꟷ Lê exclamou e saiu correndo pulando a mureta da varanda na parte mais baixa.

Da lata velha desceu a minha irmã mais velha, ela tinha quase quatro anos a mais que eu. Fazia muito tempo que não a via, pelo menos um ano, pois o estágio dela a impediu de voltar pra casa nas férias do ano anterior.

Logo fiz nota de como Luana estava diferente, desde a última vez que a vi. Isso devia-se, principalmente, por causa do cabelo curto e pintado de azul. Antigamente seu cabelo costumava ser comprido, ondulado e castanho escuro. Seu atual estilo não estava feio, na verdade, devo dizer que combinava muito com sua personalidade.

ꟷ Oie! ꟷ Luana sorriu para mim quando entrou na varanda com Lê agarrada ao seu redor. ꟷ Quanto tempo, menino.

 Levantei da cadeira e Luana me deu um abraço bem forte que eu retribui na mesma intensidade.

ꟷ Luquinha do céu! Você e o Leo tão enorme ꟷ ela comentou me olhando de baixo.

Realmente era estranho isso, pois em toda minha infância Luana, por se mais velha, sempre foi maior que o resto de nós. Ela se virou para as pessoas na mesa com um sorriso amplo.

ꟷ Oi, eles são seus amigos da escola? ꟷ me perguntou, mas olhando para os outros.

Aparentemente minha mãe tinha contado para todo mundo que alguns amigos meus iriam estar na festa.

ꟷ É ꟷ confirmei.

ꟷ Vocês fazem os trem flutuar também? 

ꟷ Às vezes ꟷ  Danilo respondeu rindo com bom humor.

ꟷ E a faculdade? ꟷ desviei o assunto querendo perguntar algo sobre ela e sentindo uma emoção feliz por conversarmos depois de tanto tempo.

ꟷ Não fala disso que me gatinho ꟷ ela deu de ombros fazendo uma expressão engraçada. Eu sabia que ela estava preste a se formar e que isso não era um mar de rosas. ꟷ Cadê a mãe mais o pai?

ꟷ Lá dentro.

ꟷ Vô lá ꟷ Luana me deu um último sorriso e apertou carinhosamente meu braço antes de entrar na casa.

Voltei a sentar na cadeira. James, a minha frente, tirou o tradutor da orelha e ficou investigando ele.

ꟷ O que foi? ꟷ Iara perguntou, ela estava do lado dele.

ꟷ Não, não funciona ꟷ ele respondeu de cenho franzido e voltou-se para mim e Danilo como se buscasse a ajuda de qualquer um dos dois.

Não está traduzindo? ꟷ Danilo respondeu primeiro e esticou a mão pedindo o artefato. James o entregou.

Tem hora que não funciona direito e não entendo o que estão dizendo. ꟷ o garoto explicou enquanto Danilo e Iara examinavam o tradutor.

Quando eles confirmaram que não tinha nada de errado com o objeto  mágico, eu ri imaginando o que deve ter acontecido.

Talvez o problema seja o sotaque da minha família ꟷ eu sugeri.

Ah! Deve ser  ꟷ Danilo concordou rindo também. James já estava com o tradutor de volta na orelha. ꟷ Mano, tem hora que eu também não entendo.

ꟷ Ai, Dan! ꟷ Iara revirou os olhos pro garoto. ꟷ Não exagera, dá pra...

ꟷ LUCAS! ꟷ minha mãe gritou de algum lugar de dentro da casa.

Ela não estava nervosa nem nada. Gritar era apenas seu jeito normal de chamar algum de nós. Então eu levantei, deixando meus amigos com a Lê, e fui lá dentro ver para o que foi requisitado. Encontrei Luana escorada no armário da cozinha enquanto nossa mãe mexia algo no fogão.

Mamãe estava preparando a comida do aniversário que era basicamente duas bacias grandes. Uma de batata de festa e a outra de maionese. Por experiência eu já esperava que quando os convidados chegassem meu pai e meus tios fariam churrasco.

ꟷ Pode por cenoura na maionese, amor? ꟷ ela me perguntou quando aproximei do balcão da cozinha.

Observei rapidamente que os legumes já estavam cozidos, incluindo a cenoura. Minha mãe deve ter se lembrado tardiamente que eu costumava não gostar de cenoura quando criança.

ꟷ Pode, mãe ꟷ confirmei, mesmo que eu continuasse não gostando muito. Afinal, ela já tinha cozido o trem.

ꟷ Tá vendo ꟷ mamãe falou para Luana. 

ꟷ Uai, eu achei que ele ainda era fresco.

ꟷ Ei! ꟷ reclamei devido a óbvia calúnia a minha pessoa ꟷ Pelo menos eu sempre comi tomate.

Luana iria rebater com algo provavelmente irônico, uma vez que seu sorriso de lado estava em exibição, mas ela foi interrompida pela nossa mãe.

ꟷ É, bonitu vocêis dois que não me dão mais dor de cabeça pra comer. Agora, Luca, faz favor pra mãe e pega o liquidificador ali em cima.

Obediente, fui até o armário e me estiquei para pegar o equipamento para ela. Em seguida, fui dispensado e voltei para mesa onde encontrei meu pai explicando aos meus amigos como fazer seu famoso licor de jabuticaba.

ꟷ ...aí tem que deixá fermentar quase um mês.

Todos os três estavam bebericando a bebida em copinhos de plásticos. Eles pareciam gostar. O que não é difícil, porque aquele trem era praticamente açúcar com álcool.

ꟷ Posso tomar um pouquim? ꟷ Lê pediu com carinha de cachorro abandonado .

Meu pai espiou para ver se a mãe estava por perto e deu o licor para a menina.

ꟷ Pai! ꟷ eu o repreendi meio brincando e meio sério.

ꟷ Só um cadim ꟷ ele justificou abanando a mão no ar.

ꟷ Cachaceira! ꟷ falei para Lê e ela riu sapeca.

Sentei outra vez no meu lugar e o assunto da vez foi sobre Tião e sua família. Isso, até sermos interrompidos por Leo correndo com a Pirata, a cachorra que vigiava a chácara, ao seu encalço. A cachorra, grande e vira-lata, tinha uma mancha preta ao redor do olho. Por isso o nome autoexplicativo. Meu irmão vinha do fundo da casa onde ele tinha ido arrumar uma torneira para vovó.

ꟷ Vocês querem descer na cachoeira? ꟷ Leonardo perguntou parando diante de nós ꟷ Sai, Pirata! ꟷ ele tentou danar com a cachorra que pulava nele. Pirata fazia isso quando via alguém correndo, pois isso a deixava agitada.

ꟷ Uai! Vocês querem? ꟷ voltei aos meus amigos, perguntando.

ꟷ Bora ꟷ Danilo respondeu por todos.

Leo fez um tchauzinho com mão, cumprimentando os visitantes. Ainda disse um “Bão?”. Então, ele sumiu dentro da casa, voltou um pouco depois com Luana e usando um boné de time de futebol.

Sem demora, eu e meus amigos nos levantamos para ir à cachoeira.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Desculpa terminar assim. Esse dia ainda não acabou, é que esse cap estava ficando muito grande então decidi dividir em duas parte.
Eu fiz umas continhas aqui e acho que a fic vai ter uns 45 cap. (só para vcs se situarem em que pé estamos da história)

Bjs até o próximo em breve



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "English Boy" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.